26/01/23

A dor humana e a saúde emocional

Enxaqueca ocular e visual: causas e sintomas | All About Vision


Vivemos numa permanente crise das instituições de saúde (1) a par da nossa própria fragilidade resultante da idade, da doença, das preocupações próprias das várias etapas da vida.

Esta incerteza acrescenta ansiedade às nossas actividades, emoções, sentimentos... Adoecer é, verdadeiramente, ansiogénico. E não me refiro à nosofobia ou à hipocondria.

Obter um diagnóstico reduz a ansiedade a menos que o prognóstico seja pessimista. A tranquilidade  que pode vir de um diagnóstico ou da compreensão dos nossos sintomas, do nosso sofrimento, pode ser libertadora e tranquilizadora. (2)

 

A dor no peito é das mais ansiogénicas por ter origens muito diversas e ser um sinal de maior ou menor perigo para a saúde e para a vida. Pode ser, por exemplo, de causa cardíaca, resultar de refluxo gastroesofágico... ou resultar de ansiedade. Pode acontecer que ao fim de muito tempo e de muitas dores, consiga perceber o que se passa consigo e obter um diagnóstico correcto.

Entretanto, viverá em grande ansiedade, passará, eventualmente, por situações de pânico (DSM), até que seja feita a compreensão do seu problema e a origem do seu sofrimento. 

Tal como acontece com o rendimento escolar, a ansiedade afecta o rendimento escolar e, por sua vez, a falta de rendimento provoca ansiedade. (Ansiosa-mente, Pilar Varela)

 

Sabermos lidar com a nossa dor depende muito da compreensão do que lhe dá origem, do diagnóstico clínico e, se necessário, de uma segunda opinião. (3) É isso que os doentes procuram nos serviços de saúde: uma explicação para o que se passa com a sua saúde/doença. Muitas vezes não obtêm resposta. Mas, como disse Galileu, "E pur si muove". Ou seja, a dor está lá.

Às vezes, os comentários de pessoas, familiares e de profissionais de saúde não são razoáveis: “Pois você nao tem nada”, “isso é psicológico” ou, traduzido em termos populares, "isso são manias"... que são outras tantas maneiras de ser insensível a quem sofre.

Mesmo que o problema seja psicológico, o sofrimento psicológico é real e as pessoas têm que ser compreendidas e respeitadas no seu sofrimento.

 

Se a pessoa toma a decisão de arriscar ir às urgências, ainda menos razoável é a culpabilização de estar a atrapalhar o serviço com uma “falsa urgência”. (4)

Haverá alguém que tenha prazer em ir à urgência, passar uma tarde, uma noite, uma manhã no hospital, ser picado para análises, colocar um catéter... ver o sofrimento, o choro, os gritos, os gemidos dos outros doentes... no fundo o ser humano em sofrimento que é o que para mim se passa numa urgência ?

Na realidade, estas pessoas não têm alternativa, não têm médico de família, não têm consulta nos Centros de Saúde ou USF, ou nos médicos particulares, vivem momentos de dúvida sobre o que fazer... não têm quem as ajude a suportar a sua dor física ou psíquica... (5)

 

A dor é uma experiência sensorial e emocional extremamente desagradável e perturbadora do equilíbrio pessoal e social. (6)

Pode ser evitada e ultrapassada em muitas situações e, por isso,  Já era tempo de criar as condições técnicas, financeiras e humanas para cumprir o direito à saúde previsto na Constituição. (Artº 64.º )

 

Até para a semana.

 

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(1) Todos os dias há notícias (por ex.) sobre o encerramento de maternidades, a falta de médicos ginecologistas, as listas de espera para exames e cirurgias, a falta de profissionais nas equipas, das imensas horas de espera para  marcação de consultas nos Centros de Saúde... 


(2) Um exemplo pessoal. Eu não sabia o que é uma aura visual. Foi assustador até ao dia em que percebi que havia enxaquecas sem dor. Como é o caso da aura visual que de vez em quando, nos momentos mais díspares, me assustava e assusta, não me deixa ver com nitidez e ler fica difícil, durante 15-30 minutos.


(3) Este direito está descrito no Código Deontológico dos Médicos assim como na Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes. Contudo, um circuito de segundas opiniões não está ainda totalmente definido, como tem vindo a tentar fazer o Ministério da Saúde. 

E era muito importante. Evitava alguns diagnóstico errados e poupava dinheiro ao sistema de saúde, quando por exemplo pode resolver o problema com soluções menos intrusivas muito mais facilmente reabilitáveis e muito mais baratas.


(4) O sistema de triagem de Manchester  nao poderá ser alterado e ou melhorado? É o que parece indicar a  investigação do Hospital de S. João que desenvolve protótipo de monitorização de dados vitais dos utentes em espera na Urgência.

Ou não será possível melhorar a organização do sistema de saúde ? Pelos vistos é: O Diretor da urgência do Santa Maria alerta para falhas no encaminhamento de doentes. Claro que a montante o funcionamento deveria ter outra eficiência...


(5) Um Centro de Saúde que obriga um doente a deslocar-se para a bicha, às 5 ou 6 horas da manhã, para marcação de uma consulta não é concebível nos dias de hoje. Para além de desumano é o cúmulo da incompetência... Até para fazer a inspecção  de um carro se é mais bem atendido. Para marcar uma inspecção de um carro basta telefonar ou com dois ou três cliques fazer a marcação pela internet. Tenham dó!

 

(6) A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde emocional como um estado de bem-estar onde o indivíduo realiza suas próprias habilidades, lida com os fatores estressantes normais da vida, trabalha produtivamente e é capaz de contribuir com a sociedade.

 


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19/01/23

Abide with me


Abide With Me (King's College Choir, Cambridge)

Compositores: Henry Francis Lyte / Will Henry Monk




Fica comigo, cai rápido o entardecer 
Abide with me, fast falls the eventide 
A escuridão  aprofunda-se Senhor, fica comigo 
The darkness deepens Lord, with me abide 
Quando outros ajudantes falham e os confortos fogem 
When other helpers fail and comforts flee 
Ajuda dos desamparados, oh, fica comigo
Help of the helpless, oh, abide with me
Rápido ao seu fim diminui o pequeno dia da vida 
Swift to its close ebbs out life's little day 
As alegrias da Terra diminuem, suas glórias passam 
Earth's joys grow dim, its glories pass away 
Mudança e decadência ao redor eu vejo 
Change and decay in all around I see 
Ó Tu que não mudas, fica comigo
O Thou who changest not, abide with me
Não temo nenhum inimigo, contigo à mão para abençoar 
I fear no foe, with Thee at hand to bless 
Os males não têm peso e as lágrimas não têm amargura 
Ills have no weight, and tears no bitterness 
Onde está o aguilhão da morte? 
Where is death's sting? 
Onde, sepultura, tua vitória? 
Where, grave, thy victory? 
Eu triunfo ainda, se tu permaneceres comigo
I triumph still, if Thou abide with me
Segura Tua cruz diante dos meus olhos fechados 
Hold Thou Thy cross before my closing eyes 
Brilha através da escuridão e aponta-me para os céus 
Shine through the gloom and point me to the skies 
A manhã do céu rompe e as vãs sombras da terra fogem 
Heaven's morning breaks, and earth's vain shadows flee 
Na vida, na morte, ó Senhor, fica comigo 
In life, in death, o Lord, abide with me 
Fica comigo, fica comigo
Abide with me, abide with me



18/01/23

A ética e a habituação



Ética (do grego ethos) e moral (do latim mores), têm o significado de costume. Estão relacionadas e associadas mas também têm sentidos distintos: os seres humanos, enquanto seres sociais, regem-se pelos valores morais do grupo a que pertencem, valores transmitidos de geração em geração e impostos como uma obrigação; a ética como reflexão sobre a moral, pode aprovar ou contestar esses valores.


Na nossa vida, perante as várias dimensões da realidade, temos necessidade de tomar decisões e de praticar determinados actos, de forma livre  e  consciente, que estejam de acordo com valores morais e éticos que são o critério da acção.

Normalmente, ao longo da vida, passamos de uma moral heterónima para uma moral autónoma, como refere a psicologia do desenvolvimento humano. Ao desenvolver a capacidade de discernir os valores éticos e morais presentes na acção humama espera-se que o comportamento de um adulto seja diferente do de uma criança e se situe pelo menos num estádio de desenvolvimento moral característico do grupo etário a que pertence. Cada adulto pode posicionar-se em estádios de desenvolvimento inferiores ou superiores à sua idade. Há adultos que parecem crianças e crianças já demasiado adultas em relação aos valores morais.


O que é mais difícil de perceber é que haja pessoas que pelo facto de terem uma determinada posição sócio-política, possam definir-se, como os comunistas que se afirmam de um escol moralmente superior ao dos outros, ou os socialistas que  sempre que é necessário puxar das credenciais da moralidade, se afirmem possuídos por uma  ética republicana.

A realidade tem mostrado que não é pelo facto de perfilhar uma determinada ideologia ou de pertencer a uma associação politica que se é moralmente  inferior ou superior. O comportamento moral e eticamente responsável depende mais de cada um de nós do que da pertença a um partido político, a um grupo social, a uma visão da sociedade. A parábola do bom samaritano ilustra de forma maravilhosa este ponto de vista... 


O desenvolvimento moral (Piaget, Kohlberg) não é estático, faz-se lentamente ao longo do tempo, passando de um nível pré-convencional e convencional para um nível pós-convencional, ou seja, a ética e a moral  de um indivíduo podem estar num estádio de desenvolvimento consentâneo com as normas e as leis da sociedade - Nivel convencional, estádio 4 -  mas  nem tudo o que é legal pode ser considerado dentro da ética, estando, por isso, fora do nível de desenvolvimento normal que se espera.

 

Também é difícil de perceber que quem se diz da ética republicana, também diga: “habituem-se” à actual governação. A ética republicana é compatível com o “habituem-se?”

A habituação é uma forma poderosa de aprendizagem, considerada como uma segunda natureza (Aristóteles); os hábitos das pequenas ou grandes coisas podem  trazer mudanças na nossa vida para o bem ou para o mal, conforme se trata de bons ou maus hábitos.

Aquilo que é sugerido como “habituem-se” pode ser traduzido, mais ou menos como: ver-ouvir-comer-calar. Ora este não é um bom hábito. É um vício  imoral e de falta de ética, é um processo de aprendizagem de comportamentos de submissão a uma doutrina política.

Ao contrário, os bons hábitos a aprender serão a autonomia, a independência, a crítica rigorosa, a solidariedade, a justiça...  em resumo, os direitos humanos que devemos habituar-nos a respeitar.


Concluindo, a ética não é compatível com a habituação à obediência cega e irracional. Pelo contrário, a  ética é a prática dos bons hábitos e costumes. 

Agora entendam-se: se temos ética republicana não nos digam: "habituem-se". Ou se querem que a gente se habitue esqueçam a ética republicana e, de certeza, a ética, simplesmente.

 

 

Até para a semana.