26/04/17

Cérebro e jogo

Daqui  - Origem do Tetris

Discute-se muito se os videojogos e a Internet tem influência positiva ou negativa na  saúde mental dos utilizadores, ou dito de outra forma, se poderá ter efeitos benéficos sobre o cérebro, quando usada dentro de limites adequados, conjugando esta actividade com todos os outros aspectos da vida.

Na área dos videojogos, quase todos os dias surgem novidades, mas mesmo assim, os estudos existentes podem dar-nos indicações sobre a normalidade do comportamento ou sobre o seu disfuncionamento quando jogamos.
Do ponto de vista industrial e comercial, é um dos sectores em grande desenvolvimento. “A indústria dos videojogos vale mais do que a do cinema e música juntas e, só em Portugal, já existem quase cem empresas nesta área,”(Lisboa Games Week, (FIL), Lusa, 06/11/2015)
Por outro lado, "os avanços em campos como a nuvem, o streaming e a redução de hardware, que agora é capaz de oferecer potência dentro do tamanho de um telemóvel ou um tablet, são aspectos fundamentais que determinarão a evolução das consolas.”… “O software para consolas vai deixar de sê-lo nos próximos dois a três anos ( Michael Pachter, referido por Luís Alves)
cursos superiores de jogos digitais e multimédia, tanto no ensino privado como estatal.

Do ponto de vista da saúde mental, sempre houve pessoas viciadas em jogo. Nos casinos ou fora deles, os jogos de fortuna e azar, como bingo, máquinas caça-níqueis, jogos de cartas, lotaria, raspadinha e até bolsa de valores, podem causar compulsão. (Calcula-se em até 2% da população brasileira; entre 0,16 e 0,20 por cento da população potencialmente dependente, dados de há 10 anos). Todas essas formas de jogo continuam a existir e também os problemas daí resultantes.
Mas as tecnologias digitais, a que qualquer criança ou adolescente tem acesso, trouxeram outras formas de jogo e novos desafios. De facto, os jogos tradicionais foram em grande parte substituídos por estas novas formas de jogar e, como em geral acontece, os videojogos têm efeitos positivos e negativos no cérebro.
“Os videojogos têm sido associados ao comportamento violento e a perda de concentração nas crianças No entanto, estudos recentes mostram agora que têm efeitos neurológicos benéficos: potenciam a atenção e desenvolvem a coordenação “. (O cérebro e os videojogos, Lusíadas)
O problema está na sua utilização ser feita ou não na justa medida. E, certamente que a justa medida, será aquela em que sou eu que comando a máquina e não a máquina que tem domínio sobre mim.
Podemos resumir alguns dos efeitos positivos verificados em vários estudos (O cérebro e os videojogos, Lusíadas): Na ambliopia (Tetris, p.ex.); Melhores resultados na escola, entre os 6 e os 11 anos; Estimula a criatividade (estudo com alunos de 12 anos); Reforça a confiança; Estão também a ser desenvolvidos jogos terapêuticos para aumentar a atenção e minimizar a distracção.
Os efeitos negativos podem ser verificados a partir de casos individuais: A exposição abusiva a jogos violentos pode aumentar a possibilidade de aparecimento de pensamentos, sentimentos e comportamentos agressivos a curto e longo prazo; Os utilizadores de jogos violentos têm propensão para a ansiedade; Uma semana de videojogos violentos pode levar a uma diminuição da actividade no lobo frontal interior esquerdo do jogador em processos emocionais e, também, no córtex cingulado anterior, na execução de tarefas matemáticas; O excesso de horas de jogo conduz a diminuição da actividade do lobo pré-frontal o que pode causar mudanças de humor e comportamentos agressivos prevalecentes mesmo depois de desligar o jogo.  
Os pais devem, por isso, limitar o tempo que a criança ou adolescente dedica aos videojogos e terem todos os cuidados quando se trata de jogos violentos.
Jogar videojogos, sim, mas com conta, peso e medida.


20/04/17

Hoje apetece-me ouvir: Joe Dassin

Joe Dassin - Champs-Elysées - Letra de Pierre Delanoë (1969)
(Original de Jason Crest - Letra de Mike Wilsh, Mike Deighan - 1968)

Je m'baladais sur l'avenue le cœur ouvert à l'inconnu
J'avais envie de dire bonjour à n'importe qui 
...
Et de l'Étoile à la Concorde, un orchestre à mille cordes
Tous les oiseaux du point du jour chantent l'amour

Férias ou pesadelo


As notícias foram mais ou menos assim: milhares de jovens foram expulsos de Espanha por mau comportamento ou comportamento indisciplinado em unidades hoteleiras onde passavam as férias da Páscoa.
Não quero culpar nem desculpar ninguém a começar pelos alunos envolvidos, pais e encarregados de educação, escolas, agências de viagens e organizadores, hotéis, forças de segurança, ongs, sistema de educação do país…
Todos têm os seus interesses neste assunto e, provavelmente, todos são responsáveis.
Para Françoise Dolto, "os jovens não são ajudados na nossa sociedade porque os ritos de passagem desapareceram. Ficaram reduzidos a eles próprios já não são conduzidos em conjunto e solidariamente duma margem a outra; é necessário que eles se deem a eles próprios este direito de passagem. Isto exige deles uma conduta de risco"(La cause des adolescents, Sinopse)
A adolescência é um período de fortes transformações numa sociedade, ela própria, em transformação, guerras, fugas , suicídios, droga, insucesso escolar…
Quando as estruturas que disponibilizamos para os jovens são as primeiras a criarem um ambiente pouco saudável do ponto de vista emocional, o risco transforma-se facilmente em perigo.
Há, na sociedade, de facto um conjunto de eventos dirigidos aos jovens que revelam alguns desses riscos. Alguns já bem antigos e desde sempre aberrantes, como a praxe, e outros mais actuais como este tipo de férias, igualmente perturbadores.
Estas viagens (spring break), ditas de finalistas mas onde outros podem participar, mesmo aqueles que se tornam repetentes da experiência, alguns também repetentes do secundário, durante vários anos, são férias descritas pelos promotores como “as melhores ferias da tua vida” que, como sabemos, nalguns casos, se têm transformado nos maiores pesadelos da tua vida.
Não conhecemos a dimensão do fenómeno. Sabemos que são vários milhares de jovens mas que não se pode falar das ocorrências destes eventos como fazendo parte de um padrão do comportamento dos jovens. Não são, de todo, características comportamentais dos jovens mas há alguns jovens que têm estes comportamentos.
Ao propor-se um "programa" do tipo laissez-faire faz-se sobressair, facilmente, os elementos patológicos pessoais e grupais.
Durante vários anos, fui presidente da associação de pais de uma escola secundária. Em determinada altura, colocou-se a questão  das férias da Páscoa, em Espanha. Não acreditava, como hoje não acredito, que os riscos sejam calculados e que este tipo de eventos tivesse algum interesse cultural ou turístico mas apenas como uma vivência de grupo em que são testados alguns limites, facilitada pela ausência dos constrangimentos parentais directos, dos constrangimentos comunitários, pois se encontram numa  comunidade desconhecida, e dos constrangimentos escolares.
São actividades em que as escolas não estão envolvidas e não se pronunciam, mas de que os pais não se podiam nem podem demitir, como é óbvio, porque os pais nunca fazem férias de pais, ao contrário do que acontece com a escola.
Em reunião com pais e organizadores, até foi apresentado um programa onde as actividades de interesse cultural, de estudo ou devidamente estruturadas praticamente não existiam mas o "tempo livre" era o ponto forte do programa. Ou seja, a desestruturação de um programa só podia acrescentar mais risco onde ele já existia.
"O universo dos 10-16 anos (diria o 2º/3º ciclos e o ensino secundário), é talvez a última oportunidade para dar a palavra aos jovens que a não têm e introduzir no sistema de educação, em falência, uma educação para o amor e para o respeito do outro e de si próprio." (idem)


06/04/17

Saúde e doença

O inestimável contributo de Freud e dos vários estudiosos do comportamento para compreender a vida psicológica do ser humano ajudou-nos a compreender a saúde e a doença em termos até então inéditos.
Conhecemos hoje melhor o funcionamento mental, os comportamentos das pessoas e, portanto, conhecemos melhor a sua saúde e doença.
Com António Damásio (“O Erro de Descartes”), percebemos como corpo e mente estão de tal modo relacionados que um não existe sem a outra deixando de fazer sentido a separação corpo e mente.
A unidade da psicologia não pode prescindir de nenhum factor. Na realidade o sofrimento psicológico e o sofrimento físico têm sempre subjacente factores biológicos e psicológicos.
Vivemos tempos em que esta realidade está bem patente na vida das pessoas. A saúde psicológica é cada vez mais relevante e levada a sério desde a infância até à velhice.
Com mais enfoque no biológico ou no social, desde há muitos anos tem vindo a ser promovida a "higiene mental" (João dos Santos) e com o desenvolvimento da psicologia ganhou relevo a psicologia escolar.
Vinda dos anos 90 do século passado, a psicologia positiva destaca como mais importante "promover a felicidade e o desenvolvimento de cada um". No entanto, o conceito de felicidade não é unívoco em todas as culturas e dentro da mesma cultura. O “hedonismo” "refere-se às emoções positivas e à noção de prazer", o “eudemonismo” "é o objectivo daqueles que aspiram a uma felicidade mais profunda que leva à realização de si e à procura de sentido." (le cercle psy, nº23, p. 32)
A psicologia positiva veio dar relevo à saúde mental e não apenas à doença mental. Para a OMS “a saúde mental positiva é um estado de bem-estar no qual a pessoa se pode realizar, ultrapassar as tensões normais da vida, ter um trabalho produtivo e frutuoso e contribuir para a vida da sua comunidade.” (p. 26)
Seligman, criador da psicologia positiva, definiu 5 pilares da felicidade e do bem-estar: emoções positivas, envolvimento, significado, relações positivas e realização pessoal. (A vida que floresce)
Muitos psicólogos trabalham nesta perspectiva, como no caso dos psicólogos do desenvolvimento e escolares, estudam os comportamentos normais da criança e propõem intervenções terapêuticas de forma a atingir esses padrões comportamentais.
Mas, definitivamente, a psicologia positiva veio dar o enfoque na perspectiva da saúde.

Portuguese Healthy Eating Plate

O mesmo se passa na medicina. Cada vez mais se trabalha na perspectiva de saúde de forma a que se possa viver sem doença. Hoje a preocupação é "trate da saúde antes da doença " como forma para "Chegar novo a velho." ( M. Pinto Coelho)
Somos inundados com todos os processos e métodos terapêuticos para mantermos a saúde e evitarmos a doença.
O nutricionismo e a alimentação ganharam grande importância e o retorno a conhecimentos ancestrais têm hoje relevo fundamental nas nossas vidas, como acontece com o chamado regime paleolítico.
A par da cozinha fast food, há um retorno a uma nutrição de qualidade relevando as características saudáveis dos alimentos.
Há também um regresso à filosofia, que felizmente se mantém como obrigatória nos currículos do secundário, ou a correntes filosóficas como o epicurismo e o estoicismo que ajudam a adoptar uma filosofia de vida e a dar sentido à vida.  Esta visão global do ser humano parece-me também ela saudável.
Desde Freud que o estudo do sofrimento humano era feito com base na compreensão do passado das pessoas.*  E isso continua a ser fundamental no conhecimento da pessoa e a dizer-nos muito do que a pessoa é e porque é.
Mas, como refere V. Frankl, a terapia está em perspectivar o futuro, na medida em que é o futuro que dá sentido à vida. Assim, passado e futuro fazem de nós seres humanos saudáveis, vivendo de forma plena a vida do nosso tempo.
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* P - "Ao contrário dos clássicos, está mais virado para o futuro?" R - "Aos alunos dizia que a psicanálise antiga era como o condutor que estava sempre a olhar pelo espelho retrovisor. Ora, eu quando vou na estrada tenho de olhar para a frente." Entrevista a António Coimbra de Matos: “Não é fácil amar, mas é bom. E se não se amar não se vive." (Expresso)

Hoje apetece-me ouvir: Borodin

Aleksandr Borodin (12-11-1833, 27-2-1887, São Petersburgo)
Prince Igor





03/04/17

O quente e o frio: 60 anos de Comunidade Europeia


Pode dizer-se que a construção da Europa tem o tempo de vida da minha geração. É, por isso, importante reflectir sobre o  seu percurso e os percalços que é necessário evitar. 
Em 1951, nasceu a comunidade europeia do carvão e do aço (tratado assinado em Paris);
em 1957, nasceu a comunidade económica europeia, com o tratado de Roma;
em 1985, Portugal aderiu a CEE;
em 1 de Janeiro de 2002, entrou em circulação o euro (Tratado de Maastricht).
A comunidade europeia foi-se construindo, entre entusiastas, cépticos e críticos. A construção desta comunidade foi fundamental para os países que a ela decidiram aderir mas era, e é, igualmente importante ouvir os críticos e ponderar novos projectos e novos avanços. Quando o pêndulo quase caía para o federalismo, provavelmente, já há muito se devia ter tido mais cuidado com algumas pressas e alguns apressados.
O que acontece é que a Europa, no fim de contas, não está bem no coração nem no pensamento de muitas pessoas que dela fazem parte e de vez em quando o inconsciente toma conta da realidade do pensamento: há várias maneiras de ver a vida que não se coadunam com a diversidade social e cultural das comunidades.

Foi o que fez o presidente do Eurogrupo com as declarações que proferiu, mesmo utilizando uma alegoria, usada pelos comentadores, companheiros políticos e adversários, parcialmente e fora do contexto, mas, em todo o caso, indicativa da clivagem que sempre existiu mas que se tem revelado de todo inútil para a vida das pessoas sejam do norte ou do sul. *
Sempre houve, entre nós, a mitificação do norte, dos países onde se vivia melhor, bem organizados, com níveis de desenvolvimento superiores aos do sul. Esta mitificação mantém-se, como se viu pelas declarações referidas e reacções indignadas e de idêntico nível mítico. 
M. Lourdes Pintasilgo, em 30/11/79 (entrevista a Ana Martinez, da Rádio nacional sueca, "Europa do norte Europa do sul"), refere-se ao "mito sueco". À questão sobre o que a Suécia pode dar a Portugal e Portugal à Suécia refere: "A resposta a essa pergunta inscreve-se naquilo a que costumo chamar o “mito sueco”. O tipo de desenvolvimento verificado na Suécia depois da segunda metade do século XIX e a forma como o país evoluiu aparecem para muitos dos meus compatriotas como o modelo ideal." (p. 109)
"Há, no entanto, uma interrogação de fundo... é a questão da tremenda angústia que parece inundar toda a sociedade... será que tudo fica resolvido quando se resolvem as necessidades fundamentais ?" 
"Ao exprimir o cansaço das ideologias de que fala, a Suécia não faz mais do que ter um papel pioneiro entre os países industrializados ...o cansaço das ideologias é o fruto da ausência de objectivos a que tudo ficou reduzido pela prioridade atribuída ao aspecto económico em detrimento de outros aspectos da vida."(p.110)
Pintasilgo faz uma comparação com a termodinâmica. Só há produção de energia quando há uma fonte fria e uma fonte quente.  “Cada país poderá funcionar em relação ao outro ora como fonte quente ora como fonte fria." (Sulcos do nosso querer comum, p.111)
Não se trata mais de ver os países do sul como fonte quente ou fria que no fundo é a mistificação de um certo modo de vida que está longe de ser apenas isso, a desorganização, o sol, a praia, a boa vida em contraposição a países do norte como organizados, limpinhos e com qualidade de vida.
Embora algumas dessas características possam estar presentes em muitos países do norte ou do sul em maior ou menor grau.
Na realidade, os cidadãos de qualquer destes países funciona emocionalmente de forma idêntica embora com expressões socioculturais diferentes, o que só pode ser enriquecedor para as vários dimensões das comunidades.
O tempo da mitificação devia estar ultrapassado e muito mais o da mistificação do carácter de povos que felizmente têm as suas idiossincrasias, a sua personalidade, as suas capacidades e a sua maneira de ser e estar na vida. **
Nem mitificação nem mistificação. Mas como refere M L Pintasilgo,  “… se Portugal quer realmente ter um papel no mundo, não pode deixar de reforçar sobretudo a sua realidade europeia, da Europa das culturas, para poder dialogar de forma adequada com os outros espaços geográficos com os quais tem laços privilegiados “ (As minhas respostas, p. 109-110)
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* Poucas excepções, como a de José Manuel Fernandes, "Não há nada como um Dijsselbloem para pôr todos de acordo. Menos eu"  (Observador). Proliferaram, muito mais,  destrambelhamentos a favor ou contra, vindos das instituições, dos seus representantes ou dos ofendidos e indignados que se propõem "liquidar" o companheiro socialista Jeroen Dijsselbloem.
** Só dessa forma pode ser pensado, por exemplo, "Bifes mal passados", de J. Magueijo. 


01/04/17

Hoje apetece-me ouvir: Sergei Rachmaninoff.

Sergei Rachmaninoff - 1/4/1873 - 28/3/1943
Concerto para piano nº 2 
Com Anna Fedorova

Frank Sinatra - All by myself
(Música de Rachmaninoff)