17/06/09

Arqueologia ideológica


“Em que direcção se põe o sol ? “
Uma criança pouco informada ou com dificuldades de desenvolvimento poderá responder – põe-se do lado direito. Outro aluno com as mesmas características poderá responder – põe-se do lado esquerdo.
Facilmente podemos perceber que ambas as respostas podem estar certas e ambas as respostas podem estar erradas. Em termos de avaliação final terão que estar ambas erradas.
Então o que se passa ?
A criança não é capaz de raciocinar em termos de orientação, isto é, a criança não dispõe de estruturas cognitivas que lhe permitem compreender que a sua posição é relativa. Isto é, o sol pode pôr-se de qualquer lado: da esquerda ou da direita dependendo do local em que se encontra.
Então a resposta não pode ser essa.
Na nossa vida passamos o tempo a falar de esquerda e de direita.
As duas posições políticas tal como as posições geográficas podem estar certas e as duas podem estar erradas. Depende do ponto de vista.
Para me orientar preciso da bússola ou de sinais que me dêem a certeza do lugar onde estou. Mas é também necessário ter estruturas cognitivas que permitam compreender os pontos cardeais.
Esta é a falácia da política: esquerda é positivo, pensar bem, social, democrática, tudo o que faz é bem feito, tudo o que faz é para bem e em nome do povo.
Um golpe de estado de esquerda? Bem… enfim… é em nome do povo… quer dizer….
Uma ideia interessante da campanha eleitoral de 2002, para além da ideia do cherne, foi Durão Barroso vir falar de arqueologia ideológica a propósito destes conceitos.
Se tinha dúvidas praticamente desvaneceram-se após o 11 de Setembro e por tudo o que se passou desde então.
Poderá existir um “arquipélago de sangue”, de Noam Chomsky, mas isso não impede que o “arquipélago de Gulag” tenha sido menos violento.
A arqueologia ideológica continua aí. Durão Barroso tinha razão.
E alguns especialistas em esburacar ainda mais a sociedade, sem nada de novo apresentarem, de forma criativa, que possa tornar o preço do pão menos caro e as pessoas um pouco mais felizes, insistem em ficar calados perante os desvarios dos amigos ditos de esquerda ou de direita.
Os direitos humanos não são de esquerda nem de direita, ou seja, dos partidos que estão à esquerda ou estão à direita. As questões civilizacionais não são dos que se sentam à esquerda ou à direita…
Como nas questões geográficas das crianças, temos que ter outro referencial que não sejam os clichés estafados de bom e de mau pelo facto de se sentarem à esquerda ou à direita. Em última análise são apenas isso: sentam-se à esquerda ou à direita.
Mas o referencial deverá ser que estão certos ou errados conforme defendam ou não os direitos humanos, conforme defendam ou não princípios axiológicos e civilizacionais.
Se o sol quando nasce é para todos bem podem tapá-lo com uma peneira que não é por isso que os que se sentam à esquerda são mais iluminados do que os que se sentam à direita. A não ser que tenham os pontos cardeais da liberdade, da democracia, da justiça e da paz.

11/06/09

Orientação escolar e profissional


Um dos problemas que se coloca a muitos alunos nessa fase do ano lectivo diz respeito ao que irão fazer no próximo ano lectivo.
Para os que estão a terminar o 9º ano. Com o final da escolaridade básica coloca-se uma questão fundamental: Continuar a estudar ou ingressar no mundo do trabalho.
Para a maioria dos alunos a escolha preferida será a continuação dos estudos. Mas estudar o quê e onde ?
Como se sabe hoje temos várias escolas que podem certificar os alunos a nível do ensino secundário: As escolas do ensino secundário, as escolas profissionais, as escolas do ensino artístico, os centros de formação, os centros de formação do sector de actividade…
As escolas do ensino secundário têm também outro tipo de respostas que não apenas as dos cursos científico-humanísticos e tecnológicos.
Estes caminhos são muitas vezes esquecidos pelos alunos e pais, quando permitem ou querem que os filhos ingressem imediatamente na vida activa sem antes terem acesso à formação profissional.
Isto tem implicações na qualificação profissional dos trabalhadores e engrossa o contingente da mão-de-obra pouco qualificada.
Há, no entanto, alunos que não completam o 9º ano.
Para eles coloca-se também o problema da orientação quando devido a sua idade, ao seu comportamento ou às suas dificuldades de aprendizagem já não estão bem na escola e a escola já nada lhes diz e passam do desinteresse ao absentismo e muitas vezes ao abandono.
O insucesso repetido é assim muitas vezes a base da desmotivação que leva ao cominho mais fácil: o abandono.
Há alunos que deixam de ir à escola no dia em que completam os 15 anos. Nem sequer deixam terminar o ano lectivo que é o correcto para cumprir a legislação em vigor, prejudicando-se muitas vezes a si próprios, porque se foi viver com a namorada, porque se engravidou, por muitas razões, certamente compreensíveis mas pouco racionais.
No meio de tudo isto florescem orientações pouco científicas e pouco pedagógicas.
As crianças e adolescentes com problemas escolares deviam ter diagnósticos correctos mas para elas muitas vezes começa aí outro calvário.
São enviadas ao médico para serem vistas pela falta de memória ou de atenção, outras vezes vão aos xamanes da região, ou são caracterizadas com diagnósticos mais modernos como hiperactividade ou são consideradas espíritos especiais e caracterizadas como indigo ou cristal.
O que é preciso é encontrar uma justificação…
É por isso que há necessidade de equipas multidisciplinares que possam compreender e orientar estas situações. Estas equipas devem colaborar estreitamente com a escola e, principalmente, com a estrutura de decisão que é o conselho escolar ou o conselho de turma. É necessário, no entanto, dar mais competências organizacionais a umas e a outro.
Os recursos que temos são escassos mas é possível serem mais bem rentabilizados. Assim como a coordenação das respostas, a articulação dos serviços e dos apoios educativos e sociais.

04/06/09

CIF - Dificuldades de aplicação

1. Os critérios para a integração ou exclusão das NEE de alunos com deficiência mental e dificuldades de aprendizagem têm dado origem a dificuldades na elegibilidade dos alunos com NEE.
Estas dificuldades vêm provar a existência de vários problemas de aplicação da CIF. Tenho visto grandes discrepâncias no entendimento relativo à aplicação da CIF. Há de tudo, desde quem não tenha em conta as exclusões, dando origem a listagens intermináveis de capítulos, esquecendo o “core” a estabelecer para um perfil de funcionalidade, como refere Simeonson, até às interpretações mais ou menos “a olho” no que se refere principalmente ao primeiro qualificador…
Relativamente às funções do corpo – funções intelectuais, são evidentes várias interpretações relativamente ao primeiro qualificador. Veja-se, por exemplo, aqui, uma dessas interpretações, da qual discordo.
2. Tentando estabelecer algum consenso sobre este assunto, em meu entender, devem ser considerados os critérios psicométricos que definem a deficiência mental [1] de acordo com a Classificação da Deficiência Mental da OMS, DSM IV [2] e WISC – III [3] , referidos no Quadro seguinte:


Para um aluno ser considerado portador de NEE de tipo cognitivo (deficiência mental) a classificação deverá ser: Deficiência mental (ligeira, moderada, grave e profunda) – muito inferior [4].
Em meu entender é suficiente que este score seja apenas numa das escalas da WISC – III (Escala verbal, Escala de realização ou Escala completa).
No entanto, a tomada a decisão do Conselho de Turma deve ainda ter em conta critérios de tipo adaptativo, educativo e de personalidade.
Os alunos considerados com deficiência mental são abrangido pelo DL 3/2008 pelas medidas educativas previstas nas alíneas b) ou e), que se excluem mutuamente, e podem ser acumuladas com outras medidas quando necessário.
3. Os alunos que não se enquadrem nestes critérios (deficiência mental) e o nível cognitivo se situe a nível médio inferior e inferior (QI entre 80 e 90; 70 e 80), devem ser considerados no âmbito das dificuldades de aprendizagem, tendo em conta as situações seguintes:
No primeiro caso, se as dificuldades de aprendizagem forem consideradas graves (alexias, dislexias), o aluno deverá ser considerado nas NEE no domínio comunicação, linguagem e fala.
As medidas educativas a aplicar são, principalmente, as abrangidas pela alínea a), devendo ser ponderado se o aluno deve ser também apoiado por professor de EE (alínea d) do nº 2 do artº 17).
Considero dificuldades de aprendizagem graves, nos alunos do 1º ciclo, quando se verificar um atraso de dois anos na aprendizagem da leitura e escrita, isto é, quando o aluno não tiver adquirido, de forma consistente, o 1º e 2º nível da leitura e escrita, devendo ser considerado como elegível para o apoio da educação especial.
Quanto aos outros casos, quando se verificar que, na avaliação de prova de despiste da dislexia específica, o aluno ultrapassar 75% de erros[5] , deve também ser considerado elegível para a Educação Especial no domínio da comunicação, linguagem e fala.
No segundo caso, envolvendo perturbações disruptivas do comportamento e de défice de atenção (perturbação de hiperactividade com défice de atenção, perturbação de comportamento e perturbação de oposição), devidamente avaliadas por instrumento adequado e que se enquadrem nos critérios estabelecidos no DSM IV, deverão também ser considerados no domínio emocional/personalidade e elegíveis para a Educação Especial.
Além disso, o aluno deverá manifestar, cumulativamente, dificuldades de aprendizagem, ainda que não apresentem a gravidade descrita na primeira situação.

[1] No caso de se tratar de crianças até aos 6 anos de idade, deverá ser avaliado o seu desenvolvimento através de instrumentos adequados, como por exemplo: WPPSI - R ou Escala de Desenvolvimento de Griffiths, tendo em conta quer o respectivo QI ou QD.
[2] American Psychiatric Association - DSM IV – Climepsi Editores, 1996
[3] Wechsler, D. - WISC III – Escala de Inteligência de Wechsler para crianças III – Manual – CEGOC, 2003
[4] A classificação de Lou Brown: com QI inferior a 51 era, em 1987, deficiência intelectual severa (severe intelectual disabilities), e em 1995, deficiência intelectual acentuada (significant disabilities). Estes alunos devem ser objecto de um currículo funcional.

[5] Prova de avaliação da dislexia específica, por exemplo, PEDE, de Condemarin e Blomquist