26/11/20

Amor político


Perguntaram a Mahatma Gandhi quais são os factores que destroem o ser humano. Ele respondeu: Política sem princípios; Prazer sem compromisso; Riqueza sem trabalho; Sabedoria sem carácter; Negócios sem moral; Ciência sem humanidade; Oração sem caridade. (Pensador)
Na minha perspectiva a política sem princípios inclui todos estes factores. E desta política sem princípios todos temos alguma má experiência. É, aliás, um dos factores que leva à decadência das democracias e da miséria dos cidadãos, miséria económica, social e moral. É essa política sem princípios que leva aos grandes desastres humanitários que acontecem um pouco por todo o lado: guerras, conflitos, destruição, desumanização, corrupção...
Difícil é encontrar políticos que se possam apontar como virtuosos, que ponham os seus interesses de lado em favor do bem comum. Por isso, a desilusão com a política e com os políticos de que cada um de nós tem alguma experiência. 
O elevado nível de abstenção em eleições democráticas pode ser uma consequência dessa desilusão e desinteresse.

O Papa Francisco, em Fratelli Tutti, que temos vindo a analisar, fala da necessidade de um (164) caminho eficaz de transformações da história...
Critica (165) quer o que chama “ideologias de esquerda" quer os "pensamentos sociais cultivando hábitos  individualistas...“
Faz também uma critica ao paradigma tecnocrático (166). O problema para ele não está nas coisas mas no modo como nos servimos delas. A tecnologia é um bem indispensável ao desenvolvimento da sociedade. Porém, o uso que dela fazemos ou a capacidade cada vez menor de controlar as suas consequências pode também ser um retrocesso.
(168) Critica “o mercado (que) por si só não resolve tudo..." e "determinadas visões económicas fechadas e monocromáticas que não respeitam os movimentos populares que reunem desempregados, trabalhadores precários e informais e tantos outros que não entram facilmente nos canais já estabelecidos." (169)

É, por isso,  extraordinário que o Papa Francisco venha falar da importância de se estar na política, de se participar na vida política mas com “amor político”.

O que é então o amor político ?
(186) "Existe o chamado amor «elícito»: expressa os atos que brotam diretamente da virtude da caridade, dirigidos a pessoas e povos. Mas há também um amor «imperado»: traduz os atos de caridade que nos impelem a criar instituições mais sadias, regulamentos mais justos, estruturas mais solidárias. Por isso, é «um ato de caridade, igualmente indispensável, o empenho com o objetivo de organizar e estruturar a sociedade de modo que o próximo não se venha a encontrar na miséria». É caridade acompanhar uma pessoa que sofre, mas é caridade também tudo o que se realiza – mesmo sem ter contacto direto com essa pessoa – para modificar as condições sociais que provocam o seu sofrimento."
E dá exemplos:
"Alguém ajuda um idoso a atravessar um rio, e isto é caridade primorosa; mas o político constrói-lhe uma ponte, e isto também é caridade. É caridade se alguém ajuda outra pessoa fornecendo-lhe comida, mas o político cria-lhe um emprego, exercendo uma forma sublime de caridade que enobrece a sua ação política.”


Até para a semana.


https://www.mixcloud.com/RACAB/crónica-de-opinião-de-carlos-teixeira-26-11-2020/







23/11/20

Popular ou populista

1. Até há pouco, uma das palavras mais ouvida na Comunicação social era neoliberalismo. No entanto, ultimamente, a palavra da moda parece ser populismo.

Procuremos então compreender um pouco melhor o que se entende por populismo.
Como já vimos na semana passada, geralmente, populismo é uma palavra aplicada à chamada direita política. Mas como também dissemos, o populismo não é de direita nem de esquerda ou se quisermos é tanto de direita como de esquerda.

Esta atribuição é uma generalização fácil.  Para Takis Pappas, trata-se de uma percepção simplista do populismo como uma política de “nós-contra-eles” que mistura populismo com política não democrática, especialmente de extrema direita. 
Ora tanto o comunismo, como outros regimes autoritários, baseia-se igualmente na divisão de "nós-contra-eles", a luta permanente de trabalhadores contra capitalistas. 
Podemos distinguir “democracia liberal”e "democracia populista".
A democracia liberal tem como caracteristicas principais:  a diferenciação entre vários grupos sociais, interesses como garantidos,  moderação e consenso, respeito pelo Estado de Direito e protecção das minorias. 
A “democracia populista” tem exactamente as características opostas: vê a sociedade dividida em apenas duas categorias sociais, governantes e governados e polarização social e adversidade política,  ao mesmo tempo, também não respeita o Estado de Direito.
Podia ser vista apenas como o oposto da democracia liberal, portanto, como iliberalismo democrático. *

2. Na minha perspectiva trata-se apenas de uma democracia formal como acontece em muitas democracias actuais.** 

3. O populista divide a sociedade em povo e anti-povo. ***  Ele diz que pertence ao povo, fala em nome do povo e, obviamente, o populista faz sempre tudo pelo bem do povo. Veja-se o que se passa com os diversos populistas da América latina...

4. Também o Papa Francisco, em Fratelli Tutti, critica o populismo que distingue dos líderes populares.
(159) "Existem líderes populares, capazes de interpretar o sentir dum povo, a sua dinâmica cultural e as grandes tendências duma sociedade. O serviço que prestam, congregando e guiando, pode ser a base para um projeto duradouro de transformação e crescimento, que implica também a capacidade de ceder o lugar a outros na busca do bem comum. Mas degenera num populismo insano, quando se transforma na habilidade de alguém atrair consensos a fim de instrumentalizar politicamente a cultura do povo, sob qualquer sinal ideológico, ao serviço do seu projeto pessoal e da sua permanência no poder. Outras vezes, procura aumentar a popularidade fomentando as inclinações mais baixas e egoístas dalguns setores da população. E o caso agrava-se quando se pretende, com formas rudes ou subtis, o servilismo das instituições e da legalidade.
(160) Os grupos populistas fechados deformam a palavra «povo», porque aquilo de que falam não é um verdadeiro povo. De facto, a categoria «povo» é aberta. Um povo vivo, dinâmico e com futuro é aquele que permanece constantemente aberto a novas sínteses assumindo em si o que é diverso. E fá-lo, não se negando a si mesmo, mas com a disposição de se deixar mover, interpelar, crescer, enriquecer por outros; e, assim, pode evoluir."

Podemos, assim, perceber melhor o que distingue um líder popular  de um populista ?



Até para a semana.


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Takis Pappas, (2018), "Explaining Populism to My Son’s Class. "It's not right-wing. It’s not left-wing. So what is it exactly?"
"Basta uma rápida análise à política do mundo real, continuei, para ver que combinar “extrema direita” e “populismo” é estar mal informadao. Em primeiro lugar, nem todos os partidos populistas estão na extrema direita. O populismo de esquerda é abundante e, de facto, alguns dos partidos populistas de esquerda são do tipo de extrema esquerda, como mostram os casos de Chávez e seu sucessor Maduro na Venezuela, ou o partido governante Syriza na minha Grécia natal. Em segundo lugar, nem todas as políticas de extrema direita são populistas. Algumas são simplesmente anti-UE e nativistas, outras são puramente nacionalistas (por ex. o actual governo polaco) e outras totalmente fascistas, como o partido Aurora Dourada na Grécia."

** No sentido em que até podem cumprir as regras formais de separação de poderes, sufrágio livre, igual, universal, directo e secreto mas, na sua prática, não respeita ou falha na participação dos cidadãos.
"A vontade popular não se exprime apenas no voto. Formas diversas, expressas pelas organizações locais, socio-profissionais ou culturais dizem, à sua maneira, as exigências da soberania que reside no povo, que reside em todos nós, em todos os cidadãos." M. Lourdes Pintasilgo, Dimensões da mudança, p.81











16/11/20

Populismo - Memória e verdade


Há políticos que acham que podem definir quem é e não é democrático, quem é e não é populista.* Por tudo e por nada se fala de populismo. E quem fala assim, geralmente, refere-se à direita e/ou à extrema direita. Depois basta associar-se este discurso a líderes que  consideram populistas, como Trump, Bolsonaro ou líderes de partidos de direita europeus...

Ter memória e não a usar, ou usá-la selectivamente, não devia fazer parte do código de conduta de um político. Não é difícil constatar o esquecimento que existe, desde há muito, em relação a líderes de extrema esquerda, porque a sua vocação é ficarem no poder para sempre, em países da America latina ou nos governos-geringonça, em Portugal e Espanha, que fazem acordos com a esquerda e extrema esquerda. A extrema esquerda é, assim,  genericamente tolerada e até elogiada...

O populismo de esquerda existe e é tão pernicoso como o de direita.** "O populismo de esquerda é uma ideologia política que combina a retórica e os temas da esquerda e do populismo. Normalmente concentra sentimentos anti-elitistas, oposição ao sistema e afirma falar em nome do 'povo'.” Temas recorrentes do populismo de esquerda incluem o anticapitalismo, justiça social, igualitarismo, pacifismo e antiglobalização...  Como os populistas de direita também são nacionalistas, contra a imigração,  e estão em todos os movimentos e ideologias que chamam de fracturantes... normalmente tudo isto ligada a um sentimento antiamericano (Wikipedia)

O Papa Francisco, em Fratelli Tutti, diz uma coisa muito bonita. Diz que devemos "Recomeçar a partir da verdade":
(226) "Novo encontro não significa voltar ao período anterior aos conflitos. Com o tempo, todos mudamos. A tribulação e os confrontos transformaram-nos. Além disso, já não há espaço para diplomacias vazias, dissimulações, discursos com duplo sentido, ocultamentos, bons modos que escondem a realidade. Os que se defrontaram duramente falam a partir da verdade, nua e crua. Precisam de aprender a cultivar uma memória penitencial, capaz de assumir o passado para libertar o futuro das próprias insatisfações, confusões ou projeções. Só da verdade histórica dos factos poderá nascer o esforço perseverante e duradouro para se compreenderem mutuamente e tentar uma nova síntese para o bem de todos. De facto, «o processo de paz é um empenho que se prolonga no tempo. É um trabalho paciente de busca da verdade e da justiça, que honra a memória das vítimas e abre, passo a passo, para uma esperança comum, mais forte que a vingança»."

(227) "«... A verdade é contar às famílias dilaceradas pela dor o que aconteceu aos seus parentes desaparecidos. A verdade é confessar o que aconteceu aos menores recrutados pelos agentes de violência. A verdade é reconhecer o sofrimento das mulheres vítimas de violência e de abusos. (...) Cada ato de violência cometido contra um ser humano é uma ferida na carne da humanidade; cada morte violenta “diminui-nos” como pessoas. (...) A violência gera mais violência, o ódio gera mais ódio, e a morte mais morte. Temos de quebrar esta corrente que aparece como inelutável»."
Ou, como diz a psicologia: comportamento gera comportamento, ou seja, se for amor, gera amor.


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* A. Costa: "O PSD ultrapassou uma linha vermelha" (apoio parlamentar do Chega a um governo regional dos Açores composto por PSD/CDS/PPM).

** Carlos Moedas: "... o populismo de esquerda e de direita são igualmente maus", como no caso da Grécia de Tsipras/Varoufakis, ou, como na América Latina (Gloria Álvarez, por ex., aqui).






https://www.mixcloud.com/RACAB/crónica-de-opinião-de-carlos-teixeira-12-11-2020/




05/11/20

Regras para uma vida feliz

 O Sermão da Montanha, 1635 de Jacques Callot

O Sermão da Montanha, 1635, de Jacques Callot



Eduardo Punset, no livro A viagem à felicidade (El viaje a la felicidad) começa por referir que "A felicidade é um estado emocional activado pelo sistema límbico em que, ao contrário do que acredita muita gente, o cérebro consciente tem pouco a dizer." 
No entanto, cita depois Martin Seligman: "ao estudar as bases da felicidade, a psicologia moderna distingue duas fontes: o prazer, por um lado, e, por outro, o sentido que dá à vida um determinado compromisso."
"Quando se analisa o paradoxo do declínio dos níveis de felicidade...num mundo em que não cessa de aumentar o nível de bens e equipamentos produzidos, se chega também à conclusão de que a sociedade moderna investiu demais em frigoríficos, máquinas de lavar, automóveis, gruas, estradas e equipamentos digitais e demasiado pouco em valores intangíveis como o compromisso com os outros ou a felicidade." (Punset, p.31)

Na realidade, vivemos numa sociedade de consumo, e se não podemos deixar de ser consumidores, não podemos deixar também de realçar que a felicidade não depende da posse de muitos bens exteriores dado que trazem apenas uma felicidade transitória e por vezes enganadora.
São os bens intangíveis que se tornam relevantes para a felicidade e não as aquisições materiais e sociais que levam a um circulo vicioso e dependente que não dá qualquer sentido à nossa vida.
Este paradoxo é também evidente na falsa felicidade que são os paraísos artificiais em que alguns acreditam e que alguns procuram ...

No dia 1 de Novembro,  comemoramos o dia de todos os Santos, os bem-aventurados.
O Papa Francisco, numa mensagem à juventude, em 2014, diz que as bem-aventuranças são caminho para a felicidade. “O termo grego usado no Evangelho é makarioi, «bem-aventurados». E «bem-aventurados» quer dizer felizes. (Mensagem para a XXIX Jornada Mundial da Juventude

Podemos então perguntar: Quem são as pessoas felizes? São os bem-aventurados: os pobres de espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os pacificadores, os que são perseguidos por causa da justiça, 
Mas então as pessoas felizes são as pessoas que sofrem ? O pobres, os famintos, os que choram, os que são perseguidos... Voltamos, assim, à questão do sofrimento humano. 

Pelo contrário, tudo devemos fazer para abolir o sofrimento e como refere o psicanalista Carl Gustav Jung as bem-aventuranças são a exaltação de um Ego humilde.
Nesse caso faz sentido a pobreza porque não estamos apegados aos bens materiais e também faz sentido a vida numa sociedade onde também haja solidariedade e partilha; 
Faz falta a fome de liberdade e de dignidade. Faz sentido chorar porque somos sensíveis às injustiças , às guerras, ao sofrimento. Faz sentido lutar pelos seus próprios pensamentos, ideias, opções, mesmo que por causa disso se seja perseguido...

Este é o caminho para a felicidade que levou Mahatma Gandhi a dizer: “se toda a literatura espiritual da humanidade perecesse, e só se salvasse o Sermão da Montanha, nada estaria perdido.”