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02/06/24

Activas, proactivas, hiperactivas


A grande maioria das crianças são activas e nascem com competências motoras, cognitivas e emocionais que lhes permitem um desenvolvimento saudável. Esta é a constatação de psicólogos, educadores e pais na relação com as crianças. E sabemos que cada criança procura responder à interação com os adultos e com o meio, explorando tudo o que está à sua volta, primeiro o seu corpo e o da mãe e a pouco e pouco vai explorando tudo o que consegue tocar.

Todos os pais têm experiência do que acontece quando os filhos começam a andar e o que acontece às tomada eléctricas, às gavetas das mesas, às tralhas da casa de banho, em que a curiosidade e a proactividade fazem parte dos comportamentos da criança... enquanto está acordada.
Essa actividade e proactividade são fundamentais para o desenvolvimento da criança. Aliás sabemos que quando estão muito sossegadas é porque se passa alguma coisa.
Segundo Bion há três emoções fundamentais: Amor, ódio e epistemofilia. A criança, e os adultos, querem conhecer o que se passa no ambiente à sua volta.

Acontece que em confronto com as exigências da sociedade, em especial da escola, muitas crianças têm dificuldade em controlar alguns comportamentos motores e não estão facilmente adaptadas às condições e ao currículo que é suposto elas terem na escola. (1)
Acontece até que alguns comportamentos ultrapassam os limites das relações saudáveis com os colegas e com os professores.
Conhecemos casos de violência que não era suposto existirem na escola actual que se supõe ser mais evoluída do que a escola do passado.

De facto, nem sempre assim foi, e, antes, a autoridade e o poder do professor faziam com que as crianças fossem mais controladas. Claro que muito deste controle era um controlo exterior.
Com a "escola para todos", começaram a aparecer mais casos de comportamentos disruptivos.
Alguns podem configurar doenças, embora seja discutível como se chega a alguns diagnósticos como no caso das perturbações psicológicas. (2)
Bem sei que temos critérios para classificação dessas doenças referidos pelo Manual de diagnóstico e estatística de perturbações mentais – DSM - que já vai na 5ª edição. 

A perturbação de hiperactividade com défice de atenção (PHDA) afecta cerca de 5% a 15% das crianças
Na Carolina do Norte foram diagnosticados 14% dos rapazes enquanto na Califórnia os casos ficaram nos 7%. (C. Gonzalez, Crescer Juntos, p.144)
Entretanto, muitos especialistas acreditam que a perturbação de hiperactividade é sobrediagnosticada, em grande parte porque os critérios são aplicados de forma imprecisa. 
Ora acontece que muitos destes critérios são avaliados em questionários, como a Escala de Conners, e respondidos por pais e por professores, o que revela um elevado grau de subjectividade nas respostas que são dadas.

Também não é de espantar que a idade da criança seja um factor a considerar. Quanto mais nova a criança mais instabilidade apresenta, ou seja, quanto mais maturação neurológica menos hiperactividade.

Ora se concordarmos que se trata de uma doença, só em casos verdadeiramente excepcionais devia haver medicação. (3) 
Há muito a fazer antes disso: Se as crianças tiverem mais actividade começarão a apresentar menos hiperactividade.

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(1) "... há crianças muito calmas e há crianças muitíssimo irrequietas, difíceis de controlar. Alguns estudos sugerem que uma em cada dez crianças é muito difícil de educar, por irrequietude, mas apenas uma em trinta virá, no futuro, a apresentar hiperactividade." («Crianças pré escolares "supra activas"» Centro Distrital de Desenvolvimento da Criança, Hospital Amato Lusitano)

(2) Sobre «O conceito de "doença" (C. González, Crescer Juntos, p. 145 a p. 151). «O campo da psiquiatria é particularmente propenso ao surgimento de doenças »; «... a hiperactividade é precisamente uma das doenças "inventadas" (ou pelo menos enormemente exageradas)...»

(3) Há opiniões que consideram que a medicação é a primeira opção (idem, p.154). Porém, desde há  muito, se defende o contrário.  Eduardo Sá: "As crianças excessivamente medicadas estão em perigo e deviam ser protegidas pelas comissões (de proteção de crianças e jovens) tal como as outras". (Jornal do Fundão, 12-6-2008)


07/04/24

Em defesa dos direitos da criança


"O que há assim de tão admirável e exemplar na chamada transexualidade para que se pretenda a sua proliferação pelo mundo ocidental e o seu ensino nas escolas portuguesas? Este episódio conta com o testemunho ímpar da jurista Teresa de Melo Ribeiro. Imprescindível." Joana Amaral Dias

09/02/24

Educação – o maior tesouro


Pais e educadores, às vezes, sentimo-nos perdidos com tanta informação sobre a educação das crianças e sobre a melhor educação tendo em vista o seu futuro.
Choque do Futuro, um livro de Alvin Toffler, já com mais de 50 anos alertava para o desconforto que poderíamos sentir em virtude da evolução tecnológica e social que estava a acontecer e que se acentuava cada vez mais e também dos desafios daí resultantes que se verificavam em todos os campos da actividade humana. 
Na verdade, nem tudo o que se diz "progresso" é positivo, e, na verdade nem tudo é possível ser previsto havendo sempre a possibilidade de aparecerem cisnes negros na nossa vida. (N. Nicholas Taleb)
Alvin Toffler alertava: “O analfabeto do século XXI não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender.” (1)
No meio de tanta informação, a tarefa de educar na sala de aula e na escola parece que não evoluiu assim tanto. 

O processo de aprendizagem nalguns casos continua baseado na coerção, no medo, na obrigação fazendo com que formemos jovens que possuem desconfiança e desprazer com o ato de estudar. E aqui e ali surgem alguns (maus) exemplos...

Jacques Delors, recentemente falecido (27-12-2023), foi Presidente da Comissão Europeia entre 1985 e 1995.
Quero recordá-lo aqui, pelo mérito de ter presidido à Comissão que produziu o relatório sob a forma de livro: Educação - Um tesouro a descobrir. (2)
O título do Relatório é uma referência à fábula de Esopo (ou La Fontaine): O Lavrador e seus filhos, que nos mostra que o trabalho de preparar o terreno, semear e plantar é o verdadeiro tesouro que mais tarde vamos descobrir.
A educação para Jacques Delors baseia-se em em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser (Capítulo 4).
• Aprender a conhecer, combinando cultura geral, ampla, com a possibilidade de estudar, em profundidade, alguns assuntos.
• Aprender a fazer, adquirir uma qualificação profissional, sendo apto a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. 
• Aprender a conviver, desenvolvendo a compreensão do outro e a percep­ção das interdependências – projetos comuns, gerir conflitos – no respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz.
• Aprender a ser, para desenvolver, o melhor possível, a personalidade e estar em condições de agir com uma capacidade cada vez maior de auto­nomia, discernimento e responsabilidade pessoal. Com essa finalidade,a educação deve levar em consideração todas as potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar­.

O conceito de educação ao longo da vida é a chave que abre as portas do século XXI (Capítulo 5);  ele elimina a distinção tradicional entre educação formal inicial e educação permanente. Além disso, converge em direção a outro conceito, proposto com frequência: o da “sociedade educativa” ("The Learning Society") na qual tudo pode ser uma oportunidade para aprender e desenvolver os talentos. (3)
Nesta perspectiva, a educação permanente é concebida como atualização, reciclagem e conversão, além da promoção profissional, dos adultos.  
Deve  abrir as possibilidades da educação a todos, com vários objetivos: oferecer uma segunda ou terceira oportunidade; dar resposta à sede de conhe­cimento, de beleza ou de superação de si mesmo; ou, ainda, aprimorar e ampliar as formações estritamente associadas às exigências da vida profissional, incluindo as formações práticas.

Em suma, para Jacques Delors, a educação ao longo da vida, é aprender a aprender, é tirar proveito de todas as oportunidades oferecidas por essa “sociedade educativa”.


Até para a semana


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(1)  A frase é de Herbert Gerjuoy. Reflexão para ler e criticar sobre o que é aprender, desaprender e reaprender
(2) A Conferência Geral da UNESCO, em novembro de 1991, convidou o Diretor Geral “a convocar uma Comissão Internacional para refletir sobre a educação e a aprendizagem no século XXI”. Assim, Federico Mayor solicitou a Jacques Delors para assumir a presidência dessa Comissão, que reuniu outras 14 personalidades de todas as regiões do mundo, oriundas de diversos horizontes culturais e profissionais. A Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI foi criada oficialmente no início de 1993.
(3) "A formação ao longo da vida, como categoria enquadradora de uma nova forma de conceber as relações entre a educação, a escola e a sociedade, (sublinhado meu) se, por um lado, radica em necessidades pragmáticas das sociedades a que urge responder mais adequadamente, por outro implica a reconceptualização do papel da instituição escolar e, consequentemente, o reexame das grandes metas de educação escolar no mundo atual."  Maria do Céu Roldão, "A educação básica numa perspetiva de formação ao longo da vida",  Inovação - Educação e Formação ao longo da vida, Vol. 9, nº 3, 1996, p. 211.






Rádio Castelo Branco



01/02/24

De Watson à Assembleia da República


1. Na sequência da lei n.º 38/2018, de 7 de Agosto, sobre o "Direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa", foi aprovado (1) pela Assembleia da República, o decreto que estabelece medidas a adotar pelas escolas para garantir esse direito.
Segundo esta lei, as escolas devem definir “canais de comunicação e deteção”, identificando um responsável ou responsáveis “a quem pode ser comunicada a situação de crianças e jovens que manifestem uma identidade ou expressão de género que não corresponde ao sexo atribuído à nascença”.
Após ter conhecimento desta situação... a escola deve promover a avaliação da situação, reunir toda a informação relevante para assegurar o apoio e acompanhamento e identificar necessidades organizativas e formas possíveis de atuação, a fim de garantir o bem-estar e o desenvolvimento saudável da criança ou jovem”.  Como a garantia do acesso às casas de banho e balneários...

Podemos questionar: Sexo atribuído à nascença? Definir canais de comunicação e deteção? Identificar um responsável? Garantir tendo presente a sua vontade expressa? 
De que jovens se trata? Em que idades? Qual o papel dos pais/encarregados de educação?
Por quê nas escolas? Por que não em todas as instituições da sociedade?

2. O texto desta lei é uma barbaridade. Mas tudo está dentro da lógica vinda de John Watson e de John Money. (Jean-François Braunstein, A Religião woke, cap. II - Uma religião contra a realidade - A teoria de género, p.71-106, Guerra e Paz),
Sabemos o que pensava Watson da modificação do comportamento quando em 1927, proclamou a sua famosa frase: “Dêem-me um bebé e eu farei dele o que quiser, um ladrão ou um juíz, um pistoleiro ou um médico…”
Esta conhecida afirmação resulta da teoria behaviorista, segundo a qual o meio em que ocorre a aprendizagem é fulcral para o desenvolvimento. Neste sentido, todo o bebé que seja estimulado a fim de ser algo, sê-lo-á, independentemente da sua carga genética. 
É, por isso, que este decreto ser de aplicação apenas na escola, portanto, a crianças pequenas, não deixa de ser perverso... (2)

3. Mas, ainda assim, também sabemos que as pessoas não são ratos e que pensam... 
Foi o que fez o Sr. Presidente da República,  Marcelo Rebelo de Sousa. Vetou o decreto que estabelecia estas medidas a aplicar pelas escolas
Segundo disse: "A aplicação nas escolas das medidas preconizadas no diploma tem necessariamente de ser ajustada às várias situações e, em particular, à idade de crianças e adolescentes"...  " o decreto peca por uma quase total ausência dos pais e encarregados de educação na implementação das medidas previstas."

4. As escolas, juntamente com os pais, sabem lidar com as diferenças, desde há muito tempo... e não precisam destas leis vindas da AR, ou do Ministério da Educação, nem de supostos formadores que as vão ensinar, educar e formatar no sentido que pretendem... que é a desconstrução da estrutura social existente, sujeitando a maioria dos alunos a normas absurdas e que não fazem sentido para ninguém nem para as minorias nem para as maiorias que, pelos vistos, também têm direitos. 

Até para a semana.


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(1) O texto final foi apresentado por PS, BE e PAN, foi aprovado por estas forças políticas juntamente com o Livre, e contou com votos contra do PSD, Chega e IL e a abstenção do PCP.
(2) Sobre a fatídica experiência de John Money ver, por ex., o que tem dito e escrito Miriam Grossman.



Rádio Castelo Branco





20/09/23

Erros que os professores não cometem com os seus filhos


Deixem-me fazer uma breve nota sobre a minha participação neste programa de “Opinão” da Rádio Castelo Branco (RACAB). Em 2007, iniciei esta rubrica de colaboração. Há, portanto, 16 anos. Vamos continuar a falar de psicologia, de pedagogia ou simplesmente de assuntos do quotidiano vistos numa perspectiva psicológica ou educativa ...

No mês de Setembro é o regresso à escola. É nesta altura que muitas questões se colocam sobre os papéis da família, dos professores e dos alunos e sobre o relacionamento entre família e escola. 
“Os pais e os professores lutam pelo mesmo sonho: tornar seus filhos e alunos felizes, saudáveis e sábios. Mas jamais estiveram tão perdidos na árdua tarefa de educar.” (Augusto Cury, Pais brilhantes, Professores fascinantes)
O pais e os professores... Provavelmente, porque também se preocupam cada vez mais com a educação dos filhos e alunos e também porque a colaboração entre a escola e a família se afigura cada vez mais como uma necessidade para melhorar os resultados do desenvolvimento e aprendizagens dos alunos. *

Foram perguntar a alguns professores que também têm filhos alunos que erros não cometeriam com os próprios filhos depois de terem trabalhado como professores.** Se em casa de ferreiro espeto de pau, como diz o ditado, será que podemos ver a sua opinião como uma referência para melhorar esse relacionamento? Estou em crer que sim.

1. A superprotecção e desresponsabilização da criança
Não ser um pai ou uma mãe helicóptero pairando sobre os filhos à espera de intervir sempre que sentirem necessidade. “É claro que, quando as crianças são pequenas, precisam de mais envolvimento dos pais, mas o objetivo é que os pais – e os professores – atribuam cada vez mais responsabilidades aos alunos à medida que vão crescendo”.

2. Opor-se sistematicamente ao professor
Trata-se aqui de um problema de modelagem. Podemos ter uma opinião desfavorável de um professor ou até estarmos zangados com um professor, mas o seu filho nunca deveria saber exatamente como a mãe ou o pai se sente nem envolver o filho na questão. 
Se desrespeitar um professor, é provável que seu filho o imite. 
Infelizmente sabemos como este comportamento é frequente nas nossas escolas.

3. Não se envolver e não apoiar os filhos
Ao contrário do que fazem os pais helicóptero, é importante responsabilizar as crianças, fazê-las ganhar autonomia e confiar nos professores. No entanto, continua a ser essencial o forte apoio dos pais, ou seja, não perder o interesse, não relaxar, se surgirem dificuldades nas aprendizagens tentar entender como fazê-las melhorar.

4. Fazer promessas vazias e falsas
Conhecemos a alegria e o entusiasmo de alguns dos alunos ao falar sobre um evento especial prometido por seus pais mas também sabemos da decepção quando não cumprem as promessas. Este comportamento repetido leva à desconfiança dos pais e ao descrédito nas suas promessas.

5. Outro erro é os filhos não acompanharem a família quando os pais têm alguns dias de férias, a menos que de todo seja impossível. Estes dias de faltas à escola são recuperáveis... e a experiência e o tempo com a família são muito mais importantes.

Até para a semana. 


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E é ainda por isso que não faz sentido continuar a haver quem ache que a família educa e a escola ensina. Como tenho escrito, há muitas áreas do currículo em que deve haver colaboração, ou seja, em que há aspectos específicos da responsabilidade dos pais ou dos professores mas também aspectos comuns: o que se pode fazer em casa é completar o que faz a escola e, noutros casos, a escola complementa o que se faz na família.


 
 
Rádio Castelo Branco


 

08/06/23

O pequeno milagre do final do ano lectivo



Mais um ano lectivo está a chegar ao fim. É hora de balanço. E o balanço deste ano não é muito bonito.
Com um contexto internacional de crise acentuada em relação aquilo que pensávamos adquirido, após a pandemia que obrigou a fechar escolas e os alunos a ficarem em casa com aulas online, não se esperava que fosse um ano tranquilo. Além disso, o sistema educativo, neste contexto desestruturado, é ainda vítima das questões internas que se arrastam há anos e de que não há maneira de serem ultrapassadas através de uma negociação franca, justa e competente. (1)

Foi um ano de mudanças de ministro para pior. Da nulidade à esperteza, há sempre agendas ocultas mais desestabilizadoras.
Ano de greves de professores, de reivindicações, de que não se vê acordo. Pode haver reformas que sejam consensuais, mas se não o são, devem igualmente ser feitas. E há compromissos que devem ser respeitados.
Nesta aspecto, os sindicatos de professores também têm a sua responsabilidade pelo que se está a passar. As greves, dizem, prejudicam sempre alguém. Pois se assim for, é preciso serem bem avaliadas e os sindicatos não podem ser indiferentes às consequências dessas greves: a segurança dos alunos, as refeições dos alunos, as condições dos pais que não podem deixar de ir trabalhar para ficarem com os filhos em casa... 
E faltava ainda, no final deste ano, as provas aferidas digitais, um fiasco enorme para algo que não serve para nada, as avaliações em dias feriados e as greves aos exames...

O tempo de serviço dos professores - 6 anos, 6 meses e 23 dias - não pode ser sonegado. Pode não haver financiamento sustentável mas, por isso mesmo, não pode deixar de ser negociável. A carreira docente tem que ser revista, os concursos têm que ser alterados. É insustentável continuar nesta espiral desconstrucionista (2) que parece ser aquilo que pretendem uns e outros.

No meio deste vendaval deseducativo, um pequeno milagre acontece todos os anos, por esta altura, com cada criança que entrou este ano na escola. Foi graças a cada criança, a cada família, a cada professor que cada uma delas transformou a sua vida de forma definitiva e que vai marcá-la para sempre – aprendeu a ler escrever e contar.
Este pequeno milagre deve-se em grande parte à escola. Por isso, era bom que a escola percebesse, definitivamente, que está a lidar com transformações fundamentais na vida das pessoas e, por isso, são da máxima responsabilidade quaisquer decisões que se tomem em relação a este processo ou que tenha implicações neste processo.
É importante ultrapassar a querela da culpabilização da escola e dos responsáveis do seu disfuncionamento. É, talvez, importante um "pacto educativo para o futuro" (3) mas, desta vez, com os pés no chão. Porque a escola é fundamental na nossa vida e é natural que haja pais preocupados e insatisfeitos, professores cansados e frustrados, alunos desiludidos... mas é muito mais importante que todos os anos se renove esse pequeno milagre da alfabetização, esse importante papel que a escola tem na formação dos homens. 

Pergunto se já deram os parabéns aos filhos pelas aquisições que fizeram este ano, pelas transformações adaptativas, tão difíceis, que conseguiram na sua vida. Eles foram o melhor desta história toda, adaptando-se, com afinco, a esta nova forma de ser responsável na sociedade a que pertencem 
O final do ano lectivo é, por isso, um tempo de ser grato àqueles que fizeram esta transformação.


Até para a semana.

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(1) Reformar e investir em educação.

(2) Refiro-me a uma sociedade  cada vez mais influenciada pela necessidade de negação das tradições e pela desconstrução dos valores morais e religiosos que o suposto progressismo e verdismo leva a efeito na sociedade a começar pelas escolas sendo que por isso interessa a falência da escola como factor de transmissão da cultura que consideram ultrapassada e não "inclusiva"...

(2) Talvez começar por concretizar o que está previsto para a educação na "Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal, 2020-2030, de A. Costa Silva, pags. 80-81, em especial o "Programa de rejuvenescimento do corpo docente e de formação de professores".


Rádio Castelo Branco



21/11/22

“É preciso acabar com os professores com a casa às costas”

Quem faz o favor de ler algumas coisas que escrevo neste blogue sabe o que penso de António Costa. O primeiro-ministro era para mim um assunto arrumado. E não pensava  perder mais tempo com um caso arrumado.  
Porém, surge esta notícia. E não é que uma coisa que ando a dizer há tantos anos, de repente, parece que vai merecer alguma atenção da parte do poder? Finalmente, uma reforma estrutural? Já era tempo. A esperança é a última a morrer.
"Apesar do realismo destas medidas nada há a esperar em matéria de reformismo  do actual Ministério da educação, ou deste governo, durante o resto do mandato mas a esperança é a árvore frágil que tenta sobreviver a tudo, é "essa menina, que arrasta tudo consigo". (Péguy)
Transcrevo apenas um dos aspectos (Reformar e investir em educação 2da intervenção que considero necessária em matéria de educação. Uma reforma do sector da educação seria muito mais extensa. Mas já é alguma coisa face à escassez de medidas positivas neste sector.
3. Estabilização dos recursos humanos
Negociar com os sindicatos de professores o tempo de serviço de  9 A 4 M 2 D: as formas possíveis de gestão deste tempo efectuado pelos professores e que de forma nenhuma lhes pode ser sonegado.
Alterar o sistema de recrutamento e selecção de professores: terminar com a centralização dos concursos, com benefício para a redução da deslocação de professores, contra o centralismo educativo saloio e provinciano do ministério da educação: concursos de professores, parque escolar...
Número limite de turmas/professor. Não faz sentido que um professor possa leccionar 500 alunos, como um professor de TIC, por exemplo, uma vez por semana...
Técnicos especializados: psicólogos, terapeutas da fala, intérpretes de LGP, formadores/prof de LGP - eliminação da precariedade e entrada no quadro após 3 anos de serviço efectivo.
A gestão estratégica dos recursos humanos da educação passa por um "Programa de rejuvenescimento do corpo docente", proposto  por António Costa Silva, com o qual estou de acordo (Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030)

 Aqui fica a notícia da Lusa/ Público com foto e tudo...



“Não há nenhuma razão para que isto aconteça”, frisou António Costa a propósito de os professores nunca saberem se vão ficar perto ou longe de casa.
Lusa, 19 de Novembro de 2022, 15:27
 
Foto - António Costa falou dos professores num congresso regional do PS (LUSA/Miguel Pereira da Silva)



"O secretário-geral do PS, António Costa, defendeu este sábado que é preciso acabar com a situação dos professores com a “casa às costas” e mostrou-se confiante num acordo com os sindicatos do sector.

“Esperamos chegar a acordo com os sindicatos para que seja possível acabar, de uma vez por todas, com os professores com a ‘casa às costas’ e que possam, assim que sejam contratados, vincular-se na escola onde estão e só saírem de lá se um dia o desejarem”, disse.

António Costa falava na Covilhã, no XX Congresso Federativo do PS Castelo Branco, numa intervenção que foi acompanhada online nos congressos federativos socialistas de outras regiões, que também estão a decorrer neste sábado.

Durante a sessão, o líder socialista e primeiro-ministro reiterou o compromisso com a execução de “reformas estruturais”, destacando a situação dos professores e a necessidade de mudar o modelo de vinculação.

Costa lembrou que já foi aberto um processo de negociação sindical para alteração do modelo de vinculação dos professores e assumiu que “não há nenhuma razão” para que esta seja “a única carreira em todo o Estado” que tem de se apresentar a concurso de quatro em quatro anos.

António Costa reconheceu o problema que representa para os professores não saberem se vão ficar perto ou longe de casa e se vão ter de andar com a “casa às costas”, “sem saber onde é que se podem vincular”. “Não há nenhuma razão para que isto aconteça”, vincou.

Apontando que a estabilidade do corpo docente reforça a qualidade da educação, destacou que este é um ganho fundamental que tem de se conseguir."





29/09/22

A primeira vez: a entrada na escola (2)



  

A entrada na escola bem sucedida depende essencialmente de dois factores: os pais e os professores. Comecei por falar do impacto que a entrada dos filhos na escola tem para as famílias. Não se pode deixar de reconhecer o outro lado fundamental deste processo inicial: os professores.
Obviamente, as diversas estruturas da escola e o sistema educativo têm impacto na vivência desta crise de forma adaptativa ou não.

A escola é um mundo real onde convivem pessoas concretas, adultos e crianças, professores e alunos, cada uma com a sua visão, diferente da escola real, cada uma com a sua escola imaginária. A nossa escola ideal é, também, um processo inconsciente, faz parte dos desejos e das expectativas, das esperanças e dos sonhos dos pais, das crianças e dos professores.
Umas vezes a escola responde de forma adaptativa a este processo outras vezes nem por isso (1) e esbarra com a realidade concreta de cada criança e a realidade concreta de cada professor.
De facto, a escola forma para os valores humanos como é expresso no projecto educativo de qualquer escola ou agrupamento de escolas. Mas também pode ser ou é um lugar de aprendizagens outras que não conduzem ao caminho previsto pela sociedade para o processo educativo e ou ser origem de problemas e de stress para a criança e sua família.
O futuro educativo ou simplesmente o futuro de uma criança depende muito da forma como este momento crítico é assumido pelos professores. 

Da minha experiência no Serviço de Psicologia e Orientação (SPO), em inúmeras reuniões com professores ou de Conselho de Turma, concluí que a turma (1º ciclo) e o conselho de turma constitui o core de todo o sistema educativo e, portanto, o papel exercido pelos professores é decisivo no processo educativo de cada aluno.
É, por isso, que a gestão da turma é um trabalho árduo, personalizado, principalmente em momentos críticos como a análise da primeira abordagem dos alunos da turma ou em momentos de avaliação qualitativa (compreensiva).
O trabalho da maioria dos professores é sem dúvida intenso e de grande responsabilidade, exige competência técnica, empenho, motivação, capacidade de liderança, cooperação, inteligência emocional, honestidade (2) ... (Claro que, como em todas as organizações, há professores desmotivados e em burnout).

No início do ano lectivo, a inclusão de cada aluno na escola exige estar atento às diferenças que uma vez identificadas e valorizadas permitam a prática de metodologias e estratégias como a necessidade de educação especial, definição das capacidades e fragilidades, da maturidade e precocidade excepcional. 
Desta forma serão ultrapassadas as dificuldades e adquiridas competências comuns a todos os alunos, ou específicas, desenvolvendo-as até onde for possível quando adaptativas.
Para crianças diferentes poderão ser necessários métodos e estratégias diferentes e aqui ganha relevo a metodologia UDL (Desenho Universal para a Aprendizagem). (3)
Como já aqui escrevi “a educação é o professor. É a mudança que falta fazer."
Volto hoje a dizer: investir nos professores é o melhor seguro para o futuro de uma criança, o mesmo é dizer de um país.


Até para a semana.


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(1) Pennac, Daniel, (2009), Mágoas da Escola, Porto Editora

(2) McCourt, Frank, (2005), O Professor, Ed. Presença

(3) Rose, David e Meyer, Anne, (2002), Teaching Every Student in the Digital Age, Universal Design for Learning, ASCD




01/06/22

Saúde mental na escola


Quero relevar alguns aspectos que me parecem interessantes no estudo sobre a "Saúde Psicológica e Bem-estar". * feito na sequência da pandemia de covid-19, para perceber o efeito na comunidade escolar.

Os resultados em relação aos alunos:
- um em cada três alunos considerou que a vida na escola piorou, um quinto achou que a vida com os amigos também ficou pior e 28,4% referiu que a vida consigo mesmo também se agravou. Já a vida em família manteve-se inalterada para a maioria (56,7%);
- Cerca de um terço dos alunos das escolas portuguesas tem sinais de sofrimento psicológico e défice de competências socioemocionais;
- Os problemas de saúde mental agravam-se à medida que os alunos crescem, até chegarem ao 12.º ano, altura em que são relatados mais problemas;
- Cerca de um quarto das crianças são irrequietas (23,2%) e distraem-se com facilidade (24,9%);
- Entre os alunos mais velhos, mais de um quarto disse sentir tristeza (25,8%), irritação ou mau humor (31,8%) e nervosismo (37,4%) várias vezes por semana ou quase todos os dias;
- Embora a maioria refira que raramente ou nunca, sente uma tristeza tão grande que pareça não aguentar (67,1%), quase um terço admitiu sentir essa tristeza pelo menos mensalmente (32,9%).

Em relação aos professores, os investigadores concluíram: 
- Que o ambiente da escola e a qualidade da gestão dos agrupamentos escolares parecem estar associados ao sofrimento psicológico dos docentes, uma situação também agravada pela idade e tempo de serviço;
- São muitos os que se sentem nervosos, irritados ou de mau humor, havendo mesmo quem admita ter dificuldade em adormecer (48,5%);
- Um em cada cinco professores (20%) disse sentir-se “tão triste que parece não aguentar”;
- Os docentes com mais idade e mais tempo de serviço relatam menor qualidade de vida, mais sintomas de depressão e ansiedade, menor perceção de apoio por parte da direção do agrupamento e um ambiente escolar menos favorável;
- Mais de metade dos docentes disse ter-se sentido nervoso (55,3%), triste (53,4%), irritado ou de mau humor (51,3%), com frequência semanal ou superior, nos últimos tempos.

Estes dados são suficientes para nos indicarem a necessidade de concretizar nas escolas projectos preventivos que desenvolvam competências emocionais nos alunos, projectos que desenvolvam as virtudes e as forças dos alunos... **
Para isso, são necessários recursos humanos, principalmente psicólogos, nas escolas e nos cuidados de saúde primários para que possam atender crianças e jovens em sofrimento psicológico.
Era interessante que no sector de educação fossem concretizadas as propostas, feitas em 2020, pelo actual ministro da economia Costa Silva, na Visão estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030. ***


Até para a semana



__________________________

* Estudo nacional realizado pela primeira vez e pedido pelo Ministério da Educação sobre a saúde psicológica e bem-estar da comunidade escolar. Participaram no estudo 8.067 crianças e adolescentes que frequentam escolas portuguesas, desde o pré-escolar até ao 12.º ano e 1.457 professores, na sua maioria mulheres (81,8%); É um trabalho de parceria entre a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, Direção-Geral da Educação, Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, Equipa Aventura Social/ ISAMB, Universidade de Lisboa, Ordem dos Psicólogos Portugueses e Fundação Calouste Gulbenkian, que teve a coordenação científica de Margarida Gaspar de Matos (Equipa Aventura Social/ ISAMB, Universidade de Lisboa).

** Por ex.: iniciativa muito interessante: ManifestaMente.

*** Por ex.: "Programa de rejuvenescimento do corpo docente e de formação de professores."
"Investir num programa de reformas antecipadas negociadas com os professores mais idosos e alargar o recrutamento de novos professores jovens. O programa deveria ser de adesão voluntária e os modos de acesso à carreira pelos novos docentes deveriam ser revistos. Reformar e financiar o sistema de formação de professores em todos os domínios: na formação de base, na formação em exercício e na formação contínua. O programa deveria ser desenvolvido em negociação com as instituições do ensino superior implicadas na formação de professores, num tempo curto, para poder ter efeitos no processo de rejuvenescimento do corpo docente, assegurando que esse rejuvenescimento seria também um momento de requalificação da profissão."







08/10/21

Reformar e investir em educação 3


Voltamos, hoje, à “ Opinião” de 5ª feira. Obrigado a todos os que me ouvem. Vamos continuar a falar de psicologia e de educação ou melhor dos comportamentos das pessoas, da psicologia na escola e nas famílias, dos problemas do quotidiano, da política educativa e de tudo o que faz parte da vida. Sem restrições mas com responsabilidade...

No último programa, em Julho, falámos da necessidade de realizar reformas no sector de educação.
Propusemos uma reforma a partir de autores como Martin Seligman, Benjamin Spock ou David Rose...

Mas podemos encontrar os fundamentos para uma reforma educativa nos poetas, como eu penso que encontrei em Walt Whitman que nos dá uma visão muito precisa da escola para a América do seu tempo e do trabalho árduo dos professores e eu penso que é ajustada para o nosso tempo, aqui neste país.


Walt Whitman fala-nos dos alunos, e da escola (no poema Pensamentos de um velho sobre a escola", Folhas de erva, p. 354-355)

"Um velho reúne recordações da juventude e flores que a juventude,
ela mesma, não consegue reunir.
 
Hoje só eu vos conheço,
Ó belos céus da aurora, ó orvalho da manhã na erva! 
E são estes que vejo, estes olhos cintilantes,
Cheios de um significado místico, estas vidas jovens,
Que constroem, que se equipam como uma frota de navios, navios imortais,
Que em breve navegarão pelos mares sem limites,
Na viagem das almas. 
Apenas um grupo de rapazes e raparigas?
Apenas as enfadonhas lições de leitura, escrita e cálculo?
Apenas uma escola primária?
Ah, mais, muito mais.
...
E tu, América,
Fizeste uma avaliação real do teu presente?
Das luzes e das sombras do teu futuro, bom ou mau?
Presta atenção às tuas raparigas e rapazes, ao professor e à escola."
Sobre o  trabalho dos professores, WW fala-nos da grandeza e ao mesmo tempo da dureza de ensinar:

“És tu quem pretende um lugar para ensinar ou ser aqui poeta, nos Estados?

A missão é digna de respeito, as condições duras. 

Quem pretende ensinar aqui bem pode preparar-se de corpo e alma,

Bem pode explorar, ponderar, armar-se, fortificar-se, endurecer e tornar-se ágil,

Antes será certamente interrogado por mim com muitas e sérias perguntas. 

Quem és tu na verdade que queres falar ou cantar para a América?

Estudaste bem o país, os seus idiomas e os seus homens?

Aprendeste a fisiologia, a frenologia, a política, a geografia, o orgulho, a liberdade e a amizade do país? Os seus fundamentos e objectivos?

...

Conheces a fundo a Constituição federal?

Vês quem deixou todos os poemas e processos feudais para trás e adoptou os poemas e processos da Democracia?

És fiel às coisas? ensinas o que a terra e o mar, os corpos viris, a feminilidade, o instinto amoroso, os furores heroicos ensinam?

Passaste depressa pelos costumes efémeros e pelo que só é popular?

Consegues opor-te às seduções, loucuras, vertigens, lutas ferozes? és muito forte? és, na verdade de todo o  Povo?"

....  

("Na margem do azul Ontário", 12, Folhas de erva, p. 311) 

Sem dúvida, todo um programa para quem ama o seu país e tem a noção de que a educação é o cimento que faz os alicerces de um povo.

 

 

Até para a semana.









 

28/09/21

Reformar e investir em educação 2

Esperança - a árvore frágil...


Alguns autores inspiradores para a nossa vida podem também iluminar um programa de educação estruturante para o futuro. Ajudam-nos a estabelecer um rumo, a ser vento e não andar ao sabor dele, ou seja, de modas atrabiliárias resultantes das agendas políticas e ideológicas dos governos actuais e dos que aí vêm, ou de facções modistas curriculares que não reflectem o que a sociedade precisa para os seus cidadãos: uns dias é área-escola, outros educação sexual, outros ainda cidadania e desenvolvimento, outros AEC e escola a tempo inteiro... um dia são objectivos e, no outro, competências...

Como aqui referi, uma reflexão possível, a partir da psicologia e pediatria, e de muitos modelos pedagógicos ou psicopedagógicos - convém conhecer Montessori, Freinet, Makarenko, Fröbel, Rogers, Piaget, Kohlberg, D. Rose... - integra três perspectivas: aprender numa escola inclusiva que educa para o bem-estar e para um mundo melhor, baseada numa cultura de educação diversa e plural, democrática e livre, igual e justa.

A escolarização continua a ser o processo mais comum de educação das crianças. Não ignorando formas alternativas que podem existir (ou mesmo a desescolarização), a maioria das famílias continua a querer os seus filhos na escola. E de facto, na escola reside a grande diferença em relação ao futuro pessoal de cada aluno e ao futuro da sociedade. Não podemos esperar uma sociedade desenvolvida sem o trabalho educativo de excelência desenvolvido nas escolas, não podemos esperar cidadãos responsáveis sem as aprendizagens humanísticas, técnicas e científicas efectuadas nas escolas. A escolarização continua a ser responsável pela definição do futuro.
É por isso que se ainda há lugares sagrados neste mundo, a escola devia ser um desses lugares, como ouvia dizer ao Prof. António Frade (Cousas e Lousas). A escola devia ser poupada à violência, ao bullying, mas também devíamos poupar os alunos e as famílias aos caprichos curriculares e à intrusão nas competências das famílias.

O que aconteceu para que a escola, principalmente nas sociedades democráticas, seja o lugar que é hoje? Se a escola é o centro da esperança no futuro também, ao mesmo tempo, é o sítio das desilusões de quem trabalha na educação, desmotivado e em burnout, o sítio das "mágoas da escola" (Pennac) de quem a frequenta.
Esta difícil situação deve ter em conta que os pais devem ter um papel na educação dos filhos, é uma questão fundamental em qualquer projecto educativo. Porém, isto não significa que os pais sejam intrusivos ou possam invadir a escola com a violência que conhecemos em algumas situações chegando à agressão física de professores. 
Outra coisa é o papel dos pais que desde logo devem ter a possibilidade de escolher o projecto educativo (currículo) mais adequado para os filhos. Com raras excepções, a educação é uma prioridade das famílias e muitos pais sabem qual é o seu papel na educação e instrução dos filhos, em colaboração com a escola e professores.
Para atingir estes objectivos, uma reforma concreta, uma reforma das pequenas coisas, teria em conta a realização dos seguintes aspectos críticos.

1. Consolidação do sistema educativo
Há legislação a mais sobre a educação e a escola. Por isso, uma das medidas fundamentais é  legislar apenas o essencial para o sistema. Isto significa legislar menos e nos timings certos de forma a não criar disfuncionamentos e dificuldades de adaptação dos professores, pais e alunos, em cada ano lectivo que se inicia...
Aplicar a legislação em vigor e avaliar periodicamente, a longo termo, a sua eficácia.
Avaliar os projectos educativos, curriculares ou outros de cada escola.
O estado deve limitar-se, o que é muito, ao papel de gerir o sector educativo estatal e regular todo o sistema educativo.

2. Articulação do sistema educativo 
Necessidade de um sistema coerente entre os vários sectores ou subsistemas: estatal, privado, cooperativo e social e entre várias modalidades de repostas/valências educativas e terapêuticas...
Repor, na medida do possível, e alargar, os contratos de associação nas localidades onde se justificam.
Regular a articulação com o sector privado, social e cooperativo, de forma a que os resultados sejam idênticos ou melhores que no sector estatal, como têm sido, basta ver os rankings dos exames, e  sejam menos dispendiosos para o estado. 
Esta rede educativa pode ter as vantagens que apenas um sector não tem: a liberdade de ensinar e de aprender. 
A concorrência entre projectos educativos das escolas estatais  e privadas, pode criar opções de escolha às famílias e aos alunos, pode desempenhar um papel importante na redução de despesa do estado quer através de contratos de associação quer através de encargos das famílias que o estado deixa de ter com a educação.
No sector estatal, promover o desenvolvimento dos projectos de autonomia das escolas.

3. Estabilização dos recursos humanos
Negociar com os sindicatos de professores o tempo de serviço de  9 A 4 M 2 D: as formas possíveis de gestão deste tempo efectuado pelos professores e que de forma nenhuma lhes pode ser sonegado.
Alterar o sistema de recrutamento e selecção de professores: terminar com a centralização dos concursos, com benefício para a redução da deslocação de professores, contra o centralismo educativo saloio e provinciano do ministério da educação: concursos de professores, parque escolar...
Número limite de turmas/professor. Não faz sentido que um professor possa leccionar 500 alunos, como um professor de TIC, por exemplo, uma vez por semana...
Técnicos especializados: psicólogos, terapeutas da fala, intérpretes de LGP, formadores/prof de LGP - eliminação da precariedade e entrada no quadro após 3 anos de serviço efectivo.
A gestão estratégica dos recursos humanos da educação passa por um "Programa de rejuvenescimento do corpo docente", proposto  por António Costa Silva, com o qual estou de acordo (Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030)

4. Avaliação das aprendizagens
Terminar com a actual periodização da avaliação, passando de três períodos de avaliação sumativa, para dois períodos, correspondentes a dois semestres, como acontece no ensino superior.
Repor a avaliação sumativa externa no final do 4º ano e 6º ano e acabar com a avaliação aferida no 3º e no 5º.
Definir o peso efectivo dessa avaliação externa no conjunto da avaliação contínua e interna.
Realizar uma prova aferida externa no final do 2º ano lectivo que terá como objectivo a avaliação das dificuldades individuais dos alunos na leitura, escrita e cálculo. Face aos resultados, cada escola deve desencadear o processo de apoios educativos e outros de que o aluno necessita para poder ultrapassar dificuldades detectadas.

5. Estabilização e autonomia do Currículo 
O currículo nacional deve merecer uma atenção especial como, aliás, tem sido dada a língua portuguesa e matemática. 
Do currículo nacional deve fazer parte uma disciplina de música para todos os alunos do ensino básico.
Além disso, os alunos terão ainda a possibilidade de optar por clubes ou projectos artísticos ou desportivos.
Com esta opção termina a obrigatoriedade da frequência da "disciplina" de "cidadania e desenvolvimento". E as actividades circum-escolares estarão organizadas em clubes e ou projectos, de iniciativa da escola, e de acordo com os interesses dos alunos, no campo do desporto, artes e cultura, de acordo com os grupos disciplinares e tendo em conta o contexto cultural em que a escola se insere, substituindo as actuais AEC. 
As  alterações curriculares devem sempre ser sujeitas a um processo de avaliação do currículo em vigor e dos projectos desenvolvidos
Reposição da "educação vocacional". Avaliar a experiência efectuada (Ramiro Marques). Manter com alterações, se necessário, resultantes dessa avaliação. Seria preferível designar esta modalidade de educação de "Preparação para a formação profissional".
Definir a idade mínima de 13/14 anos para a integração nestes cursos. Isto significa que  seriam abrangidos alunos com duas ou mais retenções no 2º ciclo.
Estes alunos devem antecipadamente participar em projectos de OEP.
O projecto deverá ser alargado progressivamente a todo o país.

6. Redefinição da intervenção da ASE  
Os livros escolares serão gratuitos para todos os alunos. Não se compreende porque ficaram excluídos os alunos das escolas com contrato de associação  e escolas profissionais para além do ensino privado.
Os livros escolares ficam na escola acabando com o transporte quotidiano de peso exagerado nas mochilas, preservando a saúde dos alunos e ao mesmo tempo a preservação dos livros.
Gratuitidade das refeições terminando com os actuais escalões. Esta medida iria beneficiar todos os alunos e suas famílias.
Poderá haver um período de transição, até a despesa poder ser acomodada no orçamento do estado, em que tanto num caso como no outro se deve ter  em conta a situação de recursos, segundo os escalões do abono de família, por ex., em relação a todos os alunos.

7. Inclusão
Adoptar uma metodologia UDL (Universal Design for Learning) preconizada, aliás, no DL 54/2018, que sem dúvida será a melhor forma de inclusão de todas as crianças de acordo com as suas necessidades educativas.
As crianças consideradas com dificuldades de aprendizagem e com PHDA devem ter alternativas activas evitando a sua medicação - principalmente actividades curriculares e extracurriculares activas como o desporto, as artes, a música e a dança. 
Não nos podemos esquecer que milhares de crianças entre os 4 anos e a adolescência consomem milhões de anfetaminas. (Eduardo Sá)
Uma das fontes de indisciplina é o telemóvel. Cada escola deve determinar com as Associações de pais e com as Associações de estudantes as regras de utilização dos telemóveis na sala de aula.
Outra fonte de indisciplina é a duração dos tempos lectivos. Por isso, a referência temporal de uma aula deve ser a de uma tempo lectivo correspondente a 50 minutos. Deverá também haver flexibilidade para blocos de 2 tempos lectivos quando devidamente justificada.

8.  Planeamento da educação a longo prazo
Sabemos que a natalidade está a baixar enquanto o número de pessoas idosas cresce todos os anos.
Os vários sistemas da sociedade começam a ressentir-se desta realidade. Na educação os impactos vão ser enormes. Redução do número de alunos implica redução de escolas, de pessoal docente e não docente para assegurar o funcionamento das escolas. É agora que é oportuno planear o que vamos fazer para responder a estes problemas num tempo já bem próximo de nós.
Uma das consequências tem a ver com o fecho de escolas rurais e escolas de pequena dimensão. Apenas fecharão obrigatoriamente as escolas com menos de 5 alunos ou com mais alunos desde que essa seja a vontade dos encarregados de educação e pais e das autarquias.
Estas escolas ficarão como escolas anexas a escolas mais próximas e poderão ter parte do currículo preenchido com  actividades sociais e culturais em conjunto, em calendário previamente previsto.

9. Definição e estabilização do papel dos municípios na educação
A gestão das escolas e dos agrupamentos de escolas deverá ser o mais autónoma possível. Assim, os contratos de autonomia devem alargar-se a todas as escolas e agrupamentos. 
A gestão dos recursos humanos devem igualmente ser da competência dos agrupamentos.
Os júris devem ser independentes, designados pelas escolas mas com nomeação pelo ME.
Para 2020, previa-se que dos 278 concelhos do continente, 84 municípios iam  assumir todas as áreas da educação excepto a colocação de professores. 
A mudança é urgente. Sabemos que a posição dos sindicatos a este propósito contraria este aspecto e que também não é popular entre os professores. Mas são os professores as principais vítimas.

Com estas propostas, não quero "reinventar a escola", não proponho uma "escola ideal", não é sequer a "escola dos meus sonhos" nem a "educação dos meus sonhos", não é a escola progressista nem último grito vindo da Finlândia, Japão, Suécia ou seja de onde for, não é a "escola da doutrinação pública", não é a escola dos oprimidos ou privilegiados (aliás, o problema da "Pedagogia do oprimido" é antes um problema de Oprimidos da pedagogia), não é a escola tradicional ou a escola dita democrática, nada disso... É apenas o resultado de uma reflexão de experiência feita que poderá melhorar as escolas  actuais. Um simples plano de melhoria para uma escola mais eficiente e mais eficaz. São propostas para uma escola em que as crianças são todas iguais, todas diferentes, mas em que cada uma delas merece o melhor que a sociedade dos adultos lhe pode oferecer.

Apesar do realismo destas medidas nada há a esperar em matéria de reformismo  do actual Ministério da educação, ou deste governo, durante o resto do mandato mas a esperança é a árvore frágil que tenta sobreviver a tudo, é "essa menina, que arrasta tudo consigo". (Péguy)