29/08/22

"Sei que tenho a honra de ser testemunha de tanta majestade"

 

STARS 
Execução: The Vocal Consort
Direcção: Nelson Kwei

 

STARS

Alone in the night
On a dark hill
With pines around me
Spicy and still

And a heaven full of stars
Over my head
White and topaz
And misty red;

Myriads with beating
Hearts of fire
The aeons
Cannot vex or tire;


Up the dome of heaven
Like a great hill
I watch them marching
Stately and still

And I know that I
Am honored to be
Witness
Of so much majesty



ESTRELAS

Sozinho na noite
Numa colina escura
Com imóveis pinheiros 
ao meu redor

E um céu cheio de estrelas
Sobre a minha cabeça;
Branco, topázio e 
Nublado encarnado

Tantos com corações 
ardentes a latejar
Não há nada que possa
afrontar ou cansar as estrelas; 

Até a cúpula do céu,
Como uma grande colina, 
As vejo em marcha
Imponentes e estáticas 

Sei que 
tenho a honra de ser 
testemunha 
de tanta majestade


20/08/22

Há causas em que a melhor resistência é a desistência

Pano de cozinha (pormenor)


1. Ter um motto pode ser muito importante na vida de cada pessoa. Em particular, em momentos especiais desse percurso temporal pode ser um motivo determinante para tomar uma decisão.
Costumava perguntar aos meus alunos de Orientação escolar e profissional (OEP) se tinham um motto ou, apenas, se conheciam algum.
A maioria tinha ou lembrava-se de pelo menos um. Claro que se tratava de um pequeno pormenor mas servia como interessante complemento, entre outros instrumentos de trabalho, à teoria de J. Holland (RIASEC) sobre a escolha de uma profissão.
Se é verdade que há alguns provérbios inadequados, obsoletos, há muitos outros que são positivos para a vida de cada um, um motivo para continuar, um facilitador na tomada de decisão.
Fazem parte da modelagem e da moldagem, da tradição familiar, do colocar o indivíduo numa genealogia, num contexto familiar cultural e social, uma forma de estar e de ser de uma ou de outra maneira. 
De facto, um motto pode ajudar-nos a compreender muita coisa da nossa personalidade, dos nossos motivos, do que queremos para o futuro, do que esperamos de uma pessoa ou do que esperam de nós, ou não, ou da nossa desilusão em relação a essas pessoas.
O motto, ao contrário do pensamento automático e catastrofista, leva-nos a aceitarmo-nos como somos e a partir para o próximo projecto.

2. A minha saudosa amiga Fernanda Infante *, colega de trabalho com quem muito aprendi, profissionalmente e de coisas simples do quotidiano, sobre o ridículo dos políticos vaidosos, dos clichés sociais, sei lá... quando não valia a pena perder tempo ou ocupar os neurónios com algumas pessoas ou assuntos costumava dizer-me: "Desamassa que o forno caiu".
À medida que vou crescendo, sim, na minha idade ainda se cresce, é mesmo verdade que há situações em que não há nada a fazer e o melhor é mesmo deixar cair, desistir, esquecer que existem.

3. Marta Gautier usa a palavra "rendição", numa entrevista "N'A Caravana", para isso mesmo: "não vale a pena", "rende-te", a energia que gastas é de tal modo desproporcional ao que se afigura como resultado que não compensa qualquer esforço. É uma maneira de aprendermos a ser humildes. Por outro lado, assumir que "eu mereço", mereço umas férias, uma refeição tranquila, contemplar um fim de tarde... "Eu mereço". 
De facto, há pessoas que não valem qualquer tipo de investimento. Gente jovem já esclerosada e gente adulta ainda mais senil do que seria de esperar, como aquelas personagens que o Eça n' O Conde de Abranhos, retratava: certo tipo de pessoas cujo encéfalo como uma tela antiga, quando se estica um bocadinho, parte.

4. Não faz nem canta a música da minha preferência mas é curiosa a experiência relatada por Emanuel, em Alta Definição, mais acertada que a de muitos académicos. Cito de cor: "evitar o confronto" com quem nos trata mal, não vale a pena reagir, os seres humanos não são perfeitos e há pessoas que fazem mal aos outros... Perdoar? Perdoo mas não quero nada com essas pessoas, desvio-me...

5. A questão é saber quando e por quanto é que vale a pena "comprar" uma guerra com alguém ou organização ou simplesmente deixar cair. Sim, há casos em que vale a pena comprar, mesmo cara, uma luta desde que resulte de uma avaliação correcta, avaliação de como ela começa e como vai acabar. 
Sabemos da importância de resistir, "só é vencido quem deixa de lutar", "resistir é vencer", da importância da resiliência, embora agora seja tudo resiliência, do ir à luta, da struggle for life, de tudo isso que aprendemos e nos martelam aos ouvidos, mas não há dúvida de que para a nossa saúde mental, ignorar quem ou aquilo que depois de espremido já deu o que tinha a dar, não deixa de guardar grande significado.
Muitos destes comportamentos e atitudes inscrevem-se num processo de luto de gente e coisas que morreram para nós.

6. Desde o início da "geringonça" (2015), da qual este governo socialista é filho, que aqui escrevi o que podíamos esperar deste governo socialista, de crise em crise, de falha em falha, de desesperança em desesperança, de esperteza em esperteza, servindo-se do poder, para se perpetuar no poder, o nepotismo e as vantagens aos amigos... Com a ajuda de uma oposição, há muito tempo a mijoter ou à espera das migalhas do poder que pudessem cair da mesa socialista, apesar de renascer alguma esperança com o fim da nulidade da intervenção política do último presidente do PSD.

7. Já outros tentaram, antes da nossa geração, mudar alguma coisa mas também eles não conseguiram. "Os Vencidos da Vida" vindos de Coimbra, em 1871, organizaram uma série de conferências no Casino Lisbonense, para discutir temas ligados à literatura, educação, religião e política. As conferências acabaram por ser proibidas pelo governo.
Depois das reuniões, a geração de ouro de Coimbra acabou por não conseguir fazer mais nada, muito menos executar os seus planos de revolucionar o país, e seus integrantes acabaram por se autodenominar "os Vencidos da Vida". (Wikipedia)

8. Por isso, se quem tinha expectativas positivas para os próximos anos as perdeu, faz sentido o motto "desamassa que o forno caiu" e começar a gastar a energia noutra coisa, e, talvez, voltar àquela situação que é sempre a melhor, mesmo contra toda a esperança: carpe diem
Uma falsa solução, ainda assim luta pelo estímulo (Desmond Morris), é ficar no banco de jardim a dar milho aos pombos quando há tantas outras coisas para fazer: ajudar a família naquilo que podemos, como acontece com tantos avós, tomar conta dos netos quando é preciso, tratar da quinta como uma boa e alternativa terapia, frequentar a universidade sénior para quem ainda tem pachorra ou motivação para isso, frequentar as terapias que há um pouco por todo o lado, conversar com os vizinhos na soleira da porta ou jogar à bisca no jardim mas... sempre, sempre ler. Ler ensaios, romances, ler aquilo que sempre ficou adiado, ler até os autores de que não gostamos mas ler, ler sempre e em todos os momentos.

9. Quando dizemos que a vida é uma "luta permanente", coisa que os sindicatos traduzem por "a luta continua" ou de forma fixista, "a luta contínua" que como sabemos é a "luta de classes", estamos também no campo dos lemas impossíveis e mentirosos que nos querem fazer acreditar, como quiseram durante o último século...
A struggle for life é outra coisa, é desistir de lutas inúteis, das "lutas" e dos aproveitamentos políticos e sociais dos outros, não nossos, que sabemos bem quais são os fins últimos que pretendem, e é a melhor forma de resistência porque mantêm o equilíbrio psicológico e nos focaliza naquilo que interessa. Esta resistência é "adaptação" como diria Piaget. E, como dizia a minha mãe, "vale mais perder por encolhido do que por adiantado". 
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* Coordenou o estudo sobre "Famílias monoparentais" numa altura em que "mãe solteira" era uma espécie de estigma social, e, tanto quanto sei,  o primeiro estudo feito em Portugal sobre "Famílias reconstituídas" quando também pouco se sabia, entre nós, sobre estas famílias. Tive a sorte de trabalhar com ela nestes e em outros grupos de trabalho/projectos.