28/07/09

Antes oportunidades agora que novas oportunidades depois

No final do ano lectivo, surgem várias opiniões sobre os resultados da avaliação.
Este foi um ano difícil pelas condições que foram criadas às escolas e ainda bem que algumas mudanças não foram concretizadas. Mesmo assim, estamos com muita vontade de ir de férias.
A ideia de que fazer reformas é muito bom e positivo, não é de todo verdadeira.
É necessário fazer reformas que sejam aplicáveis e que melhorem, de uma maneira geral, a vida das pessoas e, neste caso, a vida das escolas, dos alunos e das famílias.
Mas o final do ano implica tomar decisões importantes para a vida dos alunos.
Não podemos confundir querer com poder. Embora também digamos que querer é poder, há limites para essa sugestão, seja auto-sugestão ou hetero-sugestão.
A ideia de que todos podem concluir o ensino básico ou o secundário é muito generosa mas sabemos que não é assim. Principalmente se pensarmos que se conclui o básico ou secundário cumprindo, pelo menos, os objectivos gerais do 3º ciclo ou do secundário.
Devia ser claro o que é uma coisa e outra. A sociedade devia saber o que resulta de determinados regimes educativos e que as consequências são diferentes.
Frequentar a escolaridade obrigatória é uma coisa, concluir com aproveitamento o 9º ano é outra bem diferente.
O conselho de turma deve analisar a situação dos alunos que se encontrem numa situação de retenção ou retenção repetida, no sentido de decidir se mais uma retenção será uma medida ajustada àquele aluno.Será que o aluno quer e não pode ou pode e não quer?
Muitas vezes usamos caracterizações que não explicam grande coisa: não estudam, não se interessam, tem problemas de memória, tem problemas de atenção, é hiperactivo, é preguiçoso, não anda com boas companhias…
Há muitos alunos que chegam ao SPO ou ao Gabinete de Psicologia com essa classificação: têm capacidades mas não as aproveitam.
Esta conclusão pode ser falsa.
Há pais que não querem ver a realidade e, por isso, negam as dificuldades e problemas de aprendizagem dos filhos, culpam a escola, os professores e técnicos da escola de não serem capazes de os ensinar ou educar.
Há alunos que têm capacidades cognitivas mas não têm as restantes ferramentas indispensáveis para aceder ao saber. Ou seja, apresentam dificuldades de leitura ou escrita.“Existe uma relação fortíssima entre a compreensão leitora e o sucesso escolar. O que acontece é que, frequentemente, os alunos, apesar de terem capacidades, não conseguem extrair o significado daquilo que estão a ler. Em muitos casos até descodificam textos muito facilmente, mas na verdade não sabem ler porque apesar de dominarem a técnica da descodificação não dominam a da compreensão”. [1]
Esta questão coloca-se com alguma acuidade em alunos que chegam ao 7.º ano de escolaridade e que não dominam a leitura.
O aluno pode querer ultrapassar as suas dificuldades, mas não saber ler é uma barreira de tal forma limitativa que o vai desmotivar e desinteressar das actividades académicas.E, penosamente, vai arrastar-se pelo 3º ciclo com insucesso, instabilidade e problemas de comportamento, deixando de estudar logo que possa.
Apesar de já haver algumas respostas alternativas, são ainda escassas e muitas vezes reservadas a alunos com determinadas características cognitivas e comportamentais, não correspondendo a uma correcta orientação escolar que tem em conta os interesses e as competências do aluno.
É necessário dar oportunidades, agora, a estes alunos e não oferecer-lhes novas oportunidades daqui a cinco ou dez anos.

[1] Adriana Campos (2009-05-27), Educare.pt - Ver aqui .

08/07/09

Uma pessoa é o sol, o mar, o pai e a mãe

1. Pedi a uma criança para fazer um desenho de uma pessoa. Perguntei-lhe o que tinha desenhado; respondeu que era “o sol, o mar, o pai e a mãe”.
Percebi, desta forma, o que era uma pessoa e o que era mais importante para a criança.
No princípio, era a água e o fogo. O mar e o sol. O líquido indispensável à vida. O fogo, a experiência fascinante que se perde no tempo e que ainda hoje continua a ser uma experiência infantil.
Importante é procurarmos na água o nascimento de um ser que parte para a grande caminhada da vida levando sempre as memórias da infância. Como Eugénio de Andrade em CANÇÃO INFANTIL:

Era um amieiro.
Depois uma azenha.
E junto um ribeiro.

Tudo tão parado.
Que devia fazer?
Meti tudo no bolso
para os não perder

E também procurar no fogo aquilo que quebra o gelo. O fogo do diálogo. Que começa por ser o diálogo corporal e que se prolonga no diálogo musical.
Mozart, Brahms, Tchaikovsky, tão próximos de uma canção de embalar, que é a mais bonita canção de amor entre dois seres: mãe -filho.
A música está no corpo do bebé que é o seu primeiro instrumento; está nos primeiros esforços que faz para galrear e balbuciar. Ela é ritmo antes de ser melodia. E como se sabe, para um bebé a primeira melodia é a voz da mãe, voz doce que se confunde com a voz mais dura do pai ... e ambos cantando-lhe o seu amor.
A criança não precisa de compreender as palavras para se sentir calma e feliz.
Antes da invenção dos instrumentos, os efeitos do canto vocal foram explorados pelo homem para fins precisos: o acalmar das crianças agitadas é o mais espalhado pelo mundo.
A canção de embalar acompanha a voz com movimentos da cabeça ou das mãos … estímulos visuais, que sincronizados com o canto, contribuem para a indução da calma, e são ainda reforçados pelo balanço do berço, que assim aumenta o efeito hipnótico do canto dirigindo-se ao sistema somestésico da criança.
2. Depois uma pessoa é o pai e a mãe, a família. A autoridade dos pais como modelo e como responsabilidade.
A autoridade dos pais baseia-se na vida e no trabalho dos pais, a sua personalidade de cidadãos, o seu comportamento.
O trabalho paterno deve consistir em saber como vive, de que se interessa, do que gosta e o que quer o seu filho. Quais são os seus amigos, com quem joga, o que lê e como assimila o que lê. Qual a sua atitude face à escola, aos professores, quais são as suas dificuldades, como é o seu comportamento nas aulas.
A ajuda dos pais não deve ser inoportuna, enjoativa e fastidiosa mas deve ser responsável. É necessário que a criança às vezes resolva os seus problemas sozinha e que se habitue a ultrapassar dificuldades e resolver questões complicadas.
As férias de Verão podem ser um tempo para esta experiência educativa pois têm todos estes ingredientes : o mar, o sol, o pai e a mãe.

04/07/09

Professores salvadores


Foi publicado, em Abril de 2009, o livro de Daniel Pennac “Mágoas da escola”[1]
É um livro que relata a história de um mau aluno mas que acaba por se tornar professor.
É um livro que recomendo, se me permitem, a todos os pais e professores e que não sendo um tratado de pedagogia é sobre o essencial da pedagogia.
“Mágoas da escola” fala dos maus alunos, aqueles alunos em que ninguém acredita, que não vão ser nada nem ninguém na vida. São os alunos sem futuro.
Não é um livro sobre a escola como refere o autor, mas um livro”sobre cábulas, sobre a dor de não aprender”.(pag 22)
Revejo todos os anos que tenho dedicado ao trabalho com muitas destas crianças.
Revejo o sonho deste cábula:
“Tenho um sonho….
Estou sentado de pijama, na berma da minha cama. Grandes algarismos de plástico, como aqueles com que brincam as crianças muito pequenas, estão espalhados pelo tapete, à minha frente. Tenho de “ordenar aquele algarismos”.
É o enunciado. A operação parece-me fácil, estou feliz. Debruço-me e estendo os braços para os algarismos. Apercebo-me de que as minhas mãos desapareceram. Não há mãos dentro do pijama. As minhas mangas estão vazias. Não é o desaparecimento das mãos que me aterroriza, é não poder alcançar os algarismos para os ordenar. O que seria capaz de fazer.”
Já falámos do final do ano lectivo e dos problemas que vêm com a avaliação.
Os interventores da escola continuam a não compreender esta coisa tão simples que é haver alunos que não são capazes de adequar o seu trabalho às necessidades do currículo.
Os tratados de pedagogia esquecem-se muitas vezes apenas deste pormenor.
E depois, concordo, temos a atribuição da constituição de bandos aos fenómenos dos subúrbios, às questões económicas, às questões sociais, ao desemprego, aos excluídos, à economia paralela e aos tráficos de toda a ordem…
Mas esquecemo-nos da única coisa sobre a qual podemos agir: “a solidão e a vergonha do aluno que não compreende, perdido num mundo em que todos os outros compreendem”.
Mas é preciso mudar também as expectativas dos pais, que confrontados com o filho que tem dificuldades, às vezes, são os primeiros a discriminá-lo.
Pennac fala dos professores salvadores e dos professores que dão estes alunos como casos perdidos.
“Os professores que me salvaram - e que fizeram de mim um professor - não tinham recebido nenhuma formação para esse fim. Não se preocuparam com as origens da minha incapacidade escolar. Não perderam tempo a procurar as causas nem tampouco a ralhar comigo. Eram adultos confrontados com adolescentes em perigo Pensaram que era urgente. Mergulharam de cabeça. Não me apanharam. Mergulharam de novo, dia após dia, mais e mais…acabaram por me pescar. E muitos outros como eu repescaram-nos literalmente. Devemos-lhes a vida” ( pag. 36).
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[1] Pennac, Daniel (2009), Mágoas da escola, Porto: Porto Editora