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28/02/25

Verdade


Vivemos num mundo onde mentiras, propaganda, manipulação... tomaram conta da nossa vida.
Há mentiras que destroem pessoas e há mentiras que destroem povos. Ou que são a base para se travarem razões que levam à guerra.
A propaganda, que é a arte de vender mentiras, esforça-se por formar a opinião das pessoas e somos enganados pelas imagens censuradas e pelas palavras distorcidas e fora de contexto.
Vivemos na era da pós-verdade em que as notícias apelam às emoções e às crenças pessoais, em detrimento de factos apurados ou da verdade objectiva.
Vivemos no tempo do cancelamento e da censura de quem não concorda com o politicamente correcto ou com a ideia dominante ou a verdade oficial. *

Jordan Peterson - 12 Regras para a Vida – um antídoto para o caos, na Regra 8 - "Diga a verdade ou pelo menos não minta" - diz-nos:
“Pode usar as palavras para manipular o mundo de forma a que receba aquilo que quer. Isso é o que significa “agir politicamente”. É a especialidade dos publicitários sem escrúpulos, dos vendedores, dos anunciantes, dos burlões, dos utopistas encantados com slogans e dos psicopatas. É o tipo de discurso que as pessoas escolhem quando tentam influenciar e manipular os outros.” 
“Alguém que vive uma vida de mentiras tenta manipular a realidade através da percepção, do pensamento e da acção, de modo a que apenas o resultado desejado, e pré-definido, possa existir” (p. 270)
“Quando as mentiras crescem o suficiente, o mundo inteiro estraga-se... Mentiras corrompem o mundo. Pior, essa é a sua intenção” (p. 292)

Segundo Peterson, o processo é o seguinte: Primeiro uma pequena mentira... depois, várias pequenas mentiras para sustentar a inicial. Em seguida um pensamento distorcido... Então, de uma forma terrível, dá-se a transformação das mentiras, através de uma prática automatizada, especializada, estrutural e neurológica, no conjunto de crenças e ações inconscientes.
Depois, vem arrogância e o sentimento de superioridade ...
E, finalmente, um inferno vem depois quando as mentiras destruíram a relação entre o indivíduo, ou o Estado, e a própria realidade. As coisas desmoronam. A vida degenera. Tudo se torna frustração e desilusão. A esperança desvanece. O indivíduo enganador tenta desesperadamente o sacrifício, como Caim, mas não consegue agradar a Deus. Então o drama entra no seu ato final.
Ressentimento e vingança é o que se segue. (p. 293-294)

Fez três anos de guerra, mentiras e ódio sobre a Ucrânia ou seja de manipulação para justificar que em 24 de Fevereiro houve um país que invadiu outro e em que foram, em grande parte, arrasadas as estruturas físicas mas também a vida das pessoas. Esta invasão é "desculpada" pelas crenças territoriais, ideológicas (desnazificação); em vez de guerra, "operação militar especial", em vez de ditador, "líder"...
J. Peterson refere: “É nossa responsabilidade ver o que está diante dos olhos, com coragem e aprender com o que vemos mesmo que seja algo horrível - mesmo que esse horror prejudique a nossa consciência e nos cegue parcialmente.”

Ao invés de guerras, mentiras e ódio... “A verdade é luz na escuridão. Veja a verdade. Diga a verdade. Ou, pelo menos, não minta.” (p.295)


Até para a semana.

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* Nunca houve tanta informação como actualmente o que significa que também nunca houve tanta falta de verdade... Pouco consola que haja programas de verificação de factos (fackt- cheking) para repor a verdade porque o problema é de quem controla esses programas, eles próprios podem mentir (Quem polígrafo o polígrafo; Quem poligrafa o polígrafo-2). Não deixa de ser curioso que a rede social de D. Trump se chame "Truth", tal como um jornal famoso se  chame "Пра́вда".
Tudo, mesmo assim, é preferível a um "MInistério da Verdade" (1984, G. Orwell). Ao invés, os esforços devem incidir no desenvolvimento do sentido crítico que se faz com uma vida intelectual amadurecida, pela curiosidade e pela educação, toda a educação, formal, académica mas também informal e familiar, ou seja pela cultura.

P.S. (6-3-2025) A realidade ultrapassa a ficção e o que escrevi. Estava longe de imaginar  que, da Sala Oval, assistiríamos, em directo, ao vivo e de forma transparente, à tentativa de destruição pessoal e de um país. Falou-se de “cilada”, “tristeza”, “vergonha”, “traição”, “confronto”, “humilhação”... ou “estratégia” negocial. O que quiserem. Que  os fins nunca justificam os meios.


 


Rádio Castelo Branco





01/07/24

"Lembra-me um sonho lindo"


Fausto - 1948-2024


"É o cantautor mais carismático da música popular portuguesa. A sua obra maior canta as Viagens dos Portugueses ao longo dos séculos. As desventuras anónimas, a diáspora e o trilho da nação." (RTP - Primeira Pessoa)


Fausto: O barco vai de saída, outra vez

30/06/24

Construir



Manuel Cargaleiro (Mata dos Loureiros – Castelo Branco)

“Quando um artista encontra o seu caminho, é a grande felicidade” - Cargaleiro (Entrevista à RTP)

1927-2024

06/06/24

A maldade e o tráfico de menores


Os avanços na protecção de menores têm servido para que a vida das crianças seja protegida e os seus direitos respeitados.
Apesar da legislação, em todo o mundo, continua a existir muita violência contra as crianças que deviam estar a salvo de abusos.
As estatísticas são terríveis em relação ao tráfico de pessoas no mundo em que uma grande percentagem são crianças.* As crianças representam 22 % das vítimas de tráfico de seres humanos. A maioria das crianças vítimas deste tráfico (quase 78%) são raparigas. (O tráfico de crianças, uma grave ameaça na UE, 2021)
O tráfico de pessoas constitui uma grave violação dos Direitos Humanos fundamentais e um crime grave

Enquanto andamos entretidos a fazer discursos sobre o tráfico de pessoas no passado, há adultos e crianças que estão a ser traficados, neste momento, para as piores formas de exploração a que as pessoas podem ser sujeitas.
"Diariamente, em várias partes do mundo, existem crianças que são compradas, vendidas e transportadas para longe de suas casas. O tráfico de seres humanos é um negócio multimilionário que continua a crescer em todo o mundo, apesar das tentativas de detê-lo." (Wikipedia)

Costumam ser identificadas algumas causas que podem levar ao tráfico de crianças. Segundo o Manual de Formação para a Prevenção do Tráfico de Crianças, não existe um conhecimento profundo sobre o tráfico de crianças, mas estão identificados alguns fatores macroeconómicos e geopolíticos, como: a pobreza, falta de educação, discriminação ou desigualdade de oportunidades, atitudes culturais, aliciamento, famílias disfuncionais, conflitos políticos, leis locais inadequadas...

O Papa Francisco no "Discurso Final no Encontro sobre a Proteção de Menores na Igreja", (in Vós sois a luz do mundo”, Paulinas, 2019, ou aqui), vem acrescentar à compreensão das causas deste fenómeno, o abuso de poder e o espírito do mal:
- Os abusos sexuais contra menores são sempre a consequência duma posição de inferioridade do indefeso abusado.

- O abuso de poder está presente também nas outras formas de abuso de que são vítimas quase 85 milhões de crianças: Exploração sexual, Exploração laboral, Servidão doméstica, Mendicidade, Atividades criminosas, Escravidão, Extração de orgãos...
 
- E acrescenta o Papa Francisco, “Perante tanta crueldade, tanto sacrifício idólatra das crianças ao deus poder, dinheiro, orgulho, soberba, não são suficientes meras explicações empíricas; estas não são capazes de fazer compreender a amplitude e profundidade deste drama. A hermenêutica positivista demonstra mais uma vez a sua limitação. Dá-nos uma explicação verdadeira que nos ajudará a tomar as medidas necessárias, mas não é capaz de nos indicar o significado. E hoje precisamos de explicações e significados. As explicações ajudar-nos-ão imenso no setor operativo, mas deixar-nos-ão a meio do caminho.
Qual seria então o significado essencial deste fenómeno criminoso? Hoje tendo em conta a sua amplitude e profundidade humana, só pode ser a manifestação atual do espírito do mal. Sem ter presente esta dimensão, permaneceremos longe na verdade e sem verdadeiras soluções.” (p. 29)

O problema tende a agravar-se. Os criminosos têm agora um recurso onde podem aplicar o seu espirito maléfico: a internet, com os jogos online e as redes sociais.


Até para a semana.

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* Escrevi sobre este tema em:
Para além da covid -19, a peste emocional (8-5-2020);
Tráfico de crianças (5-2-2020);
Maldade: o caso das crianças desaparecidas (10-12-17);
"Filhos do coração" (1-2-2017);
Os direitos da criança (10-5-2014).




Rádio Castelo Branco






19/10/23

A culpada mais desejada


 

Será impossível num mundo de culturas diferentes chegar a entendimentos comuns, de forma a podermos viver e conviver, mesmo que com conflitos, sem necessidade de usar armas para nos aniquilarmos mutuamente ?
O choque de culturas "nem sempre conduz a lutas sangrentas e a guerras devastadoras, constitui também uma oportunidade para um desenvolvimento fecundo e prometedor” (p.110). Quem nos fala assim é Karl Popper (Em busca de um mundo melhor). E continua: “Creio que a nossa civilização ocidental, apesar de tudo o que, com razão se lhe possa censurar, é a mais livre, a mais justa, a mais humana, a melhor de que temos conhecimento na história da humanidade. É a melhor porque a mais predisposta ao aperfeiçoamento."(idem)
Esta predisposição acontece um pouco por todo o mundo: “Por toda a parte na terra, os homens têm criado novos universos culturais, nas artes na economia... os universos da moral, do direito, da protecção e do auxílio às crianças, aos doentes, aos incapacitados e outros necessitados." (idem)

Mas também sabemos que a liberdade, valor fundamental social e individual, tem de ser limitada pela  ordem.  E o mesmo se passa com todos ou quase todos os valores que desejaríamos ver implementados... 

Como a paz que é mais urgente do que nunca. No entanto, não se trata de uma paz passiva tem que ser uma paz de luta, como no caso de Mahatma Gandhi, lutador da não violência.

Freud escreveu Considerações sobre a guerra e sobre a morte (1915). Na primeira parte reflecte sobre a desilusão da guerra, no caso, uma desilusão sobre a primeira Guerra Mundial.
Escreve Amaral Dias: “De acordo com Freud se houvesse uma guerra esta seria ou deveria ser uma guerra civilizada, ou seja, uma guerra em que, como ele refere, se teria cuidado com as mulheres e as crianças e ambas as partes envolvidas na guerra dariam imunidade aos feridos que deveriam ser retirados da contenda, bem como ambas dariam uma particular atenção aos médicos e aos enfermeiros.” (p.138)

O que Freud idealizou foi o modelo de sociedade  civilizada...

Para Freud “a guerra traz aos homens civilizados uma desilusão que por sua vez nos introduz numa dupla questão: o Estado que deveria de ser o guardião dos padrões morais, revela a sua baixa moralidade e os indivíduos civilizados demonstram a sua brutalidade.” (p.139)

E aqui chegados vemos o que falta fazer para que as relações entre culturas passem da hipocrisia.


Apesar de todas as críticas que são feitas à Europa civilizada, muitas que,  certamente, têm razão de ser, porque será demandada por milhares de pessoas que sofrendo as vicissitudes que conhecemos, enfrentando o desconhecido, estão dispostas a todos os riscos ? 

Certamente porque podem usufruir desses valores que nos são comuns que foram construídos ao logo de muitos séculos.

A desilusão de que fala Freud vem de quando não se entendem os valores da liberdade e da paz que passam pelo conflito de ideias, de palavras e de argumentos, das lutas que valem a pena, e nunca da guerra.

 


Até para a semana.




Rádio Castelo Branco






01/06/23

Educação e Paz




Como acontece desde 1950, hoje, dia 1 de Junho, comemora-se mais um Dia Mundial da Criança. É o reconhecimento de que todas as crianças têm direito a afecto, amor e compreensão, alimentação adequada, cuidados médicos, educação, proteção contra todas as formas de exploração e a crescer num clima de Paz.

Nas últimas décadas, tem havido uma crescente valorização e protecção da infância por organizações internacionais e nacionais.
No entanto, nada disto acontece em muitos locais do planeta. Parece mesmo que, globalmente, recuamos na questão destes direitos e, pelo contrário, assistimos à violência contra as crianças a que ninguém parece ligar: já não nos indigna a fome, não nos indigna a guerra, não nos indigna os maus tratos e abusos, não nos indigna que haja crianças desaparecidas e traficadas...

Criança e guerra são incompatíveis. Como já aqui escrevi, bastavam as crianças mortas na Ucrânia para fazer parar a guerra. Bastava que fossem respeitados os lugares sagrados da educação. Mas, ao contrário, parece mesmo que há intencionalidade na destruição selectiva de escolas, maternidades e hospitais.

Entre as duas guerras mundiais, nos anos 30, Maria Montessori discursava nos fora internacionais sobre a Educação e a Paz. E dizia: “É singular que não exista uma ciência da paz.”
"A história da humanidade ensina-nos que a chamada “paz” é a adptação forçada dos vencidos a um domínio tornado estável, a perda de tudo o que amaram, o fim dos frutos do seu trabalho e das suas conquistas. O povo vencido é obrigado a dar, como se fosse ele o único culpado e o merecedor de castigo, só porque foi vencido, enquanto o vencedor arvora direitos sobre o povo que foi vítima do desastre. A tal situação, apesar de significar o fim da guerra com as armas, não pode chamar-se paz. Pelo contrário o verdadeiro flagelo moral nasce desta acomodação." (p. 14)
A paz dos mortos, a paz das ruínas e da devastação não é paz... 

Assistimos hoje a guerras em que as tecnologias mais avançadas que o homem inventou estão ao serviço dos contendores ao mesmo tempo que os objectivos são os mais violentos de que alguma vez o homem foi capaz. Nada se poupa, nada se protege. Pelo contrário, é necessário causar o maior número de danos para instaurar o medo ... 
Diz-nos Montessori: “O homem domina a natureza... mas não conseguiu dominar as suas próprias energias interiores...”

Na base de tudo está a educação que deve preparar os homens para a paz.
Montessori propõe-nos um método para educar: As crianças devem ser livres de se desenvolverem e aprenderem ao seu próprio ritmo, num ambiente estimulante e de compreensão, organizado, apropriado ao seu desenvolvimento.
Que podemos esperar do ambiente em que estão a ser educadas as crianças do futuro ? Fogem da escola para o abrigo, enquanto as bombas caem não se sabe bem onde, apesar de quem faz a guerra dizer que são de elevada precisão.
“O homem psiquicamente saudável é hoje um ser raro...”


Até para a semana.



Rádio Castelo Branco


09/02/23

Onde estás felicidade ?

 


Depois de um terrível século XX, como entender o que se passa no início deste século em que o Caos parece reinar em relação à Ordem, com as várias  catástrofes que têm vindo a acontecer: as guerras, como na Ucrânia, a pandemia  e agora o terramoto na Turquia e Síria?

 

Somos motivados com frequência, pela publicidade, pelos livros de auto-ajuda, etc., nas mais diversas circunstâncias da vida a buscar a nossa própria felicidade. Ora mesmo nas coisas mais simples da vida sabemos que assim não é. Como diz a canção de Madalena Iglésias: “Onde estás felicidade que não te encontrei?” 

Então de que felicidade se trata ? 

 

Jordan Peterson (12 regras para a vida - Um antídoto para o caosquestiona que  a felicidade seja o objetivo mais ideal para a nossa vida, pois sabemos que o sofrimento faz parte dela, e propõe entender a felicidade num sentido mais profundo.  

Constatou que as grandes histórias do passado tinham mais a ver com o desenvolvimento do carácter face ao sofrimento do que com a felicidade.

A vida tem os dois lados: Ordem e Caos.  Ordem “quando as pessoas ao nosso redor agem de acordo com normas sociais bem definidas, comportando-se de forma previsível e cooperante”; Caos é onde – ou quando - acontece algo inesperado” como a guerra ou perder o emprego...

Como organizar-se mentalmente do ponto de vista individual, familiar e social? De  facto, “as pessoas necessitam de princípios ordenadores, caso contrário, surge o caos. Precisamos de regras, padrões, valores - individualmente e em conjunto.” (p.17)

O ser humano procura a felicidade mas neste sentido mais profundo que envolve os momentos difíceis da vida, que  existem, e sabemos que podem ser  superados. Quando parece que tudo está perdido uma nova ordem pode surgir da catástrofe e do caos, sem nos deixarmos submergir no niilismo ou na ordem excessiva e rotineira da normose.


Aprendemos com as experiências vividas por nós, observadas nos outros, de que a vida é constituída por ordem e caos.

Para Jordan Peterson podemos criar a ordem a partir do caos e vice-versa. E escreve: “Nos meus momentos de maior escuridão, no submundo da alma, dou por mim frequentemente assombrado e maravilhado pela capacidade das pessoas para fazerem amizades, para amar o seus parceiros e pais e filhos, e de fazerem o que devem para manter a maquinaria do mundo a funcionar.

Acredito que este tipo de heroísmo quotidiano é a regra e não a exceção. A  maioria dos indivíduos tem de lidar com algum problema de saúde enquanto continua a ser produtivo sem se queixar. Se  alguém tem felicidade de desfrutar de um raro período de graça e saúde impecável, então, é provável que haja algum membro da família que atravesse uma crise. No  entanto, as pessoas prevalecem e continuam a fazer tarefas difíceis, que exigem esforço, para se manterem unidas à família e à  sociedade ... Merecem por isso uma admiração genuína e sentida...” (p. 92)

 

É esta Ordem que temos visto, e esperamos continuar a ver, no Caos do início deste século. 

 


Até para a semana.

 

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18/11/22

"Uma em cada cinco crianças"


A decisão de dedicar o dia 18 de novembro à proteção das crianças contra a exploração sexual e abuso sexual resulta da campanha do Conselho da Europa “One in five” associada a um estudo que revelou que uma em cada cinco crianças na Europa é vítima de alguma forma de violência ou exploração sexual. A violência sexual contra as crianças pode assumir várias formas: abuso sexual no círculo familiar ou fora dele, pornografia e prostituição infantil, corrupção e solicitação sexual ou aliciamento sexual via internet.



10/03/22

“Todos os ditadores são lineares”



Por que  surgem sempre novos ditadores ? Por que a educação não leva a evitar os erros do passado e a criar seres humanos que sejam melhores para o seu semelhante ?

A psicologia e psicopatologia do pensamento ajudam-nos a compreender o funcionamento mental destas pessoas.


Para Augusto Cury, existem três tipos de pensamento: um inconsciente, o pensamento essencial, e dois conscientes, os pensamentos dialéctico e antidialéctico.

O pensamento essencial está na base da formação do pensamento antidialéctico e, posteriormente, do dialéctico. É o primeiro resultado da leitura da memória e é fundamental na construção dos pensamentos conscientes: interpretações, compreensão, definição, conceituação. (p. 138)

A criança começa por ser perguntadora, no jardim de infância, e a pouco e pouco durante a educação escolar vai fazendo menos perguntas. No secundário isso verifica-se ainda menos e  quando chega à universidade deixa de haver perguntas. (p. 140)

O processo de socialização - educação na família e na  e na escola -  faz o seu trabalho. “Muitos pais corrigem os seus filhos sem refletirem sobre o instrumento de correção  que usam...”. 

“Tais pais desconhecem que sob o enfoque da gestão da emoção  deviam usar também o pensamento antidialético para pensar antes de reagir e olhar os seus filhos com generosidade. Pais que são excessivamente lógicos, cartesianos, enfim, dialéticos são também intolerantes e, ao corrigir os efeitos, em vez de deterem as causas de determinados comportamentos, bloqueiam a formação de mentes livres, resilientes e maduras.” (p. 132)

Ou seja, o pensamento dialético é muito importante mas “precisa do pensamento antidialético para ter profundidade; caso contrário torna-se superficial, parcial, frio.”

Por sua vez, o pensamento antidialético também precisa do pensamento dialético para ser fonte de criatividade produtiva e útil; caso contrário leva ao desenvolvimento de uma imaginação autodestrutiva.” (p.137)


“Todos os ditadores experimentaram limitações cognitivas importantes após ascender ao poder. Construíram um raciocínio simplista, parcial, tendencioso, egocêntrico. Tiveram uma racionalidade abaixo da média, mas uma voracidade pelo poder muitíssimo acima da média. Foram hábeis no uso de armas mas não na gestão da emoção. Foram mais hábeis ainda a construir fantasmas emocionais no inconsciente coletivo com discursos paranóicos. Normalmente são o assombro e a passividade do povo que alimentam os ditadores, principalmente no início do processo ditatorial quando estes são mais frágeis.” (p. 141)

Estaline, “serviu o seu próprio ego e ideias, porém não o seu povo. Como  qualquer ditador com limitações cognitivas, era paranoico, sentia-se perseguido pelos monstros que ele mesmo criava no teatro da sua mente. A necessidade neurótica de poder encarcerou o desenvolvimento saudável do pensamento antidialético. Estaline não conseguia pôr-se no lugar dos outros e pensar antes de reagir, reagia como animal irracional."  (p. 141-142)

"Hitler era um  analfabeto emocional,  desconhecia a  linguagem da compaixão, da generosidade, do altruísmo, da serenidade." (p. 143)


Diz-nos Cury: “Sem o pensamento antidialético não há gestão da emoção; sem gestão de emoção a nossa espécie ainda chorará lágrimas incontidas.” (p. 143)

Nem mais. Acontece neste momento, por todo o mundo, devido à guerra na Ucrânia.

 

 

 

Até para a semana, com muita paz.






 

25/06/21

Recuperação, resiliência e respostas sociais





Obviamente que não é possível meter assunto tão vasto no tempo disponível para esta crónica. No entanto, queria fazer uma ligeira reflexão sobre alguns aspectos sociais do plano de recuperação e resiliência. 

Apesar de tudo o que já se disse que vai da foleira designação de “bazuca” ou “já posso ir ao banco ?”, até à constatação séria da necessidade de ajuda externa para ultrapassar a crise em que vivemos, ou às criticas que possamos fazer, o plano aí está como  um facto consumado.

 

O Plano contém projectos interessantes, como, por exemplo, os projectos sobre as respostas inovadoras para idosos ou sobre acessibilidades ... 

Vão ser gastos 583 milhoes de euros * em reformas e investimentos em respostas sociais.

É verdade que “Portugal, à semelhança de outros países europeus, tem vindo a confrontar-se com desafios exigentes ao nível demográfico, socioeconómico e ambiental. Alguns destes desafios foram reforçados e ampliados pela situação de pandemia vivida no último ano. “

Porém, o que se passa em Portugal parece bastante mais gravoso do que na maioria dos países europeus por nos situarmos abaixo da média nos vários parâmetros que possamos analisar.

É, por isso, uma necessidade, como diz o Plano,“reforçar, adaptar, requalificar e inovar as respostas sociais drigidas às crianças, pessoas idosas, pessoas com deficiência ou incapacidade  e famílias”.

 

Mas não nos podemos esquecer de que, se não houvesse a crise sanitária covid19, estas reformas e investimentos seriam igualmente necessários...

Há projectos que nos parecem familiares e que é necessário pôr a funcionar eficazmente e dar continuidade. Sem dúvida, é necessário haver Reformas  nos  Equipamentos e Respostas Sociais, como por exemplo, nos cuidados prestados nas Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), no licenciamento ou regularização das estruturas que estão a operar fora do sistema, como ficou bem evidente com a pandemia... 

Mas, não sabemos muito bem o que sejam “respostas sociais inovadoras como são as respostas de Habitação Colaborativa, ou um modelo de apoio domiciliário inovador, ou um projecto designado Radar social, mas, pelo menos no campo  das intenções, serão certamente melhores respostas do que as actualmente existentes.

Fazem falta creches  mas também é muito importante “adaptar as respostas às necessidades das famílias e das realidades laborais que têm horários e contextos novos que importa acompanhar”.

É necessário reforçar as respostas destinadas a pessoas com deficiência ou incapacidade.

Além destas reformas, vão ser feitos Investimentos numa Nova Geração de Equipamentos e Respostas Sociais (417 M€) tendo em vista respostas sociais de proximidade e que promovam o máximo de autonomia das pessoas.... 

Ou em Acessibilidades 360º (45 M€) nos edifícios públicos, espaços públicos e habitações (cerca de 10,7% da população (dos 15 aos 64 anos) manifesta ter muita dificuldade ou não conseguir realizar pelo menos uma das seis atividades básicas de vida).


Sem dúvida, está aqui todo um programa de governo para uma década. Vale a pena acreditar que estes mais de 500 milhoes de euros* vão ser bem empregues. De uma vez por todas era bom que fosse verdade. 

Era bom que houvesse reformas estruturais. 

As pessoas mais vulneráveis merecem que não as desiludam mais uma vez.



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* Na versão de 22-4-2021 foi alterada para 833 milhões de euros. 















05/05/21

Manifestações violentas



As manifestações do 1º de Maio em Bruxelas, Paris e um pouco por todo o lado,  apesar do controle dos respectivos aparelhos político-sindicais dos partidos, acabam quase sempre na maior das confusões entre várias facções  e destas com as forças da ordem ...

Estas manifestações, em regimes democráticos, deviam ter um clima reivindicativo um clima de alegria, paz, confraternização entre todos os trabalhadores ... ao contrário são marcadas pela violência entre manifestantes, contra a propriedade privada mas também a pública, violência contra a polícia ...


Movimentos e grupos sociais velhos ou novos, radicais, mas com ideias feitas, dos velhos anarquistas aos novos grupos de “acção directa”, facciosos das novas formas de violência climática, populistas, patrulheiros da linguagem e dos costumes, dos hábitos alimentares, envolvem-se nesta intervenção violenta. 

Claro que há no meio desta gente pessoas bem intencionadas que se vêem envolvidas nesta gelatina  de ideias feitas, indisciplinada, sem regras, onde vale tudo, que se sente abrangida pela impunidade já que o poder, mesmo democrático, tem receio  de enfrentar estas ideias “taxativas”, como se dizia em Maio de 68: “é proibido proibir”.


José Ortega e Gasset, em 1930, há mais de 90 anos, fez a compreensão deste fenómeno e deu a resposta à questão. Escreve:

 .”.. creio que as inovações políticas dos mais recentes anos não significam outra coisa senão o império político das massas. A velha democracia vivia temperada por uma dose abundante de liberalismo e de entusiasmo pela lei. 

 ... Democracia e Lei, convivência legal, eram sinónimos. Hoje assistimos ao triunfo de uma hiperdemocracia em que a massa actua diretamente sem lei, por meio de pressões materiais, impondo suas aspirações e seus gostos. “

O cap. VIII  da Rebelião das massas * tem justamente o título: "Por que as massas intervêm em tudo, e por que só intervêm violentamente".

É assim porque o “homem médio” tem "ideias" taxativas sobre quanto acontece e deve acontecer no universo. Por isso perdeu o uso da audição. Só se ouve a si próprio e é cego e surdo para a opinião dos outros.

Estas “ideias" taxativas não significam exactamente cultura. Refere Gasset: “O que digo é que não há cultura onde não há normas a que se possa  recorrer. Não há cultura onde não há princípios de legalidade civil a que apelar. “...

“Quando faltam todas essas coisas, não há cultura; há, no sentido mais estrito da palavra, barbárie. E isto é, não tenhamos ilusões, o que começa a haver na Europa sob a progressiva rebelião das massas." (p.136-137)


Donde vem tudo isto?

Gasset refere: “aqueles grupos sindicalistas e realistas franceses por volta de 1900, inventores da maneira e da palavra "ação directa". (p. 139)

Estes grupos de "acção directa", de facto, estão em tudo, são violentes e não se pode questionar as “ideias” do homem-massa seja sobre o que for:  o clima, a história, o racismo, o colonialismo, a escravatura, as políticas, os comportamentos... 


Até para a semana.

 

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 * Há uma edição brasileira em formato digital - A rebelião das massas.










21/09/20

O segundo passo

Bem-vindos a mais um ano em que espero estar convosco aqui nesta rádio (RACAB), à quinta-feira, com a minha opinião sobre os acontecimentos do quotidiano que tento compreender principalmente do ponto de vista psicológico.

 

Estamos em tempo de grandes mudanças como de resto aconteceu em outras épocas. A vida é feita de mudança e a sobrevivência depende da nossa capacidade de adaptação.

A pandemia veio destapar aquilo que já se sabia como resultado principalmente da política de cativações dos governos Costa /Centeno.

Já todos sabíamos que não era possível responder adequadamente a qualquer crise quando os serviços e equipamentos já eram  deficientes em recursos materiais e humanos com relevo para o sistema de saúde, educação e segurança social...

Acima de tudo, revelou a incapacidade de organização e gestão dos recursos: as listas de espera  cada vez maiores, agendamentos excessivamente burocráticos, teletrabalho nem sempre justificável ...

Por exemplo, sabíamos que no sector da saúde já era complicado haver respostas atempadas,  num contexto de  pandemia covid 19 tudo ficou pior. 

É verdade que os médicos, enfermeiros e restante pessoal fazem o que podem e são merecedores do nosso respeito pelo profissionalismo e humanismo que têm demonstrado.

Mas ficou pior porque a afluência à urgência, tal como o número de intrervenções diminuíram drasticamente. 

Não por serem falsas urgências mas pelo receio dos utentes e pela falta de resposta dos serviços.

Aliás, a questão das falsas urgências é  uma falsa questão.

 

A medicina e a psicologia lidam com o sofrimento do ser humano. O  sofrimento é contra a vida,  tira  o prazer da vida, e, por isso, deve ser eliminado imediatamente.

Bom, mas o sofrimento existe e,  ao contrário do que muitas vezes se diz, não é uma provação de Deus ou um castigo de Deus.

Infelizmente, muito desse sofrimento deve-se ao impasse em que vivemos ou às opções erradas que tomamos. Em vez de nos focarmos na descoberta da cura ou da vacina para a covid,  anda-se numa competição desenfreada para se saber quem é o primeiro a tê-la, quem deterá as patentes e, com isso, fará negócios de muitos milhões.

 

O homem existe para ser feliz, o sofrimento deve ser passageiro e as respostas dos que governam têm que ser rápidas para evitar esse sofrimento.

Temos duas maneiras de reagir ao nosso sofrimento e ao que se passa à nossa volta: aceitação ou resignação.

O estado de resignação significa que não há nada a fazer, a não ser ter um comportamento fatalista. A resignação leva à inacção e o organismo não reage à agressão que sofre.

Pelo contrário, pela aceitação “o doente aceita a realidade e desde logo estabelece a estratégia para combater o mal, o invasor, o problema, a desgraça."

"Quando o indivíduo não aceita a realidade entra em processo de revolta, de raiva, de ódio, de mágoa, o que são condições mentais e físicas  altamente maléficas  e extremamente prejudiciais à cura."

"A diferença gritante entre aceitação e resignação está... no passo seguinte. O resignado não tem um segundo passo. Resignou-se, parou. Aquele que aceita a realidade como ponto de partida, necessariamente dará o segundo passo e os seguintes..." (p.21)*

 

Até para a semana.


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* Lauro Trevisan, Jesus - o grande psicanalista, Dinalivro.








 



18/03/20

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso."

O 3 de Maio de 1808 em Madri, Francisco de Goya
"Os fuzilamentos de três de Maio", de Francisco de Goya, 1814, Museu do Prado, Madrid.

História das Artes


“Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso."
É assim que começa o poema de Jorge de Sena. Um espantoso poema sobre a crueldade de alguns homens  e também sobre a humanidade de outros.
É um poema sobre Goya e a sua pintura onde mostrou compaixão por aqueles  que, em Espanha,  foram fuzilados pelo exército de Napoleão quando das invasões francesas e da guerra peninsular.
A revolução francesa trouxe à sociedade  os princípios  de "liberté, égalité, fraternité"...  mas será difícil encontrar um tempo que negasse de forma tão eloquente este slogan. Este tempo produziu  Napoleão, que primeiro se mostrou a favor do rei mas depois a favor do jacobinismo e da revolução. Um tempo que trouxe logo a seguir a opressão de outros povos para além do próprio povo, como se pode concluir da aventureira invasão da Rússia em que dos 600 000 soldados que a fizeram, regressaram apenas 30 000.
A  guerra peninsular com todas as atrocidades cometidas em Espanha e em Portugal, como aconteceu, por exemplo, em Castelo Branco e na Beira Baixa*,  produziu esta crueldade de que "fala" a pintura de Francisco de Goya ou a poesia de Jorge de Sena mas ao mesmo tempo, a compaixão para com os inocentes e os que não aceitam o invasor.
Os exércitos de Napoleão ocuparam a Espanha, mas no dia 2 de maio de 1808 os cidadãos de Madrid levantaram-se contra os franceses. 
Este levantamento levou o  exército francês a executar uma terrível vingança, matando os que se revoltaram e aqueles que nada tinham feito.
Foi este acontecimento que Goya, em 1814, homenageou no quadro "Os fuzilamentos de 3 de Maio", uma forma de denunciar os comportamentos desumanos, impiedosos, injustos e terríveis praticados pelos franceses.

De vez em quando surge na história um ditador que acha que pode construir impérios à custa da ocupação de outros países e da crueldade para com as pessoas.
Todos os  impérios têm pés de barro e acabam por desaparecer mas parece  que nada aprendemos  com as lições da história. 
Nos nossos dias, como em tantos outros momentos da história, podemos dizer "Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso".
A imprevidência dos governos, a imprudência e o desleixo das pessoas, já é quadro suficientemente assustador, como o que vivemos actualmente a nível da saúde mundial, para perturbar a nossa felicidade.
Isto bastava para terminar  com devaneios imperiais, domínios geográficos e territoriais, as guerras, a imensidão de refugiados, o tráfico de homens, mulheres e crianças, o tráfico de armas, o tráfico de drogas... 
Pelo contrário: Nem liberdade, nem igualdade e muito menos fraternidade.

Mas, apesar destes horrores, talvez haja  esperança como Jorge de Sena nos dá a entender:
“E, por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.”





CARTA A MEUS FILHOS
Sobre os fuzilamentos de Goya

Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente â secular justiça,
para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de urna classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de té-la.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam «amanhã».
E, por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.

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