28/12/11

Revisão curricular: mais um remendo


O título é já em si uma crítica favorável a esta revisão curricular porque a estrutura curricular que existe bem precisa de ser remendada.
Tem havido várias maneiras de fazer revisões da estrutura curricular. Numa classificação rápida, podemos resumir o que tem acontecido na educação nesta matéria:
- A demagógica, populista /basista
- A autoritária, porque sim e extra-terrestre
- A democrática e realista
A primeira foi no tempo de Guterres/Já não me lembro, ah ! Grilo/Benavente
A segunda no tempo de Sócrates/Rodrigues /Lemos
A terceira era bom que fosse a de Coelho/Crato/ Ainda não sei.
Crato sabe que é necessário mudar. Como nós sabemos. Mas há um problema: é que esta revisão ainda é pouco realista. No terreno as necessidades são outras. Principalmente depois dos desconcertos do governo anterior.
Crato vem de um pensamento anti-eduquês mas cria uma revisão que não deixa de dever ao pensamento eduquês. Porque é feita nos gabinetes sem conhecer as reais necessidades das escolas ou do terreno.
Diga-se que o problema não é apenas deste país nem deste sistema educativo. É de sistemas educativos de muitos países desenvolvidos. Como em França. Veja-se o que se diz no "Eduquês: um flagelo sem fronteiras".
Esta revisão é um reajustamento que se impunha no que diz respeito às ciências e às humanidades. No entanto, não se pode deixar de discordar no que diz respeito às artes. O problema está na questão das ciências mas não só. O problema está na cultura que também passa pelas artes: visuais, literárias, musicais e do espectáculo.
É nestas áreas que algumas personalidades se podem desenvolver porque são as áreas onde há maiores potencialidades divergentes para as crianças e jovens poderem realizar os seus sonhos. Por isso, esta revisão é importante mas é insuficiente de dois modos:
Primeiro, porque em si mesma continua a dar pouco relevo às artes e, em segundo lugar, porque era necessário fazer uma reforma do sistema e não apenas do currículo.
Com este currículo ou com outro os problemas vão manter-se e disso já temos aqui falado por várias vezes.
O que acontece aos alunos que não querem fazer o secundário: em que escolas, em que currículos se vão integrar?
O que acontece aos alunos que nem sequer se interessam pelo 3º ciclo?
O que acontece aos alunos com NEE ?
O que acontece à formação, às escolas profissionais, ao sistema de aprendizagem, à articulação educação/formação?
Não quero ir tão longe como Ramiro Marques, mas que há muito de verdade aqui, lá isso há.
Raramente estou de acordo com Daniel Sampaio no que se refere à educação. Mas está ali ao lado uma teoria das três escolas que mostra bem a preocupação que já havia nessa altura (1998).Talvez não três escolas mas três ou mais percursos podiam fazer sentido a partir do 7º ano. Os percursos seriam definidos pelo Ministério e o resto seria deixado à autonomia dos agrupamentos.

Natal é pobreza em espírito


Reli. Faz talvez mais sentido  nestes tempos de um Natal que acontece em altura de grandes modificações sociais e económicas.
Pobreza em espírito é “a adesão incondicional do homem ao seu próprio ser, a fidelidade determinante para com a sua pobreza fundamental, o suporte contra o «escândalo» provocado pela renúncia de si mesmo…”
A pobreza acompanha-nos durante a vida, é inerente à fragilidade do ser humano e ela opõe-se ao orgulho, o termo-nos demasiado em conta.
Algumas formas dessa pobreza são:
A pobreza da vulgaridade
A pobreza da pobreza, a da miséria
A pobreza da grandeza e particularidade invioláveis
A pobreza da provisoriedade
A pobreza daquilo que termina
A inevitável pobreza da morte.
Somos seres vulgares, somos seres que existimos «contra toda a esperança», somos seres únicos e insubstituíveis que queremos fugir de nós próprios mas que ninguém pode substituir, a pobreza do transitório, relacionada com a anterior condição profundamente determinante da nossa existência histórica que não se detém na tranquilidade do momento presente.
Não é fácil aceitar esta pobreza mas ela contém o verdadeiro espírito de Natal. Diria que a aceitação destas várias pobrezas é a riqueza do ser humano.

27/12/11

V centenário do nascimento de Amato Lusitano


É um bom trabalho jornalístico,  este suplemento do Jornal do Fundão (10-11-2011). Verdadeira excepção.
Vem cheio de coisas que podem ser “dinamite cerebral” (como diria P. Pereira).  A começar pelo “Juramento” que, nos dias de hoje, é um código de conduta para todas as profissões.
Depois traz entrevistas a pessoas  que respeitamos e gostamos.
E poesia…  como este excerto de Melo e Castro

                                                           ...da
liberdade viva, só a vida me vive, porque
não morro aonde morro, nem
moro aonde moro, mas sim aonde
a liberdade vive, livre

21/12/11

Outro canto, a mesma Europa

Amanhã, 22 de Dezembro, haverá lugar na FNAC do Colombo a uma apresentação do CD, com um momento musical do Coro Gregoriano de Lisboa.
"O Canto Gregoriano surgiu como elemento primordial de um processo de unificação da Europa que constituiu tanto na reunião de cantos antigos como na criação de cantos novos."

Referências: Aqui

20/12/11

Natal é respeitar o próximo


A mentalidade de alguns portugueses (do português ?) não mudou grande coisa ao longo dos tempos.
A liberdade para muitos é fazer o que apetece. Continuamos a conviver com indivíduos que só sabem ameaçar os outros. É gente que anda por aí a fazer o que quer.
Não pagam o condomínio. E por que devem pagar se há outros que lhe põem o elevador a funcionar, lhe lavam as escadas, e eles podem passar à vontade?
Não pagam os impostos e põem o dinheiro nos offshores. E por que hão-se pagar se há outros que o fazem escrupulosamente ?
São indivíduos que estacionam em frente das portas de entrada dos outros. E por que não hão-de estacionar se as multas são só para alguns ?
E tudo o resto de que falava Alberto Pimenta, em 1995. E, mesmo que gostemos de ser o que somos, portugueses, como não havemos de concordar com ele ?
...
Há um total desprezo do próximo, uma falta de noção dos direitos e deveres urbanos civilizacionais. Soube agora de um caso que se passa num prédio normal do centro da cidade. Há alguém que guarda a moto do filho de família no patamar entre o terceiro e o quarto andares e, quando lhe vão dizer que não o pode fazer, essa gente que é licenciada fecha a porta, dizendo: «A moto é minha, eu faço o que eu quero!» Tal e qual como o sapateiro que bate no filho e diz: «O filho é meu, eu faço o que quero!». É a sociedade do «salve-se quem puder». A maior parte das discussões que se geram em bichas, em lugares públicos onde se reclama um direito, resulta da falta de noção muito exacta que qualquer alemão, francês ou italiano tem dos seus direitos e deveres. Aqui é tudo uma
«questão particular». Passa a não ser uma sociedade organizada mas um clã.
...
Enquanto a Europa é urbana e civilizada há muito tempo, em Portugal o crescimento faz-se por saltos muito grandes. Temos a ideia de que o progresso é deitar fora o que há e substituir pelo novo, o que mostra que não o conseguimos integrar. Em cada época, há elementos que definem o novo-riquismo.
...
Na Segunda Guerra, houve o boom dos novos-ricos do volfrâmio e dizia-se que eles comiam a sardinha assada com pão-de-ló. Hoje continua e, apesar do novo-riquismo destes anos em que já somos europeus, basta por o pé para lá da fronteira para perceber que somos cada vez menos em termos culturais. Temos o mito das melhores praias, dos melhores vinhos, mas quanto tempo vão durar? Há terrenos próximos de Lisboa, na zona do Ribatejo, que estavam classificados para agricultura exclusivamente. Há três ou quatro anos saiu um decreto que permite utilizá-los para campos de golfe desde que sejam reconvertíveis. Daqui a 15 anos, comeremos bolas de golfe em vez de couves...
Há coisas que não custam dinheiro e que não têm a ver com a crise como ser educado e respeitar o próximo, por exemplo. 
Um bom Natal e que o Menino Jesus nos ajude a respeitar os outros!

Magia na diferença

 Beethoven 

15/12/11

Quando as letras fazem sentido


A avaliação dos alunos, no final do 1º período, é um momento de reflexão para a escola, professores, pais e encarregados de educação.
A avaliação, para além dos grandes números das estatísticas, deve ter em conta os alunos em concreto.
Um particular cuidado deve ser posto em relação aos alunos que entraram para o primeiro ciclo porque é fundamental, nesta altura, saber se a criança se adaptou bem e se começou a fazer as aquisições da leitura escrita e cálculo.
Com frequência, é quando os pais se confrontam pela primeira vez com algumas dificuldades de comportamento ou de aprendizagem dos filhos, podendo surgir alguma desilusão face às expectativas dos pais.
Os problemas escolares são multifactoriais. Dependem da própria criança e de tudo o que está à sua volta: a comunidade em que vive, a família, a escola os professores.
A culpabilização ou a vitimização são uma simplificação. Temos pais que se culpam a si próprios ou culpam imediatamte a escola ou o professor.
Mas tudo na escola é muito mais complexo: a relação pedagógica é a interacção de duas pessoas que estão em desenvolvimento, o aluno e o professor, que trazem para a escola a narrativa familiar.
Por outro lado, alguns problemas escolares ainda não são compreendidos ou esclarecidos pela ciência e ainda não é fácil fazer o diagnóstico.
A ligeireza das avaliações pode fazer pensar que todo o problema se deve ao desinteresse do aluno pela escola ou que é preguiçoso, infantil e imaturo.
Está, certamente envolvida a responsabilidade do aluno, mas há que evitar tomar medidas à sorte que geram alguns dramas familiares:
O mais à mão, e o mais pernicioso, passa pela punição física,
As punições mais soft que hoje em dia são: retirar à criança a quinquilharia electrónica: computador, playstation, telemóvel, video…
A punição "pedagógica": horas intermináveis de “estudo” que levam ao desespero dos pais e da criança, transformam  o problema escolar no centro da vida familiar.
Ou então retirar actividades de que a criança gosta particularmente como praticar um determinado desporto ou outra actividade física, estar com os amigos, ir ao cinema
Já sabemos que estas atitudes não resolvem nem melhoram o problema e, por vezes, até o agravam.
Por isso, é preferível ir à raiz do problema.
A experiência diz-nos que nem todas os alunos aprendem da mesma maneira mas a metodologia é a mesma para todos. Por isso, convém saber se os métodos que estão a ser usados com aquela criança concreta são para ela os mais adequados ou não.
Quando se muda de método, podemos ficar perante uma criança motivada para quem as letras podem começar a fazer sentido e as coisas de que falamos podem estar simbolizadas num conjunto de letras, as coisas grandes em poucas letras e as coisas muito pequenas e invisíveis em palavras maiores.
Quando uma pessoa tem um problema de saúde ou outro qualquer o que é que fazemos? Ajudamos. Com as crianças não é assim. Com as crianças que têm um problema, castigamos.
É por isso que devemos mudar de método e de atitude. A família deve então cumprir o seu papel e agir ao contrário daquilo que é costume: ajudar em vez de castigar.

08/12/11

Magia na diferença


No dia 5 de Dezembro comemorou-se o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. Os progressos feitos no nosso país em relação às pessoas portadoras de deficiências foram enormes.
No que diz respeito à educação temos princípios, definições e leis sobre as diferenças. Desde a Constituição da República Portuguesa à Declaração de Salamanca, desde o direito de todos à educação, à cultura e às escolas inclusivas.
Mas na realidade nem tudo se passa assim tão facilmente. Eduardo Sá alerta para essas dificuldades:
É importante falarmos da escola com justeza. Porque são de menos as pessoas que, na escola, se surpreendem com magia. São de menos as histórias que as comovem. E são de menos os conhecimentos que as divertem, as remexem e as arrumam. É por isso que devemos dizer que não é verdade que a escola seja um lugar ameno e divertido onde caiba toda a gente: os cobardes e os audazes; os atinados e os rebeldes; os preguiçosos e os tenazes. (“Ir à Lua aprender”, 11-11-11, Pais e Filhos)
De facto, o desenvolvimento depende de muitos factores e a escola, o meio em que a criança passa grande tempo da sua vida, podia fazer muito mais pelas pessoas com diferenças. A inclusão é muito mais do que por a pessoa numa sala de aula com outros alunos. Porque
A integração é a nossa maneira de ouvir os outros.
A integração é uma acção recíproca, mútua, permanente".
(Han Fortmann)
A inclusão envolve a interacção entre pessoas. Pessoas que também elas estão em desenvolvimento. Porque o meu desenvolvimento faz parte do desenvolvimento do aluno. Como no poema de Walt Witman:
Era uma vez um menino a crescer dia após dia.
E a primeira coisa que viu nela o menino se tornou
E essa coisa ficou a ser parte dele todo o dia
            ou só por umas horas desse dia,
Ou então por muitos anos ou por um certo tempo
Por outro lado, no desenvolvimento, o afecto não deve nem pode ficar para o dia seguinte, nem pode ser intermitente, sob pena de por em risco a confiança básica entre as pessoas em interacção.
E podemos aprender que a “luta pela vida” é, para as pessoas diferentes, sempre mais difícil do que para os que não passam por essas dificuldades.
É por isso que as evidências não passam apenas pelos números frios dos resultados quantitativos mas também pelas evidências intangíveis da inclusão:
- há escolas  sensíveis ao acolhimento dos alunos com diferenças,
- há escolas que desenvolvem o mais possível os talentos e as forças de cada aluno,
- há escolas onde aprender a lidar com as emoções é tão importante como aprender a ler e a escrever,
- há escolas com muitos sorrisos e empatia...
E estas evidências fazem-nos pensar que se quisermos falar da escola com justeza, podemos virar "do avesso" as palavras de Eduardo Sá,
porque são muitas as pessoas que, na escola, se surpreendem com magia. São muitas as histórias que as comovem.
E são cada vez mais os que acham que a escola há-de ser um lugar ameno e divertido onde caiba toda a gente.
Não é, certamente, um objectivo fácil de atingir… Mas consegue-se com um pouco de magia. 

02/12/11

Saber e sabedoria

"A sabedoria é uma questão antiga, milenária e, também uma questão psicológica actual".
Não é um assunto ultrapassado ou uma coisa das pessoas idosas. A sabedoria foi sempre preocupação dos povos e as características das pessoas sábias são descritas desde há muito séculos. Falamos de sabedoria popular, da sabedoria da velhice, da sabedoria dos que nos governam ou da falta dela. Há o Livro da sabedoria e ficou famosa a sabedoria de Salomão...
A psicologia trata a sabedoria como um conceito complexo que apresenta diversas dimensões: a dimensão cognitiva, a dimensão afectiva e a dimensão da vontade.
Quem é sábio deve ter várias competências:
- elevado conhecimento sobre os problemas do quotidiano;
- capacidades reflexivas e de análise;
- elevado conhecimento sobre as diferenças de valores e de prioridades;
- capacidade para compreender e para gerir a incerteza
- e elevados níveis de desenvolvimento do eu.
Por isso podemos ver que são raros os sujeitos que manifestam sabedoria. E todos os dias nos surpreendemos com o comportamento do ser humano: os casos de corrupção, de favorecimento próprio ou de amigos, os interesses das famílias políticas, de lóbis, de grupos organizados mais ou menos secretos  têm mostrado que o ser humano é pouco sábio.
A sabedoria põe em equilíbrio os interesses do indivíduo, dos outros e do contexto em que vive: o interesse pelo seu país, pela sua cidade ou pelo meio ambiente (Sternberg)
Num estudo sobre o desenvolvimento do juízo reflexivo os sujeitos que se situam no nível mais elevado são capazes de:
- desenvolver juízos acerca de problemas difíceis da vida,
- reconhecer os limites do conhecimento pessoal,
- manifestar consciência das incertezas que caracterizam o conhecimento humano,
- reconhecer que o conhecimento resulta de um complexo processo de síntese de evidências e de opiniões,
- mostrar humildade quanto à potencialidade do seu raciocínio face a tais limitações.
Estes aspectos são um pré-requisito da sabedoria (Kitchener e Brener).
Num estudo efectuado em Portugal, verificou-se que havia
- poucas respostas de sabedoria,
- um número mais elevado de respostas de sabedoria no grupo de adultos da meia idade do que nos restantes grupos de idade,
- respostas equivalentes nos professores e nos profissionais não professores.
Isto quer dizer que hoje precisamos de pessoas sábias.
O saber não parece ser suficiente para se ser sábio. O saber poderá ser um pré-requisito para se ser sábio mas isto não significa que as pessoas sejam sábias. Temos até muitas pessoas que sabem muito. Veja-se a quantidade de comentadores-políticos e políticos-comentadores (ou economês-politiquês) que têm muito saber e pouca sabedoria dada a crise que aí está.
O mais interessante é que se zangam muito uns com os outros e são completamente incapazes de analisar o ponto de vista do outro mesmo que esteja certo.
Os clichés, as cassetes, são repetidos até à exaustão. Os mais velhos que deveriam ter entrado na idade da sabedoria andam muito crispados (para usar um termo inventado pelos próprios), falam de revolução, de rua, uns, ou de Salazar, outros.
Ora a essência da sabedoria reside na consciência de que o conhecimento é falível e limitado, isto é, na consciência do que se sabe mas também do que não se sabe e na assunção de uma atitude crítica face às crenças, valores, conhecimentos, informações e capacidades que levam, simultaneamente, a saber duvidar.
A sabedoria não se manifesta no que a pessoa sabe mas no modo como encara e usa o conhecimento que possui em si próprio, na relação com os outros e no meio em que vive.

Baseado no artigo de
Marchand, H. (2006) «Por que a sabedoria dificilmente poderá ser ensinada nas escolas - uma resposta a Robert Sternberg», in Simões, M.C.T. et al. (ed.) - Psicologia do desenvolvimento - Temas de investigação: Coimbra: Almedina