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11/12/24

Um hino à alegria


Gostava de terminar este ano a falar da alegria. Essa emoção extraordinária que nos enche de satisfação, plenitude e confiança, com vontade de seguir em frente, de realizar novos projectos e, se necessário, de mudarmos para sermos melhores pessoas. 
Mesmo quando os motivos que vêm da sociedade e as desavenças exteriores magoam e deixam sobressair a tristeza em que tantas pessoas vivem actualmente. 
Ainda assim, é tempo de Hino à alegria, o 4° andamento da 9ª Sinfonia de Beethoven que foi inspirado num poema de Friedrich Schiller (1785). (1)
De facto, a poesia e a música são a melhor forma de expressão das nossas emoções em especial a emoção da alegria que para Schiller é de origem divina, a alegria é o abraço do amigo que encontra o amigo.

É natural e normal sentir emoções. Elas tornam-nos verdadeiramente humanos e o seu reconhecimento pode ajudar-nos a saber lidar com os acontecimentos da nossa vida e com os pensamentos, agradáveis ou desagradáveis, sobre esses acontecimentos. Elas permitem adaptar-nos aos acontecimentos desestabilizadores expressando-os através do corpo...

Podemos dizer que existem três tipos de emoções: as primárias, as secundárias e as de fundo.
As primárias facilmente perceptíveis pelas pessoas, como: a alegria, expressão do êxito e da partilha; a tristeza, suscitada pela perda de alguém ou de alguma coisa; o medo, reacção face a um perigo; cólera, como resposta muitas vezes a uma injustiça; nojo, que provoca repugnância.
As emoções primárias são completadas por diversas emoções secundárias, mais complexas, implicando outras pessoas, e por isso são chamadas emoções sociais, como a vergonha ,o orgulho, a culpa, o ciúme, a inveja, a gratidão, a compaixão, o embaraço... (A. Damásio, Ao encontro de Espinosa - As Emoções Sociais e a Neurologia do Sentir, Círculo de Leitores, p. 47)
As emoções de fundo: são as não perceptíveis, como a calma ou fadiga. Elas são difíceis de serem percebidas porque são emoções que resultam de processos regulatórios do mundo interno do indivíduo. “O nosso bem-estar ou mal-estar resulta desta calda imensa de interações regulatórias” (A. Damásio, idem, p. 46) 

A alegria é considerada como a emoção mais positiva, funciona como uma recompensa, uma satisfação. Ficamos alegres quando lutamos por algo que acabamos por conseguir ou quando temos um projecto que nos permite ser mais criativos, fortemente motivados e autoconfiantes...

Uma maneira interessante de perceber as emoções será ver, talvez mais uma vez, o filme Inside-Out. Partindo da sua experiência pessoal e da vivência de sua filha de 11 anos, Pete Docter, imaginou o que acontece na complexa mente humana, quando as emoções falam mais alto e, de acordo com as emoções principais identificadas pelo psicólogo Paul Ekman (raiva, medo, tristeza, nojo, alegria) (2), Docter criou Inside-out ou, em português, Divertida-mente. (3)

Neste final de ano, “mudemos então de tom”. Celebremos a alegria, que está na verdadeira amizade, no amor entre as pessoas. É minha sugestão para as festas deste ano, à semelhança do que acontece noutras culturas, como na Alemanha ou no Japão, ouvir o Hino à Alegria de Beethoven.


Bom Natal e bom Ano Novo.

 



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Alegria, sois Divina
filha de Elísio
tornais ébria a Poesia
inspirais Dionísio

Nem costumes ou tradição
Vos reduzem o Encanto
criais-nos um mundo irmão
insuflais nosso Canto

Feliz de quem alcançou
ser-se amigo dum amigo
Quem doce dama ganhou
jubile-se comigo

Quem um só ente conquistou
seja citado no mundo
mas se na Alegria falhou
ficai só moribundo!

(2) Optou por cinco emoções uma vez que considerou a surpresa e medo muito semelhantes.

(3) Sinopse: Riley é uma menina divertida de 11 anos de idade, que deve enfrentar mudanças importantes na sua vida. Dentro do cérebro de Riley, convivem várias emoções diferentes, como a Alegria, o Medo, a Raiva, o Nojo e a Tristeza. A líder delas é Alegria, que se esforça bastante para fazer com que a vida de Riley seja sempre feliz. Entretanto, uma confusão na sala de controle faz com que ela e Tristeza sejam expelidas para fora do local. Agora, elas precisam percorrer as várias ilhas existentes nos pensamentos de Riley para que possam retornar à sala de controle - e, enquanto isto não acontece, a vida da menina muda radicalmente.



Rádio Castelo Branco





02/06/24

Activas, proactivas, hiperactivas


A grande maioria das crianças são activas e nascem com competências motoras, cognitivas e emocionais que lhes permitem um desenvolvimento saudável. Esta é a constatação de psicólogos, educadores e pais na relação com as crianças. E sabemos que cada criança procura responder à interação com os adultos e com o meio, explorando tudo o que está à sua volta, primeiro o seu corpo e o da mãe e a pouco e pouco vai explorando tudo o que consegue tocar.

Todos os pais têm experiência do que acontece quando os filhos começam a andar e o que acontece às tomada eléctricas, às gavetas das mesas, às tralhas da casa de banho, em que a curiosidade e a proactividade fazem parte dos comportamentos da criança... enquanto está acordada.
Essa actividade e proactividade são fundamentais para o desenvolvimento da criança. Aliás sabemos que quando estão muito sossegadas é porque se passa alguma coisa.
Segundo Bion há três emoções fundamentais: Amor, ódio e epistemofilia. A criança, e os adultos, querem conhecer o que se passa no ambiente à sua volta.

Acontece que em confronto com as exigências da sociedade, em especial da escola, muitas crianças têm dificuldade em controlar alguns comportamentos motores e não estão facilmente adaptadas às condições e ao currículo que é suposto elas terem na escola. (1)
Acontece até que alguns comportamentos ultrapassam os limites das relações saudáveis com os colegas e com os professores.
Conhecemos casos de violência que não era suposto existirem na escola actual que se supõe ser mais evoluída do que a escola do passado.

De facto, nem sempre assim foi, e, antes, a autoridade e o poder do professor faziam com que as crianças fossem mais controladas. Claro que muito deste controle era um controlo exterior.
Com a "escola para todos", começaram a aparecer mais casos de comportamentos disruptivos.
Alguns podem configurar doenças, embora seja discutível como se chega a alguns diagnósticos como no caso das perturbações psicológicas. (2)
Bem sei que temos critérios para classificação dessas doenças referidos pelo Manual de diagnóstico e estatística de perturbações mentais – DSM - que já vai na 5ª edição. 

A perturbação de hiperactividade com défice de atenção (PHDA) afecta cerca de 5% a 15% das crianças
Na Carolina do Norte foram diagnosticados 14% dos rapazes enquanto na Califórnia os casos ficaram nos 7%. (C. Gonzalez, Crescer Juntos, p.144)
Entretanto, muitos especialistas acreditam que a perturbação de hiperactividade é sobrediagnosticada, em grande parte porque os critérios são aplicados de forma imprecisa. 
Ora acontece que muitos destes critérios são avaliados em questionários, como a Escala de Conners, e respondidos por pais e por professores, o que revela um elevado grau de subjectividade nas respostas que são dadas.

Também não é de espantar que a idade da criança seja um factor a considerar. Quanto mais nova a criança mais instabilidade apresenta, ou seja, quanto mais maturação neurológica menos hiperactividade.

Ora se concordarmos que se trata de uma doença, só em casos verdadeiramente excepcionais devia haver medicação. (3) 
Há muito a fazer antes disso: Se as crianças tiverem mais actividade começarão a apresentar menos hiperactividade.

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(1) "... há crianças muito calmas e há crianças muitíssimo irrequietas, difíceis de controlar. Alguns estudos sugerem que uma em cada dez crianças é muito difícil de educar, por irrequietude, mas apenas uma em trinta virá, no futuro, a apresentar hiperactividade." («Crianças pré escolares "supra activas"» Centro Distrital de Desenvolvimento da Criança, Hospital Amato Lusitano)

(2) Sobre «O conceito de "doença" (C. González, Crescer Juntos, p. 145 a p. 151). «O campo da psiquiatria é particularmente propenso ao surgimento de doenças »; «... a hiperactividade é precisamente uma das doenças "inventadas" (ou pelo menos enormemente exageradas)...»

(3) Há opiniões que consideram que a medicação é a primeira opção (idem, p.154). Porém, desde há  muito, se defende o contrário.  Eduardo Sá: "As crianças excessivamente medicadas estão em perigo e deviam ser protegidas pelas comissões (de proteção de crianças e jovens) tal como as outras". (Jornal do Fundão, 12-6-2008)


27/09/23

Memória e internet - o "efeito google" *


A nossa memória é fascinante. Ela acompanha-nos desde sempre. É a memoria filogenética. Vem com os nossos genes e vai sendo acrescentada e modificada pelas experiências da nossa vida, pelos estímulos ambientais, o meio físico e social, a cultura, a educação. Temos memórias únicas e pessoais que podemos recuperar sempre que quisermos, desde que não tenham sofrido alterações e perturbações. Mas esta memória está sendo confrontada (e ameaçada ?) com outra memória: a internet, o google, a inteligência artificial (IA)... Até que ponto a internet está a mudar os nossos cérebros, os processos mentais e, em particular, a nossa memória? Que efeitos poderá ter o google na nossa memória e suas consequências nos processos cognitivos? Até que ponto podemos beneficiar ou não com os assistentes digitais de memória? Será que eles mudam a nossa forma de memorizar?

Qualquer pessoa pode pesquisar um assunto, utilizando o google, pela extrema facilidade com que se obtêm respostas, mesmo que manhosas ou até erróneas. Esta facilidade tem uma vantagem: poupa-nos o esforço de aprender e recordar mas também tem um problema: a informação não é registada na nossa memória pessoal biológica e neuronal mas antes na memória externa digital e artificial.
“A navegação na internet implica uma atividade multitarefa intensiva pelo que a rede pressupõe um sistema de interrupção da atenção sustida e focalizada. Estamos constantemente a mudar de objetivos com a atenção dividida e a controlar a interferência de estímulos.” (Emilio García García (2022), Memória - Recordar e esquecer, Biblioteca de Psicologia, p. 129)
Todos temos esta experiência: começamos a navegar e depressa deixamos os objetivos iniciais da nossa pesquisa para irmos atrás das ligações que são propostas pela internet, das sugestões que vão aparecendo no ecrã, das informações mais recentes que desfocalizam a nossa atenção e acabamos pesquisando assuntos pouco ou nada relacionados com aquilo que nos interessava e acaba numa perda de tempo,...

O cérebro digital de um computador é muito diferente do cérebro vivo de uma pessoa, assim como a memória externa e artificial é muito diferente da memória pessoal biológica. “O cérebro humano está constantemente a elaborar informação reconstruindo as memórias. Quando trazemos à memória de trabalho uma memória guardada a longo prazo, estabelecem-se novas ligações num contexto de experiência distinto e sempre novo. O cérebro que recorda já não é o mesmo que elaborou as memórias.” (p. 128)

O "efeito Google" ou "amnésia digital", é então um comportamento cada vez mais comum: o de confiar o armazenamento de dados importantes aos nossos dispositivos e à internet no lugar de guardá-los na cabeça.
O problema pode ser mais grave do que se imagina: além de recorrer à internet para guardar informações, muitas pessoas têm a impressão de que os dados online fazem parte de sua própria memória.

O mundo actual condiciona-nos a consumir uma enorme quantidade de informações, e a memória biológica não consegue lembrar-se de tudo. 
Portanto, usar essas ferramentas como um complemento pode ser de grande utilidade, mas deve ser feito com muita responsabilidade.
Ainda não podemos tirar conclusões sobre se o "efeito google" muda o nosso cérebro, como acontece com a leitura, por exemplo, mas o tempo dirá como foi esta mudança. (p. 130)



Até para a semana.

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* Hoje comemora-se o 25º aniversário do Google (1998-2023).



Rádio Castelo Branco
 

28/08/23

A lei da saúde mental – justiça e segurança


A lei da saúde mental (Lei 35/2023, de 21 de Julho) entrou em vigor a 20 de Agosto, substituindo a Lei n.º 36/1998, de 24 de Julho. O governo publicou esclarecimentos (perguntas e respostas) sobre as consequências da entrada em vigor desta lei, o que é de grande utilidade para tirar dúvidas e também reduzir a preocupação face ao possível alarme social que possa estar implicado na execução da lei.
Uma das consequências diz respeito às pessoas inimputáveis a cumprir medidas de segurança de privação de liberdade, resultante da revogação do n.º 3 do artigo 92.º do Código Penal, eliminando a possibilidade de prorrogação indefinida da medida de segurança de internamento de inimputáveis.
O governo diz também que “está em avaliação um conjunto amplo de respostas, buscando-se sempre a mais adequada às necessidades individuais de cada caso": reinserção em meio familiar, pela instalação em estruturas residenciais, pela colocação em instituições de saúde ou em unidades da rede de cuidados continuados integrados de saúde mental, ou ainda, para quem não disponha de residência nem de apoio familiar, por uma resposta habitacional através da Segurança Social.
No caso das pessoas que necessitem de manter acompanhamento de saúde mental, este será sempre assegurado pelos serviços locais de saúde mental da área da residência.
Nos casos em que, devido à doença mental e à recusa de tratamento, a pessoa possa representar um perigo para si própria ou para a sociedade poderá ser decretado pelo tribunal uma medida de tratamento involuntário, incluindo internamento involuntário.

A nível nacional, há 432 cidadãos considerados inimputáveis, seja no âmbito prisional ou em hospitais públicos. Com a entrada em vigor da lei, e por decisão dos tribunais, vão ser libertadas 46 pessoas internadas.
Embora haja ainda um estigma sobre a doença mental, o problema é real, grave e sempre o mesmo: haver respostas sociais e de saúde nas comunidades onde estas pessoas são integradas que possam garantir a coexistência de uns com os outros, de vítimas e agressores.
Se 75% dos reclusos regressam ao crime, podemos avaliar o muito que há a fazer na comunidade quer nos casos de imputabilidade quer nos casos de pessoas condenadas a pena de prisão e de segurança. Ora, como sabemos, a nível da saúde e da saúde mental há falhas generalizadas no atendimento das pessoas com perturbações mentais perigosas ou não. Assim sendo, pode dar-se como adquirido o pressuposto de que a estabilidade do sistema de saúde esteja garantida? Temos que acreditar que os serviços e técnicos estão a tratar o assunto de forma exigente, articulada e completa tendo em vista a paz social. 

As neurociências, as terapias farmacológicas e psicológicas têm feito progressos mas, como refere António Damásio, "a tragédia actual é o facto de estarmos ainda a começar a entender estas facetas das doenças neurológicas e de muito pouco termos a oferecer em termos de tratamento.“ (A. Damásio, (2010), O livro da consciência - A Construção do Cérebro Consciente, p. 348)
“O facto de haver explicações biológicas para os comportamentos sociais anormais não significa que a sociedade não se deva proteger.” (Hanna Damásio, 3(2003), “O Cérebro e as alterações do Comportamento Social, in OA, nº 29 Especial, O cérebro entre o bem e o mal, p. 28.)
E, por isso, se fazem sentido alterações à lei para que haja justiça para estas pessoas quando chega ao fim a sua pena, e a sua doença mental está estabilizada, não devemos esquecer a criação e articulação de respostas sociais e de saúde eficientes e eficazes, para que não haja roturas no seu acompanhamento e possa haver confiança e garantia de estabilidade na comunidade.




Rádio Castelo Branco




06/07/23

Construir boas memórias




A nossa mente vai construindo, ao longo do tempo, memórias boas e más ou, se quisermos, positivas e negativas, da nossa vida. Há memórias que se mantêm durante muitos anos. Outras são apagadas e não fica rasto delas. 
Sem dúvida, é de relevar o papel que a memória tem na nossa saúde mental. As memórias recorrentes, involuntárias, intrusivas, perturbadoras fazem parte do quadro de sintomas da perturbação de stress pós-traumático. São memórias de vivências negativas que não nos deixam dormir, que não nos deixam viver a vida de forma activa, criativa, e que pelo seu peso perturbador exigem acompanhamento psicológico.
A emoção tem um papel crucial na construção das nossas memórias. A emoção não é o único factor que afecta a memória e não afecta apenas a memória. Mas face a um estado emocional intenso todo o sistema cognitivo (percepção, atenção, memória, raciocínio, linguagem e tomada de decisão) é afectado.

Ao relevarmos os efeitos negativos, esquecemo-nos da importância que as memórias positivas podem ter na nossa felicidade: como a memória, quando éramos pequenos, da comida feita pela avó, do cheiro das árvores da quinta, dos momentos especiais de convívio com os amigos...
É isso - as boas memórias - que faz juntar as pessoas em encontros periódicos. O encontro anual é um bom exercício de memória, como penso que são todos os encontros em que comemoramos o tempo de vida em comum, encontros de ex-militares, de ex-colegas de liceu....
Por isso, é tão importante (re)lembrar e reviver as boas memórias de tempos e espaços emocionais tão intensos, ao mesmo tempo que reforçamos a recordação dessas memórias.

Uma das boas memórias que todos sentimos passa pela música e pelo muito tempo que permanece connosco... Em Musicofilia (Oliver Sacks) vemos como mesmo quando aparecem doenças como a doença de Alzheimer, permanece a memória da música e somos capazes de a interpretar.
As memórias que mais perduram são as que estão ligadas a uma vivência emocional intensa e a música está relacionada com as emoções.

É também isso que faz juntar "Os Leões de Madina". Madina Mandinga, uma mensagem de paz e amor no meio da guerra, como atesta o Cancioneiro de Madina de que o hino da Companhia é o melhor exemplo: 
Nós somos Primavera 
Gostamos de cantar!
Nos somos juventude 
Nascemos para amar!
Nós queremos Amar
Toda a gente da terra!
Não queremos mais fome 
Não queremos mais guerra!

Boas memórias são a presença dos que se reencontraram em Tarouquela mas também a presença dos ausentes, dos lugares vazios: os que já não se sentam à mesa, os que não resistiram na caminhada, e também os que não se sabe onde estão ou nunca tiveram interesse em participar.
Como tive oportunidade de dizer, este foi um dia muito feliz para mim por ter reencontrado tanta gente boa, mesmo que esquecendo alguns dos seus nomes, que não de momentos inesquecíveis. Fui lá recordar memórias felizes e ver como as emoções tão intensas daquele tempo nos vincularam até aos 49 anos da comemoração. E, acreditem-me, interessam-me apenas essas boas memórias. Sim, o sofrimento, as separações, fizeram parte delas mas o tratamento humano que era regra naquela Companhia, relevam em relação a todos os episódios que cada um de nós tenha na sua memória mesmo que tenham sido apagados na memória dos outros. Foi um dia bonito e feliz e isso é que conta para a vida. 

Como me senti confortável com esta gente com quem partilhei aqueles momentos de 1973/74!  Como foi bom rever todos aqueles companheiros em quem sentíamos apoio e superação no esforço de todos os dias para sobrevivermos à guerra que nos roubava a juventude. 
E agora tantos anos depois, cada dia é mais uma prova de superação das dificuldades que uns vivem mais do que outros mas que também radicam lá no passado.
Como fiquei grato por me terem dado a honra, juntamente com o ex-alferes Baptista, de ter partido e partilhado o bolo de mais este aniversário!







26/06/23

Terapia da natureza



Parque da Cidade - Mata dos Loureiros - Castelo Branco



Viver em meio rural pode ser uma desvantagem mas também um privilégio: a natureza está mesmo ao pé da porta. Basta andar umas dezenas ou centenas de metros e temos a natureza em pleno, nas hortas e nas quintas que dão continuidade ao espaço urbano.
Os cientistas têm vindo a investigar a influência da natureza no nosso cérebro, concluindo que o tempo passado ao ar livre não é um luxo, mas sim uma necessidade básica dos seres humanos - e até pequenas «doses» de natureza podem tornar-nos mais criativos e deixar-nos mais bem-dispostos. (Florence Williams, A Natureza Cura)
O que nos faz deslumbrar perante um pôr-do-sol, acalmar sob a refrescante sombra de uma árvore, relaxar perante uma paisagem ou quando olhamos o azul do mar? O que nos faz acalmar ao ouvir o canto dos pássaros?
Todos já tivemos essas experiências e sabemos que estas situações possibilitam o descanso do cérebro, geram em nós equilíbrio, chamam tranquilamente a nossa atenção.
“As cenas naturais embalam-nos num “suave fascínio” ajudando a fazer descansar as nossas faculdades de atenção direta ... Com esta recuperação, ficamos mais descontraídos, podendo depois realizar melhor as tarefas do foro mental.... a exposição aos ambientes naturais consegue diminuir de imediato os níveis de ansiedade e tensão podendo nós depois pensar com maior clareza e ficar mais alegres.” (p. 60) Sem dúvida, a natureza cura, a natureza torna-nos mais felizes, mais saudáveis e mais criativos.

As vantagens físicas e mentais de viver a vida ao ar livre são evidentes. Há, actualmente razões validadas pela investigação (Maria Pinheiro, "O ar livre faz bem à saúde: 8 razões para sair de casa", PH+, nº 20), de que a vida nos espaços exteriores têm vantagens para a nossa saúde: 
- Estimula a produção de vitamina D. 
- Melhora a saúde mental.
- Diminui o stress. 
- Aumenta a concentração e potencia o desempenho académico. 
- Melhora a visão. 
- Reduz a inflamação e estimula o sistema imunitário. 
- Melhora a qualidade do sono. 
- Retarda o envelhecimento. 

A ecoterapia, ou terapia natural, baseia-se no conceito de usar a natureza para nos ajudar a curar, especialmente psicologicamente. 
A prática desta terapia é tanto mais importante quanto sabemos a dificuldade que temos em deixar de estar online e de nos libertarmos do audiovisual - tv, videojogos... podendo em vez disso beneficiar do ambiente natural.
A responsabilidade de viver de acordo com este ambiente natural, é essencialmente nossa...
No entanto, as autarquias têm aqui uma particular responsabilidade. Não podem ignorar estes dados relativamente à qualidade de vida que pode ser devolvida pela natureza quando cuidamos dela, criando espaços verdes, zonas de lazer, que são autênticos espaços terapêuticos. *
Nas zonas rurais, quando éramos crianças, tudo isto era mais natural e havia uma integração social e comunitária que permitia aproveitar os benefícios que a natureza oferecia. 
Entretanto, as condições sociais mudaram drasticamente e, por isso, a criação de equipamentos colectivos quando necessários deve ter em conta as novas realidades, principalmente, a nível da segurança... 
Estamos no Verão e as férias estão a chegar. Podemos aproveitar os benefícios que a natureza nesta altura é tão pródiga em nos oferecer.


Boas férias, com muita saúde.

 

 

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 * Isto não significa que, por questões eleitoralistas, se deva cair na tentação de implantar determinados equipamentos apenas porque é moda: piscinas,  ciclovias,  passadiços, roteiros pedestres, hortas urbanas e comunitárias... que se vão replicando um pouco por todo o lado.

 


Rádio Castelo Branco


26/01/23

A dor humana e a saúde emocional

Enxaqueca ocular e visual: causas e sintomas | All About Vision


Vivemos numa permanente crise das instituições de saúde (1) a par da nossa própria fragilidade resultante da idade, da doença, das preocupações próprias das várias etapas da vida.

Esta incerteza acrescenta ansiedade às nossas actividades, emoções, sentimentos... Adoecer é, verdadeiramente, ansiogénico. E não me refiro à nosofobia ou à hipocondria.

Obter um diagnóstico reduz a ansiedade a menos que o prognóstico seja pessimista. A tranquilidade  que pode vir de um diagnóstico ou da compreensão dos nossos sintomas, do nosso sofrimento, pode ser libertadora e tranquilizadora. (2)

 

A dor no peito é das mais ansiogénicas por ter origens muito diversas e ser um sinal de maior ou menor perigo para a saúde e para a vida. Pode ser, por exemplo, de causa cardíaca, resultar de refluxo gastroesofágico... ou resultar de ansiedade. Pode acontecer que ao fim de muito tempo e de muitas dores, consiga perceber o que se passa consigo e obter um diagnóstico correcto.

Entretanto, viverá em grande ansiedade, passará, eventualmente, por situações de pânico (DSM), até que seja feita a compreensão do seu problema e a origem do seu sofrimento. 

Tal como acontece com o rendimento escolar, a ansiedade afecta o rendimento escolar e, por sua vez, a falta de rendimento provoca ansiedade. (Ansiosa-mente, Pilar Varela)

 

Sabermos lidar com a nossa dor depende muito da compreensão do que lhe dá origem, do diagnóstico clínico e, se necessário, de uma segunda opinião. (3) É isso que os doentes procuram nos serviços de saúde: uma explicação para o que se passa com a sua saúde/doença. Muitas vezes não obtêm resposta. Mas, como disse Galileu, "E pur si muove". Ou seja, a dor está lá.

Às vezes, os comentários de pessoas, familiares e de profissionais de saúde não são razoáveis: “Pois você nao tem nada”, “isso é psicológico” ou, traduzido em termos populares, "isso são manias"... que são outras tantas maneiras de ser insensível a quem sofre.

Mesmo que o problema seja psicológico, o sofrimento psicológico é real e as pessoas têm que ser compreendidas e respeitadas no seu sofrimento.

 

Se a pessoa toma a decisão de arriscar ir às urgências, ainda menos razoável é a culpabilização de estar a atrapalhar o serviço com uma “falsa urgência”. (4)

Haverá alguém que tenha prazer em ir à urgência, passar uma tarde, uma noite, uma manhã no hospital, ser picado para análises, colocar um catéter... ver o sofrimento, o choro, os gritos, os gemidos dos outros doentes... no fundo o ser humano em sofrimento que é o que para mim se passa numa urgência ?

Na realidade, estas pessoas não têm alternativa, não têm médico de família, não têm consulta nos Centros de Saúde ou USF, ou nos médicos particulares, vivem momentos de dúvida sobre o que fazer... não têm quem as ajude a suportar a sua dor física ou psíquica... (5)

 

A dor é uma experiência sensorial e emocional extremamente desagradável e perturbadora do equilíbrio pessoal e social. (6)

Pode ser evitada e ultrapassada em muitas situações e, por isso,  Já era tempo de criar as condições técnicas, financeiras e humanas para cumprir o direito à saúde previsto na Constituição. (Artº 64.º )

 

Até para a semana.

 

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(1) Todos os dias há notícias (por ex.) sobre o encerramento de maternidades, a falta de médicos ginecologistas, as listas de espera para exames e cirurgias, a falta de profissionais nas equipas, das imensas horas de espera para  marcação de consultas nos Centros de Saúde... 


(2) Um exemplo pessoal. Eu não sabia o que é uma aura visual. Foi assustador até ao dia em que percebi que havia enxaquecas sem dor. Como é o caso da aura visual que de vez em quando, nos momentos mais díspares, me assustava e assusta, não me deixa ver com nitidez e ler fica difícil, durante 15-30 minutos.


(3) Este direito está descrito no Código Deontológico dos Médicos assim como na Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes. Contudo, um circuito de segundas opiniões não está ainda totalmente definido, como tem vindo a tentar fazer o Ministério da Saúde. 

E era muito importante. Evitava alguns diagnóstico errados e poupava dinheiro ao sistema de saúde, quando por exemplo pode resolver o problema com soluções menos intrusivas muito mais facilmente reabilitáveis e muito mais baratas.


(4) O sistema de triagem de Manchester  nao poderá ser alterado e ou melhorado? É o que parece indicar a  investigação do Hospital de S. João que desenvolve protótipo de monitorização de dados vitais dos utentes em espera na Urgência.

Ou não será possível melhorar a organização do sistema de saúde ? Pelos vistos é: O Diretor da urgência do Santa Maria alerta para falhas no encaminhamento de doentes. Claro que a montante o funcionamento deveria ter outra eficiência...


(5) Um Centro de Saúde que obriga um doente a deslocar-se para a bicha, às 5 ou 6 horas da manhã, para marcação de uma consulta não é concebível nos dias de hoje. Para além de desumano é o cúmulo da incompetência... Até para fazer a inspecção  de um carro se é mais bem atendido. Para marcar uma inspecção de um carro basta telefonar ou com dois ou três cliques fazer a marcação pela internet. Tenham dó!

 

(6) A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde emocional como um estado de bem-estar onde o indivíduo realiza suas próprias habilidades, lida com os fatores estressantes normais da vida, trabalha produtivamente e é capaz de contribuir com a sociedade.

 


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23/11/22

O reflexo de liberdade



 

Os seres humanos vivem condicionados por comportamentos inatos e por comportamentos aprendidos.
Como sabemos, a investigação de Pavlov (1849-1936), com cães, ficou conhecida como uma forma de aprendizagem - o condicionamento clássico.
Pavlov observou que os cães salivavam perante um estímulo incondicionado, a carne, isto é, provocava uma resposta incondicionada.
Quando associou uma estímulo sensorial neutro, o som de uma campainha, que não provocava qualquer resposta, com um estímulo incondicionado (a carne, que provocava a resposta incondicionada da salivação), verificou que, após algumas associações, o som da campainha se tornou num estímulo condicionado, pois à sua presença, os cães reagiam com a salivação, agora resposta condicionada.
O condicionamento clássico é um tipo de aprendizagem em que um organismo aprende a transferir uma resposta natural perante um estímulo, para outro estímulo inicialmente neutro, que depois se transforma em condicionado. Este processo dá-se através da associação entre os dois estímulos (incondicionado e neutro).
Sabemos bem as consequências desta descoberta para a nossa vida.

Pavlov verificou também, já na parte final da sua vida, tanto no homem como no animal a existência de dois importantes reflexos inatos: o reflexo de finalidade e o reflexo de liberdade.
O reflexo de finalidade verifica-se quando somos atraídos por certos estímulos que se tornam importantes na nossa vida, somos atraídos por fenómenos novos, novas experiências mesmo que aparentemente sem qualquer utilidade... que se traduzem em equilíbrio do nosso organismo, nos acalmam e por isso, desejamos repetir.
Para Pavlov a vida deixava de ser atraente desde que não tivesse finalidade.

“O reflexo da liberdade, diz Pavlov, é uma reacção geral dos animais. É um dos reflexos inatos mais importantes. Sem ele, o menor obstáculo encontrado pelo animal bastaria para modificar completamente a sua vida.
A existência deste reflexo de liberdade tinha-lhe sido demonstrada por um cão, que, mal fosse colocado nas condições de trabalho experimental, apresentava uma salivação espontânea, contínua, que o tornava "inutilizável"."
Pavlov descobriu então que “o cão não suportava qualquer entrave quer dizer que se mantinha calmo e sem salivação apenas em liberdade total: podia-se mesmo nestas condições condicioná-lo eficazmente." *

Perante este reflexo de liberdade existirá também um 'reflexo de servidão' inato ?
"Pavlov respondia pela afirmativa, declarando que este reflexo protegia o fraco contra o forte, isto é, que um gesto de submissão tinha por resultado fazer cessar um gesto de agressão (o cachorro, apontava ele como exemplo, deita-se de costas perante um canzarrão). Pavlov pensava que este reflexo podia existir no homem, e tentou defini-lo ... como  'reflexo de escravidão'." *
"Pavlov deplorava que o 'reflexo de escravidão' se manifestasse tão frequentemente na Rússia 'sob os aspectos mais variados'. Ele pedia que se tomasse consciência desse facto a fim de melhor lutar no sentido da sua anulação, porque o reflexo de escravidão provocava por sua vez a inibição do reflexo de finalidade: A servidão fez do servo um ser passivo, sem qualquer desejo, sendo as suas aspirações, as mais legítimas, continuamente entravadas pelas vontades e os caprichos dos senhores." *


Até para a semana

 

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* H. Cuny, (1976), Pavlov, Círculo de Leitores, (Capítulo quarto, 1 - Condicionamento e evolução do Homem), pags. 103 - 113.

 

 

 




21/10/21

Em busca do tempo perdido

Cheek to Cheek - Lady Gaga, Tony Bennett; 
Compositor: Irving Berlin 


Céu, estou no céu / Heaven, I'm in heaven
E o meu coração bate tanto que mal consigo falar / And my heart beats so that I can hardly speak
E parece que encontro a felicidade que procuro / And I seem to find the happiness I seek
Quando saímos juntos dançando de rosto colado / When we're out together dancing cheek to cheek...

 


Cheek to Cheek: Um dos duetos de Tony Bennett e Lady Gaga.  É muito bonita esta relação, quando, a partir de 2014, juntos gravaram um álbum de standards  com o nome de Cheeck to Cheeck numa altura em que Bennett já revelava sintomas da doença de Alzheimer com todas as dúvidas que se colocavam em relação ao resultado do projecto.

Segundo a sua neurologista (Gayatri Devi, neurologista no Lenox Hill Hospital em Manhattan responsável pelo diagnóstico de Tony), “aos 94 anos, ele está a fazer muitas coisas que várias pessoas com demência não conseguem fazer”. “Ele é mesmo um símbolo de esperança para alguém que sofre de uma perturbação cognitiva”, continua a médica, que nos últimos anos encorajou Bennett a manter-se "ativo, cantando e atuando ao vivo até que tal fosse possível, “uma vez que estimulava o seu cérebro de uma forma significativa”...”  (Observador)

 

T. Bennett pode ser um exemplo de como a música tem um papel fundamental na vida das pessoas mesmo quando se é atingido por uma doença tão complicada como a Alzheimer.

Oliver Sacks em Musicofilia dedica um capítulo a este assunto "Música e Identidade: Demência e Musicoterapia" (pags. 337-349) *

Sabemos que um dos sintomas principais da doença é a perda progressiva da memória. Mas até onde? Há um apagamento completo da memória a ponto de podermos falar de perda do self?

Sem dúvida que "É verdade que uma pessoa com Alzheimer perde muitas das suas capacidades e faculdades à medida que a doença progride...

Mas a perda de consciência de si poderá significar uma perda do Self, enquanto unidade e totalidade do sujeito?"

Pode haver uma regressão mas “alguns aspectos do seu carácter essencial, da sua personalidade e realidade pessoal, do seu self, sobrevivem – a par,  sem dúvida, de certas formas quase indestrutíveis de memória - até mesmo na demência avançada.”

“É como se a identidade tivesse uma base neural tão robusta e por toda a parte presente, como se o estilo pessoal estivesse tão profundamente incorporado no sistema nervoso que nunca se perdesse por completo, pelo menos enquanto houver vida mental."


“Em particular a resposta à música é preservada até mesmo numa fase muito avançada da demência.“

Tony Bennett é um bom exemplo da importância da música na nossa vida.  
A música é uma terapia ao longo da vida e ainda mais quando da vida já pouco nos recordamos.
Como diz Oliver Sacks “A música familiar age como uma mnemónica proustiana, suscitando emoções e associações há muito esquecidas, dando de novo aos doentes acesso a estados de humor e recordações,  pensamentos e mundos que aparentemente tinham perdido por completo. Os rostos ganham expressão à medida que a velha música é reconhecida e experimentada a sua força emocional.”

 


Até para a semana.

 

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 * Oliver Sacks, Musicofilia, Relógio d'Água Editores, 2008








26/06/20

O homem e a Natureza



"A sobrevivência de qualquer espécie depende da capacidade de essa espécie se adaptar ao meio. O homem é como qualquer outra espécie, na medida em que tem tido de se adaptar ao mundo em que nasceu." (A. Szent-Gyorgyi)
Como já a aconteceu antes, provavelmente estamos a passar por um novo período histórico "turbulento" que, pelas suas características de mudança profunda, necessita dessa adaptação de uma forma mais dramática.


Por vezes, sentimo-nos cansados, fartos, infelizes, desajustados, desiludidos, com os acontecimentos que todos os dias vemos à nossa volta. 
Desde a criação da bomba atómica, de Hiroshima e Nagasaki,  que o mundo vive com o medo  de se autodestruir de uma vez só, ou de ir morrendo lentamente, principalmente a partir de 2001, com o derrube das torres gémeas e os sobressaltos terroristas que se seguiram, que  vieram trazer novas fontes de apreensão aos países e às pessoas, inocentes, vítimas do ódio, da inveja, da ambição de poder. 

Estas já eram preocupações de segurança suficientes para nos angustiarmos quando surgiu a pandemia da covid 19, provocada por um vírus desconhecido 
Simultaneamente outras preocupações sociais complicaram a nossa vida:  reescrever a história, vandalizar estátuas, censurar obras de arte, literárias e cinematográficas como “E tudo o vento levou”, “Robinson Crusoé”... por questões rácicas, de género, ecológicas, climáticas. 
Criou-se a ideia de que toda a actividade humana trata mal a natureza (“Como se atrevem?"/"How dare you?") que  seria o paraíso se não fosse o homem. 
Os irrealistas  ecologistas, da esquerda à  direita, esquecem-se de ver a natureza como um todo, belo e bom, mas também  com tudo o que ela tem de adverso, inóspito e mortal para o ser humano, como acontece com as doenças biológicas e psicológicas. (1) O medo, o stress, a depressão, o estado de alerta constante a tudo o que põe em causa a  nossa sobrevivência, coloca-nos em pânico e com receio de que tudo se desmorone. (2)

A desadaptação provoca reacção mais violenta sobre nós próprios ou sobre os bens públicos ou privados.
Embora nós saibamos como deve ser: “não matarás", está inscrito na nossa mente... também sabemos que o nosso cérebro funciona de forma irregular ("avaria") quando estamos nestas situações de grande angústia.
Neste tempo em que se tenta descobrir heróis em todo o lado, como faz o presidente Marcelo, com o seu optimismo, embora mereça crítica na cobertura que dá ao governo (3) em muitas medidas e em que tudo se resolve com dinheiro e quanto mais melhor, o seu papel tem sido extremamente importante no apoio que dá a cada cidadão, fazendo-o sentir-se alguém com algum valor.
Como sabemos não se vence uma batalha quando nos colocamos no “fundo da hierarquia da dominância” ou quando saímos de casa para o trabalho já derrotados.  
As mudanças comportamentais de cada um de nós,  são difíceis mas necessárias para sairmos do fundo em direcção ao topo.
Há que dizer que cada um de nós tem que ser herói.
Então, "se cada um de nós viver como deve ser, floresceremos colectivamente". (J. Peterson) 

Até para a semana com muita saude.
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(1) É um esforço (quase) inútil tentar argumentar que as alterações climáticas dependem mais da própria natureza do que da acção do homem. Aliás, a acção humana depende da própria natureza...

(2) Por ex., o recente caso do actor Pedro Lima.

(3) Como o anúncio da Liga dos Campeões em Lisboa. As instrumentalização do poder do futebol pelo poder politico. A tolerância a festas políticas como o 1º de maio ou a manifestação contra o racismo...









13/06/19

Drogas de sempre


O programa desta semana e o debate da rubrica da SIC “E se fosse consigo”, da jornalista Conceição Lino, teve como tema “os jovens e a droga”.
Em primeiro lugar, é de saudar que se apresente e debata um tema que tem andado esquecido da comunicação social e da informação/prevenção das actividades das escolas e organizações juvenis.
Em segundo lugar, é chocante a banalização existente na sociedade sobre o assunto, como o programa demonstrou com esta situação simulada, mas reveladora de que se acha normal poder aliciar alguém, num local público, para o consumo de drogas.
É tanto mais chocante quando há pouco tempo num programa sobre violência sobre animais as pessoas protestavam e ameaçavam com a polícia. Neste caso foi escasso o número de pessoas que se manifestaram.
Ainda focado pelo programa, é chocante a complacência com que se encaram os festivais de verão, (também podia falar-se das viagens de finalistas, das festas académicas), quando sabemos pelas apreensões que são feitas nesses festivais e eventos, a grande quantidade de droga que circula. Em alguns casos, mesmo quando os organizadores o negam, são implicitamente incentivadores do consumo. E, claro, se há consumo é porque há tráfico.
É chocante que continue a haver tanta condescendência com estas situações e se tente passar a ideia de que as drogas falsamente consideradas leves não têm qualquer problema para a saúde.
É chocante que seja necessário fazer legislação na Assembleia da República, para tratamento médico com derivados da canábis, quando isso não é necessário para outras substâncias para fins medicinais. Mas, claro, baralhar as situações tinha em vista que a justaposição ou associação dessas situações em que o auto-cultivo e consumo para fins chamados recreativos, fosse permitido.
Continua a justificar-se uma aposta na prevenção, como foi o caso deste programa, que é, aliás, uma das competências do Serviço de intervenção nos comportamentos aditivos e nas dependências (SICAD), porque: “A prevenção (é a) área onde o principal objetivo é a intervenção sobre as causas do fenómeno, procurando que este não venha a manifestar-se futuramente, fomentando não apenas o conhecimento sobre o fenómeno, mas também exponenciando a abrangência, eficácia, eficiência e qualidade dos programas de prevenção implementados".
Por outro lado, é importante esclarecer que com o Decreto-Lei n.º 130-A/2001, de 23 de Abril, houve descriminalização mas não houve despenalização. Deixou de se considerar crime o consumo de droga, a aquisição e a posse para consumo próprio, dentro de determinadas quantidades. No entanto, isso não significa despenalização.
As Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência (CDT), que vieram substituir os tribunais criminais como resposta do Estado ao consumo de drogas, constituídas por técnicos da área da saúde e da justiça, procuram informar as pessoas e dissuadi-las de consumir drogas, e têm, também, o poder de aplicar sanções administrativas e de encaminhar pessoas para tratamento, sempre com o seu consentimento.

A “encenação” da iniciação da entrada das pessoas na "cena" da droga mostra, assim, facilitada, sem reacção dos que assistem, a porta de entrada, quando se junta a falta de informação, a necessidade de ter comportamentos miméticos ao grupo e a auto-avaliação da posse de uma personalidade suficientemente "forte" para saberem aquilo que querem e como e quando terminar. Nada mais falso.
Compreendemos a recusa pelos jovens dos bons conselhos de alguns adultos, racionais, correctos, cheios de bom senso e a fácil aceitação da complacência de outros. Mas mais uma vez, neste assunto, é necessário dizer a verdade aos jovens sobre as drogas mesmo quando consideradas falsamente leves.
É necessário explicar-lhes que há ideias erradas sobre a canábis, e outras substâncias psicoactivas, os riscos para a saúde e, em consequência, os efeitos nefastos para a vida.