29/12/19

Psicologia do trânsito * - a busca de sensações


Acidentes de viação com vítimas, feridos e mortos (Continente). Pordata

 
A Psicologia do trânsito e da condução compreende, avalia e intervém nos comportamentos das pessoas quer sejam peões, condutores de automóveis, motociclos e outros meios de locomoção.

O número de vítimas que vinha numa tendência decrescente nos últimos anos voltou a subir. O Número de mortos na estrada subiu 17% em dois anos.
Para além de todos os impactos individuais, familiares e sociais da sinistralidade rodoviária, os impactos na economia são muito importantes. Os Acidentes rodoviários tiram 1,2% ao PIB, ou seja, 2,3 mil milhões de euros.

Compreender a relação entre a personalidade e os comportamentos desajustados e ou transgressivos na condução é sempre relevante. Ainda mais nas circunstâncias actuais em que, novos factores, positivos ou negativos, como, por ex., o uso do telemóvel durante a condução, ou de novos meios de locomoção nas cidades (bicicletas, trotinetes...), vieram alterar o panorama da condução, apesar de haver factores positivos como a melhoria das infraestruturas (Portugal é o 2º país da UE com melhores estradas).

A personalidade do condutor afecta a forma de condução e tem implicações nos resultados da sinistralidade. Alguns dos comportamentos dos condutores não seriam, aparentemente, tão difíceis de alterar como por exemplo: não usar o telemóvel enquanto se conduz, não conduzir sob o efeito de álcool e de drogas, reduzir o excesso de velocidade…
Porque é tão difícil a mudança mesmo quando está em jogo a vida das pessoas ?

Na teoria da personalidade do psicólogo Marvin Zuckerman, o factor impulsividade e "busca de sensações" (sensation seekings) poderá explicar este comportamento. Esta busca de sensações inclui a necessidade de vivenciar novas emoções e situações, bem como a tendência a assumir riscos em diferentes áreas da vida. Impulsividade e o factor psicoticismo referidos pelo psicólogo Eysenck ** também seriam incluídos nesta dimensão, que tem sido relacionada com alterações nos níveis de testosterona, dopamina e serotonina.

Os resultados de um Estudo da PRP, sobre a distracção dos condutores, mostram a elevada utilização do telemóvel durante a condução na cidade de Lisboa, sobretudo por parte dos condutores mais novos e dos que viajam sozinhos. Dos condutores observados, 7.7% estavam a utilizar o telemóvel enquanto conduziam e 13.7% quando parados num semáforo.

Numa investigação de 2010, Joana Conceição Soares Alves, sobre a relação entre a personalidade e os comportamentos de condução transgressivos e os crimes estradais, verificou-se que os condutores que cometem crimes estradais obtiveram maior pontuação na dimensão neuroticismo e busca de sensações (sensation seeking). No entanto, os condutores que cometeram crimes estradais não praticaram mais comportamentos de condução transgressivos do que os condutores sem contacto com a justiça.

Das 675 pessoas que morreram em acidentes de carro no ano passado, 536 (79%) eram homens.
A investigação de José Poças Correia sobre se há diferenças sexuais nos comportamentos dos condutores e condutoras permitiu verificar que apesar de os condutores homens cometerem mais infracções do que as mulheres, as mesmas são de origem multicausal, não sendo possível estabelecer uma relação unívoca com determinadas características da personalidade e determinados estados emocionais. ….
No entanto, o sexo diferencia os traços de personalidade, os estados emocionais e a sua associação aos comportamentos de risco na condução, devendo ser considerado na formação de futuros condutores e nas acções de sensibilização relacionadas com a prevenção e segurança rodoviária.

Vários apelos cívicos, como o apelo do sr.  Presidente da República, e programas de informação e prevenção são feitos aos portugueses para se combater a sinistralidade rodoviária no país.
As campanhas  de  informação, prevenção e fiscalização das forças de segurança principalmente nas datas festivas, têm tido resultado insatisfatório.
Por isso, com os votos de boas festas, aqui fica o meu apelo: Neste Natal dê um presente a si próprio, respeite a sua vida e a vida dos outros.

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* A traffic psychology (a psicologia do trânsito) estuda "a relação entre processos psicológicos e o comportamento dos usuários da estrada. Em geral, a psicologia do tráfego visa aplicar aspectos teóricos da psicologia, a fim de melhorar a mobilidade do tráfego, ajudando a desenvolver e aplicar contramedidas contra acidentes, bem como orientando os comportamentos desejados por meio da educação e da motivação dos usuários da estrada."(Wikipedia)
"A psicologia do trânsito tornou-se um domínio de estudo específico que se interessa particularmente pelas reacções de cólera ao volante comportando condutas de risco" Clément Guillet, "Pouquoi la voiture rend-elle fou?", le cercle psy, nº 34, pag. 96-97.
** Eysenck identificou 3 dimensões de personalidade independentes (PEN): Psicoticismo (P), Extroversão (E) e Neuroticismo (N).



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26/12/19

A colaboração Família-Escola

Têm vindo a ser assinaladas divergências  entre pais e professores sobre a escola. O tempo de permanência dos alunos na escola é uma delas (estudo da Universidade Católica)
Por outro lado, devido aos casos  de indisciplina e violência que têm acontecido nas escolas com mais frequência* do que o habitual, talvez devido a maior visibilidade ou à preocupação dos educadores, que dá relevo a este tipo de situações, transmite-se muitas vezes a ideia de que  a família educa e a escola ensina ou instrui.
Não me parece que faça sentido esta separação sobretudo na prática quotidiana da escola e da família.
Educar é função fundamental da escola e não apenas da família. Além disso, para educar, escola e família não são demais. Como diz o provérbio africano: “é necessário toda a aldeia para educar uma criança”.
É certo que a família perdeu o monopólio da educação e formação. Mas a família continua a fazer parte imprescindível da educação das crianças juntamente com a escola.
Também há professores que têm a expectativa de  que os filhos sejam educados e venham educados de  casa, que saibam portar-se na sala de aula, que saibam portar-se na à mesa,  que sejam capazes de interagir com os colegas sem encontrões, gritaria, correrias…

Partindo do princípio que a família deve ter um papel insubstituível  a desempenhar na educação dos filhos, temos que nos interrogar sobre que família estamos a falar. A realidade mostra-nos uma família diferente do passado. Actualmente, na família, parece que já ninguém encontra o seu lugar.
Há muitas crianças que não vivem em família mas em instituições. Há crianças que vivem em famílias maltratantes e violentas e a exposição à violência física e psicológica faz parte do seu quotidiano e da sua aprendizagem.
Há crianças que são abusadas sexualmente e sabemos que esse abuso é maioritariamente dentro da família.
Há crianças que vivem em famílias disfuncionais em que os pais não se entendem em relação ao essencial necessário aos filhos: o afecto.
Há crianças que  vivem com os avós ou outros parentes como recurso às dificuldades dos pais devido ao trabalho, à emigração…
Há crianças que vivem divididas entre a casa do pai e a casa da mãe e não são bem aceites num lado e no outro e muitas vezes são instrumentalizadas para favorecer e tomarem o partido de um ou outro.
Há crianças que são filhas de pai incógnito (aqui e aqui), que era uma coisa impensável depois do 25 de Abril.
Há crianças com dificuldades de toda a ordem…
Então quando dizemos que a criança vem educada de casa de que estamos a falar? O professor não foi contratado para educar mas para ensinar e instruir?
O que fazemos quando há crianças que têm à sua disposição apenas as suas competências para fazerem frente à vida hostil ou de dificuldades em que vivem e para as quais é muitas vezes na escola que encontram algum afecto e compreensão para as suas necessidades?
As instituições educativas intervêm desde muito cedo na escola. Muitas crianças passam grande parte da sua a vida desde pequenas na creche e depois jardim de infância
Passam muito mais tempo na escola do que em  família, ou seja, muitas aprendizagens são realizadas na escola: autonomia pessoal como vestir-se, alimentar-se, fazer a higiene, controlar esfíncteres, aprender a coordenação motora global e finaaprender a falar e comunicar, etc.
A aprendizagem da afectividade e da sexualidade, da interacção com os outros, da moralidade, da participação na sociedade não são apenas da família nem apenas da escola mas de toda a comunidade educativa.
Alem disso há que contar com  as aprendizagens dos pares e dos media que hoje têm à disposição como a internet.
 
Diez * descreve algumas formas de colaboração entre a família e a escola e dos aspectos mais específicos da escola ou da família.  Já aqui escrevi sobre o assunto. Há uma educação específica dos pais e a escola deve desempenhar também uma educação específica nos diversos programas do currículo, mas há também aspectos comuns, e é sempre  difícil estabelecer limites para a actuação de cada uma delas, como é o caso da 
- Educação corporal,
- Educação intelectual,
- Educação da afectividade,
- Educação da expressão,
- Educação para a liberdade,
- Educação para a vida comunitária.
Mesmo que alguma destas áreas não faça parte do currículo formal não podem ser excluídas do currículo escolar, informal, ou oculto.
Escola e família, cada uma delas tem áreas específicas de actuação mas ambas educam e ambas ensinam. O sucesso educativo, a não violência e a disciplina, dependem desta colaboração.
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* Diez, J.J., Familia – escola , uma relação vital, Porto editora, Porto, 1989.



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18/12/19

Carrapatoso - "Ó meu menino"

Eurico Carrapatoso - "Ó meu menino" de "Magnificat em Talha Dourada" (2005)
Soprano Angélica Neto
Grupo vogal Olisipo com direcção de Armando Possante 

Menino de Pias

Ponde em nós os Vossos olhos,
Misericórdia, amor!

Ó meu Menino,
Meu doce Jesus,
Ó meu Redentor,
Salvai-me, Senhor!

Ó meu Menino,
Sorrindo na dor,
Quem tudo sustém,
Do mundo Senhor.

Ó meu Menino,
Que pobre que estais,
Na gruta despido,
Por entre animais.

14/12/19

Por estes dias de Europa...


Georg Friedrich Händel
(Halle an der Saale, 23/2/1685 — Londres, 14/4/1759)
Sarabanda

Compositor alemão, naturalizado cidadão britânico em 1726. Contra a vontade do pai que o queria advogado, conseguiu estudar música. A sua carreira foi passada em Hamburgo, Itália, Hanover, Londres. Quando adquiriu cidadania britânica adoptou o nome George Frideric Handel.
Europeu, com Brexit ou sem ele, com União Europeia ou sem ela...



11/12/19

Carlos Amaral Dias



Carlos Amaral Dias, psicanalista, de 73 anos, faleceu a 3 de Dezembro, em circunstâncias ainda não totalmente explicadas pelo SNS/INEM.

Tive a sorte de ser seu aluno. E é essa a ligação de aluno-professor que tenho com ele. Uma ligação-admiração que seria continuada com os seus livros, e com as suas participações e intervenções na comunicação social.
Como já disse noutra altura, foi devido ao trabalho dos meus professores que sou quem sou. E como dizia a grande poetisa brasileira Cecília Meireles:
"Há pessoas que nos falam e nem as escutamos,
há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam
mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossa vida
e nos marcam para sempre". 
Carlos Amaral Dias foi uma dessas pessoas que nos marcam para sempre.

Leio ou consulto com frequência algum dos livros que publicou. Amaral Dias não é de leitura fácil mas creio que era assim que ele queria. Nada pode ser fácil quando se trata da complexidade do ser humano.
Recordo as aulas de Psicanálise, do curso de Psicologia da Universidade de Coimbra, que leccionava no Centro de estudos e profilaxia da droga da mesma cidade.
Sempre impecavelmente vestido, fato e gravata, relógio de bolso, cigarro na mão... Entre o método expositivo e dialógico, as ideias fluíam de forma atractiva o que me levava a querer ouvir/saber sempre mais.
Embora com alguns conhecimentos na área do desenvolvimento psicossexual de Freud, a cadeira de psicanálise permitiu-me conhecer algumas vertentes do seu pensamento psicanalítico que passavam, necessariamente, por Freud, Melanie Klein, Bion…
Era um professor diferente do que era praticado na Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra onde o formalismo de alguns professores doutores chocava um pouco com a informalidade, talvez excessiva, que trazia das minhas aulas do ISPA.
Depois continuei a acompanhar o seu pensamento nos livros que escrevia, cerca de duas dezenas,* e em  textos e entrevistas que resultaram das suas intervenções na comunicação social.

Um dos seus mais pequenos livros, A bondade e o perdão - ensaio psicanalítico sobre algumas qualidades do bom objecto interno, é, afinal, o grande livro que, desculpem o paternalismo, todos devíamos ler e meditar.
É de A Bondade e o perdão este extraordinário excerto (ponto 15):
"À violência que quotidianamente é gerada no nosso tempo, e que não pode ser somente denunciada mas essencialmente compreendida como gerada pelas angústias primitivas e pela pulsão de morte existente em cada um de nós, deve o homem não tanto opor, mas propor alternativas criadoras e por isso bondosas de habitar a Terra.
Uma das maiores consequências da prática da psicanálise é precisamente esta, ou seja, a compreensão dia a dia, sessão após sessão, da esterilidade da vingança e da estupidez própria da raiva. Diariamente nos confrontamos, nos nossos actos, nos nossos gestos, nas nossas relações, e nos nossos sonhos, com a obtusão mental derivada quase sempre da destruição interna que Thanatos inflige às partes boas e criadoras do self. Esse é o peso que nos empurra para a doença e para a dor. A bondade e o perdão, farão provavelmente parte das asas que nos esperam quando finalmente conseguirmos ser livres.”

Ele, certamente nas asas da bondade e do perdão, passou a ser definitivamente livre. Amaral Dias é uma referência obrigatória no campo da psicologia. Tenho, no trabalho e na vida, recorrido varias vezes à ajuda do seu pensamento. Só lhe posso estar grato.

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*Bibliografia (incompleta)
O Inferno somos nós - conversas sobre crianças e adolescentes,
Já posso imaginar que faço, com João Sousa Monteiro,
Um psicanalista no expresso do Ocidente,
Freud para além de Freud (Vol 1 e vol 2), 

Espaço e relação terapêutica, com prefácio de Jean Bergeret
Teoria das transformações,
Carne e lugar,
Modelos de interpretação em psicanálise,
(A)Re-pensar - Colectânea psicanalítica,
A psicanálise em tempo de mudança - Contribuições teóricas a partir de Bion,
com Manuela Fleming
Volto já - ensaios sobre o real,
Costurando as linhas da psicopatologia borderland (estados -limite), 

O negativo ou o retorno a Freud,
Tabela para uma nebulosa - Desenvolvimentos a partir de Wilfred R. Bion,
Bion hoje,
com A. Muniz de Rezende e David E. Zimerman
A bondade e o perdão - ensaio psicanalítico sobre algumas qualidades do bom objecto interno.

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