29/12/21

Duas canções de Natal

Das canções populares de Natal há algumas que são das minhas preferidas, provavelmente porque fazem parte das memórias de infância e adolescência que começaram a marcar o meu gosto e referências musicais e são também consequência da filiação na cultura e valores dos antepassados tornando-nos actores dessa continuidade.

1. Eu hei-de dar ao Menino, o Natal de Évora, embora a origem referida seja Alto Alentejo,  e haja um "Natal de Évora" mais conhecido, era quase obrigatório ser cantado no tempo de Natal pelo coro do Seminário Maior de Évora, sendo solista, invariavelmente, o seu maestro Cónego José Augusto Alegria. Encontramos uma versão deste canto na Primeira Cantata de Natal, de Fernando Lopes-Graça, sobre cantos tradicionais portugueses de Natividade pelo Coral de Letras da Universidade do Porto.

Eu hei-de dar ao Menino
Uma fita prò chapéu.
Também Ele nos há-de dar
Um lugar(z)inho no Céu.

Não façam bulha
Ao Deus Menino!
Não O acordeis
Que está dormindo…
Em vez de O brindar
Com algum mimo,
Dêem-Lhe leite
Que é pequenino.

Eu hei de dar ao Menino
Ao Menino hei-de dar.
Camisinha de bretanha,
Nesta noite de Natal.

Não façam bulha
Ao Deus Menino!
Não O acordeis
Que está dormindo…
Em vez de O brindar
Com algum mimo,
Dêem-Lhe leite
Que é pequenino.


Eu hei-de dar ao Menino (aos 7:40 m - 10:38 m) 
Fernando Lopes-Graça - Cantata de Natal


2. Natal de S. Miguel d' Acha: O Bendito de Natal. É um canto do tempo de Natal que era cantado, quando chegava Dezembro, durante o trabalho de colheita da azeitona e também era cantado na Missa do galo. Era, e é, fundamental nesta noite sagrada cantar-se o Bendito de Natal. A primeira estrofe era iniciada pelas mulheres e depois a segunda era a resposta dos homens. Era um "jogo" que durava tempo indefinido até um dos grupos desistir ou acabar a cerimónia de beijar o Menino. 
Há uma transcrição musical deste canto em António Milheiro, S. Miguel de Acha - Memórias da Cultura Tradicional, 2002, pag.103-104.

(Cantam as mulheres)
Bendito e Louvado seja
O Menino Deus nascido
Mai-lo Ventre que O trouxe
Nove meses escondido.

(Respondem os homens)
Vós o Virgem Gloriosa
Mãe de Deus ó Virgem Pura
Dos Anjos sejais Louvada
Mãe de toda a criatura.




17/12/21

Contra a indiferença


INCUMPRIR O HOMEM

Não importa se os pastos que ruminamos 
são ou não viridentes
e se há música nos segredos do vento.
Prevê-se que continuemos a incumprir o Homem.
Não nos interroguemos, pois, sobre coisa alguma.

Deveras fundamental
é que nos mantenhamos cabisbaixos, 
ruminando sempre.

João Mendes Rosa (1968-2021) 

in do modo anómalo de existir




11/12/21

Direitos humanos





No dia 10 deste mês comemorou-se o dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, criado pela ONU em 1948. 
Passados 73 anos, que avaliação podemos fazer dos resultados obtidos desde então ?
Vejamos por exemplo, o Artigo I, da Declaração:
Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

É a própria ONU que faz a avaliação: houve um aumento da desigualdade.
E “os dois últimos anos foram uma demonstração dolorosa do custo intolerável de desigualdades crescentes.” (1)
Depois de tanto tempo e de tantas experiências sociopolíticas diferentes a desigualdade aumentou...
Sem ofensa para todos os que genuinamente se têm esforçado para mudar alguma coisa, talvez seja altura de nos deixarmos de conversas da treta – “blá, blá, blá” (2) –  ao mais alto nível e nos “profissionais da representação” que se manifestam um pouco por todo o mundo.

Que direitos e dignidade pode haver se, enquanto dura esta “Opinião”, há mais de 30 pessoas que morrem de fome ?
"A organização não-governamental (ONG) Oxfam (09-07-2021) diz que 11 pessoas morrem de fome a cada minuto e que o número dos que enfrentam condições semelhantes à fome em todo o mundo aumentou seis vezes no último ano.
Refere a ONU News (08-11-2021): Existem 45 milhões de pessoas famintas em 43 países do mundo (3), um novo pico de alta, segundo o Programa Alimentar Mundial, (PMA)... antes da pandemia de Covid, em 2019, eram 27 milhões de pessoas que passavam fome. 

Não encontro argumentos para justificar a “consciência tranquila” seja de quem for: os poderosos do mundo, as organizações internacionais que eles dominam, ou as ilusões dos burocratas da ONU que apenas tecem belos discursos... 
E o mais perplexo e revoltante, é que podíamos acabar com a fome; bastava reduzir as despesas militares que globalmente aumentaram cerca de 45 mil milhões de euros durante a pandemia - um montante que excede em pelo menos seis vezes o que a ONU precisa para acabar com a fome." (sic notícias)
Números desastrosos estes, que representam pessoas, como nós, que estão em sofrimento.
Muitas vítimas da desigualdade são crianças que morrem de fome ou de outros problemas como a falta de condições de saude...
Segundo a UNICEF “Sem uma acção urgente, 56 milhões de crianças menores de cinco anos morrerão até 2030 - metade delas recém-nascidas”. (4)
Também neste aspecto, “com soluções simples como medicamentos, água limpa, eletricidade e vacinas, podemos mudar essa realidade para todas as crianças”.

Portanto, não foi a apregoada “emergência climática" que trouxe este sofrimento. Enquanto, se fazem conferências sobre a “emergência climática” há pessoas a morrer de fome. 
Gostava de ver a indignação e manifestação de todos estes “climatizados” (5)  de consciência tranquila, em especial dos jovens, que estiveram em Glasgow, na Escócia, contra as mortes devidas à fome no mundo...
A resolução do problema passa por uma questão de prioridades: a emergência é salvar vidas, agora, e, portanto, é essa a primeira prioridade.


Um Natal fraterno para todos.


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1) A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, disse que "os dois últimos anos foram uma demonstração dolorosa do custo intolerável de desigualdades crescentes".

(2) Aprendi com as manifestações da  COP26 ...

(3) O Índice Global da Fome (GHI - Global Hunger Index) é uma ferramenta estatística multidimensional usada para descrever o estado da fome nos países. O GHI mede o progresso e retrocessos na luta global contra a fome. É atualizado uma vez por ano. (Wikipédia)

(4) Laurence Chandy, Directora de Dados, Pesquisas e Política da UNICEF. 

(5) "Climatizados" parece-me que descreve bem estes indivíduos que utilizam as últimas tecnologias da informação e comunicação, jactos privados, e energia "limpa" (para eles mas não para os outros, os d'o lado negro das energias verdes), têm sistemas de saúde e educação de qualidade...

 

 

 





08/12/21

Hoje, 8 de Dezembro, é dia de "prières et méditations"

Chausson, Caplet, Langlais, Poulenc, Camille Saint-Saëns, Léon Boëllmann


Integram o programa, Les Prières - Oraison Dominicale de André Caplet (1878 – 1925); Missa "in simplicitate" – Kyrie de Jean Langlais (1907 – 1991); Missa "in simplicitate" – Gloria; Organ Book – Pasticcio; Missa "in simplicitate" – Credo; Priez pour Paix - Francis Poulenc (1899 – 1963); Huit Pièces Modales - n.º 1 - Mode de Ré de Jean Langlais; Missa "in simplicitate" - Sanctus/Benedictus; Missa "in simplicitate" - Agnus Dei; Prélude Modal, op. 6/1; Improvisation op. 150/7 - Allegro giocoso de Camille Saint-Saëns (1835 – 1921); Pater Noster de Ernest Chausson (1855 – 1899); Pie Jesu de André Caplet; Les Prières - Salutation Angélique; Suite Gothique - Prière a Notre Dame de Léon Boëllmann (1862 – 1897); Litanies de la Sainte Vierge de Camille Saint-Saëns; e Tota pulchra de Ernest Chausson. (Reconquista)



Litanies de la Sainte Vierge - Saint-Saëns

Mezzo soprano: Nélia Gonçalves
Órgão: José Carlos Oliveira



Camille Saint-Saens - "Litanies de La Sainte Vierge" 

Darya Rositskaya (mezzo-soprano)
Mikhail Mishchenko (organ) 

The Basilica of St.Catherine, St.Petersburg (2018)



07/12/21

Ser conservador (2)



Falámos, a semana passada, na difícil opção de ser conservador, em particular no caso português, devido ao enviesamento  resultante da passagem  de um regime autoritário para uma situação de liberdade e de vivência democrática, em que  tudo o que tivesse a ver com esse  passado era  identificado com conservadorismo, mesmo quando nada tivesse a ver com o regime deposto. 


No entanto, esta dificuldade acontece também em outros países mesmo naqueles que tradicionalmente têm uma forte mentalidade dos valores  conservadores...

Já tínhamos percebido, entre nós, acerca desta desvantagem em particular nos meios universitários. Como refere Roger Scruton, em Como ser  um conservador * “não é invulgar ser um conservador mas é invulgar ser um intelectual conservador. Tanto na Grã-Bretanha como na América, cerca de 70% dos académicos identificam-se a si mesmos como “de esquerda”, enquanto a cultura circundante é cada vez mais hostil aos valores tradicionais ou a qualquer possível reivindicação das nobres conquistas da civilização ocidental.” (pag. 15)

Foi isto que aconteceu também entre nós, principalmente entre os universitários que, como referi, se resumiam a ser de esquerda com prejuízo de todos aqueles que pensassem de outra forma.

 

Mas o que é então o conservadorismo? Segundo Roger Scruton, herdamos colectivamente coisas virtuosas que devemos empenhar-nos em manter... Porém, essas  coisas virtuosas estão todas sob ameaça.

"O conservadorismo tem origem no sentimento que todo o indivíduo com maturidade pode partilhar sem demora: o sentimento de que as coisas virtuosas são facilmente destruídas, mas não facilmente criadas. Isto é especialmente verdadeiro para as coisas virtuosas que nos chegam como bens colectivos: paz, liberdade, lei, civilidade, espírito público, a segurança da propriedade e da vida em família, tudo aquilo em que dependemos da cooperação dos outros, não tendo meios de obter sozinhos. A respeito de tais coisas, o trabalho da destruição é  rápido,  fácil e entusiasmante; o trabalho da criação, lento, laborioso e monótono. É  uma das lições século XX. É  também uma razão pela qual os conservadores sofrem de tamanha desvantagem junto da opinião pública. A sua posição é verdadeira mas enfadonha; a dos de seus opositores excitante mas falsa.” (pag.11)

 

Roger Scruton faz uma avaliação da verdade, ou da falta dela, das várias correntes sociopolíticas: nacionalismo, socialismo, capitalismo, liberalismo, multiculturalismo, ambientalismo, internacionalismo e do próprio conservadorismo.

Muitas coisas estão a acontecer agora. Algumas, sob a capa de um aparente humanismo, de bondade para as pessoas, como é o caso do multiculturalismo, internacionalismo e do ambientalismo... Mas assim não é, de facto, e são estas zonas de conflito que estão a trazer ameaças entre muitos países do mundo, em particular da Europa, como no caso Polónia-Bielorrússia, que são fonte de grande controvérsia entre os cidadãos, e deve, por isso, ser pensada numa perspectiva mais profunda e mais justa do que se passa nos vários movimentos sociais que estão a acontecer.

 

Para Roger Scruton “o conservadorismo é a resposta racional e não-reaccionária a essa ameaça. Talvez seja uma resposta que exige mais compreensão do que aquela que a pessoa comum está preparada para dedicar.” (Contracapa)

 

 

 

Até para a semana.


____________________

* Roger Scruton, Como ser um conservador, Guerra e Paz, 2021 (orig. 2014).






 




Para além da crise e dos especuladores...




... Este ano chegaram a 26 de Novembro, segundo o amigo José Lagiosa. Porém, aqui, na chaminé em frente, chegaram um pouco mais tarde. A que ocupou este ninho chegou a 7 de Dezembro.

03/12/21

Ser conservador

Frases de Edmund Burke           Frases de Edmund Burke



Muito se tem discutido, principalmente dentro de alguns partidos como o PSD e o CDS, entre ser de direita ou de esquerda, a propósito da actual crise política – a dissolução do parlamento após a reprovação do Orçamento de Estado de António Costa.

Em Portugal, temos vivido uma situação peculiar. Provavelmente ainda consequência dos excessos do 11 de Março de 75 e do enviesamento ideológico que foi feito a partir de então que não teve  ainda racional  ajustamento vindo do 25 de Novembro, cujo 46º aniversário ocorreu a semana passada.

 

Vejamos então:


1. A realidade não é o que é, mas aquela que a esquerda define e daí chega-se facilmente a  "o fascismo é quando a esquerda quiser".

Assisti a muitos "discursos" nas cantinas da cidade universitária, em que quase todos os dias havia troca de galhardetes entre estudantes uecs, leninistas, estalinistas, mrpp e outros  maoistas, lci e troskistas, tudo gente da dita esquerda que tomava a palavra. Já pontificava Louçâ que era dos mais assíduos na intervenção, e já nesse tempo, há mais de 40 anos, eles eram os mais coerentes, defendiam coerentemente as "massas" trabalhadoras, e já sabiam tudo sobre a sociedade. Aos vinte anos já tinham atingido todo o conhecimento sobre os males da sociedade e o que era necessário fazer para os remediar. 

Os ascendentes de Catarina e Mariana também já eram do bem, estrelas brilhantes num horizonte vermelho onde o povo mais ordena. 

Claro, logo a seguir à nomenclatura...   mas esta parte eles não dizem. Mas sabem, ou fingem não saber que, como todos os outros, são  estrelas cadentes desde há mais de 40  anos, ou desde que ao segundo dia de assembleia do povo, Lenine mandou fechar o parlamento russo.

 

2. A "doença infantil do comunismo" que atacou a esquerda caviar ficou curada pelo dr. Costa.  Um medicamento, um remédio chamado PODER, foi quanto bastou para ultrapassar todas as dificuldades históricas dos últimos 40 anos. Sem que nada tivesse acontecido, não mudou a mínima ideia, não fizeram declarações, não houve esboços de eurocomunismo, não fizeram congressos, não rasgaram as vestes, ninguém ficou cego ou paralítico, não houve pós-Kruschov ou pós-Gorbachov...

Talvez porque foi conseguida uma "posição comum" (o acordo das esquerdas), que não mexeu com nada de essencial, de resto mantêm-se as ideias e os comportamentos, como se pode ver com o que acontece com a intersindical.

Uma vez no poder, conseguiram superar-se em relação ao que foi a evolução de muitos partidos destes, desde  Berlinguer, em Itália, Marchais, em França, Carrilho,  em Espanha...

Mas é sempre de esperar uma recaída nesta doença, a qualquer momento. Eles sabem que o podem fazer como táctica de poder.

E fizeram: acabaram com o projecto Costa de unidade das esquerdas,  o dos do bons, que, pensava ele, não precisava da direita, os maus, para governar. 

 

3. Muitos de nós  já deram para este peditorio e o PREC foi uma vacina que gerou anticorpos para resistirem a todos os processos em curso. Provavelmente não os suficientes, como a vacina, para haver uma mudança democrática, equilibradamente robusta, para não haver medo de alguém se dizer ou optar por ser conservador. 

 

 

Até para a semana.