26/01/17

Expectativas

Na semana passada, falamos das expectativas presentes na nossa vida. Há quem defenda que é melhor não termos expectativas para não virmos a ficar frustrados quando elas não se concretizam ou aceitar, passivamente, aquilo que vai acontecendo seja a nível pessoal familiar e laboral.
Na realidade, as expectativas são uma componente da motivação que se tornou uma grande preocupação fundamental das organizações, em especial na área da motivação no trabalho.
Psicólogos e investigadores das organizações têm vindo a propor várias teorias sobre a relação das expectativas com a motivação
Pode-se partir do pressuposto de que existe sempre "uma maneira melhor" (“the best way”) de motivar as pessoas. Porém, “ a evidência tem demonstrado que as pessoas reagem de diferentes maneiras conforme a situação em que estejam colocadas.” (I. Chiavenato, Administração de recursos humanos, vol.1, p. 92)
A desmotivação atinge muitas pessoas nas mais diversas profissões e situações profissionais. 
A profissão docente, por exemplo, tem vindo a ser objecto de alguns estudos em que fica patente uma grande desmotivação.
A carreira docente a que, actualmente, é difícil aceder é constituída por uma série de factores que a transformam numa das mais stressantes:
“A intensificação do trabalho docente, a indisciplina dos alunos, a avaliação dos professores, a desresponsabilização das famílias no apoio aos seus filhos, o não reconhecimento do trabalho dos professores pelos pais e encarregados de educação, o número elevado de alunos por turma, o cumprimento de diretrizes burocráticas, o excesso de burocracia, o excesso de reuniões, a instabilidade de vínculo profissional, a crescente descredibilização da importância do papel do professor na sociedade, a desvalorização da carreira, a dificuldade de relacionamento com os pais e o aspeto remuneratório, constituem alguns indicadores iniludíveis da desmotivação docente." (M.Rosário Miranda, O impacto da desmotivação no desempenho dos professores, 2012)
Num estudo recente  (As motivações e preocupações dos Professores, Fundação Manuel Leão, 2016) “cerca de um terço dos professores gostaria de deixar de lecionar e mais de metade, 57%, aponta a falta de reconhecimento profissional como a causa de maior insatisfação no trabalho, sendo que 85% considera que o Ministério da Educação não valoriza o trabalho da classe docente e 48.4% considera que o seu trabalho não é valorizado pelos alunos.” (resumo de Sandra Maximiano,"Estar motivado para motivar", Expresso, 9-9-2016)
Sendo assim, que motivação podemos esperar de um professor? Uma das teorias da motivação (Victor Vroom) considera que a motivação individual em produzir em dado momento depende de objectivos particulares e da percepção da utilidade relativa do desempenho como um meio gradativo de atingir determinados objectivos. Ora isso depende de três forças básicas que actuam no individuo, isto é, a motivação depende então de expectativas, recompensas e relações entre expectativas e recompensas.
A motivação de produzir é função de:
expectativas: a força do desejo de alcançar objectivos individuais;
recompensas: a relação percebida entre produtividade e alcance de objectivos individuais;
relações entre expectativas e recompensas: a capacidade percebida de influenciar o seu próprio nível de produtividade. (Chiavenato, p. 92-93) 
A teoria da expectativa pode então ser um bom ponto de partida para avaliar o esforço investido pela pessoa na sua profissão. Se o esforço investido pela pessoa não a leva a alcançar determinados objectivos, no fundo, a atingir as suas expectativas, então compreende-se bem a desmotivação dos profissionais da educação.
E o que faz o Ministério da Educação para responder às expectativas dos professores?



  

19/01/17

Expectativas


O primeiro-ministro A. Costa tinha a expectativa de que os partidos de oposição (designadamente o PSD) aprovariam o aumento do salário mínimo nacional em troca do abaixamento da TSU.  
Na política do actual governo tem sido assim: dar com uma mão o que tira com a outra. Mais uma vez, para o primeiro-ministro, esta medida não tinha custos. Quem não percebe de economia sabe,  pelo menos, que a segurança social paga a despesa. Entretanto, o ministro da segurança social veio dizer que no ano passado a despesa correspondeu a 11 milhões de euros.
Na política internacional vive-se mais ou menos de expectativas. Trump, que amanhã será presidente dos Estados Unidos, tem a expectativa de que vai ter uma boa relação com Putin…
Na vida pessoal vivemos de expectativas. Eu tenho a expectativa de que um dia hei-de ganhar o euromilhões pois há vinte anos anos jogo todas as semanas sempre com a mesma chave.
E assim é feita a nossa vida de expectativa em expectativa. 
Também é fácil constatar que expectativas elevadas levam muito provavelmente ao fracasso. Pelo contrario expectativas baixas dão-nos a possibilidade de termos agradáveis surpresas.
O que acontece nos concursos das televisões got talent, voice de Portugal… mostra que se formulamos expectativas baixas, normalmente somos surpreendidos. Claro que só é surpresa porque criámos expectativas baixas, a partir da roupa, da cara, do corpo da idade, da postura, de preconceitos… que afinal pouco têm de essencial para o que é avaliado.
No trabalho psicológico com crianças ou adolescentes com dificuldades sociais e de de aprendizagem era frequente manifestarem grandes expectativas. Esperavam ter um futuro muito bom em que teriam uma grande vivenda, um grande automóvel… Mas também havia outros alunos que não queriam ouvir falar de futuro e não tinham qualquer expectativa. O que naquele momento a família e a escola pediam e queriam era que estudassem e tivessem bom comportamento. No entanto, estes alunos preferiam viver a sonhar com o futuro ou num presente vazio. 
Gerir as expectativas é uma das nossas grandes dificuldades. Podemos viver como se tudo nos fosse correr mal e então esperar pelo dia da morte ou viver como se fôssemos imortais como faz a gerontocracia que se mantém no poder até cair da tripeça.
Para algumas "teorias", "as expectativas não nos permitem viver em liberdade, aceitando o curso das coisas, já que acreditamos que pelo fato de desejarmos algo de verdade, seja aprovação, perfeição ou comodidade, isso tem que obrigatoriamente ocorrer. A realidade é que o que tiver que acontecer irá acontecer, estejamos ou não de acordo." (Viver sem expectativas)
É por isso que é muito importante ter pensamento positivo mas não é suficiente Como é importante ter auto-estima mas não como se fosse algo de mágico. Temos dentro de nós um pequeno ditador (eu devo ser, eu devo fazer…) que nos impõe expectativas muitas vezes excessivamente elevadas e, então, não podemos falhar sob pena de considerarmos que somos um fracasso.
Saramago dizia que (cito de cor) "aquilo que tiver que ser meu à mão me virá ter". Mais do que esperar o destino melhor será viver a vida como ela é.
E como este assunto tem pano para mangas, tenho a expectativa de voltar a ele na próxima semana.


17/01/17

"Nunca desistas"

Quando os pais e professores se interessam pelas crianças, então é possível lutar contra o sistema, incluindo os sindicatos de que fazem parte. O mais importante do sistema educativo são os alunos e não o resto. Infelizmente, a maior resistência à mudança vem das corporações. Esta realidade acontece não só na sociedade onde se desenrola o filme mas também em qualquer outro local, sendo particularmente acutilante no actual estado da educação nacional. 
A autonomia incomoda-os e é preciso viver sempre na sua dependência, no seu centralismo, na sua "entourage", desde a colocação de professores à "gratuitidade" dos livros e ao silêncio do "manifestódromo". 
A RTP passou, um destes dias, esta história de pais e professores que tomam a educação como responsabilidade sua. Então pode haver "esperança" para todas as crianças.

12/01/17

Da era do vazio à era da pós-verdade


Na tentativa de compreender o que se passa connosco e na sociedade, na família e na escola, no trabalho e no desemprego, no consumo e na informação, os investigadores das ciências sociais têm tentado criar conceitos e teorias sobre estas realidades.

A era do vazio (G. Lipovetsky,1983) trouxe-nos a ideia de vivermos numa época caracterizada pelo individualismo. “O direito de o individuo ser absolutamente ele próprio, de fruir ao máximo a vida é inseparável de uma sociedade que erigiu o indivíduo livre em valor principal e não passa de uma última manifestação da ideologia individualista; mas foi a transformação dos estilos de vida associados à revolução do consumo que permitiu este desenvolvimento dos direitos e desejos do individuo, esta mutação na ordem dos valores individualistas".(pág. 9)

A modernidade líquida (Zygmunt Bauman) é “a época actual em que vivemos... É uma época de liquidez, de fluidez, de volatilidade, de incerteza e insegurança. É nesta época que toda a fixidez e todos os referenciais morais da época anterior, denominada pelo autor como modernidade sólida, são retiradas de palco para dar espaço à lógica do agora, do consumo, do gozo e da artificialidade...  em que os referenciais que possibilitavam o desenraizamento e reenraizamento do velho no novo são liquefeitos e, assim, perdidos." Quando já não há tais referenciais, "a vida passa a ser entendida como projecto individual". Referências como "a classe, a religião, a família, a nacionalidade, a ideologia política, são transformadas por uma crescente tendência ao consumo, à transformação das relações sociais em mercadoria, portanto, da própria identidade em mercadoria. Isso pode ser visto principalmente no “processo de desregulamentação política, social e econômica que se manifesta na expansão livre dos mercados mundiais, no desengajamento coletivo e esvaziamento do espaço público”. *

A internet (era digital) é o veículo privilegiado da circulação da informação a nível mundial. Mas também o é para esse processo de desregulação. A utilização anónima por toda a espécie de criminosos e vigaristas: do terrorismo à pedofilia, da violência doméstica ao bullying digitais e às falsas informações de governos.  “…É assim a Internet: o maior espaço sem lei do Mundo.”

O conceito de pós-verdade** foi alimentado “ pela ascensão das redes sociais como fonte de informação e a crescente desconfiança face aos factos apresentados pelo poder estabelecido". ***
A pós-verdade “parte de um processo inédito provocado essencialmente pela avalanche de informações gerada pelas novas tecnologias de informação." Então “os especialistas em informação enviesada ou distorcida (spin doctors), aproveitaram-se das incertezas e inseguranças provocadas pela quebra dos paradigmas dicotómicos para criar a pós-verdade, ou seja, uma pseudo-verdade apoiada em indícios e convicções, já que os factos tornaram-se demasiado complexos”. 
A pós-verdade, ou seja a mentira, terá sempre a perna curta mas, enquanto circula, faz os seus estragos.
O que “vemos, ouvimos e lemos” já não é bem aquilo que “vemos, ouvimos e lemos”. Por isso, cada um de nós deve usar a liberdade por ser responsável e para discernir quando podemos estar a ser enganados... e "não podemos ignorar".

Bom ano de 2017.
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V. Siqueira, Zygmunt Bauman, a biografia de uma lenda viva; Modernidade Líquida, O Que É? T. O. Fragoso, Modernidade líquida e liberdade consumidora: o pensamento crítico de Zygmunt Bauman
** Depois de a revista “The Economist” a ter utilizado na sua capa de 10 de setembro, e de o “Oxford Dictionary” a considerar palavra do ano de 2016, ‘pós-verdade’ entrou na moda para caracterizar os tempos atuais. Porém, a expressão é antiga. Em 1992, foi utilizada por Steve Tesich, um dramaturgo, num ensaio e, em 2004, Ralph Keyes, um cientista político, escreveu um livro intitulado “A Era da Pós-Verdade”. Se Tesich referia o Watergate, Keyes apontava a segunda guerra do Iraque, motivada pela existência de armas de destruição maciça que nunca existiram. (Henrique Monteiro, Expresso)
*** Já temos palavra do ano: 'Pós-verdade'A era da pós-verdade...

03/01/17