30/01/11

A negação

Queriam um discurso magnânimo, tipo "nós por cá todos bem" ou, no mínimo, "porreiro pá".
Por acaso, já aqui nos tínhamos interrogado sobre outro discurso virulento, de verdadeira "vil baixeza" que definia bem quem o fazia.
O que não é justo é que um "cosmopolita" ministro, que devia ser magnânimo e cosmopolita, diga coisas destas. Como já tinha feito com o "malhar" e com o "salivar".
Em 23 de Janeiro, como disse Cavaco Silva, foi uma vitória difícil de conseguir e por isso histórica. Pelos vistos, foi também difícil de aceitar a alguns. Foi a primeira vez que vi que com maioria de votos se podia perder. Como entender, por isso, as opiniões que por aí vão: desde as classificações de "pequena vitória" até à de perda, uns negando mais profundamente a realidade do que outros?
Aqui, muito bem, dá-se conta dessa dificuldade de aceitar a realidade.
A negação é um bom mecanismo de defesa para justificar  o que aconteceu. Há quem continue a não querer aceitar que com Mário Soares  e  Ramalho Eanes, Cavaco Silva faz parte do grupo de estadistas que merecem  a nossa consideração. O povo sabe que assim é e, por isso, assim votou. O resto pouco importa. Provincianos  e cosmopolitas ? Quem ?

28/01/11

Homero, os ricos e a equitação

Ilustrações de Martins Barata

Tive alguma esperança de que pudéssemos mudar alguma coisa a sério na educação.
Começo a desesperar de que isso venha a acontecer .
Tomando a culpa dos problemas orçamentais, o estado não quer uma educação para ricos.
Rico, palavra maldita, como conservador, como globalização, como privado, liberal, americano… e, pelos vistos, também, piscinas, golfe e equitação.
O problema é saber o que abrange o conceito de rico.
A Odisseia, de Homero, na versão de João de Barros, começa de forma diferente: "Os gregos eram ricos e gostavam de ser ricos. Mais estimavam, porém, a beleza. E por isso Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta, que era a mulher mais linda da Grécia, e cuja formosura deslumbrava o Mundo inteiro, resguardavam-na como tesouro sem par".

Será uma educação para ricos ter dois professores na disciplina de EVT, ter mais horas para educação musical e educação física, ter desporto escolar ?
Estas foram disciplinas que perderam horas ou vão perder um professor.
As críticas que se fizeram ao par pedagógico e às áreas curriculares não disciplinares, foram feitas no pressuposto de que se mantinham os dois professores em EVT e que as horas das áreas não disciplinares seriam devolvidas às disciplinas a que foram retiradas como EVT e  Música.
A crítica que se fez foi à falta de mais tempo para as artes e não menos.
Como se podem desenvolver trabalhos nas disciplinas como Educação Visual e Tecnológica com a manipulação de materiais e ferramentas que podem ser perigosas quando sabemos que há turmas que têm alunos com alguma instabilidade e com problemas de comportamento.
Só confunde público com gestão do estado quem quer. Como se não houvesse capitalismo de estado, como se a gestão do estado fosse limpa, como se as empresas públicas fossem de uma gestão perfeita, como se as empresas municipais fossem de mediana transparência… Como se mil milhões de euros de computadores Magalhães, apresentados com pompa e circunstância e servindo-se das crianças não fosse comportamento de um país de ricos. ..
Como se a utilização das crianças das escola para toda a espécie de mercantilismo que passa nas escolas não existisse, incluindo utilizar os alunos em campanhas de publicidade e de propaganda, a comporem o cenário, ou a fazerem peditórios de rua para algumas ONGS ou IPSS e tudo isto com a melhor das intenções.
Só um grande equívoco faz deslizar o discurso para a facilidade das palavras malditas.
Os equipamentos sociais são todos públicos. O que acontece é que uns são geridos pelo estado e outros são geridos por empresas ou particulares com diversas formulações jurídicas.
Concordo com Ramiro Marques: "O que está verdadeiramente em causa não é a redução da despesa pública, mas a vontade de controlar, punir e vigiar os projectos educativos que saem da alçada do Governo e que, ano após ano, mostram resultados que fazem inveja ao organismo estatal que dirige directamente a rede de escolas estatais: o Ministério da Educação."
"...  Na média da União Europeia, as escolas privadas representam 16% da Rede Pública de Educação. Por exemplo: Na Holanda, 70% das escolas públicas são de gestão privada, na Bélgica 55,9 da rede pública é composta por escolas privadas, em Espanha 30% são escolas privadas e na Suécia 30% das escolas públicas no ensino obrigatório já são escolas privadas - Fonte:  Education at a Glance 2010.
Em Portugal temos 93 escolas o que nem deve chegar a 1% da rede pública escolar."

Um dia, como Homero, havemos de poder dizer: os portugueses são ricos e gostam de ser ricos mas a beleza é a sua maior riqueza.  

20/01/11

A escola é a solução


"A escola tem muitos problemas. Mas a escola não é o problema. A escola é a solução."

Comunicação de José Antonio Caride Gómez (Universidade de Santiago de Compostela), A Pedagoxia Social nas instituições escolares: Realidades e desafios do futuro, Colóquio na ESE de Castelo Branco.

Da inspecção às aulas assistidas

Afirmo - e estou pronto a demonstrá-lo - que 90% das actividades dos professores são ditadas pelo receio de serem sancionados, julgados, condenados por um inspector, que pode surgir de um momento para o outro como o «trovão de Zeus» e que dará uma opinião depois de ter assistido a uma desgraçada hora de aula, durante a qual o professor terá representado uma comédia abominável, com o consentimento tácito dos alunos. Esse receio, que poderá fazer sorrir, mas que existe, paralisa na verdade o professor e inibe as poucas veleidades que poderia ter de procurar métodos mais eficazes, relações diferentes com os alunos, um espírito novo.
Michel Lobrot, A Pedagogia Institucional

Reforma, medo e cultura de escola

 Folheto do SNR (design e ilustrações de Carlos Gargaté)

Assistimos a alterações profundas nas relações de trabalho, em particular na função pública. Quando se modificam as condições laborais é preciso não esquecer que elas fazem parte de um sistema económico, social e jurídico que vai ter implicações em toda a organização social.
Quando se legisla sobre a reforma das pessoas é necessário saber o que vai acontecer nos vários níveis do sistema, à entrada e à saída e também o que vai acontecer às pessoas que durante a vida de trabalho o integram.
O que se verifica desde logo é que está mais difícil a entrada dos jovens na vida activa e, por outro lado, vamos ter muitos serviços onde haverá uma percentagem relevante de trabalhadores com mais de 60 anos.
Muitos trabalhadores manifestam grande ansiedade com esta situação quer quando escolhem o caminho da reforma quer quando optam por continuar a trabalhar até mais tarde. Dito de outro modo, alguns estão a ir para a reforma por medo. E outros continuam a trabalhar, com alguma dificuldade, pelo mesmo motivo devido às fracas condições de reforma.
Vamo-nos habituando à ideia de que a reforma será cada vez mais para pessoas idosas.
Provavelmente vamos andar de bengala no serviço. A frágil saúde levará a maior absentismo e maiores dificuldades em poderem assegurar com qualidade e a tempo inteiro as funções que lhes competem.
A possibilidade de passar à reforma mais cedo com as reduções das pensões é também uma decisão tomada por medo.
Medo como prova a corrida de professores à aposentação para salvaguardar alguns direitos adquiridos (contratados) a uma reforma que se for hoje vale mais do que no futuro e porque a legislação que há-de vir (tem sido assim) vai prejudicar ainda mais o valor da pensão.
Medo de adaptação aos novos tempos da educação em que ficou mais difícil educar alunos na sala de aula (“difícil é sentá-los”, “dificil é educá-los”, como escrevem os ex-ministros da educação M. Grilo e D. Justino).
Perde-se, assim, um conhecimento precioso acumulado ao longo de 30 ou 40 anos de serviço.
Ninguém vai contar a história das organizações escolares, ninguém vai passar informações do saber de experiência feito, de muitos anos de trabalho.
Será que interessa a alguém, no início de carreira, este tipo de aprendizagem e de integração, seja ou não sob a forma de supervisão? 
Os trabalhadores passaram a ser como as secretárias, quando estão velhas vão para o lixo.
A nossa cultura parece estar cega com o que se passa com os idosos, em geral, e com os reformados em particular.
O outsourcing substitui, mais ou menos rapidamente, os que fazem falta ou que parece que fazem. Os outros, os descartáveis, passam rapidamente a ser inactivos.
Nestes tempos de fogos-fátuos não consta que haja qualquer programa de prevenção mínimo para os trabalhadores que se aposentam ou qualquer tipo de ajuda para que a sua adaptação se possa fazer sem grandes receios.

19/01/11

Abril com todas as letras



Estas eleições são "uma luta de vida ou de morte para a democracia" (M. Alegre).
Credo! Esta é a "visão tremendista",  aqui registada, projectiva e evacuativa, e desesperada de quem se agarra a tudo para perseguir aquilo que julga que é a sua vontade, não a democracia, "que só revela cegueira e preconceito".
A democracia não tem donos e Abril não tem amos. 
Abril escreve-se com todas as letras, de todos os nomes dos portugueses.
Abril de todas as cores da manhã clara de vinte e cinco.
Abril de dizer não a todos os opressores de antes, de então e de agora.
Abril da esperança e do futuro,
do público e do privado,
da liberdade,
do respeito e da tolerância,
da justiça.
Abril com todas as letras.

09/01/11

A gente já desconfiava

Depois de M. Ferreira Leite ter sido trucidada com a estória das escutas e com interpretações sobre o que ela nunca disse, como aquela estória da suspensão da democracia, tinha agora que vir esta cortina de fumo chamada BPN.
Queriam uma campanha  a falar alegremente do que não interessa.
Este povo pode ser enganado muitas vezes mas não vai ser enganado sempre.
Excepção feita, neste ponto, a Fernando Nobre que tem surpreendido pela sua dignidade e não embarca em campanhas para esconder a realidade de um país que levaram até aqui.
Porém, Cavaco quer saber o que está a acontecer ao dinheiro dos portugueses que foi e vai ser enterrado no BPN. Mas, infelizmente, mais uma vez, quando o dedo aponta o céu, o idiota olha para o dedo.

Da sabedoria ao abandono

Pôr-do-sol, em Castelo Branco

O século XXI é o século do envelhecimento (Alfred Sauvey). De facto, o envelhecimento demográfico é o fenómeno mais relevante do século XXI nas sociedades desenvolvidas dado o aumento da importância das pessoas idosas no total da população.
Tem implicações a nível individual , em novos estilos de vida e na esfera socio-económica.
Em Portugal, a proporção de pessoas com 65 ou mais anos duplicou nos últimos quarenta anos, passando de 8% em 1960, e 16% em 2001.
De acordo com as projecções demográficas mais recentes, elaboradas pelo Instituto Nacional de Estatística, estima-se que esta proporção volte a duplicar nos próximos 50 anos, representando, em 2050, 32% do total da população.
Em 2001, o município mais envelhecido, ou seja, com maior proporção de idosos no total da população, era Idanha-a-Nova, com cerca de 41% e o mais jovem era Ribeira Grande, nos Açores, com apenas 9,5% de idosos no total da população.

Para alguns psicólogos (Erikson, estádio VIII) a última etapa da vida, a da maturidade ou, sem eufemismos, a da velhice, começa por volta dos 60 anos.
A tarefa primordial deste estádio é obter uma integridade do EU com um mínimo de desespero.
Após a reforma acontece um distanciamento social, um sentimento de inutilidade social.
Além disso, existe um sentimento de inutilidade biológica, devido a que o corpo já não responde como antes.
Surgem as doenças da velhice como a artrite, diabetes, problemas cardíacos, a depressão, as doenças mentais …
Aparecem os medos da doença ou simplesmente de cair ou de ficar só e as preocupações com a morte.
A integridade do EU para chegar ao fim da vida está fortemente fragilizada.

Com que respostas sociais podemos contar para que possamos continuar a ter essa integridade do eu?
Ao entrarem na fase de maior fragilidade os idosos são entregues aos cuidados de organizações, como lares e centros de dia, em substituição da família.
O modelo social actual levou a que os idosos vivam com outros idosos, em que não estão integrados na vida social que é a vida com os outros, iguais e diferentes de nós, frequentando os mesmos espaços públicos.
Assim, o grande desafio para promover a integridade do EU passa por encontrar formas das organizações conseguirem fortalecer e cultivar os laços dos idosos com o mundo social à sua volta.
Há todo um conjunto de medidas de politica social que deve ser desenvolvida, dando condições para que as famílias possam zelar pela qualidade de vida dos seus idosos, como sejam:
- benefícios fiscais,
- unidades de acolhimento temporário para alívio das famílias,
- que os familiares tenham condições de apoio em situações de doença, com a flexibilização ou redução de horário.
- que o apoio possa ser feito pelos familiares, podendo beneficiar de apoios do Estado, em igualdade de circunstâncias que os lares,
- a criação de respostas mais flexíveis e menos pesadas do que o lar e menos ligeiras do que o centro de convívio,
- a valorização do apoio domiciliário,
- a dotação de recursos humanos qualificados de todos estes tipos de respostas, serviços ou equipamentos, na área da saúde física e mental, nas terapias, na área do apoio social e de animação cultural...

Falar disto nas circunstâncias actuais é estar certamente a ser ingénuo  porque estes assuntos não dão votos. Ser velho não está a dar, nem nunca esteve. É por isso que é necessário dar voz àqueles que pouca força já têm para o fazer.