24/03/10

Onde estão os pais dos alunos?


O debate que está a haver na sociedade sobre a indisciplina e violência na escola é a reprise da mesma situação que ciclicamente acontece na educação.
Um pouco por todo o lado, há casos denunciados na comunicação social. Agora estamos no bullying. Aparecem acusações de toda a espécie, normalmente dirigidas à escola.
Não quero desvalorizar o assunto. Pelo contrário. Parece-me que há muito a fazer na escola e na comunidade escolar para se poder erradicar ou pelo menos reduzir drasticamente os problemas que têm sido referidos.
Neste debate não tenho ouvido falar nas associações de pais nas escolas.
Às vezes, falam (n)as organizações de pais a nível nacional. Nem sempre pelas boas razões, como foi o caso da controversa colagem da Confap ao Ministério da Educação anterior, contra os professores. Não me parece que tenha trazido algum benefício para o movimento associativo e em particular para as famílias e para os alunos. Originou mesmo a criação de um movimento de pais alternativo que também não sei se vem beneficiar o movimento associativo.
O poder dos pais está sobretudo na sua intervenção directa na escola e por isso interessa-me falar das associações de pais na escola.
Pergunto: quantas associações de pais estão activas nas escolas? Quantas associações de pais têm elementos seus a participar na gestão das escolas dando o seu contributo para definir as regras da escola, através da sua participação nas várias instâncias de poder da escola ?
Os pais têm tempo para tudo, para o futebol, para os tempos livres, para participarem em toda a espécie de Ongs, para comemorarem os dias disto e daquilo, para serem solidários com tudo e mais alguma coisa… E para tomarem decisões sobre a educação dos seus filhos na escola?
Passa a ideia de que os pais de forma organizada não têm nada a ver com a questão da indisciplina e, mais do que isso, com o objectivo principal da escola: o sucesso dos alunos.
Vejo os pais, na comunicação social, apresentarem os seus problemas, alguns dramáticos, quase sempre de forma individualizada, sem o apoio daquelas que são ou deviam ser as suas organizações representativas.
E, no entanto, o poder dos pais na escola e na resolução dos problemas é muito grande.
Vou elencar algumas das possibilidades de intervenção:
1. Na Assembleia de Escola: Define as linhas orientadoras da Escola; Representa a Comunidade Educativa. Tem a participação dos pais.
2. Na Direcção Executiva: Dirige o quotidiano da Escola. Os pais votam na eleição do Director.
3. No Conselho Pedagógico: Coordena e orienta a escola, nos domínios pedagógico e didáctico. Tem a participação de dois representantes da Associação de Pais
4. Na reunião de Turma: Trata de assuntos do interesse dos alunos da turma. Tem a participação de um representante dos pais dos alunos da turma.
5. No Conselho de Turma: Elabora do Projecto Curricular de Turma relativo às actividades a desenvolver com os alunos da turma. Participa um representante dos pais e encarregados de educação.
6. No Conselho de Turma Disciplinar: Reúne para avaliar procedimentos disciplinares
Participam: Um representante dos pais e encarregados de educação da turma e um representante da Associação de Pais.
7. No Conselho Local de Educação: Estrutura local de participação, de articulação de projectos, recursos e intervenções (rede educativa, cartas escolares, transportes, horários escolares, apoios e complementos educativos). Participam representantes das Associações de Pais.
8. Podem ainda participar na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, que tem uma relação fundamental com a escola: Tem o objectivo de prevenir ou pôr termo a situações que podem afectar a integridade física ou moral da criança e jovem ou de pôr em risco a sua inserção na família e comunidade. Participa um representante das Associações de Pais.
Não é caso para perguntar: Onde estão os pais dos alunos?



20/03/10

A escola feita por todos

          
1. A escola está ou deve estar sujeita ao escrutínio da sociedade. Porém quando se quer fazer a avaliação do que se passa na escola, deve ter-se em conta uma metodologia em que possa ser ouvido quem nela estuda e trabalha.
Vem isto a propósito do seguinte: A Assembleia da República efectuou um relatório  sobre a aplicação do Dec.-Lei 3/2008, que se refere à educação de crianças com NEE (1). O Grupo de Trabalho que efectuou este relatório tinha o mandato que consistia em acompanhar os impactos das mudanças impostas pela legislação.
No entanto, tanto quanto sei, o grupo de trabalho não ouviu as escolas, os alunos e os pais mas outras entidades (2).
Sem dúvida pessoas importantes mas que não são as escolas nem podem representar as escolas. Aliás, parece que é moda, há instituições que sabem tudo sobre a escola, sem nunca lá terem posto os pés, e, pelos vistos também sem ouvirem ninguém.

2. Nas suas conclusões, o estudo pede ao Ministério da Educação que proceda à avaliação do cumprimento das alterações introduzidas pela Assembleia da República.
Não sei se podemos esperar alguma novidade metodológica.
O que aconteceu é que foram introduzidas alterações pela Lei 21/2008, de 12 de Maio, da Assembleia da República. Mas na prática nada parece ter acontecido.
Obviamente que, no meu entender, se trata de filosofias diferentes, provavelmente até contraditórias. E, como aqui já se disse, importava saber o que está em jogo, principalmente, relativamente às instituições, agora transformadas em centros de recursos para a inclusão (CRI).
No relatório chamado ”Educação inclusiva - da retórica à prática” , em que é avaliada a educação especial de 2005 a 2009, não é referida uma única vez a Lei 21/2008. Foi esquecimento ? Ou há pessoas no ME que funcionam como se essa lei não existisse ?
Nós sabemos que o encaminhamento para esses Centros praticamente não contempla nenhum aluno devido aos critérios de encaminhamento serem extremamente limitativos.
Parece, às vezes, que querendo ir até ao limite do fundamentalismo da inclusão, muito para além do que define a própria Declaração de Salamanca, se chega, provavelmente, ao ponto de negar a diferença. O que se traduz numa inclusão exclusão, isto é, a inclusão não é concretizada dado que o atendimento poderia ser mais benéfico noutras condições. E estas condições não existem no contexto dos apoios da escola, nem no contexto dos apoios da turma, dado que a inclusão de crianças diferentes afecta todo o grupo e é necessário pensar, em função de todo o grupo, se há ou não limites para a inclusão.

3. Isto é, a escola deve ser feita por todos sem excluir, certamente, os que nela estudam e trabalham.

(1) No âmbito do seu plano de actividades para a X Legislatura, a Comissão Parlamentar de Educação e Ciência entendeu criar um Grupo de Trabalho sobre o Ensino Especial, com o objectivo de acompanhar o impacto das alterações introduzidas pelo Governo nesta matéria, na sequência da aprovação do Decreto‐Lei 3/2008, de 7 de Janeiro.

(2) A APD, Fórum de Estudos de Educação Inclusiva, Gabinete de Apoio Psicopedagógico - Acrescer Contigo, Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular - ACPEEP, Pró‐Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial (os mesmos elementos do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva).

14/03/10

A minha escola

                 

                                                    A minha escola
                                                    está virada ao sol e à chuva
                                                    aos calores do Verão
                                                    e aos rigores do Inverno.
                                                    Aos dias escuros do desânimo
                                                    sucedem dias claros de esperança.
                                                    Pela porta da minha escola
                                                    entram marés de alunos
                                                    e alunos de marés.
                                                    Trazem da cidade os sons
                                                    e as suas formas de estar,
                                                    trazem o toque e o sotaque
                                                    das cores vivas das diferenças.
                                                    Crescem nela ervas daninhas
                                                    que levam tempo a secar.                
                                                    Às vezes fica suja
                                                    da civilização do consumo
                                                    e os caixotes do lixo
                                                    nunca são suficientemente grandes
                                                    para as sobras dos bolsos e das mochilas.
                                                    Quando há festa
                                                    nota-se um brilho maior
                                                    nos olhos dos meninos
                                                    que só se apaga nas paredes velhas
                                                    nos pátios tortos
                                                    nas carteiras gastas de tanta idade.
                                                    A minha escola está virada às palavras
                                                    que povoam os livros, os quadros,
                                                    as paredes, o WC, as carteiras …
                                                    Palavras bonitas e difíceis
                                                    de namoros infantis: João love Catarina
                                                    palavras de paixão que não se dizem
                                                    palavras de ofensa para a mãe
                                                    palavras manhosas que andam pelo ar do recreio
                                                    em cada remate à baliza
                                                    em cada encontrão
                                                    palavras de desculpa e gratidão
                                                    palavras tristes sublinhadas com lágrimas
                                                    palavras de encontro e desencanto
                                                    de cansaço e de esperança.
                                                    Palavras.
                                                    A Joana anda apaixonada
                                                    o Pedro do 5º abandonou a escola
                                                    o João teve a primeira nega da vida
                                                    a Rita fugiu de casa
                                                    o Francisco anda triste.
                                                    Mas em cada regresso a casa
                                                    o António leva sem saber
                                                    lá no fundo de um caderno
                                                    um pedaço do seu futuro.
                                                   A minha escola passou-me
                                                   com o tempo, tanto trabalho,
                                                   que me deixou viciado.
                                                   E agora, 50 anos de vida,
                                                   não sei como me hei-de ir embora.

                                                   Carlos Teixeira

10/03/10

Os riscos da casa abandonada numa sociedade agreste



Os riscos que correm os alunos que frequentam a escola, pela sua complexidade, merecem alguma tentativa de compreensão contextualizada nesta sociedade agreste.
Podemos referir algumas dificuldades que as crianças e os jovens enfrentam no seu dia a dia quando estão na escola ou fora dela:
- Não se entender nem entender o que se passa com o desenvolvimento corporal: o problema da auto-estima, da dismorfia e da dismorfofobia.
- O cavalheiro bem posto que alicia
- O colega que oferece ganzas
- O trânsito que não respeita as pessoas
- O consumismo
- O medo dos testes negativos
- A mentira de desculpa para não ser castigado, posto no quarto escuro ou apanhar com o cinto…
- O medo do colega que ameaça bater lá fora
- O medo de ir para casa onde o pai não está ou se está ainda é pior…
- A dificuldade em se exprimir no campo emocional.
Mas quais são as respostas sociais existentes quando não estão na escola...
Se há alguns anos havia estruturas que enquadravam os jovens (a família, o trabalho, o serviço militar, etc.) agora temos uma maior diversidade de ofertas com outros tipos de enquadramento, que, subrepticiamente ou ostensivamente, em muitos casos, fazem parte da manipulação dos espíritos:
- Os aparelhos do maravilhoso: os milagres que aparecem por aí, a parapsicologia e o espiritismo …
- Os aparelhos de diversão: os 100 canais de TV, as romarias, a queima das fitas e as praxes dos caloiros, a música pimba, o futebol …
- Os aparelhos da esperança: o progresso da ciência, a justiça dos partidos políticos e das ideologias, o diálogo na Internet …
- Os aparelhos da resignação: o trabalho, as férias, o "nós por cá todos bem"… (J. G.Pereira Bastos).
A identificação traz o perigo, o problema, da homogeneização: o gang, o grupo étnico e tornar-se dependente do grupo, do bando. Mas os apegos profundos não são fáceis. Só à superfície andam acompanhados " isolados reunidos"(Winnicot) ou andar só ou só em grupo.
E a identidade enfrenta a dificuldade da escolha escolar e profissional.
Todos integramos estes aparelhos de uma forma ou de outra, o problema é como manter a nossa autonomia, a nossa identidade.
A casa abandonada exterior é também a sua casa interior. A casa onde se aventuram, com todos os medos resultantes do abandono, da insegurança, da destruição, do disfuncionamento, em que a cada passo pode significar um o perigo…
Mas o que podemos fazer perante este fenómeno? Alguns quereriam que se inventassem novos pais, outros que os pais são os culpados, outros que a escola não cumpre o seu papel, outros que a culpa é mesmo da família.
Mas a escola não é o reflexo do que se passa nas famílias e na sociedade?
Não é a escola que faz a sociedade agreste mas esta que forma aquela, desajustada, pouco motivadora para os que convivem todos os dias com a necessidade de enfrentarem o medo.

09/03/10

Os cinco na casa abandonada

          
Falar de indisciplina na escola? Talvez falar de alguns alunos que frequentam a mesma escola e que podemos incluir no contexto real da indisciplina:
M. 12 anos, vive com a avó, o pai nunca se interessou por ele, não o conhece. Diagnóstico: perturbação de oposição, absentismo, dificuldades de aprendizagem, terceira matrícula no 5º ano.
J. 13 anos, vive com a mãe "o meu pai é um drogado, separou-se da minha mãe”. Diagnóstico: perturbação do comportamento, absentismo.
J. 12 anos, “não sei se estão separados ou não, mas só vejo o meu pai no fim de semana”. Diagnóstico: défice de atenção com hiperactividade, absentismo, risco de abandono.
M. 11anos, líder na escola, vive com os pais, os colegas têm receio de lhe desobedecer. Diagnóstico: problemas de comportamento: ameaça ou intimida outros, lutas corporais, pequenos furtos na escola e em estabelecimentos comerciais.

Não se sabe muito bem porquê nem como mas acabaram por se conhecer e passado pouco tempo verificaram que tinham algo em comum, não se sabe bem o quê, talvez a linguagem fosse mais acessível, talvez porque tinham insucesso escolar semelhante, isto é, um número de negativas semelhante, a todas as disciplinas menos nas expressões, talvez porque tinham comportamentos parecidos e se encontravam com frequência quando eram postos fora da da sala de aula, talvez porque a acção do líder os tinha vinculado pelo medo “se não o podes vencer junta-te a ele”. Talvez , no fundo, tivessem algum objectivo: Ter um grupo de amigos, vaguear pela cidade, por aí…

Por sua inciativa faltavam com frequência às aulas. Contrariamente ao que se pode pensar, passar o portão da escola, para eles, não é difícil: falsifica-se a assinatura do encarregado de educação, salta-se o gradeamento, ou arranja-se um esquema qualquer.

Segue-se a atracção por sítios de aventura, onde se corre algum risco e onde se desafia o medo, o seu próprio medo e o medo dos outros. Os sítios secretos por onde se passa, onde só alguns passam, os adultos não cabem nesse sítios, no meio das silvas, nos buracos estreitos…

Uma particular atracção pela casa abandonada, onde ninguém fala, em princípio não se encontra ninguém ou ninguém se encontra e onde se ouve apenas os seus próprios passos, os passos dos colegas e ruídos estranhos… O que esconde aquela casa, que segredos por trás das portas, que quartos misteriosos, que rostos se escondem por ali, talvez o espírito do visconde, antigo proprietário da casa, ainda vagueie por aqueles corredores...

A respiração é ofegante, a cada passo novo desafio. É preciso forçar a porta para se passar. Aquela casa já teve gente. Onde estarão todos ? Todos mortos ? A casa ainda tem paredes mas já não funciona como casa.

Os quatro fazem, de vez em quando, o percurso destes sítios abandonados da cidade pelo desafio da descoberta, aventura e enfrentamento do medo.
A aventura enfrenta o medo mas descobre-se que o caminho está errado, às vezes demasiado tarde. Ou não. Como nas histórias de Enid Blyton, no que tem de aventura, mas diferente no que tem de abandono.

Falta ainda um elemento: o cão Tim. Na questão da indisciplina é para aí que o debate tem estado voltado, mas talvez seja o momento de nos preocuparmos com os alunos.

07/03/10

Mais actividade menos hiperactividade

      
A caracterização das crianças hiperactivas é feita através das metodologias conhecidas como, por exemplo, as propostas pelo DSM IV (Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Psiquiátrica Americana). Trata-se de uma avaliação clínica e, embora os critérios estejam bem estabelecidos, é muitas vezes sujeita a grande subjectividade avaliativa. Isto é, é feita de acordo com critérios em que apenas um observador classifica a criança. Como é o caso dos alunos das escolas para onde são enviados questionários pelos Centros de Desenvolvimento, integrados nos hospitais, para serem preenchidos pelos professores tendo em vista o diagnóstico respectivo. Sabendo-se que o professor ou o director de turma, o que é mais grave, dado que o aluno tem vários professores que não sustentam sequer a mesma avaliação, pode fazer uma avaliação do aluno mais ou menos favorável, através de uma escala de tipo Lickert, podemos concluir que há um elevado grau de subjectividade na avaliação. Por isso, acredito que muitas crianças rotuladas de hiperactivas não o serão. Posso concluir que este tipo de avaliação não me merece qualquer crédito.

Por outro lado, há também que distinguir hiperactividade de perturbação de comportamento, há que distinguir hiperactividade resultante de desmotivação do aluno na sala de aula como acontece com alguns alunos sobredotados em determinadas áreas de sobredotação, e que são rotulados de hiperactivos ou de alunos com perturbação de comportamento.

Sabemos também que a hiperactividade se atenua ao longo do desenvolvimento, o que significa uma relação com a maturação do sistema nervoso central que, como se sabe, por exemplo, a área da atenção é uma das áreas em que o processo de mielinização é feito até mais tarde. O que acontece, por outro lado, é que foram acontecendo prejuízos ao longo do processo de desenvolvimento. Por exemplo, no estudo catamnésico realizado pelo prof. Emílio Guerra Salgueiro, com crianças instáveis, é assim concluído. O que acontece é que esses prejuízos têm reflexos a nível da integração social, dado que os empregos conseguidos por estes indivíduos, são de menor prestígio social.
Certamente estas crianças podem interagir na sociedade de forma autónoma com maior ou menor equilíbrio, obviamente como todos as outras crianças.
Também não me parece que possamos concluir que estas crianças serão os marginais de amanhã. Há até listagens na Internet de gente famosa, cientistas, músicos, escritores que terão sido crianças com hiperactividade e défice de atenção, o que perspectiva um futuro bem interessante a essas crianças.

Outra situação é quando essas crianças têm outros problemas associados, como por exemplo, défice cognitivo, perturbação de oposição, etc. Mas nesse caso a caracterização da criança deve ser outra.

Pode-se e deve-se trabalhar na escola com estas crianças. No entanto, esse trabalho depende de várias condições que nem sempre são fáceis de conseguir na escola, mas:
- se estas crianças tiverem respostas na escola que lhes permitam desenvolver actividades de autocontrole e redutoras da instabilidade;
- se estas crianças tiverem currículos adaptados, por exemplo, à sua necessidade de se movimentarem o que, certamente, não é o caso se pensarmos em aulas de 90 minutos em disciplinas como a Língua Portuguesa, Inglês ou Matemática;
- se forem aplicadas estratégias e actividades que podem ser definidas para trabalhar com estas crianças, tais como:
• Programas de treino comportamental, em que são usados castigos e recompensas de forma adequada,
• Programas de treino cognitivo-comportamental, modificação de atitudes e estabelecimento de comportamentos alternativos,
• Programas de intervenção educativa para aumentar a atenção e a reflexividade em que se procura reduzir a impulsividade, treino da demora forçada, etc.,
• Programas de treino emocional, compreensão de comportamentos, aumento da auto-estima, melhoria da interacção pais – filho;
• Programas de relaxamento...
Pode-se modificar ou melhorar o comportamento instável do aluno.
Estes são exemplos de estratégias e actividades que podemos aplicar na escola.

Em situações especiais poderá haver indicação para um tratamento médico. Um medicamento que aumenta a capacidade de atenção da criança reduzindo-se, assim, a hiperactividade, é a ritalina . Da minha experiência poderei concluir que há algumas crianças que melhoram significativamente com esta medicação e que permitem um trabalho psicopedagógico, que de outro modo seria quase impossível e insuportável. Não é, no entanto, suficiente de forma a podermos ficar por aí. Pode mesmo ser o caminho mais fácil deixando todos “descansados”: os pais, os professores...

Mas há mais que fazer porque também sabemos que algumas crianças melhoram com treino comportamental, etc. Os programas referidos são fundamentais para a tomada de consciência, a auto-avaliação, da criança que pode, a partir desse ponto, desenvolver formas de autocontrole e de auto-administração de sanções, por exemplo.

Há, também, os mais diversos conselhos para dar aos pais. No entanto, em primeiro lugar, não nos podemos esquecer de que cada caso é um caso e só perante uma criança concreta isso pode ser feito. O que dizer, por exemplo, de uma criança considerada hiperactiva, mas que afinal tinha uma área de sobredotação que não tinha sido detectada e o que precisava não era certamente dessa orientação, mas de estimulação cognitiva que lhe permitisse não se aborrecer na sala de aula com a consequente instabilidade?

Portanto, o que me parece mais importante é, em primeiro lugar, fazer a compreensão do que é a hiperactividade e que podemos continuar a designar por instabilidade psicomotora, que sempre existiu e vai continuar a existir apesar da ritalina ajudar a sossegar a criança e de outras "modas" diagnósticas, que não passam disso mesmo.

Era necessário trabalhar em programas preventivos de forma a que os pais soubessem que há fases do desenvolvimento da criança em que pode nascer a instabilidade. A presença efectiva do pai e da mãe junto do filho pequeno na altura em que se estruturam os primeiros organizadores psíquicos, parece-me fundamental. Esta presença tem que ser equilibrada: nem excessivamente próxima ou intrusiva, nem demasiado distante e até ausente. O pai ou o seu substituto é um elemento que não pode ser dispensado desta relação.

É necessário ter cuidado com as situações de maior conflito no desenvolvimento: a entrada para o jardim-de-infância e para a escola. Uma confiança básica assente numa relação parental estável nestas crises parece ser um bom tónico psicológico para se ultrapassarem com sucesso. Mesmo no caso das famílias monoparentais ou a viverem situações de conflito por divórcio, falecimento de um dos cônjuges ou famílias reconstituídas, é importante que essa confiança permaneça. Quando perceberemos que os nossos filhos e os nossos pais serão sempre nossos? Não se poderiam, por isso, poupar as crianças aos efeitos colaterais das separações, mesmo que necessárias, mesmo que tumultuosas, mas em que as crianças podiam ter um seguro de garantia do amor parenta!?

Não defendo qualquer tipo de currículo alternativo para estas crianças, excepto se há perturbações associadas, como a deficiência mental e em que a hiperactividade também pode aparecer às vezes como queixa principal. Estas crianças devem estar integradas na turma, sendo, em meu entender, o máximo da especificidade, um currículo adaptado, se necessário. Assim a adaptação pode passar por:
• reduzir o tempo de permanência na sala de aula, isto é, o aluno pode desenvolver actividades em diferentes locais da escola, biblioteca, sala de informática, trabalho com professor de apoio.
• Sair da sala de aula dar uma volta pela escola e regressar (desde que garantida a segurança) ...
• Utilizar o treino comportamental: reforço do comportamento incompatível, utilização do princípio de Premack, utilização de esquemas de contingência de reforço...
• Utilizar pedagogia diferenciada dentro da sala de aula, tratando cada aluno de acordo com as suas características. Se o aluno manifesta alguma área de sobredotação deverão ser-lhe propostos actividades de desafio de modo a que se sinta interessado no estudo que está a fazer.

Aos pais compete o acompanhamento dos filhos e sempre que possível integrá-los em actividades de complemento curricular, na escola, ou extra-curriculares, designadamente actividades físicas e desportivas. Esta é uma forma fundamental para resolver também os problemas de hiperactividade que, como se sabe, funciona em termos de ensino cooperativo, desafiando-se a si próprio, confrontando-se com as regras do grupo, aprendendo com os outros mais experientes ou mais competentes.

Numa comunidade mais activa teremos crianças menos hiperactivas.


04/03/10

Gestão de carreiras absurdas

Na administração pública há carreiras completamente absurdas, como, por exemplo, a dos técnicos superiores.
Vejamos. Se um trabalhador for avaliado como excelente, isto é, se em todos os anos da sua vida de trabalho for avaliado com excelente, são necessários 56 anos de trabalho para chegar ao topo da carreira. Mas se o trabalhador for muito bom, isto é, se for classificado com muito bom, precisa de 70 anos de serviço para chegar ao topo da carreira. Se for considerado bom trabalhador precisa de 140 anos para chegar ao topo da carreira…
Então para quem é uma careira destas ?
A avaliação de desempenho individual serve para posicionar o trabalhador nesta carreira absurda. Portanto, é fácil concluir pela falta de seriedade de tudo isto.
Segundo C. Dejours (1) , nos últimos anos, três ferramentas de gestão mudaram profundamente o trabalho:
- a avaliação individual do desempenho,
- a exigência de “qualidade total”,
- e o outsourcing.
Vamos falar hoje, apenas, da avaliação de desempenho individual.
A avaliação de desempenho individual é um instrumento que modificou totalmente o mundo do trabalho.
A máxima “cooperar internamente para competir externamente” deixou de fazer sentido.
A avaliação de desempenho individual pôs em concorrência não só os serviços e as empresas mas também os indivíduos.
“As pessoas estão agora a competir entre elas, o êxito dos colegas constitui uma ameaça, altera profundamente as relações no trabalho: “O que quero é que os outros não consigam fazer bem o seu trabalho.” Muito rapidamente, as pessoas aprendem a sonegar informação, a fazer circular boatos e, aos poucos, todos os elos que existiam até aí – a atenção aos outros, a consideração, a ajuda mútua – acabam por ser destruídos. As pessoas já não se falam, já não olham umas para as outras. E quando uma delas é vítima de uma injustiça, quando é escolhida como alvo de um assédio, ninguém se mexe…”
Foi doloroso assistir ao que se passou em Portugal quando se defendia a avaliação de desempenho como a única forma de avaliação na função pública, com maior evidência no caso da avaliação de desempenho dos professores, como se não houvesse amanhã, com a perturbação que isso causou e continua a causar nos serviços e nas escolas.
Porém, em outros países há empresas e alguns patrões que começaram a abandonar a avaliação de desempenho individual.
"Esses patrões estavam totalmente fartos dela. Essas pessoas (como acontece por cá nas empresas e na administração) o que mais odiavam no seu trabalho era ter de fazer a avaliação dos seus subordinados e que essa era a altura mais infernal do ano".
Além disso, não servia para nada: apenas para semear injustiças…e colher ódios.
Os bons resultados, a produção e a produtividade de uma empresa, estão, assim, ligados à cooperação dentro da empresa, ao ambiente de confiança mútua, de lealdade, onde ninguém tem medo de dizer o que pensa e não à avaliação de desempenho individual.

(1) Christophe Dejours ver aqui