29/12/21

Duas canções de Natal

Das canções populares de Natal há algumas que são das minhas preferidas, provavelmente porque fazem parte das memórias de infância e adolescência que começaram a marcar o meu gosto e referências musicais e são também consequência da filiação na cultura e valores dos antepassados tornando-nos actores dessa continuidade.

1. Eu hei-de dar ao Menino, o Natal de Évora, embora a origem referida seja Alto Alentejo,  e haja um "Natal de Évora" mais conhecido, era quase obrigatório ser cantado no tempo de Natal pelo coro do Seminário Maior de Évora, sendo solista, invariavelmente, o seu maestro Cónego José Augusto Alegria. Encontramos uma versão deste canto na Primeira Cantata de Natal, de Fernando Lopes-Graça, sobre cantos tradicionais portugueses de Natividade pelo Coral de Letras da Universidade do Porto.

Eu hei-de dar ao Menino
Uma fita prò chapéu.
Também Ele nos há-de dar
Um lugar(z)inho no Céu.

Não façam bulha
Ao Deus Menino!
Não O acordeis
Que está dormindo…
Em vez de O brindar
Com algum mimo,
Dêem-Lhe leite
Que é pequenino.

Eu hei de dar ao Menino
Ao Menino hei-de dar.
Camisinha de bretanha,
Nesta noite de Natal.

Não façam bulha
Ao Deus Menino!
Não O acordeis
Que está dormindo…
Em vez de O brindar
Com algum mimo,
Dêem-Lhe leite
Que é pequenino.


Eu hei-de dar ao Menino (aos 7:40 m - 10:38 m) 
Fernando Lopes-Graça - Cantata de Natal


2. Natal de S. Miguel d' Acha: O Bendito de Natal. É um canto do tempo de Natal que era cantado, quando chegava Dezembro, durante o trabalho de colheita da azeitona e também era cantado na Missa do galo. Era, e é, fundamental nesta noite sagrada cantar-se o Bendito de Natal. A primeira estrofe era iniciada pelas mulheres e depois a segunda era a resposta dos homens. Era um "jogo" que durava tempo indefinido até um dos grupos desistir ou acabar a cerimónia de beijar o Menino. 
Há uma transcrição musical deste canto em António Milheiro, S. Miguel de Acha - Memórias da Cultura Tradicional, 2002, pag.103-104.

(Cantam as mulheres)
Bendito e Louvado seja
O Menino Deus nascido
Mai-lo Ventre que O trouxe
Nove meses escondido.

(Respondem os homens)
Vós o Virgem Gloriosa
Mãe de Deus ó Virgem Pura
Dos Anjos sejais Louvada
Mãe de toda a criatura.




17/12/21

Contra a indiferença


INCUMPRIR O HOMEM

Não importa se os pastos que ruminamos 
são ou não viridentes
e se há música nos segredos do vento.
Prevê-se que continuemos a incumprir o Homem.
Não nos interroguemos, pois, sobre coisa alguma.

Deveras fundamental
é que nos mantenhamos cabisbaixos, 
ruminando sempre.

João Mendes Rosa (1968-2021) 

in do modo anómalo de existir




11/12/21

Direitos humanos





No dia 10 deste mês comemorou-se o dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, criado pela ONU em 1948. 
Passados 73 anos, que avaliação podemos fazer dos resultados obtidos desde então ?
Vejamos por exemplo, o Artigo I, da Declaração:
Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

É a própria ONU que faz a avaliação: houve um aumento da desigualdade.
E “os dois últimos anos foram uma demonstração dolorosa do custo intolerável de desigualdades crescentes.” (1)
Depois de tanto tempo e de tantas experiências sociopolíticas diferentes a desigualdade aumentou...
Sem ofensa para todos os que genuinamente se têm esforçado para mudar alguma coisa, talvez seja altura de nos deixarmos de conversas da treta – “blá, blá, blá” (2) –  ao mais alto nível e nos “profissionais da representação” que se manifestam um pouco por todo o mundo.

Que direitos e dignidade pode haver se, enquanto dura esta “Opinião”, há mais de 30 pessoas que morrem de fome ?
"A organização não-governamental (ONG) Oxfam (09-07-2021) diz que 11 pessoas morrem de fome a cada minuto e que o número dos que enfrentam condições semelhantes à fome em todo o mundo aumentou seis vezes no último ano.
Refere a ONU News (08-11-2021): Existem 45 milhões de pessoas famintas em 43 países do mundo (3), um novo pico de alta, segundo o Programa Alimentar Mundial, (PMA)... antes da pandemia de Covid, em 2019, eram 27 milhões de pessoas que passavam fome. 

Não encontro argumentos para justificar a “consciência tranquila” seja de quem for: os poderosos do mundo, as organizações internacionais que eles dominam, ou as ilusões dos burocratas da ONU que apenas tecem belos discursos... 
E o mais perplexo e revoltante, é que podíamos acabar com a fome; bastava reduzir as despesas militares que globalmente aumentaram cerca de 45 mil milhões de euros durante a pandemia - um montante que excede em pelo menos seis vezes o que a ONU precisa para acabar com a fome." (sic notícias)
Números desastrosos estes, que representam pessoas, como nós, que estão em sofrimento.
Muitas vítimas da desigualdade são crianças que morrem de fome ou de outros problemas como a falta de condições de saude...
Segundo a UNICEF “Sem uma acção urgente, 56 milhões de crianças menores de cinco anos morrerão até 2030 - metade delas recém-nascidas”. (4)
Também neste aspecto, “com soluções simples como medicamentos, água limpa, eletricidade e vacinas, podemos mudar essa realidade para todas as crianças”.

Portanto, não foi a apregoada “emergência climática" que trouxe este sofrimento. Enquanto, se fazem conferências sobre a “emergência climática” há pessoas a morrer de fome. 
Gostava de ver a indignação e manifestação de todos estes “climatizados” (5)  de consciência tranquila, em especial dos jovens, que estiveram em Glasgow, na Escócia, contra as mortes devidas à fome no mundo...
A resolução do problema passa por uma questão de prioridades: a emergência é salvar vidas, agora, e, portanto, é essa a primeira prioridade.


Um Natal fraterno para todos.


___________________


1) A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, disse que "os dois últimos anos foram uma demonstração dolorosa do custo intolerável de desigualdades crescentes".

(2) Aprendi com as manifestações da  COP26 ...

(3) O Índice Global da Fome (GHI - Global Hunger Index) é uma ferramenta estatística multidimensional usada para descrever o estado da fome nos países. O GHI mede o progresso e retrocessos na luta global contra a fome. É atualizado uma vez por ano. (Wikipédia)

(4) Laurence Chandy, Directora de Dados, Pesquisas e Política da UNICEF. 

(5) "Climatizados" parece-me que descreve bem estes indivíduos que utilizam as últimas tecnologias da informação e comunicação, jactos privados, e energia "limpa" (para eles mas não para os outros, os d'o lado negro das energias verdes), têm sistemas de saúde e educação de qualidade...

 

 

 





08/12/21

Hoje, 8 de Dezembro, é dia de "prières et méditations"

Chausson, Caplet, Langlais, Poulenc, Camille Saint-Saëns, Léon Boëllmann


Integram o programa, Les Prières - Oraison Dominicale de André Caplet (1878 – 1925); Missa "in simplicitate" – Kyrie de Jean Langlais (1907 – 1991); Missa "in simplicitate" – Gloria; Organ Book – Pasticcio; Missa "in simplicitate" – Credo; Priez pour Paix - Francis Poulenc (1899 – 1963); Huit Pièces Modales - n.º 1 - Mode de Ré de Jean Langlais; Missa "in simplicitate" - Sanctus/Benedictus; Missa "in simplicitate" - Agnus Dei; Prélude Modal, op. 6/1; Improvisation op. 150/7 - Allegro giocoso de Camille Saint-Saëns (1835 – 1921); Pater Noster de Ernest Chausson (1855 – 1899); Pie Jesu de André Caplet; Les Prières - Salutation Angélique; Suite Gothique - Prière a Notre Dame de Léon Boëllmann (1862 – 1897); Litanies de la Sainte Vierge de Camille Saint-Saëns; e Tota pulchra de Ernest Chausson. (Reconquista)



Litanies de la Sainte Vierge - Saint-Saëns

Mezzo soprano: Nélia Gonçalves
Órgão: José Carlos Oliveira



Camille Saint-Saens - "Litanies de La Sainte Vierge" 

Darya Rositskaya (mezzo-soprano)
Mikhail Mishchenko (organ) 

The Basilica of St.Catherine, St.Petersburg (2018)



07/12/21

Ser conservador (2)



Falámos, a semana passada, na difícil opção de ser conservador, em particular no caso português, devido ao enviesamento  resultante da passagem  de um regime autoritário para uma situação de liberdade e de vivência democrática, em que  tudo o que tivesse a ver com esse  passado era  identificado com conservadorismo, mesmo quando nada tivesse a ver com o regime deposto. 


No entanto, esta dificuldade acontece também em outros países mesmo naqueles que tradicionalmente têm uma forte mentalidade dos valores  conservadores...

Já tínhamos percebido, entre nós, acerca desta desvantagem em particular nos meios universitários. Como refere Roger Scruton, em Como ser  um conservador * “não é invulgar ser um conservador mas é invulgar ser um intelectual conservador. Tanto na Grã-Bretanha como na América, cerca de 70% dos académicos identificam-se a si mesmos como “de esquerda”, enquanto a cultura circundante é cada vez mais hostil aos valores tradicionais ou a qualquer possível reivindicação das nobres conquistas da civilização ocidental.” (pag. 15)

Foi isto que aconteceu também entre nós, principalmente entre os universitários que, como referi, se resumiam a ser de esquerda com prejuízo de todos aqueles que pensassem de outra forma.

 

Mas o que é então o conservadorismo? Segundo Roger Scruton, herdamos colectivamente coisas virtuosas que devemos empenhar-nos em manter... Porém, essas  coisas virtuosas estão todas sob ameaça.

"O conservadorismo tem origem no sentimento que todo o indivíduo com maturidade pode partilhar sem demora: o sentimento de que as coisas virtuosas são facilmente destruídas, mas não facilmente criadas. Isto é especialmente verdadeiro para as coisas virtuosas que nos chegam como bens colectivos: paz, liberdade, lei, civilidade, espírito público, a segurança da propriedade e da vida em família, tudo aquilo em que dependemos da cooperação dos outros, não tendo meios de obter sozinhos. A respeito de tais coisas, o trabalho da destruição é  rápido,  fácil e entusiasmante; o trabalho da criação, lento, laborioso e monótono. É  uma das lições século XX. É  também uma razão pela qual os conservadores sofrem de tamanha desvantagem junto da opinião pública. A sua posição é verdadeira mas enfadonha; a dos de seus opositores excitante mas falsa.” (pag.11)

 

Roger Scruton faz uma avaliação da verdade, ou da falta dela, das várias correntes sociopolíticas: nacionalismo, socialismo, capitalismo, liberalismo, multiculturalismo, ambientalismo, internacionalismo e do próprio conservadorismo.

Muitas coisas estão a acontecer agora. Algumas, sob a capa de um aparente humanismo, de bondade para as pessoas, como é o caso do multiculturalismo, internacionalismo e do ambientalismo... Mas assim não é, de facto, e são estas zonas de conflito que estão a trazer ameaças entre muitos países do mundo, em particular da Europa, como no caso Polónia-Bielorrússia, que são fonte de grande controvérsia entre os cidadãos, e deve, por isso, ser pensada numa perspectiva mais profunda e mais justa do que se passa nos vários movimentos sociais que estão a acontecer.

 

Para Roger Scruton “o conservadorismo é a resposta racional e não-reaccionária a essa ameaça. Talvez seja uma resposta que exige mais compreensão do que aquela que a pessoa comum está preparada para dedicar.” (Contracapa)

 

 

 

Até para a semana.


____________________

* Roger Scruton, Como ser um conservador, Guerra e Paz, 2021 (orig. 2014).






 




Para além da crise e dos especuladores...




... Este ano chegaram a 26 de Novembro, segundo o amigo José Lagiosa. Porém, aqui, na chaminé em frente, chegaram um pouco mais tarde. A que ocupou este ninho chegou a 7 de Dezembro.

03/12/21

Ser conservador

Frases de Edmund Burke           Frases de Edmund Burke



Muito se tem discutido, principalmente dentro de alguns partidos como o PSD e o CDS, entre ser de direita ou de esquerda, a propósito da actual crise política – a dissolução do parlamento após a reprovação do Orçamento de Estado de António Costa.

Em Portugal, temos vivido uma situação peculiar. Provavelmente ainda consequência dos excessos do 11 de Março de 75 e do enviesamento ideológico que foi feito a partir de então que não teve  ainda racional  ajustamento vindo do 25 de Novembro, cujo 46º aniversário ocorreu a semana passada.

 

Vejamos então:


1. A realidade não é o que é, mas aquela que a esquerda define e daí chega-se facilmente a  "o fascismo é quando a esquerda quiser".

Assisti a muitos "discursos" nas cantinas da cidade universitária, em que quase todos os dias havia troca de galhardetes entre estudantes uecs, leninistas, estalinistas, mrpp e outros  maoistas, lci e troskistas, tudo gente da dita esquerda que tomava a palavra. Já pontificava Louçâ que era dos mais assíduos na intervenção, e já nesse tempo, há mais de 40 anos, eles eram os mais coerentes, defendiam coerentemente as "massas" trabalhadoras, e já sabiam tudo sobre a sociedade. Aos vinte anos já tinham atingido todo o conhecimento sobre os males da sociedade e o que era necessário fazer para os remediar. 

Os ascendentes de Catarina e Mariana também já eram do bem, estrelas brilhantes num horizonte vermelho onde o povo mais ordena. 

Claro, logo a seguir à nomenclatura...   mas esta parte eles não dizem. Mas sabem, ou fingem não saber que, como todos os outros, são  estrelas cadentes desde há mais de 40  anos, ou desde que ao segundo dia de assembleia do povo, Lenine mandou fechar o parlamento russo.

 

2. A "doença infantil do comunismo" que atacou a esquerda caviar ficou curada pelo dr. Costa.  Um medicamento, um remédio chamado PODER, foi quanto bastou para ultrapassar todas as dificuldades históricas dos últimos 40 anos. Sem que nada tivesse acontecido, não mudou a mínima ideia, não fizeram declarações, não houve esboços de eurocomunismo, não fizeram congressos, não rasgaram as vestes, ninguém ficou cego ou paralítico, não houve pós-Kruschov ou pós-Gorbachov...

Talvez porque foi conseguida uma "posição comum" (o acordo das esquerdas), que não mexeu com nada de essencial, de resto mantêm-se as ideias e os comportamentos, como se pode ver com o que acontece com a intersindical.

Uma vez no poder, conseguiram superar-se em relação ao que foi a evolução de muitos partidos destes, desde  Berlinguer, em Itália, Marchais, em França, Carrilho,  em Espanha...

Mas é sempre de esperar uma recaída nesta doença, a qualquer momento. Eles sabem que o podem fazer como táctica de poder.

E fizeram: acabaram com o projecto Costa de unidade das esquerdas,  o dos do bons, que, pensava ele, não precisava da direita, os maus, para governar. 

 

3. Muitos de nós  já deram para este peditorio e o PREC foi uma vacina que gerou anticorpos para resistirem a todos os processos em curso. Provavelmente não os suficientes, como a vacina, para haver uma mudança democrática, equilibradamente robusta, para não haver medo de alguém se dizer ou optar por ser conservador. 

 

 

Até para a semana.










28/11/21

Ansiedade: companheira de vida

O grito

Temos ansiedade porque somos inteligentes e porque a ansiedade é uma capacidade adaptativa aos acontecimentos da vida. “A ansiedade é uma emoção que nos é familiar”(1).  Ela acompanha toda a nossa vida em tudo o que pensamos, vivemos e fazemos. Ajuda muitas vezes, mas em outras, também atrapalha tudo e é uma "companheira de vida muito incómoda".

Quando adoecemos é a ansiedade que desperta a doença ou é uma consequência da doença. Ou as duas coisas juntas...
A tendência dos profissionais de saúde, familiares e amigos, é para a desvalorização daquilo que estamos a sentir: “isso é só ansiedade”. Só, entendem? Ou então, pior: “Isso é só da tua cabeça”...

Seja como for, a ansiedade de certeza que começa a ser um problema – começa a ser patológica (2) - quando surgem alguns sintomas bastante desagradáveis: 
quando surge a insónia,
quando surge a dor,
quando interfere com a nossa realização pessoal, social ou profissional,
quando surge a dificuldade em nos concentrarmos e focarmos, 
quando nos tornamos inseguros e preocupados,
quando começamos a deixar de participar ou a participar menos nas actividades sociais,
quando a nossa qualidade de vida diminui como consequência de não nos sentirmos bem,
quando nos sentimos tristes por não sabermos a causa do nosso sofrimento,
quando já temos alguma idade e pensamos que estas coisas são próprias do envelhecimento e tem mesmo que ser assim...

Apesar destes sintomas, gostamos da vida e de viver os instantes de felicidade, queremos viver nem que seja mais um minuto, temos projectos para o futuro próximo, continuamos a ter um sentido e um propósito para a vida.
Podemos ter fé, nem que seja, simplesmente, a fé na vida, que nos ajuda a perceber que a vida é sagrada até ao último instante e nos ajuda a aceitar as dificuldades próprias do tempo terreno do ser humano.

Na esperança de um diagnóstico clarificador da nossa falta de saúde, procuramos tudo: 
as respostas da ciência que nos dá a medicina,
a compreensão, diagnósticos e terapias que nos dá a internet ("Dr. Google"),
as interpretações que nos dão as terapêuticas tradicionais, de familiares ou pessoas conhecidas,
a fitoterapia: os chás de camomila, cidreira, espinheira-santa, etc.,
as alterações na nutrição: as dietas alcalinas, o regime paleolítico...,
sei lá, o mundo de informações e desinformações ou até de manipulações, que passam a invadir o nosso quotidiano (3).

Creio que já aqui disse, que perante uma alteração da saúde devemos começar por diagnosticar ou descartar os problemas biológicos sem descurar os aspectos psicológicos, porque as doenças são da pessoa que é corpo e mente...
Sim, é necessário fazer todos os exames disponibilizados pela ciência para elaborar um diagnóstico que possa justificar o nosso sofrimento.
Por outro lado, é necessário que a pessoa se conheça ou que seja ajudada nesse conhecimento, para se saber até onde uma perturbação psicológica pode influenciar a nossa saúde física ou, ao contrário, a nossa saúde física influenciar a nossa vida psicológica.

Até para a semana.

________________________


(1) Pilar Varela, Ansiosa-mente - Chaves para reconhecer e desafiar a ansiedade, 3ª ed., a esfera dos livros.


(2) Para  descrição das perturbações de ansiedade, pode consultar, p.ex., o DSM.


(3) Tem à disposição uma série imensa de actividades que alguns consideram terapias, medicina alternativa... e nelas acreditam. A crença de que se pode melhorar com estas actividades pode ter resultados. Tal como o placebo, funcionam e nunca pode ser ignorado. Os modelos deterministas são, por certo, demasiado lineares para explicarem a realidade psicossomática do sofrimento humano.



22/11/21

Hoje é dia de ouvir Benjamin Britten

 

Edward Benjamin Britten (22/11/1913 — 4/12/1976)
The Young Person's Guide to the Orchestra (O Guia do Jovem para a Orquestra)
Variações e Fuga sobre um Tema de Purcell, op. 34
3-10-2010
KÖLNER PHILHARMONIE
Maestro: Jukka Pekka Saraste

21/11/21

Dimensões psicológicas de um presidente

 presidente de portugal, Marcelo Rebelo

Marcelo convoca eleições para 30 de janeiro (ECO)


Queiramos ou não, gostemos ou não, um presidente tem a sua personalidade e, nas  funções que exerce, há também dimensões psicológicas que caracterizam o mais alto cargo da nação.

Sobre a actual presidência, podemos perguntar: o que seria do país político e social se não tivesse como presidente uma pessoa como Marcelo (1) ?

Não é que ele seja um predestinado, um D. Sebastião messiânico para resolver os nossos problemas e suprir as nossas falhas (2).

Não é que o presidente tivesse uma atitude mais parcimoniosa em relaçao à fala, ao momento da fala, à presença, à proximidade,  aos actos triviais...

Não é que Marcelo não pudesse ser mais interventivo e assertivo junto de Costa,  como eu gostava que fosse. Pelo menos tendo em conta a minha preferência política, há quanto tempo o ministro Cabrita já não  era, há quanto tempo o ministro da defesa já não era, há quanto tempo a ministra da saúde ja não era, e o ministro da educação nunca tinha sido (3) ...

 

Mas como poderíamos pensar este país sem este presidente ?

Nada podíamos esperar  da desacreditada gerinçonça.

A crispação social (4) seria muito maior porque há famílias em situação socioeconómica insuportável. 

A ansiedade dos cidadãos seria ainda maior. A crise pandémica seria mais violenta para tantas pessoas e famílias que perderam familiares, empregos, o sentido da vida (5)...

No caso das forças armadas, de Tancos  aos diamantes... Marcelo defende que não se pode confundir a árvore com a floresta, que o mau comportamento de um grupo  não afecta as forças armadas como um todo (6).


Fotografia de Marcelo às compras partilhada em todo o mundo



Marcelo popular, próximo, afectivo, a puxar para cima, porque somos os melhores do mundo.
Marcelo a apoiar um governo até ao limite do inimaginável para não querer fazer ondas - ou crises - que possam pôr em causa a estabilidade social e política.
Mas também Marcelo que estabelece as regras do jogo: não há orçamento, acaba-se a “festa” da geringonça, vamos a eleições...
Marcelo um homem como nós: que vai ao multibanco, que almoça e janta como nós. Que bebe uma cerveja como nós, que tem ansiedade como nós, que gosta das pessoas como nós.

Mas também Marcelo que sabe falar e tem estilo, sabe fazer discursos brilhantes, sempre à procura de consensos.
Marcelo que releva o patriotismo de cada um de nós (7) e da forma como somos todos patriotas que é o cimento que nos une. 
Marcelo é um antídoto contra a insegurança, a irresponsabilidade a insensatez. Contra o desequilíbrio dos extremismos.
Marcelo impõe-se pelo exemplo da simplicidade e da proximidade do mais importante até ao mais humilde, do mais novo ao mais velho (8).

Marcelo que comete erros que faz coisas heterodoxas para um presidente, algumas com as quais podemos não concordar. 

Felizmente, no fim de contas, há Marcelo !
Face a este estado de coisas, a este governo, Marcelo dá
- Segurança 
- Estabilidade
- Conforto/afecto
- Estabilidade social e emocional
- Reconhecimento pelos valores e pelo mérito...
- Autoestima e orgulho de ser português (9).


Até para a semana.

________________________


(1) No caso presente, podemos fazer um exercício de imaginação sobre o que seria este lugar com António Nóvoa ou Ana Gomes !

(2) A propaganda das qualidades desliza facilmente para o discurso do culto  da personalidade,  coisa afastada por defeitos, falhas e erros  que  Marcelo não tem problemas em reconhecer.

(3) Apesar de não haver pachorra para tanta incapacidade revelada por um governo com cerca de 70 ministros e secretários de estado ainda foi necessária uma task force gerida pelo vice-almirante Gouveia e Melo  para obter excelentes resultados na vacinação, ou para desenhar a visão estratégica para o plano de recuperação económica (Costa Silva), e de não se registar, em 6 anos, uma única reforma estrutural que se possa apresentar como exemplo de governação.


(4) A crispação de que Sampaio tanto gostava de falar não era comparável com a que aconteceu com Cavaco Silva ou Passos Coelho que passou por toda a espécie de manifestações, algumas humilhantes, de grandoleiros ressabiados e extemporâneos,  mas que com a geringonça estiveram mudos e quedos conforme ditavam os amortecedores BE e PCP e respectivos sindicatos para estarem devidamente silenciados.


(5) Marcelo reconhece a sua hipocondria, como muitos de nós, mas isso não significa que nas suas atitudes e comportamentos não tenha a capacidade relacional para minimizar a  ansiedade que tem acompanhado algumas das fragilidades deste povo desmoronando-se num presente tão doloroso e num futuro tão incerto. Não bastam as promessas de milhões:  programa 2020,  2030, basuca... É muito mais do que isso, é preciso quem acompanhe e mostre compaixão pela dor do outro.


(6) Marcelo  defende a honra das forças armadas e nem podia ser de outra maneira como queria M. S. Tavares que ele fizesse (Expresso, 13-11-21). Claro que é uma vergonha  o que aconteceu  dentro das FA, mas não se pode tomar a nuvem por Juno.


(7) Como dizia Olivier Bonamici ("Invasões Bárbaras") há uma coisa que aprendeu com os portugueses: o amor a uma bandeira.


(8) Neste momento de tacticismos (Costa) e ajustes de contas (Rio), só para referir estes, Marcelo é a único político que me representa, sou orfão da política partidária da esquerda  que nos governa, obviamente, e da desoposição que não se acerta nem se concerta.


(9) Marcelo certamente conhece as necessidades humanas fundamentais (Maslow) e segue-as.






10/11/21

Não há emergência climática


1. Uma terrível ditadura tomou conta do pensamento transformando-nos em autómatos silenciosos ou afirmacionistas ruidosos da extinção do mundo como o conhecemos.
A pressão dos media, das redes sociais, da rua ou do grupo de amigos não permite outra veleidade que não seja pensar da mesma maneira. A opinião pública e a publicada convergiram no mesmo sentido: "Há uma emergência climática. O homem está a destruir o planeta".
Vivemos dias sombrios em relação ao espírito crítico, à testabilidade e refutabilidade, em relação a outros modos de pensar, à leitura dos dados, para podermos pensar o futuro do planeta onde todos responsavelmente querem viver num mundo saudável. 
O que me continua a espantar é a facilidade da manipulação dos espíritos, a facilidade com que se criam estes movimentos que controlam os media, as universidades... e que tentam impor o pensamento único através do cancelamento, das ameaças e das interferências nas carreiras de académicos que não são da linha das alterações climáticas antropogénicas, defendidas pelas instituições, como a ONU/IPCC, media...
Esta nova forma de censura, o cancelamento, tem hoje mais poder do que qualquer censura local alguma vez teve no mundo: A mundialização do cancelamento nem sequer necessita de uma ditadura governamental para dizer quem fala e quem fica calado.

2. Tentei partilhar um texto chamado “não há emergência climática" ("There is no climate emergency") no Facebook mas o FB não deixou que fosse partilhado sem censura prévia. 




O texto do site CLINTEL diz simplesmente: “Uma rede global de 900 cientistas e profissionais preparou esta mensagem urgente. A ciência do clima deve ser menos política, enquanto as políticas do clima devem ser mais científicas. Os cientistas devem abordar abertamente as incertezas e exageros em suas previsões do aquecimento global, enquanto os políticos devem contar desapaixonadamente os custos reais, bem como os benefícios imaginários de suas medidas políticas."

(5-2-2022. Reparei que a imagem que aqui estava foi substituída por esta treta, como no site CLINTEL donde tinha sido partilhada. Chama-se isto censura?)



Aqui estão os pontos específicos sobre as mudanças climáticas destacados na carta: 
1. Fatores naturais e antropogénicos causam aquecimento. 
O arquivo geológico revela que o clima da Terra variou desde que o planeta existe, com fases naturais de frio e calor. A Pequena Idade do Gelo terminou recentemente em 1850. Portanto, não é surpresa que agora estejamos passando por um período de aquecimento.

2. O aquecimento é muito mais lento do que o previsto. 

3. A política climática depende de modelos inadequados. 

4. O CO2 não é um poluente. É um alimento vegetal essencial para toda a vida na Terra. A fotossíntese é uma bênção. Mais CO2 é benéfico para a natureza, tornando a Terra mais verde: CO2 adicional no ar promoveu o crescimento da biomassa vegetal global. Também é bom para a agricultura, aumentando o rendimento das safras em todo o mundo. 

5. O aquecimento global não aumentou os desastres naturais. 

6. A política climática deve respeitar as realidades científicas e económicas. 

7. Não há emergência climática. Portanto, não há motivo para pânico."

Talvez só por isso, estes críticos do pensamento único mereçam ser ouvidos e analisados. Porque não há emergência climática. 



Até para a semana.







08/11/21

"Não posso adiar o amor"

Não posso adiar o amor 
Coro de Câmara do Conservatório de Música de Cascais
Direcção - Rui Teixeira
Música - Miguel Jesus; Poema - António Ramos Rosa
Gravação realizada na Igreja da Conceição Velha
20/Junho/2021


Não posso adiar o amor


Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração.

 

António Ramos Rosa,  Viagem Através de uma Nebulosa 



 

05/11/21

Provedores, observadores ... e outros tutores




Há provedores para tudo. O que se pode fazer para não ter um provedor se não se estiver interessado em ter provedor, por exemplo, do leitor, da RTP, da RDP ? Provavelmente nada. Excepto uma coisa: não os ler ou não os ouvir.
proliferação de provedores sectoriais é um problema que não é novo. 
Depois há os observatórios. Para tudo e todos os gostos. A quantidade de observatórios portugueses !
Há-de chegar o tempo em que cada português vai ter um observatório !
Como não chegam os observatórios há também as  fundações. O observatório observa a fundação ou a fundação fundamenta o observatório ?


Como bem lembra António Barreto, temos também os Estrategas (Grande Angular - Estratégias, 23 de Outubro de 2021).
"Já houve outras modas. Foram os Planos, Nacionais ou Integrados. Sem falar nos de Fomento, invenção portuguesa para fugir à má fama dos planos soviéticos. Os planos mantiveram-se ao longo do tempo, mas hoje estão em perda de importância. Vieram depois os Programas e os Projectos. E finalmente os Observatórios. Criaram-se para tudo, desigualdades, violência, crime, droga, justiça, família, cultura… Há cerca de uma década, contavam-se 85 Observatórios (nacionais, regionais, municipais e sectoriais), geralmente recheados de amigos. Os resultados desta incansável actividade são por vezes interessantes, mas em maioria são medíocres. Os Observatórios dedicam-se à propaganda, mais do que à observação."

"Agora, são as Estratégias! A complexidade da vida social, a preocupação em dar a entender que as autoridades têm ideias e a obsessão com a aparência fizeram com que os governos desenvolvessem esta lucrativa actividade: a da elaboração de estratégias. Estas têm todas as vantagens. Parecem inteligentes e competentes. Recorrem a numerosas contribuições disciplinares. Prometem mundos sem responsabilidades práticas. Conseguem calar as reclamações. Sugerem que o destino está sob controlo. Ocupam muita gente a elaborar, escrever e reunir. Permitem a contratação de amigos, familiares, agências de comunicação e empresas de consultoria. Assim é que, para quase todos os problemas nacionais, há estratégias. Pode mesmo dizer-se que a grande estratégia consiste em… elaborar estratégias!"

Segue-se uma lista de várias dezenas de estratégias... com destaque para esta:
A Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação – Portugal + Igual” (ENIND) .




03/11/21

Os nossos Santos

"Todos os Santos" - 1911 - Wassily Kandinsky (1866-1944)



 

1. Em 31 de Outubro comemora-se o Halloween ou dia das bruxas que é também conhecido por “véspera do dia de todos os santos”, como a origem da palavra - All Hallows Eve” - dá a entender.

Há várias histórias sobre esta celebração. Uma delas conta-nos que a origem é  uma festa celta (Samhain) que tinha lugar quando chegava o inverno, com o frio e com a natureza adormecida, depois do tempo de fertilidade  do Verão, e havia que manter a esperança na renovação. Era uma festa com muita comida e diversão. Nesta festa os celtas recordavam os antepassados... e acendiam o “primeiro fogo”, que celebrava a vida. (A história do Dia de Todos os Santos. Que quase morreu com o Halloween)

 

2. Como na tradição celta, os católicos acreditam que "a vida não acaba apenas se transforma.” 
É muito bonita a descrição que o Padre Feytor Pinto, recentemente falecido, nos dá da celebração deste tempo mágico e dos mistérios que envolve.
“A magia de Novembro. Todos os anos o outono invade as nossas vidas, com a nostalgia que o caracteriza, com o silencio dos fins de tarde, como um “mistério” que torna diferente de todas as outras estações do ano, o outono é transição, é passagem de um estilo de vida para outro estilo que obriga até a abrir as gavetas e a substituir o vestuário e os acessórios.”
“Sinais de outono... O cair da folha... ; as manhãs tornam-se frias... ; o sol empalidece... ; a noite chega mais cedo... ; Mas também há pessoas que nos deixam: o mês de Novembro traz consigo a partida de muitos amigos cuja idade não aceitou o solavanco do tempo, ou cuja doença precipitou o fim.
São as luzes e sombras do Novembro de sempre...”
Este tempo é “um cruzamento de mistérios...
O mistério da morte...
O mistério do além na eternidade...
O mistério da saudade...
O mistério das recordações. Quando se evoca as pessoas que partiram, partilha-se inúmeras palavras, gestos, acontecimentos, reveladores de que elas ficam bem vivas no coração de quantos são ainda peregrinos;
O mistério dos símbolos. É na linguagem simbólica que a relação se estabelece mais profundamente; as lágrimas exprimem sentimentos, as flores falam da vida e da beleza; os círios transmitem luz; sentimentos, beleza e luz revelam a relação que afirma a vida de quantos partiram ao encontro de Deus.
Tantos mistérios, mas uma única certeza: os que morreram continuam vivos no coração dos seres humanos e a ressurreição de Cristo é a garantia desta vida para sempre.”
Quem são então os santos ? 
“ São santos os que nos precederam na fé e de quem devemos aceitar o testemunho;
São santos os nossos protectores e que por nós foram escolhidos por terem o nosso nome ou por nos tocar mais o seu carisma;
São santos os nossos familiares...
E até cada um de nós deve ser santo..."

3. Infelizmente, há uma grande distância entre a espiritualidade que marca este tempo e as mais recentes formas de comemorar o Halloween, principalmente a partir dos anos 50 (2), em que a história foi virada do avesso... (3)


Até para a semana.


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(1) Vítor Feytor Pinto, 100 entradas para um mundo melhor, Capítulo “Morte - A vida não acaba, apenas se transforma”, Lucerna, pg 148 -151

 

 

(3) Nos Estados unidos, nesta noite, as crianças mascaram-se de criaturas assustadoras – como bruxas, fantasmas ou zombies, por exemplo – e também elas tocam à campainha dos vizinhos em busca de comida. Dizem “doçura ou travessura” e os vizinhos decidem se abrem a porta. Mas se não o fizerem com recompensas (leiam-se doces), habilitam-se a ver ovos atirados contra a janela na manhã seguinte. (A história do Dia de Todos os Santos. Que quase morreu com o Halloween) 


A origem das tradições pagãs e cristãs do Halloween pouco tem a ver com as actuais  celebrações. Como em outras festas, também nesta o consumismo tem desvirtuado a sua origem e originalidade. No caso do H., segundo  Bruno Bethelleim, o desvirtuamento tem consequências sobretudo na ambivalência que está presente nesta festa. As crianças por um dia também podem assumir o papel do adulto e podem castigar  o adulto com a "travessura" se não cumprir com a tradição de oferecer a "doçura" respectiva.

Como sabemos a ambivalência consiste em sentimentos de amor e ódio em relação a uma pessoa. Praticamente todas as pessoas já experimentaram esse conflito de sentimentos. O objecto do seu afecto e desafecto pode ser um colega de trabalho, um namorado ou até um professor ou os pais.

A importância desta festa infantil é a possibilidade de a criança compreender  que mesmo ao mostrar o lado mais sombrio da vida pode ser aceite. Pode ameaçar com travessura se não lhe derem uma doçura. Os adultos devem entrar no jogo fazendo de conta que estão muito assustados pelos seus disfarces (Bruno Bettelheim, Bons Pais - o sucesso na educação dos filhos, pag. 628).  

Passa-se o mesmo quando a criança nas brincadeiras connosco agita um brinquedo monstruoso, mesmo que pequeno mas enorme na realidade ou feroz, imitando um som assustador - Grrrrrrrrr ... Claro que o adulto deve mostrar medo com tão veemente susto. Se não se assusta acaba a brincadeira...


Infelizmente, como diz Bruno Bettelheim, o que aconteceu com esta festa foi a perda deste significado quando passou a ser uma festa em que também os adultos passaram a usar disfarces e a assustarem-se uns aos outros, a brincarem uns com os outros (não digo tanto, como BB, de que foram crianças que não tiveram brincadeiras quando eram crianças... ) ou pior, a assustarem as crianças.

Então a história ficou de pernas para o ar e passaram a ser os adultos a assustar as crianças havendo casos graves com crianças muito pequenas (basta pesquisar na internet).

A tradição das doçuras e travessuras deixou de existir e o objectivo é apenas fazer o disfarce mais horrível e assustar as crianças em vez de serem estas a amedrontar os adultos. 

A festa também se estragou quando os adultos passaram a não ser confiáveis por  oferecerem “doçuras” que fazem mal às crianças ou podem ser perigosas (basta pesquisar na internet)...

 

 











27/10/21

Tempo para bons tratos

  

Daqui



A perspectiva positiva do desenvolvimento psicológico, do direito ao afecto e dos bons tratos que as crianças necessitam, mostra como ainda estamos longe da protecção que  devem merecer, apesar da evolução legislativa, social e cultural.

Ao longo da história, as crianças têm sido vítimas de toda a espécie de maus tratos que vão do infanticídio até às mais vis formas de tráfico humano. A história da infância é um longo caminho de violência contra as crianças (De Mause).

A pedofilia e o incesto fazem parte dessa história de maus tratos mesmo quando  as instituições que  deviam ter um papel de protecção, como a família, igreja e escola, elas próprias foram e são também violentadoras das crianças.

 

Em 2019, a conferência dos bispos de França propôs ao senador Jean-Michel Sauvé criar uma comissão sobre a dimensão do fenómeno dos abusos sexuais. Nascia, assim, a Comissão independente sobre os abusos sexuais na Igreja (Ciase). (1)

Após dois anos e meio de trabalho, a Comissão publicou  o relatório em que foram investigados os casos de abuso ao longo de um  período de 70 anos, entre 1950 – 2020.

Os resultados (2) são uma estimativa baseada no censo e na análise dos arquivos (Igreja, justiça, polícia judiciária e imprensa) e nos testemunhos recebidos pela Comissão.

Esta estimativa refere números assustadores. Em França, houve entre 2.900 e 3.200 padres ou religiosos da Igreja Católica que cometeram crimes de abuso sexual (pedofilia), durante este período de 70 anos.

Refere o relatório que foram abusadas um total de 216 mil pessoas (com uma margem de erro de 50 mil). Se forem incluídas as agressões cometidas por leigos esta estimativa sobe para 330 mil pessoas.

Infelizmente os números dos abusos sexuais são ainda mais perturbadores se pensarmos que, em toda a sociedade francesa, cinco milhões e meio de pessoas (14,5% das mulheres e 6,4% dos homens) haviam sofrido violência sexual antes dos 18 anos de idade. 

As famílias e amigos ainda são os principais contextos dos abusos, mas a prevalência de agressões na Igreja católica continua alta, mesmo em tempos recentes.


Chocante é também a indiferença com que estes casos foram olhados não só dentro da Igreja mas na sociedade. A pergunta é: como foi possível? Certamente teve que haver muita gente a olhar para o lado para que as coisas fossem acontecendo sem serem denunciadas. Mesmo que a denúncia envolva complexidade, sofrimento, e medo e, por isso, tenda a ser protelada, é difícil compreender como foi possível silenciar os abusos durante tanto tempo.

 

A iniciativa tomada pela Igreja relativamente a este assunto é também de salientar, no sentido de terminar os abusos mas também de prevenir e proteger as crianças desta forma de violência. 

O século XX foi considerado a “era da criança” (3). É, por isso, tempo de parar os abusos e a violência contra as crianças. Mas se não é possível pôr termo à maldade humana, é preciso que toda a sociedade não fique indiferente à "dor invisível" das crianças abusadas (Barudy). Elas merecem um  tempo novo na sua história, o tempo dos bons tratos.

 

 Até para a semana.


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(1) Prisca Borrel, "Église et pédophilie: oser témoigner", Le cercle Psy, nº 35, pags 74-75

(2) São os resultados referidos pela comunicação social, p. ex. em: O pesar do Papa pelo Relatório sobre os abusos na Igreja na França.

(3) A Origem dos Maus-Tratos: Revisão Sobre a Evolução Histórica das Perceções de Criança e Maus-Tratos.