29/01/18

"Só um, amando-te a alma peregrina em ti"

Quando fores velha

Quando já fores velha, e grisalha, e com sono,
Pega este livro: junto ao fogo, a cabecear,
Lê com calma; e com os olhos de profundas sombras
Sonha, sonha com o teu antigo e suave olhar.

Muitos amaram-te horas de alegria e graça,
Com amor sincero ou falso amaram-te a beleza;
Só um, amando-te a alma peregrina em ti,
De teu rosto a mudar amou cada tristeza.

E curvando-te junto à grade incandescente,
Murmura com amargura como o amor fugiu
E caminhou montanha acima, a subir sempre,
E o rosto em multidão de estrelas encobriu.

W. B. Yeats



Os velhos admirando-se na água

Ouvi os velhos, velhos, murmurando:
"Tudo se altera,
E um por um vamos passando."
Tinham mãos como garras, e seus joelhos
Eram torcidos como os espinheiros velhos
Junto da água.
Ouvi os velhos, velhos, murmurando:
"Tudo o que é belo foge, deslizando
como as águas"

W. B. Yeats


(William Butler Yeats - 13/6/1865-28/1/1939)

24/01/18

Crenças e aprendizagens


As neurociências têm sido fundamentais para compreendermos o processo de ensino-aprendizagem. O interesse de educadores e psicólogos pelas neurociências vem do facto de funções como a atenção, senso-percepção, memória, orientação, consciência, pensamento, linguagem, inteligência, comportamento, etc., serem fundamentais nesse processo.
No entanto, embora até possam parecer “teorias” simpáticas, o lado negativo vem das crenças erróneas (1)  que  surgem com alguma facilidade nas neurociências,  se propagam à educação e  se perpetuam no tempo, quando não há provas que as fundamentem.
Em cada aluno que aprende, há um cérebro que aprende. Um cérebro, dada a sua complexidade, como cada corpo ou cada personalidade, é diferente de todos os outros pelo que seria de espantar a uniformidade destes processos.
Se se criam, facilmente, ideias erróneas sobre determinadas características do cérebro e da sua influência na nossa vida, também as ciências do cérebro desafiam o senso comum (ideias contra-intuitivas) a propósito do ensino e da aprendizagem:
- “O cérebro pode trabalhar nas suas costas”, isto é, “pode adquirir informações mesmo quando não lhes está a prestar atenção e não se apercebe disso”.
- O cérebro envelhecido pode aprender. Pensava-se até há pouco tempo que a partir de determinada idade o cérebro “estava equipado com todas as células que sempre teria e a idade adulta representava uma espiral descendente de perda de células e de deterioração da aprendizagem, da memória e do desempenho geral. No entanto, os trabalhos de investigação mais recentes começam a mostrar que esta visão do cérebro é exageradamente pessimista: o cérebro adulto é flexível, permite o crescimento de células novas e o aparecimento de novas conexões pelo menos em algumas regiões como o hipocampo. Embora a aquisição de novos conhecimentos se torne menos eficiente com a idade, não há nenhum limite de idade para apender” (O cérebro que aprende, p. 21)
 - Pode-se sempre melhorar o cérebro. A ideia de comparar um educador/professor a um jardineiro é ajustada na medida em que significa que o educador pode sempre melhorar o que já está no aluno.
Hoje não é possível ignorar, a escola e os educadores não podem ignorar, a investigação realizada pelas neurociências em problemas de desenvolvimento como o autismo, a dislexia e a perturbação de hiperactividade com défice de atenção (PHDA). (p 18)

Sobre os mitos e crenças erróneas (2) das neurociências, “um estudo americano recente veio mostrar que as crenças e os mitos sobre o cérebro continuam largamente difundidos… mesmo entre os indivíduos que têm estudos em neurociências” ( le cercle psy, nº27, p.10) (3)
Talvez a crença mais divulgada seja a de que só utilizamos 10%  do cérebro.  É uma crença completamente falsa.
Isto não significa que não possamos melhorar muito o que fazemos na sala de aula com o  potencial dos alunos ainda desconhecido.
Uma coisa é a possibilidade de melhoria das aprendizagens e dos comportamentos outra a de haver uma percentagem de cérebro que é utilizada.
Outra crença  muito divulgada é a de que  o  hemisfério esquerdo é lógico e analítico e o  hemisfério direito criativo
Esta crença daria origem a dois tipos de personalidade distintos: pessoas que pensam que são mais racionais e objectivas e outras mais intuitivas e criativas.
Outra crença refere que os alunos têm formas de aprender visuais, auditivas o cinestéticas. Assim seriam melhores alunos se  fossem ensinados conforme o seu estilo. O que acontece é que a aprendizagem é mais forte quando resulta da utilização de vários sentidos.

Em educação, é necessário que se utilize a informação de forma crítica. Os dados fundamentados das neurociências não podem ser ignorados  mas a discussão sobre a educação  é necessária, contra as crenças ou os formatos supostamente educativos  das televisões.
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(1) "Neuromito" (Alan Crockard) 
(2) Nueve falsos mitos sobre el cerebro 
(3) Kelly Macdonald et al., "Dispelling the Myth: Training in Education or Neuroscience Decreases but Does Not Eliminate Beliefs in Neuromyths"

17/01/18

"Como viver com 24 horas por dia"



É o drama das pessoas. Embora também possa haver uma minoria, certamente  cheia de sorte, que não tem qualquer dificuldade em viver com 24 horas por dia.
O que é facto é que se passa a vida a correr e não sabemos como viver de outro modo, mas mesmo essa correria não nos permite fazer tudo o que queríamos, e, cada vez mais, temos que deixar tarefas para o dia seguinte, procrastinar, porque não chega o tempo que temos, embora seja o tempo todo de que dispomos
Em geral, passamos oito horas no trabalho, oito horas a dormir e ainda sobram  oito horas.  Investir todas as horas  num  emprego de que não se gosta em que a rotina é levantar-se, ir trabalhar, voltar para casa, descontrair e ir para a cama, ou, como dizem os franceses  "métro, boulot, dodo", não parece ser o mais acertado. Como adultos, passar tantas horas a dormir também não. Quantas vezes chegamos ao fim do dia, ao fim de um programa de televisão, etc., e pensamos como foi possível ter desperdiçado este tempo.Vezes sem conta dizemos: se tivesse tempo estudava, dedicava-me a uma actividade cultural, escrevia um romance ou praticava desporto.
Como viver  verdadeiramente com esse capital de horas em vez de simplesmente existir?
Em 1910, Arnold Bennett escreveu “Como viver com 24 horas por dia", sobre como tirar o máximo partido do seu dia e como atingir o equilíbrio entre o trabalho e a vida.
Diz-se que tempo é dinheiro mas  é mais do que dinheiro.  O tempo é o nosso "bem mais precioso. Um bem extremamente singular que é oferecido de uma forma tão singular como o próprio bem! Note-se! Ninguém lho pode tirar. Não é passível de ser roubado. E ninguém recebe mais ou menos do que você recebe". "Falamos de uma democracia ideal! No reino do tempo não existe aristocracia pela riqueza, nem aristocracia intelectual."  (p.19-20)
Ainda não havia televisão nem se sonhava com a existência da internet, foi escrito há mais de 100 anos mas apresenta  uma das   preocupações da sociedade actual: a gestão do tempo.
Bennett alerta-nos que não há receitas gerais, cada caso é um caso: "Só posso tratar de um caso e esse não pode ser o caso típico, porque isso é coisa que não existe, tal como não existe o homem comum. Cada homem e cada caso é especial". (p. 41)
Bennett discorre sobre como aproveitar ao máximo o tempo que temos disponível. Ninguém é dono do tempo nem nós próprios, temos apenas 24 horas  e não posso acrescentar ou retirar uma hora, um minuto. Que fazer?
Controlar a mente é uma tarefa importante. "As pessoas dizem: «Não conseguimos evitar os pensamentos». Mas conseguimos." E como tudo se passa dentro do nosso cérebro temos de ser capazes de o controlar... “Sem capacidade de concentração - isto é, sem a capacidade de ditar ao cérebro a sua tarefa e garantir que ele obedece – a verdadeira vida é impossível. O controlo da mente é o primeiro elemento de uma existência plena“. (p. 65)
"É inútil ter uma mente obediente  a não ser que se aproveite ao máximo a sua obediência". Por isso, depois de controlar a mente devemos ter uma atitude reflexiva", ou seja, "o estudo do próprio eu." (p.73)
É importante perceber a causa e efeito das coisas; o interesse pelas artes, pela literatura. "Mas  nada é banal" ... Não precisa dedicar-se às artes, nem à literatura para viver plenamente.
Bennett, escreve sobre os perigos a evitar: tornar-se "a mais odiosa e mais insuportável das pessoas - um petulante. Um petulante é um tolo pomposo que saiu para um passeio cerimonial, e, sem dar por isso, perdeu uma parte da sua roupagem, especialmente, o sentido de humor.”(P.105)
Outros perigos:  ficarmos amarrados a um programa; criarmos uma política de pressa, estando cada vez mais obcecados pelo que temos de fazer a seguir.
"O último e principal perigo – o risco de um fracasso no início da tarefa". “O impulso não deve ser excessivo. Que o ritmo da primeira caminhada seja até absurdamente lento mas que seja tão regular quanto possível”..."E depois de decidir realizar uma certa tarefa termine-a ainda que o preço seja o tédio e o desgosto. O que ganha em autoconfiança por ter realizado uma tarefa cansativa é imenso." (p.108)


11/01/18

“Reinventar o futuro”

O Presidente da República, na habitual mensagem de Ano Novo, trouxe para o discurso político e também social e cultural, um tema inusitado: a segurança e a “coragem de reinventar o futuro”. O Presidente referiu que 2018 tem de ser “o ano dessa reinvenção mais do que mera reconstrução. Reinvenção pela descoberta desses vários Portugais, esquecidos. E da confiança dos portugueses nessa segurança”. “Reinvenção da confiança dos portugueses na sua segurança, que é mais do que estabilidade governativa, finanças sãs, crescente emprego, rendimentos. É ter a certeza de que, nos momentos críticos, as missões essenciais do Estado não falham nem se isentam de responsabilidades“. (Mariana de Araújo Barbosa, "Discurso de Ano Novo: Marcelo apela à coragem de reinventar o futuro", ECO)
Como será isso feito? Creio que uma das condições para que isso aconteça (a reinvenção da confiança nos momentos críticos) deverá ser a mudança a nível da vida pessoal.
Como escrevia Cecília Meireles na poesia  “ Reinvenção”: “A vida só é possível/reinventada.”
Reinventar a vida  é  reencontrar-se consigo próprio. Cada ser humano tem as suas características próprias e por isso deverá encontrar as suas próprias formas de se reencontrar.
Ao longo da vida do indivíduo, algumas destas formas podem ser mais  ou menos inconscientes: Na infância, por exemplo, perante as perturbações graves a que muitas crianças ficam expostas, na adolescência, no difícil reencontro consigo próprio e na busca de uma identidade,  no sofrimento de um divórcio, no falecimento do pai, da mãe ou de um filho. Tudo tem que ser sistematicamente reinventado,  e para isso o indivíduo tem que se reencontrar consigo próprio.

Alguns aspectos importantes para essa reinvenção. 
Antes de mais, encontrar um sentido para a vida é da maior importância (Victor Frankl). O traço que define a humanidade é a capacidade de encontrar um sentido na vida”. Para o controverso Erich Fromm, “isso define também o facto de que sigamos um caminho de alegria e plenitude ou um caminho de insatisfação e conflito. Fromm acredita que apesar da dor ser inerente à vida, podemos torná-la suportável dotando-a de significado na procura e na construção de um eu verdadeiro. O fim último da vida humana seria desenvolver a qualidade mais preciosa de que o homem está dotado: o amor à vida". (“A principal tarefa do homem é dar à luz a si mesmo”, O livro da psicologia, p. 126)

O homem tem  capacidade de amar. “A capacidade de amar é uma capacidade criativa interpessoal que deve desenvolver-se activamente como parte da própria personalidade” sendo que "o único modo de amar é amar livremente reconhecendo a plena individualidade do outro respeitando as suas opiniões, preferências e crenças" (p. 128)

Finalmente, quando se sofre uma perda brutal, as pessoas ficam agarradas àquele momento, então é importante a capacidade de reinventar uma vida que parecia estar parada.
Se retrouverAs perdas, as feridas profundas  sofridas por algumas pessoas, com consequências traumáticas para a sua vida, não se transformam de um dia para o outro mas levam tempo a sarar, é um processo feito pouco a pouco,  passo a passo.
Uma pseudo-resiliência pode acontecer: "uma aparência de resiliência que esconde de facto uma rigidez anormal dos mecanismos psíquicos e um grande sofrimento” (Anne-Claire Thérizols, "Revivre après une épreuve : avec le temps, va, tout s'en va ?", le cercle psy, p. 23)
Marcelo usa a palavra certa: coragem. É, de facto,  necessária coragem para reinventar o futuro, através da transformação do quotidiano e do reencontrar-se.
Reencontrar-se é, sem dúvida, o caminho a seguir para reinventar o futuro. Há muitas maneiras de o fazer e cada um descobrirá a sua.
Pode ser através da meditação para despertar a consciência e atenção plena, pode ser a dedicação a um desporto, ou a prática de  actividades de uma universidade sénior, ou aprender com a natureza,  cuidar da biodiversidade, despertar os sentidos com a agricultura biológica e a vida em meio natural, viajar, fazer Erasmus ou um ano sabático, encontrar uma vocação artística ou espiritual, ou descobrir as virtudes da solidão... (J-F Marmion, “Les vertus de la solitude”, Entretien avec Alain Delourme, le cercle psy, p.46)