29/03/18

O grande poder do mundo

Bach - Paixão seg. S. Mateus - Coral "O Haupt voll Blut und Wunden"
Oh, cabeça lacerada e ferida,
cheia de dor e escárnio!
Oh, cabeça rodeada, ferida,
por uma coroa de espinhos!
Oh, cabeça outrora adornada
com elevadas honras e presentes,
e agora grandemente ultrajada!
Eu te saúdo!

Tu, nobre rosto,
ante a quem o mundo todo
treme e teme,
De que forma escarram sobre Ti!
Quão lívido te achas!
Quem se encolerizou
de forma tão infame
com a luz sem igual de teus olhos?

23/03/18

Hoje apetece-me ouvir: Erik Satie

Erik Satie - Je te veux (17/5/1866 - 1/7/1925)


Jessye Norman -  Je te veux

J'ai compris ta détresse
Cher amoureux
Et je cède à tes vœux
Fais de moi ta maîtresse
Loin de nous la sagesse
Plus de tristesse
J'aspire à l'instant précieux
Où nous serons heureux
Je te veux
...
Que ton cœur amoureux
Vient chercher ma caresse
...




Trèbes et Carcassonne

15/03/18

Dores há muitas ... Competências clínicas de comunicação

A comunicação, fundamental para o ser humano, é um dos problemas em qualquer serviço onde haja pessoas que necessariamente têm que comunicar. É ainda mais sensível quando ela se faz  entre o doente e o seu médico ou  psicólogo, ou a equipa que atende o doente por exemplo num serviço de urgência hospitalar, o médico, enfermeiros e outros profissionais dessa equipa.

Na posição de cliente ou doente que tem de recorrer, ultimamente com mais frequência, aos serviços de saúde particulares ou estatais, temos a perspectiva da parte mais fragilizada da interacção, de um dos lados dessa comunicação mas, obviamente, com toda a nossa experiência  e vivência nesse campo.
Com o recurso às tecnologias  é possível melhorar a comunicação entre os vários profissionais, sabendo uns o que outros estão a fazer, procurando com isso reduzir  em tempo oportuno, sofrimento físico e sofrimento psicológico.  
Sem dúvida, tem sido feito um esforço pelos serviços… Mas, p.ex., em visita recente do ministro da saúde à ULS - Hospital Amato Lusitano,  o seu director disse directamente ao sr. ministro que havia falta de 40 profissionais nos serviços do hospital, sendo metade enfermeiros. Obviamente, podemos prever os constrangimentos que esta redução de pessoal tem provocado...
Também, na relação humana, na comunicação com os doentes, há  muito que melhorar. É na relação médico-doente que essa comunicação é fundamental. Também isto quer dizer que apesar do défice de condições materiais para que o acto clínico possa decorrer nas melhores condições, o que salva muitas vezes o funcionamento de um serviço e, mais importante, o doente, é exactamente esse acto clínico, a competência e dedicação dos seus profissionais, para além das condições.  

As competências clínicas de comunicação são fundamentais para quem exerce esta relação e esta relação clínica.
Como dizíamos a semana passada é este doente concreto que pede ajuda  “e não a parte de si suposta perturbada e muito menos a sua doença. Pede ajuda para a defesa e manutenção de tudo aquilo que a doença lhe está  a  ameaçar, a saber:
Integridade física, psicológica e social; Segurança, porventura a mais angustiante das necessidades; Controlo sobre a situação e o stress;  Informação e Decisão que preservem  a autodeterminação; Dignidade; Autonomia sinal primário de saúde. Às vezes, necessidade de Expressão e de Orientação no tempo e no espaço”
A resposta a todas estas necessidades pressupõe Comunicação. E não há necessidade mais básica do ser humano do que Exprimir-se."(p. 6)
Uma dor intensa como numa litíase renal poderá ser atenuada se for explicado ao doente o  que se passa. No meu caso, foi muito mais intensa porque só quando o episódio estava ultrapassado compreendi a origem do meu mal.
A comunicação clínica tem melhorado muito desde essa altura. No entanto,  ainda se deve  e se pode melhorar muito neste aspecto.
Dispomos de imensa informação sobre saúde  e doença,  a todos os níveis, que também ela contribui para as pessoas estarem mais informadas, compreenderem melhor as opções e estilos de vida saudáveis que querem adoptar ou ignorar.
Para além da comunicação social massificada, tanto nos canais abertos como no cabo, ou na internet, hospitais e farmácias têm editado publicações, em papel e em formato digital, que ajudam a esclarecer, prevenir, reduzir a ansiedade ou alertar para as questões de saúde que de alguma forma podem vir a comprometer o nosso bem-estar. É de elogiar esse esforço.  
Toda a informação, no entanto, não dispensa a qualidade da  relação  e comunicação de que aqui falamos e as competências clínicas nela envolvidas.

11/03/18

A balada das pessoas felizes

Zaz e G. Lenorman
Há sempre um motivo para te cantar a balada das pessoas felizes

Notre vieille Terre est une étoile
Où toi aussi tu brilles un peu
Je viens te chanter la ballade
La ballade des gens heureux
...
Tu n'a pas de titre ni de grade
Mais tu dis "tu" quand tu parles à dieu
...
Journaliste pour ta première page
Tu peux écrire tout ce que tu veux
On t'offre un titre formidable
La ballade des gens heureux
...
Toi qui a planté un arbre
Dans ton petit jardin de banlieue
...
Il s'endort et tu le regardes
C'est ton enfant il te ressemble un peu
On vient lui chanter la ballade
La ballade des gens heureux
....
Toi la star du haut de ta vague
Descends vers nous, tu verras mieux
...
Roi de la drague et de la rigolade
Rouleur flambeur ou gentil petit vieux
...
Comme un choeur dans une cathédrale
Comme un oiseau qui fait ce qu'il peut
...

08/03/18

Mulher

PENSAMENTO

Sobre a Igualdade - como se isso me prejudicasse, dar aos outros
              as mesmas oportunidades e direitos que a mim próprio -
              como se isso não fosse indispensável aos meus próprios
              direitos que os outros possuam o mesmo.

Walt Whitman, Folhas de erva, p.248

Dores há muitas...



Na universidade ensinaram-nos que o homem é um ser  biopsicossocial. Com o tempo aprendi que era necessário acrescentar a estes factores que também é um ser cultural e espiritual.
Em relação a qualquer comportamento, também em relação à dor, cada pessoa tem comportamentos diferentes, de acordo com esses factores.  E como dissemos a semana passada, a dor tem sempre uma característica subjectiva. Cada pessoa percepciona e exprime a sua dor influenciada pela sua personalidade, pela sua cultura e pela sua crença religiosa.
Já todos estamos habituados a ouvir dizer os responsáveis pela saúde que as pessoas recorrem indevidamente às urgências e que deviam ser atendidas  noutras estruturas  designadamente os centros de saúde.
De facto, em 2016, os dados do SNS, mostram que quase metade dos casos, 40%, (6,4 milhões de episódios),  foram consideradas falsas urgências (pulseiras verdes, azuis e brancas) e portanto não deviam acabar nos hospitais  Esta percentagem tem-se mantido estável desde 2013 e é na  região de Lisboa e Vale do Tejo que esta realidade tem mais peso, acima dos  45%.
Se é verdade que estes  são os resultados estatísticos, a sua compreensão não deve ser  assim tão linear, e é necessário  perceber o que acontece com o sofrimento das pessoas.
Salvo raríssimas excepções, ninguém iria a uma urgência se não necessitasse  e se não acreditasse que essa é a melhor maneira de responder aos seus problemas de saúde, às suas dores, ao seu mal-estar.
Se os serviços de saúde primários, funcionassem bem,  particularmente em termos preventivos, talvez o panorama se alterasse. Ora sabemos que não é assim.  
Por que será que as pessoas continuam a manter o mesmo comportamento  de recurso às urgências? São culpados de se sentirem doentes?
Será que podemos  considerar razoável  listas de espera intermináveis para uma consulta externa  de especialidade ?
Podemos  considerar razoável que os centros de saúde  tenham “horário de função pública”?
Será razoável a organização e gestão das consultas externas, com todos os doentes presentes  à mesma hora da manhã,  com  consultas muitas horas depois?
Será razoável  a burocracia de que já aqui falamos em relação às baixas médicas e que mostram a desconfiança do  estado nos profissionais de outros subsistemas de saúde?
Será razoável a incapacidade para realizar um sistema expedito, interactivo e humanizado  de marcações de consultas  que hoje os meios tecnológicos permitem? 
Mas, mais importante do que tudo isso, é que se trata de seres humanos em sofrimento  envolvendo as suas características pessoais, sociais, culturais e espirituais que recorrem ao serviço de urgência a pedir ajuda.
Sabemos que ao longo da nossa vida a dor é nossa companheira de viagem. Ela vai aparecer, às vezes inesperadamente, outras vezes vai-se insinuando devagarinho, todos os dias, algumas dores, um sintoma novo, um mal-estar que não compreendemos…
É impossível viver sem emoções, é impossível separar  a mente e o corpo e uma não existe sem o outro. A  interacção entre  o físico e o psíquico constitui uma unidade  inseparável  (A. Damásio)  e  muitas das pessoas que procuram  ajuda na  urgência médica queixam-se sobretudo de problemas de saúde em que os aspectos somáticos e psíquicos se combinam (doenças psicossomáticas).
Não se trata de um aspecto estar a influenciar o outro mas de "uma doença que resulta da interacção de condições somáticas e psicológicas que coexistem numa pessoa em concreto”.
Não é, por isso, tão evidente a decisão de quando se deve recorrer ou não a uma urgência mas quando se pede ajuda é este ser humano concreto que precisa ser ajudado.
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Enciclopédia da Psicologia, Tomo 3, Oceano, 1999. Cap. 20. Compreender e controlar o stress; Cap.21 - A dor. Cap. 22 - As somatizações; Cap. 23 - Estar e ser doente; Cap. 24. Medicina psicossomática.

04/03/18

Chuva... Chuva...

Zaz - La pluie
A chuva no Domingo, mas neste doce Portugal e em Março 




Jorge Palma -  A chuva cai




Erik Satie - Sob a chuva

02/03/18

Dores há muitas...

Aped
The International Association for the Study of Pain






“A dor é um fenómeno complexo que envolve emoções e outros componentes que lhe estão associados…; a dor é um fenómeno subjectivo, cada pessoa sente a dor à sua maneira…; não existem ainda marcadores biológicos que permitam caracterizar objectivamente a dor; não existe relação directa entre a causa e a dor; a mesma lesão pode causar dores diferentes em indivíduos diferentes ou no mesmo indivíduo em momentos diferentes, dependendo do contexto em que o indivíduo está inserido nesse momento; por vezes existe dor sem que seja possível encontrar uma lesão física que lhe dê origem." (International Association for the Study of Pain)

Todos sabemos que o direito à saúde e bem-estar é um direito humano (Artigo 25.º, nº 1, da Declaração universal dos direitos humanos). Daqui resulta o direito a estar doente, a ser compreendido na sua doença e procurar tratamento para as suas dores e sofrimento. 
No entanto, esta situação nem sempre parece evidente. É o caso das doenças psicológicas que nem sempre são vistas como doenças e isso justifica a secundarização deste sofrimento: “não tem nada”, “são manias”, “isso passa”… 
Nem sempre é evidente o sofrimento, o mal-estar, o desconforto, a tristeza, a desmotivação, a dor física difícil de descrever, que todos os dias nos incomoda e não nos deixa ânimo para conseguirmos fazer o nosso trabalho ou podermos ser socialmente úteis. São dores reais e sofrimentos sistematicamente desvalorizadas que não são levados em conta para se obter o direito à saúde e bem-estar. 

Na minha experiência, raro é o dia em que não sinta estas sensações/emoções/dores. Tornou-se mais assídua a consulta aos vários médicos especialistas. A procura de um diagnóstico, ocupa-nos uma boa parte do tempo. Muita pesquisa na internet, para baralhar, muitas conversas com familiares e amigos sobre alimentação saudável, dieta alcalina ou ácida... leitura várias, há sempre alguém que conhece um caso idêntico ao nosso ou pior do que o nosso... 
O diagnóstico tarda e a incerteza torna-nos mais ansiosos o que só prejudica tudo. Sabemos que o psíquico e o somático andam sempre juntos a “brincar” um com o outro e ambos são responsáveis pelo sofrimento do indivíduo. 



A dor é um sinal vital e a sua intensidade pode ser registada através de escalas de avaliação. Em 2003, a equiparação da dor a 5º sinal vital significa, concretamente, que se considera como boa prática clínica, em todos os serviços prestadores de cuidados de saúde, a avaliação e registo regular da intensidade da dor, à semelhança do que já acontece há muitos anos para os 4 sinais vitais, nomeadamente a frequência respiratória, frequência cardíaca, pressão arterial e temperatura corporal. (Circular normativa Direcção Geral de Saúde , dia 14 de Junho de 2003, institui a “Dor como 5º Sinal Vital”). 
A obrigatoriedade da avaliação e registo da dor tem uma enorme importância, dado que, sobretudo por motivos culturais, a dor é ainda inúmeras vezes subestimada, escondida, negada e, consequentemente, negligenciada, tanto pelos doentes como pelos profissionais de saúde. 
Por outro lado, tornando a dor visível não é possível ignorá-la, sendo imperioso estabelecer uma estratégia terapêutica adequada ao seu controlo, o que vai contribuir decisivamente para melhorar a qualidade de vida dos doentes e reduzir a morbilidade…(APED)

Em 2018, assinala-se ano o Ano Global para a Excelência da Educação em Dor. Tratar ou aliviar a dor é dos maiores desafios da medicina e da sociedade.