31/01/13

Os nossos heróis



Uma das melhores formas de aprendizagem é a aprendizagem por observação de um modelo. Esta forma de aprendizagem é também designada como: modelação, imitação, identificação, aprendizagem vicariante, aprendizagem por observação ou desempenho de papel.
Permite aprender rapidamente comportamentos complexos, que seriam adquiridos de forma mais lenta por outros processos.
É fácil verificar-se em exemplos do quotidiano: expressões brasileiras que entram no vocabulário devido ao fenómeno das telenovelas, os nomes dos filhos relacionados com vedetas do futebol, do cinema, das telenovelas, etc...
A repetição de frases que ouvimos, de comportamentos que vemos nos filmes, a que as crianças são particularmente sensíveis desde muito cedo …
Podemos ver este tipo de aprendizagem na cultura de um povo: os heróis, os mitos, as lendas
E sempre assim parece ter sido. Para os gregos, o paradigma era o modelo a ser seguido, eram os heróis que deviam ser imitados. 
O mesmo se passa com a Igreja que tem os santos como modelos a imitar.
A ênfase é posta na aprendizagem por observação dos comportamentos dos outros e das respectivas consequências (aprendizagem vicariante) que vai, posteriormente, originar uma modelação pelo próprio indivíduo.
O meio influencia o comportamento, mas além disso, o ambiente, o meio social é em parte fruto da acção do sujeito que pode modificar o seu meio social e as circunstâncias.
A investigação psicológica veio relevar o conhecimento de que as práticas de modelação pelos pais influenciam o desenvolvimento das crianças, levam à aquisição e ao desenvolvimento dos processos de linguagem e pensamento e que os princípios do auto-reforço podem ser usados para tratar vários problemas psicológicos (Bandura).
Esta aprendizagem tem em conta a motivação e a capacidade de antecipação. O individuo, como resultado de experiências prévias, desenvolve expectativas contingentes ao seu comportamento sendo este em grande medida regulado por consequências antecipadas.
Através de representações simbólicas de consequências reais, as situações futuras podem ser transformadas em motivadores que influenciam o comportamento actual. 
Como diz o povo “nas costas dos outros …vemos as nossas” e agimos de acordo com isso.
Mas quais são os nossos modelos actuais? Quem são os heróis que nós próprios e os jovens têm para imitar?
Temos heróis com pés de barro: o doping no ciclismo e no atletismo (Lance Armstrong ou Marion Jones), a conflitualidade no desporto, os políticos ditadores e corruptos, as fofocas da vida do espectáculo…
Há modelos reais e míticos. Há modelos positivos e negativos. A dificuldade está em sabermos seleccionar estes modelos e o que é estranho é que ainda há jovens, e não só, a quererem imitar modelos negativos. A cultura de massas facilita a divulgação destes protótipos negativos. Há sites na internet, jogos de computador, que divulgam este tipo de idiotas e alguns seguem estes modelos negativos. 
Não deixa de ser sugestivo que quando perguntamos aos adolescentes do 9º ano “Quem seria o seu modelo na vida futura ou quem admira ?”, em 50 respostas, a grande maioria refere os pais ou os avós ou outro familiar.
Em metade das respostas, aparecem também outros modelos, do desporto à música, mas apenas alguns conseguem mais do que uma escolha: Cristiano Ronaldo, com 4 preferências, Nelson Mandela com 3, Barack Obama com 3 e Rondo, do Celtics, com 2 escolhas.
É por isso que devemos ser optimistas em relação às gerações mais novas. Pais e avós são os seus heróis e podem ficar orgulhosos destas preferências. Mas também ficam com mais responsabilidade em serem modelos positivos dos filhos e netos.

23/01/13

Gratidão


                      

A gratidão é uma apreciação da excelência de outra pessoa ao nível do carácter moral. Como emoção, é uma sensação de maravilha, agradecimento, apreciação da própria vida.  ( Seligman)
A investigação psicológica tem vindo a mostrar que os sentimentos de gratidão podem ser benéficos para o bem estar emocional do individuo. A gratidão melhora a saúde física e emocional, e pode fortalecer os relacionamentos e as comunidades. (Emmons)
A gratidão é uma das vinte e quatro forças do carácter e constituem as seis virtudes que existem em todas as religiões e culturas: sabedoria e conhecimento, coragem, amor e humanidade, justiça, temperança espiritualidade e transcendência (Seligman).
A gratidão integra a virtude da transcendência, ou seja, as forças emocionais que vão para além de si para o ligar a algo de maior e mais permanente: a outras pessoas, ao futuro, à evolução, ao divino ou ao universo.
Como sabemos, falar de virtudes nos tempos que correm não está na ordem do dia. Só que as investigações no campo da psicologia mostram a importância desta força na nossa vida.
As forças são traços de carácter, suficientemente organizadas para persistirem nas nossas atitudes e comportamentos mas sem serem necessariamente definitivas.
As forças apresentam outras características:
São valorizadas por si próprias.
São estados que desejamos e que não requerem justificação.
As minhas forças não diminuem a forças dos outros, pelo contrário todos ficam a ganhar.
A cultura apoia as forças porque delas falam as histórias, os rituais, os modelos, as parábolas…
Os modelos e os protótipos ilustram estas forças.
Pode haver jovens prodígios que as manifestam muito cedo.
E, finalmente, são ubíquas, isto é, são valorizadas praticamente em todas as culturas do mundo.
Nestas coisas da psicologia da gratidão, lembramo-nos de João dos Santos que escreveu n' O Jornal da Educação (nº 18, Dezembro de 1978), sobre o assunto.
João dos Santos conta a história de uma menina que passou por um litígio de divórcio em que um pai e um avô pretendiam tirar uma filha à mãe quando saíssem do seu gabinete.
Embora pudessem ter razões muito válidas para agiram daquela maneira, achou que não deviam entregar a criança ao pai contra a vontade da mãe. Mas que devia ser a justiça a tomar a decisão.
Entrou nesse processo o juiz Armando Leandro que muitos de nós conhecemos e a quem as crianças deste país muito devem pela defesa dos seus direitos, tal como aconteceu àquela menina, em que foram tidos em conta para além dos interesses legais dos pais, “o interesse vital da criança indefesa ameaçada na sua vida emocional” .
A história termina quando aquela menina quis falar a João dos Santos. Na sala de espera, a menina, não angustiada e aliviada, tirou do seu saco uma bela maça reineta e estendeu-a a João dos Santos que aceitou com entusiasmo aquela dádiva.
Foi desta forma que João dos Santos se achou honrado com aquela distinção e condecorado com a ordem da maça reineta.
A gratidão era uma das forças desta menina. Ela é fundamental no equilíbrio da nossa personalidade e também importante numa sociedade equilibrada.
Com frequência ouvimos falar da dispensa de funcionários, de que há funcionários a mais e que, pelos vistos, são descartáveis, de trabalhadores que vão para o desemprego ou para a reforma com “apagada e vil tristeza” .
Mesmo que tivesse que ser assim, a gratidão pelo trabalho prestado durante várias décadas, devia fazer parte da conduta das empresas e instituições.
A gratidão, se calhar, não se devia manifestar apenas no dez de Junho.
Mas não esperemos que a sociedade mude de um dia para o outro. Podemos esperar a gratidão na cumplicidade do sorriso de um aluno ou quando, na sua atitude genuína, nos diz “obrigado pela ajuda”. Nessa altura, podemos sentir-nos também condecorados como cavaleiros da ordem da maçã reineta. 

18/01/13

Não há palmadas pedagógicas



De vez em quando regressam os defensores das punições físicas e dos castigos às crianças. Desde logo é preciso distinguir castigos corporais de castigos não-corporais, é preciso sabermos que os castigos corporais são muito mais frequentes do que os não-corporais  e também que até inventamos, para     punição física, expressões como “palmadas pedagógicas” e outros mimos que de pedagogia nada têm.
Desta vez a ideia de que há palmadas pedagógicas veio do lado da justiça. É óbvio que este assunto tem vertentes  psicológicas,  morais, éticas  e jurídicas ...
Há alguns países, como a Suécia, onde foram promulgadas leis proibindo a aplicação de punições corporais aos filhos.
Podemos dizer que é discutível a necessidade desta legislação ou que até vai longe de mais.
Em geral, a ideia de que a punição corporal pode fazer parte das práticas educativas parentais, sem qualquer problema, parece-me de rejeitar.
A melhor forma de educar ainda está por descobrir, se é que há uma melhor forma de educar. No entanto, sabemos que os resultados de pesquisas de várias ciências e, principalmente, da psicologia não nos indicam que essa seja a melhor ou pelo menos uma boa forma de educar.
Não queremos ver algumas evidências como, por exemplo, não queremos perceber que os resultados da punição física são de duvidoso resultado. Isto é, a punição pode ter eficácia quando se pretende por fim a um comportamento desajustado mas não podemos ignorar o que lhe está associado em termos comportamentais e emocionais. Os resultados, quando os há, são conseguidos com base no medo e em princípios éticos pouco desenvolvidos.
Mas os resultados da punição física também reforçam o comportamento de quem pune aumentando a probabilidade de se tornar o “método” mais usado
Por outro lado, esta actuação não nos deixa ver que as crianças, os alunos, podem aprender de outra maneira que não através da punição física que deixa marcas psicológicas profundas como raiva, revolta, culpa, vergonha, medo e ansiedade quando podíamos aplicar a via das emoções positivas.
A coisa fica mais complicada quando falamos de grupo etário. Todas as crianças podem ficar sujeitas a esta prática ou apenas em determinadas idades? Por exemplo, faz algum sentido punir fisicamente crianças muito pequenas? Em nome de que princípios cívicos, educativos, psicológicos ou éticos?
Também sabemos que quanto mais frequentes forem as palmadas, mais as crianças ficam magoadas física e psicologicamente e os resultados tornam-se irrelevantes. O povo tem razão quando diz que as crianças assim batidas se tornam “malhadiças”. Nada que a investigação de Seligman sobre o fracasso aprendido não tivesse já demonstrado.
E depois como é que podemos distinguir o que é uma simples palmada de um mau-trato ? Onde acaba uma e começa o outro ?
A punição física não é um método pedagógico. Não faz sentido fazer sofrer uma criança quando temos tantas possibilidades de educar.

16/01/13

Aldeias há muitas



Aldeias há muitas... para além das "históricas". O projecto das aldeias históricas é importante, principalmente para as próprias. O que acontece é que as outras não deixam de ter muita(s) história(s) para viajar.

10/01/13

A paz depende de mim




Mudamos de ano desejando aos outros e, certamente, a nós próprios um bom ano, melhor do que o ano que passou.
Desejámos paz para todos, para a humanidade, mesmo para aqueles que não nos trataram muito bem.
Mas não é assim tão fácil desejarmos paz a nós próprios e, acima de tudo, procurar, activamente, essa paz para nós próprios.
É muito mais fácil achar bodes expiatórios para a nossa falta de paz. É muito fácil esperarmos que a paz aconteça um dia quando tivermos uma sociedade diferente.
Como só vai haver essa sociedade diferente se começar eu a mudá-la, a minha proposta de hoje é desejarmos paz a nós próprios.
Na consulta psicológica encontramos essa falta de paz em muitas das nossas crianças.
Sei que a falta de paz nasce muitas vezes nas famílias onde ninguém ouve ninguém, onde se culpabilizam os filhos pelos insucessos próprios e da própria família. São famílias também elas doentes. As famílias de que os adolescentes sentem raiva que se transforma em violência contra si próprios.
Raiva da mãe e do pai que não os protegeram, que deram preferência a outros irmãos ou outros familiares.
Raiva que se vira contra eles, contra si próprios e cujo sintoma aparece muitas vezes na agressão ao próprio corpo (cutting).
Perante esta atitude preocupante, é necessário dar alguma protecção a estes adolescentes. Esta protecção começa na atitude de os ouvir. Eles necessitam falar da angústia, da raiva que têm dentro de si e que se vira conta si próprios.
Depois é necessário torná-los conscientes dos seus próprios direitos e saberem que o que lhes acontece depende da justiça, dos Tribunais e das Comissões de Protecção e não de qualquer arbitrariedade.
Dar-lhes perspectivas de futuro, traçando os objectivos principais para a sua vida, o seu projecto de vida, sendo uma dessas tarefas principais estudar com sucesso.
Embora seja necessário procurar ajuda especializada, podemos sugerir algumas estratégias para lidar com estas situações:
A mais importante é ajudá-los a expressar a dor e as emoções, como raiva, tristeza e desvalorização...
Ajudá-los a reduzir a impulsividade, ser capaz de esperar pode ajudar a não passarem ao acto. Podemos conseguir esse objectivo através de actividades de ocupação e distracção que possam fazer impedir que tenham acções contra si próprios.
Podemos ajudá-los a encontrar comportamentos substitutivos:
Praticar uma actividade física ou desportiva e actividades relaxantes como ouvir música, fazer caminhadas, passeios…
Ter um animal de estimação e brincar com ele
Dedicar-se às artes visuais, à musica e escrever sobre a sua mágoa, raiva ou dor.
Desenvolver actividades manuais e tecnológicas, tradicionais ou não.
Em geral, as actividades desportivas e culturais são excelentes para proporcionar alívio, correr menos riscos e mesmo impedir a autoagressão.
Os pais e educadores têm particular responsabilidade em manter o diálogo com estes adolescentes em sofrimento, e em aliviar a culpabilização que, de alguma forma, eles sentem em relação aos problemas familiares.
A paz está dentro de cada um de nós, na nossa mente e nas relações que somos capazes de construir com os outros.

02/01/13

Impostores


Tartufo ou o impostor é uma comédia de Molière (primeira encenação de 1664). Tartufo vai a pouco e pouco convencendo o seu anfitrião da sua pureza de sentimentos e boas intenções. Orgon, o dono da casa, fascinado pelas suas aparentes virtudes, oferece-lhe a filha em casamento e outorga-lhe todos os seus bens.
Mas o comportamento de Tartufo faz com que atraia sobre si a desconfiança e reacção dos vários elementos da família: é detestado, desprezado e considerado oportunista e impostor.

Ao longo da história têm aparecido muitos impostores que se fazem passar por quem não são. Alguns deles correspondem a desejos das próprias populações em determinados momentos históricos.
Foi assim no caso de D. Sebastião, o desejado, que de vez em quando aparecia, durante a ocupação espanhola, para tentar apoderar-se do trono. Os espanhóis não gostavam da “brincadeira” e os impostores sofriam pesadas consequências.
A história dá conta de quatro falsos D. Sebastião. O primeiro apareceu em Penamacor, em 1584, dizendo que tinha participado na batalha de Alcácer Quibir. Mas a fama  durou pouco e acabou condenado às galés.
O segundo falso desejado, Mateus Álvares, surgiu no ano seguinte e ficou conhecido como o Rei da Ericeira.  Este chegou a tentar entrar em Lisboa. Mas acabou enforcado. 
Há impostores com fama mundial como foi o caso de Frank William Abagnale Jr, (1948). Sobre ele foi realizado o filme “Apanha-me se puderes”.
Começou a “carreira” nos anos 60, depositando cheques da sua própria conta, que foram aceites pelo banco. Emitiu cheques sem fundos de mais de dois milhões e meio de dólares em 26 países.
Em 5 anos teve oito identidades, entre elas, fingiu ser piloto da Pan Am, pediatra num hospital na Geórgia, arranjou diploma falso de advogado de Harvard e assim passou no exame para ser o desembargador geral do estado da Louisiana.

Temos, no nosso quotidiano, quem se faça passar por médico, por padre, etc. e, recentemente, tivemos um comentador que se dizia funcionário da ONU.

Patrick Avrane, psicanalista, autor do livro “Les imposteurs, tromper son monde, se tromper soi-même (Seuil, 2009), em entrevista à revista “le cercle psy” (nº 6), distingue os tartufos, os mistificadores, os usurpadores e acrescenta ainda os mitómanos e os falsos “self”.
O tartufo ou hipócrita representa a impostura mais frequente do mundo. Há sempre, em qualquer momento da nossa vida, alguma hipocrisia.
O tartufo não se faz passar pelo outro mas quer fazer crer que tem sentimentos que não são os seus, não muda de identidade mas dá falsas aparências.
O mistificador, não muda de identidade, não esconde os sentimentos mas engana sobre o que faz.
O usurpador toma a identidade e as qualidades do outro.
Distingue ainda o mitómano e o falso "self" que se engana em primeiro lugar a si próprio.
Uma característica do impostor, mesmo desmascarado, é continuar a sua trajectória. A impostura mantém-se porque o impostor não é capaz de lhe pôr termo.
A impostura é um problema de identidade. O impostor tenta reparar uma falha profunda dessa identidade... Tem necessidade de assumir a identidade de outro, de fazer prova de sentimentos que não são os seus mas que ele sabe que esperam dele.

A impostura é também um assunto de actualidade. O impostor aparece quando há um assunto da actualidade na sociedade como é o caso das dificuldades que o país atravessa.
Se aparece alguém com uma "versão fundamentada" na própria autoridade das nações unidas, que melhor música para os nossos ouvidos do que essa, principalmente se se for comentador de televisão ?