29/09/22

A primeira vez: a entrada na escola (2)



  

A entrada na escola bem sucedida depende essencialmente de dois factores: os pais e os professores. Comecei por falar do impacto que a entrada dos filhos na escola tem para as famílias. Não se pode deixar de reconhecer o outro lado fundamental deste processo inicial: os professores.
Obviamente, as diversas estruturas da escola e o sistema educativo têm impacto na vivência desta crise de forma adaptativa ou não.

A escola é um mundo real onde convivem pessoas concretas, adultos e crianças, professores e alunos, cada uma com a sua visão, diferente da escola real, cada uma com a sua escola imaginária. A nossa escola ideal é, também, um processo inconsciente, faz parte dos desejos e das expectativas, das esperanças e dos sonhos dos pais, das crianças e dos professores.
Umas vezes a escola responde de forma adaptativa a este processo outras vezes nem por isso (1) e esbarra com a realidade concreta de cada criança e a realidade concreta de cada professor.
De facto, a escola forma para os valores humanos como é expresso no projecto educativo de qualquer escola ou agrupamento de escolas. Mas também pode ser ou é um lugar de aprendizagens outras que não conduzem ao caminho previsto pela sociedade para o processo educativo e ou ser origem de problemas e de stress para a criança e sua família.
O futuro educativo ou simplesmente o futuro de uma criança depende muito da forma como este momento crítico é assumido pelos professores. 

Da minha experiência no Serviço de Psicologia e Orientação (SPO), em inúmeras reuniões com professores ou de Conselho de Turma, concluí que a turma (1º ciclo) e o conselho de turma constitui o core de todo o sistema educativo e, portanto, o papel exercido pelos professores é decisivo no processo educativo de cada aluno.
É, por isso, que a gestão da turma é um trabalho árduo, personalizado, principalmente em momentos críticos como a análise da primeira abordagem dos alunos da turma ou em momentos de avaliação qualitativa (compreensiva).
O trabalho da maioria dos professores é sem dúvida intenso e de grande responsabilidade, exige competência técnica, empenho, motivação, capacidade de liderança, cooperação, inteligência emocional, honestidade (2) ... (Claro que, como em todas as organizações, há professores desmotivados e em burnout).

No início do ano lectivo, a inclusão de cada aluno na escola exige estar atento às diferenças que uma vez identificadas e valorizadas permitam a prática de metodologias e estratégias como a necessidade de educação especial, definição das capacidades e fragilidades, da maturidade e precocidade excepcional. 
Desta forma serão ultrapassadas as dificuldades e adquiridas competências comuns a todos os alunos, ou específicas, desenvolvendo-as até onde for possível quando adaptativas.
Para crianças diferentes poderão ser necessários métodos e estratégias diferentes e aqui ganha relevo a metodologia UDL (Desenho Universal para a Aprendizagem). (3)
Como já aqui escrevi “a educação é o professor. É a mudança que falta fazer."
Volto hoje a dizer: investir nos professores é o melhor seguro para o futuro de uma criança, o mesmo é dizer de um país.


Até para a semana.


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(1) Pennac, Daniel, (2009), Mágoas da Escola, Porto Editora

(2) McCourt, Frank, (2005), O Professor, Ed. Presença

(3) Rose, David e Meyer, Anne, (2002), Teaching Every Student in the Digital Age, Universal Design for Learning, ASCD




15/09/22

A primeira vez: a entrada na escola


M. (6;3) - Pré-escrita. *

(Dois pedidos para o jantar)




Como costumamos dizer há sempre uma primeira vez para tudo. A entrada na escola é a primeira vez de muitas outras que se seguirão. É talvez, no nosso percurso escolar, a primeira vez mais importante que fica na nossa memória.

A minha ficou e lembro-me de que no primeiro dia fui com minha mãe que me apresentou e me entregou à responsabilidade do Sr. professor António Mendes...

e lembro-me de como foi difícil esse primeiro dia apesar de conhecer todas as crianças que entraram naquele ano e naquela sala, da escola dos rapazes.

 

Para os pais a situação não é mais fácil. Fui percebendo, como pai, e agora como avô, como é difícil a separação destes pequenos grandes homens e mulheres de 6 anos, que ingressam no 1º ano.

O 1º ano do 1º ciclo é a primeira grande separação das crianças dos seus pais. 

Como já aqui e aqui escrevi: “O primeiro dia de escola é para a criança um acontecimento importante caracterizado objectivamente pela separação da família e pelo encontro com um novo mundo. É também importante pelas expectativas que lhe foram criadas pelos adultos e pelas outras crianças."

 

Verifico com curiosidade que o governo, ao anunciar algumas medidas para fazer face à crise económica e social actual, usou o lema : “Famílias primeiro”.

Seria motivo suficiente para apoiar incondicionalmente não fosse, como de costume, a suspeita de que se trata apenas de retórica.

As famílias – que para o serem tem que haver uma criança no agregado - deviam, de facto, estar em primeiro lugar, porque ao olhar para elas não podemos deixar de ficar impressionados com as suas fragilidades em contraste com as exigências que são feitas a pais e filhos para frequentarem a escola.

 

A entrada na escola é uma das situações críticas da vida familiar. A família enquanto organização dinâmica sofre mudanças permanentemente, mudanças que são crises normativas como as que já sabemos que vão ocorrer   ou não-normativas se forem imprevisíveis, acidentais e inesperadas.

Podem ainda ser mistas quando ocorrem crises acidentais ao mesmo tempo de crises previsíveis.

Todos os pais conhecem esta crise previsível: a dificuldade de escolha da escola que consideram mais adequada para os seus filhos, pública, particular, social, e das características que oferece: qual o projecto educativo, número de alunos, número de alunos por sala, os horários das aulas, os intervalos, as actividades, os transportes, quem são os professores, os preços...

Depois vem a preparação necessária: os materiais, livros,  a roupa, a farda, os transportes, as refeições, ir levar e buscar... e conjugar tudo com os horários e trabalho dos pais. 

Para que tudo funcione é necessário haver uma rede de confiança nos outros intervenientes para poderem ir trabalhar com alguma tranquilidade e, mesmo assim, com todas as preocupações. É que no mundo e nas comunidades a confiança e segurança não melhorou. Pelo contrário...

Por isso, nada pode ser deixado ao acaso, tudo tem que ser conjugado e articulado com os vários intervenientes que devem ser competentes no seu ofício e cuja personalidade mereça confiança...

 

Finalmente, para as crianças começa esta grande aventura... E os seus pais são os grandes heróis desta etapa da vida familiar por conseguirem ultrapassar esta crise repleta de todos estes problemas e porque, mesmo sabendo de tudo isto e  de todos estas dificuldades, há pais que querem continuar a ter filhos e a amá-los acima de todas as coisas.


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* A pré-escrita é uma etapa do desenvolvimento da expressão gráfica da criança. É, entre outros procedimentos, uma boa indicação de que atingiu a maturidade  necessária para iniciar as aprendizagens escolares.








05/09/22

Felizmente, o mundo continua a parar...

"Love is a many splendored thing" ( 1955)
Realizador:  Henry King.  Com William Holden and Jennifer Jones.
Canção tema: Matt Monro
Roteiro de John Patrick do livro de Han Suyin (1952). 
A canção tema  foi gravada pelo grupo The Four Aces

 

Love is a Many Splendored Thing 


O amor é uma coisa muito esplendorosa Love is a many splendored thing É a rosa de Abril que só cresce no início da Primavera It's the April rose that only grows in the early Spring O amor é a maneira da natureza dar uma razão para viver Love is nature's way of giving a reason to be living A coroa de ouro que faz de um homem um rei The golden crown that makes a man a king Uma vez numa colina alta e ventosa, na névoa da manhã Once on a high and windy hill, In the morning mist Dois amantes  beijaram-se e o mundo parou Two lovers kissed and the world stood still Então seus dedos tocaram o meu coração silencioso e  ensinaram-no a cantar Then your fingers touched my silent heart and taught it how to sing  
Compositores: Paul Webster / Sammy Fain
 

01/09/22

Tempo de diálogo e esperança


Gorbatchov,  2 de Março de 1931 - 30 de Agosto de 2022.

"Escrevi este livro porque acredito no senso comum de toda a gente. Estou convencido de que as pessoas, tal como me acontece, se preocupam com o futuro do nosso planeta. E este é o assunto mais importante.
Devemos encontrar-nos e discutir. Devemos tentar resolver os problemas com espírito de cooperação em vez de com animosidade. Compreendo que nem todos concordarão comigo. Na verdade, nem eu concordo com tudo quanto outros, em diversas ocasiões, dizem. Isto significa que o mais relevante é o diálogo. O meu livro é uma contribuição para isso." (Perestroika, p.17)

Um homem extraordinário, como tentei dizer em: MurosRevoluções, guerras e pessoas; Tempo de esperança. 

Erros? Claro. Releio uma crónica de J. Pacheco Pereira ("Gorbatchov e a Rússia", Vai Pensamento, 2002): 
"É por isso que convém não confundir o papel que objectivamente Gorbatchov teve para acabar com o comunismo e a URSS, com as suas ideias presentes sobre a Rússia, o seu antiamericanismo larvar, o seu apoio a Putin e à guerra da Chechénia. O crescente isolacionismo da política russa que encontrou também uma voz em Gorbatchov. - "não nos dêem lições", "nós é que sabemos do nosso país e da sua complexidade" - funciona como argumento de autoridade para que não haja discussão. Discussão é aliás coisa com que Gorbatchov convive mal, ele que foi educado a ensinar e a debitar a "linha" política, e que tem muitos tiques autoritários da velha política russa. Gorbatchov pode ser um "herói" dos nossos dias como lhe chamou António Barreto mas convinha não assinar de cruz as suas políticas ou as suas opiniões." (p. 242-243)

Para um homem condicionado pela educação do "homem novo", temos de convir que foi um homem extraordinário que originou um tempo de diálogo e de esperança.