27/06/13

Vencedores e perdedores: jogos sindicais




Segundo E. Berne, "um jogo é uma série contínua de transacções complementares ulteriores que progridem para um resultado bem definido e expectável. Em termos descritivos é um conjunto recorrente de transacções, frequentemente repetitivo, superficialmente plausível, com uma motivação escondida; ou, mais coloquialmente, uma série de movimentos (lances) com uma armadilha ou truque. Os jogos são diferenciados claramente dos procedimentos, dos rituais, e dos passatempos por duas características principais: (1) a sua qualidade ulterior e (2) a recompensa. Os procedimentos podem ser bem sucedidos, os rituais eficazes, e os passatempos rentáveis, mas todos são por definição ingénuos; podem envolver competição, mas não conflito, e o final pode ser sensacional, mas não é dramático. Cada jogo, por outro lado, é basicamente desonesto, e o resultado tem uma qualidade dramática, diferente de simplesmente excitar". (E Berne, Games people play, pag. 44).

Normalmente nestas transacções há comportamentos típicos não saudáveis em que se desempenham os papéis de salvador, perseguidor e vítima (triângulo dramático de Karpman). Não estamos a falar dos papéis reais de salvador, perseguidor e vítima mas de papéis usados de forma representativa. É o que se passa quando se diz:
“fomos para a greve porque nos obrigaram”.
“ não tínhamos outra saída”.
Ou
“os sindicatos não quiseram negociar”.
“as propostas estavam em cima da mesa há muito tempo”.

Nos dias seguintes a manifestações e greves, segue-se a conversa do costume entre supostos vencedores e supostos perdedores. Não deixa de ser interessante assistir ao jogo de quem ganha e quem perde.
A diferença de números, às vezes, é completamente desfasada da realidade. Mesmo numa situação como a dos exames, em que se sabe exactamente quem fez e não fez exames, não há concordância.

Mas na realidade quem são os vencedores? E quem são os perdedores ? Aquilo que está em jogo é a autenticidade. Mas neste jogo há muita hipocrisia, o que está em jogo não são apenas reivindicações sindicais e ter que ganhar é o que interessa.
Para os vencedores, ter êxito não é o mais importante mas ser autêntico. A pessoa autêntica tem a experiência da própria realidade ao conhecer-se a si mesma e ao converter-se em alguém sincero e sensível.
Vai ganhando autonomia e não tem medo de pensar por si próprio.
Não pratica o jogo do desamparado ou de recusar a culpa.
Possui um justo sentido do tempo porque o tempo é precioso. Responde adequadamente a cada situação.
Aprende a conhecer os seus sentimentos e as suas limitações.
Preocupa-se com as pessoas.
Por seu lado, o perdedor raramente vive no presente. Como vive no passado costuma lamentar-se do se. Os perdedores dependem sempre de uma desculpa:
"se estivesse bom tempo".
"agora não que falta um impresso" (Deolinda).
"se tivessem assinado antes".
"se tivessem feito a proposta antes, tinha-se evitado a greve".
Mas podem viver no futuro (quando) e então esperam um milagre, como num conto de fadas:
"quando mudar o governo".
"em Setembro voltamos à luta".
Por isso, mascaram a realidade, passam grande parte do tempo em representações dramáticas. Não há autenticidade, a sua personalidade falsa é sempre mais importante do que a realidade.
Se é verdade que nascemos para triunfar *, e quando há compromisso provavelmente é o que acontece, também é verdade que não se ganha sempre e podemos ter insucessos.
Na minha opinião, neste conflito há apenas perdedores: os professores, o ministério, os alunos e as famílias.
___________________________

* Muriel James e Dorothy Jongeward, (1976),  Nacidos para triunfar, análisis transaccional con experimentos gestalt,  5ª ed.

24/06/13

Gota d' água


Casa-Museu Afonso Lopes Vieira


Tudo chega ao fim . Mais um ano escolar está prestes a acabar. 
Desta vez é também, para mim como para alguns colegas, o último ano aqui na escola. 
Foi um longo e extraordinário percurso, desde 1997, onde foi possível sentir a sorte da realização profissional. 
Tornei-me um pouco parte desta escola. E com ela fui crescendo. E como é próprio do crescimento, eliminando grandezas e vaidades pessoais e acrescentando, dia após dia, uma genuína paixão pela educação.

Para lá das circunstâncias e dos contextos das políticas educativas, compreendi que o essencial era jogado na sala de aula, na equipa de trabalho, no trabalho com os alunos e que o mais importante não vem em nenhum diploma legal de nenhum ministério. 
Fui compreendendo as minhas forças e fraquezas e as do ser humano procurando fazer com que os que comigo trabalharam vivessem um pouco mais felizes. 
Compreendi que o mais importante da escola são os alunos e justificam todo o empenho dos educadores mesmo quando os progressos são medíocres, quando o resultado é diferente do que esperamos, somos confrontados com as nossas insuficiências ou com a incompreensão de alunos e famílias. 
Nunca se pode esperar que reconheçam o trabalho e o esforço feito mas persistir é o segredo do educador.

Parece, então, que cheguei ao outono da vida. Mas se continuo a ver o mundo com a inquietação da primavera que sempre me acompanhou também é com serenidade que assisto às incertezas do presente, como a vida me ensinou.
Acima de tudo, mantém-se a vontade de não ficar insensível e indiferente às emoções humanas e de não deixar de me dedicar ao amor, compaixão e liberdade, as forças da vida.
Como a gota d’ água que faz o seu pequeno trabalho, dia após dia, e que, a seu tempo, há-de desaguar no grande oceano, assim é o trabalho da educação.

Então talvez não haja fim porque tudo se renova e a vida continua. 

A criança revela-se...



Um meio excelente para trabalharmos com a criança é a sua expressão gráfica. Não é preciso muito mais para compreendermos a sua personalidade.
Através das suas manifestações gráficas a criança expressa o que sabe mas também se expressa a si própria. Ela tem uma necessidade natural de se exprimir transmitir aos outros o que pensa, sente e imagina - a expressão da criança é assim uma forma de comunicação.
A criança revela-se através do que faz.
A atitude do adulto é aqui fundamental pela necessidade que há em que o adulto não quebre a comunicacação que se estabeleceu.
O papel dos educadores e da escola é também o de facilitar a comunicação da criança - a socialização da criança - a comunicação com os outros :
- não romper a comunicação - facilitar a comunicação, motivar para as actividades
- atenção às perguntas, às sugestões...

Com Eurico Gonçalves aprendi quase tudo o que sei sobre a expressão gráfica da criança. Tal como aprendemos com Arno Stern (eu, pelos livros).
O desenho, a manifestação gráfica da criança, evolui à medida que a coordenação motora se vai  aperfeiçoando. Há maior controlo do movimento, do gesto e a criança passa à fase das formas arredondados, também dita pré-figurativa ou simbólica, dos 3 aos 4 anos de idade. Aparece, assim, a representação da figura humana com a forma de girino ou cabeçudo.
A partir desta fase a figura humana vai ser um tema frequentemente repetido.
O desenho da figura humana dá-nos algumas indicações acerca do desenvolvimento da criança.
Assim, por volta dos 5-7 anos surge a figura humana (bonhomme), com as partes principais do corpo representadas, olhos abertos, dedos, pormenores de vestuário  etc.. Por volta dos 7 anos aparecem membros de duplo contorno e diferenciação dos sexos por meio do vestuário.
Acima dos 10 anos surge o desenho de perfil e pormenores cada vez mais numerosos e de carácter social.
É importante referir a perspectiva afectiva que a criança imprime ao desenho e que tem a ver com as dimensões do desenho e aquilo que para ela é significativo...
Além da figura humana a criança, representa, desde os 5 anos, casas, árvores, caminhos, carros, animais, o sol, a lua, as estrelas, as nuvens, a chuva, etc., tudo o que faz parte da sua experiência.
Aparece a pré-escrita - grafismo orientado da esquerda para a direita em linhas paralelas e de cima para baixo segundo o sentido da escrita ocidental - dos 3 aos 5 anos.

Algumas características do desenho infantil:
O desenho infantil é essencialmente ideográfico, característica central da qual derivam outras como a transparência e o rebatimento.
O ideografismo consiste em representar mais o que a criança sabe ou a ideia que faz das coisas do que aquilo que vê.
A transparência: A criança desenha coisas como se as visse ao RX. Desenha o interior das coisas sempre que este tenha para ela um significado particular: a mobília dentro da casa, o fumo da chaminé, o bebé na barriga da mãe, etc..




Já vimos algumas características da expressão da criança tais como: a pré-escrita, a perspectiva afectiva, o ideografismo, a humanização. Outras características são:
O rebatimento: As figuras são rebatidas, espalmadas, reduzidas a silhuetas no plano do suporte.
Espaço topológico: espaço táctil, próximo e topográfico, definido no plano e em função das características específicas do suporte.
Diferente do período anterior, o espaço sensorio-motor e dos seguintes, o espaço projectivo (4-5 anos) e o espaço euclidiano (a partir dos 10 anos). No espaço topológico o espaço não está orientado, não há próximo nem distante não há cimo nem baixo. O desenho é enumerativo, é uma colecção.
No espaço projectivo: a partir dos 4-5 anos começa a esboçar-se mas é a partir da entrada na escola e com o alargamento do campo de exploração envolvente da criança que começa a distinguir-se em cima/em baixo, à esquerda/à direita, à frente/atrás... O céu e a terra não se tocam, há um vazio que só progressivamente será conquistado... até adquirir a noção de linha do horizonte - nunca antes dos 9 anos de idade e mais frequentemente aos 10 anos de idade.
No espaço euclidiano entram em jogo as perspectivas, as orientações e as distâncias.
- Realismo naif ou ingénuo e lírico - a partir dos 10-11 anos de idade, a criança representa com realismo escrupuloso e pormenorizado não só o que vê como também o que sabe, mantendo características ideográficas.
A partir dos 12 anos surgem figuras parciais do tipo retrato.
Na puberdade a inquietação suscitada pela transformação do corpo é evidente e fica registada na representação gráfica da figura humana: o corpo tanto se exibe (nudez, pele) como se esconde ( roupa, moda).
" A criança desinteressa-se da matéria logo que consegue traçar com ela símbolos. O adolescente pelo contrário, desinteressa-se da imagem como símbolo e reencontra o gosto pelo movimento e pela matéria ".
Mas esta já é outra história...

Uma "inventona" chamada eduquês




A teoria de Piaget é uma teoria única e singular. Também construtivista, vista como segue: 
"... Esta marca construtivista da teoria de Piaget não significa, como alguns dão a entender (Broughton, 1981; Bruner, 1997; Fonnan, 1992; Miller, 1987; Murray, 1983), que ela cai num individualismo genético insustentável (ver Chapman, 1991a; Davidson, 1992b; Furth, 1986; Smith, 1996c). Longe de recusar a importância da experiência física e social, o que Piaget quis foi afastar-se de uma ideia demasiado empiricista destes tipos de experiência. Ou seja, afastar-se da ideia que confunde aquisição de conhecimento com a sua simples transmissão, ou interacção entre indivíduos com a mera exposição social. Para acentuar a marca construtivista da sua teoria, Piaget proclamou que "compreender é reinventar; ou reconstruir por reinvenção" (Piaget, 1972b, p. 24). Por conseguinte, "o facto social é um facto a ser explicado, não a ser invocado como factor extra-psicológico" (Piaget, 1946a, p.10: ver também Carpendale & Muller, 2002; Smith, Dockrell, & Tomlinson, 1997).

Construtivista na medida em que põe a tónica na actividade do sujeito, Piaget afasta-se, contudo, não só do construtivismo radical, construtivismo que tende a não colocar limites à capacidade construtora de sujeito, que é elevado, assim, à categoria de demiurgo e construtor (total) da própria realidade (Glasersfeld, 1997,2001), mas também do construcionismo social (Gergen, 1991, 1995,2001), corrente da psicologia social próxima do pós-modemismo (Burr, 1995; Kvale, 1992) e que defende que todo o conhecimento não passa de uma mera construção social, sendo por isso completamente relativo.

Piaget não caiu no construtivismo radical nem no construcionismo social porque, realçando embora a actividade construtora do sujeito, colocou-lhe limites, na medida em que tal actividade é, na sua teoria, balizada pela acomodação à realidade exterior sempre presente em qualquer acto de conhecimento. Mas a existência da dimensão da assimilação em todo o acto de conhecimento evita também que a sua teoria caia num realismo substancialista e ingénuo onde o conhecimento seria uma mera cópia da realidade. Devido à ênfase que concede à relação entre a assimilação e a acomodação ou entre o sujeito e o objecto, Piaget (1970a) classifica de interaccionista a sua teoria psicológica e epistemológica, teoria que não conduz, por isso, nem a uma posição de construtivismo radical, nem de realismo ingénuo, mas a uma posição de construtivismo moderado e de realismo convergente ou crítico (Chapman, 1988a). O sentido deste realismo convergente é visível quando, numa das suas últimas obras dedicadas ao real, ao possível e ao necessário, Piaget (1983b, p.173) sustenta que ficamos mais próximos da realidade (e da verdade) à medida que o nosso conhecimento avança. Só que, quando isso acontece, apercebemo-nos da existência de problemas que, antes, nos passavam despercebidos. Assim sendo, o conhecimento tende para um limite que jamais pode ser alcançado" (pags. 169 e 170).

Orlando Lourenço, Psicologia de desenvolvimento cognitivo.




"A nossa interpretação da teoria do desenvolvimento da criança foi evoluindo ao longo dos anos, frequentemente influenciada por outros estudiosos piagetianos de língua inglesa, tais como Lawrence Kohlberg, John Flavell, Burton White, David Elkind, J. McV. Hunt, Hans Furth e Irving Sigel".

Este currículo para o pré-escolar , de orientação cognitivista, de inspiração piagetiana, define assim a interacção professor-aluno:

"Quanto a nós, a afirmação primordial da obra de Piaget destinada a educadores é a de que  o professor é um auxiliar do desenvolvimento e que, deste modo o seu objectivo principal é promover a aprendizagem activa por parte da criança. A aprendizagem activa  - o experimentar directo e imediato dos objectos, das pessoas e dos acontecimentos - é condição necessária para a reestruturação cognitiva e, deste modo, para o desenvolvimento; simplificando: as crianças apreendem os conceitos por meio da actividade que é da sua própria iniciativa. Tal actividade, exercida num contexto social em que um professor atento e sensível seja observador-participante, permite que a criança se desenvolva em experiências que provocam o grau optimal de desequilíbrio cognitivo e, consequentemente, o impulso de reestruturação cognitiva. Os interesses e capacidades da criança congregam-se mais prontamente quando se concebe a aprendizagem como uma interacção de actos físicos e mentais desencadeados por aquele que aprende.
A aprendizagem é decisiva e duradoura na medida em que for activa e directa, pois as experiências activas e directas envolvem os sentidos e o sistema motor; habilitam a criança com a compreensão íntima mediante a qual ela pode adquirir novos conhecimentos por meios menos directos, quando tiver atingido um grau de maior maturação no desenvolvimento.
Pode dizer-se que Piaget não está sozinho na defesa deste ponto de vista, que esta filosofia está totalmente de acordo com as de Dewey, Montessori ou Sócrates. Concordamos entusiasticamente, sentindo que este consenso entre filósofos da educação representa uma base sólida a partir da qual se pode continuar ".
 
M. Hohmann, B. Banet, D. P. Weikart (1979), A criança em acção.

20/06/13

"Um ano de escolaridade perdido: é a eternidade numa redoma" *


No final do ano lectivo coloca-se e colocam-me habitualmente esta questão.
É particularmente dramático quando vemos, por exemplo, um aluno que já fez três repetições no 7º ano e está em risco de chumbar novamente. O que fazer?
Há países em que não há retenções e não parece que o sistema seja pior do que o nosso.
Mas seja como for, o fim das repetições no ensino básico, só por si não resolve o problema.
É, por isso, necessário tomar medidas que possam modificar esta situação.
Com a extinção do ensino técnico e profissional e com a escola inclusiva, o problema só se podia agravar.
Foram sendo adoptadas, ao longo do tempo algumas medidas, como o PIPSE, PIEF, TEIP, PCA, CEF, planos de recuperação, planos de acompanhamento, apoios pedagógicos de vária ordem, investiu-se em áreas de apoio aos estudo...
De facto, os alunos que estão nestas turmas ou nestes tipos de apoio são alunos que repetiram, uma ou várias vezes, ou até já se encontravam em abandono.
Apenas uma pequena parte conseguem superar as dificuldades, veja-se por exemplo a avaliação dos planos de recuperação e acompanhamento e, agora, dos planos de acompanhamento pedagógico. **
A grande maioria destes alunos acaba por recorrer a outros currículos que servem apenas, e já não é pouco, para regressar à escola ou para concluir o ensino básico.
Muitas razões levaram a esta situação mas a mais importante teve a ver com as retenções. A retenção é uma punição e, como tal, tem o efeito psicológico que conhecemos.
Se as retenções se devessem apenas a falta de estudo e de trabalho, a punição podia fazer sentido... Mas a realidade mostra-nos outros problemas, tais como:
- o fracasso aprendido. Tornam-se insensíveis ao fracasso ou "desenvolvem na falta de melhor, a paixão pelo fracasso" (D. Pennac, pag. 53); ***
- as retenções, muitas vezes, são devidas a desconhecimento das reais características das crianças;
- as dificuldades de aprendizagem, especificas ou não, são uma realidade e não dependem apenas da vontade e do esforço do aluno para serem ultrapassadas;
- há alunos com áreas de sobredotação que não são compreendidos na sua maneira de aprender;
- há alunos que necessitavam de metodologias diferentes para ultrapassarem as suas dificuldades;
- há alunos com perfis cognitivos que estão motivados para outros tipos de aprendizagem.

Se devemos ter em conta que as opções por percursos alternativos não devem ser muito precoces, parece-me que eles se impõem pelo menos no 3º ciclo de escolaridade. A escolaridade obrigatória deveria ter cursos gerais e cursos alternativos, não de nível, nem mais fáceis, nem menos rigorosos e exigentes, mas que dessem possibilidade de escolha aos alunos por cursos artísticos, tecnológicos e práticos.

Há estratégias que deram bons resultados noutros países, em alternativa às repetições:
- reforço do trabalho e enquadramento do estudo na escola, com períodos de orientação baseados, por exemplo, em planos individuais de trabalho;
- a escola deve ser um local de aprendizagem de hábitos de trabalho;
- a diferenciação pedagógica é uma estratégia essencial como resposta à diversificação social e cultural dos públicos que hoje frequentam a escola;
- o trabalho directo do professor com os alunos apresenta-se como decisivo para a resolução de problemas de aprendizagem;
- estratégias de intervenção imediata, ao primeiro sinal de dificuldade, que podem ser pontuais ou ao longo do tempo, mas nas quais o professor tem um papel essencial;
- apoio aos professores para que adquiram técnicas de ajuda aos alunos que se atrasam.
Qualquer alternativa educativa é preferível à repetição.

___________________________
* Daniel Pennac, Mágoas da escola, pag.61.
** Os alunos que chumbam nos exames do 4º ano têm um plano de recuperação após o termo das aulas. Parece estratégia interessante mas espero que seja avaliada e divulgados os resultados. 
*** Há estudos onde parece que nem tudo é assim. É verdade que nem todos os alunos perdem a auto-estima. Felizmente, há alunos que, apesar das repetições, continuam resilientes. 

12/06/13

Compromisso



Nos anos 50, o psicólogo Leon Festinger pesquisou sobre o comportamento das pessoas quando não há adequação entre o que pensam e o que fazem.
Chamou esta incoerência de dissonância cognitiva.
"Dois elementos são dissonantes se, por uma razão ou outra, não se ajustam entre si. Podem ser incoerentes ou contraditórios, os padrões culturais ou do grupo podem ditar que não se harmonizam e assim por diante" (L. Festinger). 
Esta dissonância está presente em muitos momentos da nossa vida.
A maioria de nós tem uma avaliação positiva de si próprio, o que não está errado, mas o mesmo já não diria quando nos sentimos mais competentes e mais espertos do que os outros. Além disso, quando falhamos há sempre justificação para os nossos actos.
Por exemplo, num acidente de automóvel a culpa é sempre de alguém ou de alguma coisa menos nossa. Quando chegamos atrasados ao emprego arranjamos uma justificação: o trânsito intenso, uma dor de cabeça…
Vivemos tempos em que ouvimos tantas opiniões que entramos facilmente em dissonância cognitiva: uns dizem que pagamos a divida, outros que não há maneira de a pagarmos, outros que acham que as dívidas não se pagam, outros que é preciso mais tempo, outros que é preciso juros mais baixos, outros que é preciso credibilidade, etc. 
A dissonância cognitiva pode ajudar a compreender porque não vemos que a nossa decisão foi errada.Usamos três maneiras de reduzir a dissonância cognitiva:
- mudança de comportamento,
- mudança de atitude ou convicção,
- adição de novos elementos cognitivos.
Por exemplo, eu não gosto de andar à chuva mas o facto é que se eu estou a apanhar chuva posso reduzir a dissonância cognitiva procurando um abrigo ou voltando para casa.
Posso mudar a minha atitude e passar a gostar de andar à chuva.
Ou juntar novas cognições: a chuva até é agradável, como no “singing in the rain”.
Em muitas situações, é necessário uma busca activa desses elementos cognitivos. É por isso que ouvimos  Marcelo Rebelo de Sousa ou outros comentadores que todos os dias juntam elementos cognitivos ao que sabemos.
Sobre a greve dos professores, o prof. Marcelo junta uma série de elementos cognitivos para percebermos a dissonância entre o direito de uns à greve e o direito de outros a fazerem exames: “a greve é justificada mas não é justa e é contraproducente”.
Com estes elementos parece que compreendemos melhor porque é que esta greve não devia ser feita embora possa ter justificação.
E quanto menor for a justificação maior será a dissonância. O que parece ser o caso.
Outra forma de resolver a dissonância é o compromisso. Claro que o compromisso implica vontade de se comprometer com alguma coisa. E é isso que parece que está a faltar na sociedade.
Em vez disso, como precisamos de dormir e de reduzir sentimentos de ansiedade, culpa, raiva, stress e outros estados de espírito negativos, continuamos a justificar os nosso erros com as culpas dos outros, neste caso do governo, uns, e dos sindicatos, outro.



07/06/13

Uma "inventona" chamada eduquês


A reforma da educação e do sistema educativo é necessária e deve acompanhar as transformações sociais, culturais e técnico-científicas do mundo actual.
As reformas que estão a ser feitas por este ministério são necessárias e muitas têm aspectos positivos como aqui tenho referido.
Mas não é necessário inventar um adamastor para justificar o que acontece na escola, tal como noutro tempo não era necessário justificar esses problemas com a ideia da escola na sociedade de classes.
Desta vez a culpa é do eduquês. Essa coisa que é responsável pela ignorância dos alunos e faz com que os alunos não saibam tanto como antigamente.
E isto começa por não ser verdadeiro. Hoje os alunos sabem mais do que nesse tempo. As crianças hoje são mais inteligentes do que no passado (efeito Flynn, por exemplo, nos testes cognitivos).
O problema talvez seja outro: é que não querem perceber que há alunos que não têm acesso ao currículo ou têm limitações no acesso ao currículo: cognitivas, emocionais, sociais, culturais... que sempre existiram.
As investigações de J. Chall (sobre os alunos que não atingem as operações formais) provam isso mesmo. Mas não querem ver que há uma percentagem de alunos que têm dificuldades devidas a esses problemas e  ou ao próprio sistema.  E este não é um problema de memorização

Nesta entrevista, a frase "Contra o 'eduquês' e as teorias de Jean Piaget, Nuno Crato defende a memorização" deixa-me a maior perplexidade. 
O que é que Piaget tem a ver com isto ? Foi a teoria piagetiana responsável pelos problemas da escola ? O construtivismo piagetiano é responsável pelos fracos resultados dos alunos ?
Não vale a pena criar justificações infundadas nem cair no populismo do costume do tipo se os alunos não aprendem é porque não querem estudar e os professores não querem ou não sabem ensinar.

Passa-se o mesmo noutros países. No Eduquês: um flagelo sem fronteiras , lá vem (pags 74 e 75):
" É preciso que cesse a pretensão de que o aluno é capaz de "construir" sozinho os seus conhecimentos ou analisar de maneira imediata situações complexas a fim de isolar elementos particulares utilizáveis. Pelo contrário, é preciso colocar os alunos em situação de assimilar noções fundamentais a partir da cultura e do saber tal como foram pacientemente construídos e reconstruídos ao longo dos séculos - deixando-lhes, no entanto, uma margem de iniciativa, de reflexão e de exploração."

Então e como é que se põe o aluno em situação de assimilar seja o que for quando não possui estruturas cognitivas que lhe permitam que o faça ?
Bem podem repetir até à eternidade... 

O que é preciso é ler e estudar mais Piaget, os seus continuadores e, evidentemente, todos os autores que acrescentaram e inovaram em relação a ele.

06/06/13

Cooperação e solidariedade


Numa das ultimas entrevistas que o secretário-geral da CGTP, Carvalho da Silva, deu,  falou da contradição do trabalhador que vê as dificuldades por que passa a família (como hoje os impostos, cortes nos salários, etc.)  e a decisão de fazer greve, piorando a situação, como no "Germinal" …
Creio que cada um pode comparar aquilo quiser. No entanto, o que se passa hoje, é que não há comparação possível. 
"Germinal" é um romance de Emílio Zola (publicado em 1885) que retrata a situação dos mineiros no sec. XIX, em França.
O progresso da sociedade, em todos os aspectos, levou a que não haja qualquer relação com o que se passava no sec. XIX.
Basta ver o que se passou com a protecção da infância ou com a legislação laboral. A segunda metade do sec. XX, principalmente depois dos trabalhos sobre vinculação, permitiu que a infância pudesse ser vista de um modo completamente diferente. Foi por essa altura que foi feita a declaração universal dos direitos da criança e posteriormente, em 1989, foi assinada a convenção sobre os direitos da criança que obriga os países signatários a obedecer aos princípios nela previstos.

Mas não podemos dizer que no mundo todos os países estejam no mesmo nível de desenvolvimento cívico. Bem pelo contrário. A infância continua a ser mão de obra barata em muitos locais e os trabalhadores continuam a ser explorados de forma desumana.
Não é assim entre nós. Temos legislação que respeita a infância e os trabalhadores e possibilita a humanização do trabalho.
Mas é preciso dizer que o trabalho tem vindo a sofrer alterações profundas, resultantes da globalização e não só, como por exemplo:
Com a globalização muita coisa mudou. Só que as regras não são as mesmas em todos os países e não são respeitadas por todos. Podemos querer analisar profundamente o que se passa ou atirar para o neoliberalismo as responsabilidades do que acontece. 
Num mundo globalizado podemos continuar a ver trabalhadores assalariados agrícolas, e de um modo geral a mão de obra barata nas fábricas mas também nos serviços, por via do outsourcing, que têm um poder muito fragilizado em relação ao poder económico e político. 
Mas problema complexo e grave é o desemprego ou o dos jovens que nunca tiveram emprego. E, obviamente, estes não fazem greve.
Quem faz greve, normalmente, são os trabalhadores com melhores condições de trabalho em relação aos outros: função pública, professores, transportes, profissionais de saúde, bancários... 
De resto as greves têm servido principalmente para reivindicar objectivos políticos como a demissão dos governos. 

O conflito é normal na democracia e os sindicatos têm um papel importante na sociedade democrática em que vivemos  e é pena que a sua independência não seja um ponto essencial da sua actuação. 
Se assim fosse, com a situação que o país atravessa, a cooperação e a solidariedade  provavelmente seriam valores mais importantes do que os veiculados pelas organizações sindicais quando recorrem sistematicamente à greve para as suas reivindicações. *

_______________

* Vale a pena ouvir, também numa altura de greve geral, em 2011, uma entrevista com  o Presidente da empresa alemã Siemens
A mentalidade é diferente. Não há greves de solidariedade.
Há um tribunal arbitral para decretar greve (não é para serviços mínimos).
Os sindicatos são um parceiro da gestão das empresas.  São a voz dos trabalhadores: quando se afunda o empresário o mesmo acontece aos trabalhadores/colaboradores.
Esta visão é muito diferente da dos "nossos" sindicatos .

A UGT que tem estado nas greves através da unidade de  acção volta a estar de costas voltados para a CGTP logo que o PS regressa ao poder.
E este é um dos aspectos mais perniciosos do sindicalismo: as chamadas "correias de transmissão" partidárias. 
O que parece é que o objectivo é o fim do sistema capitalista, em teoria, porque na prática para a CGTP é gerir o capital do estado mas para a UGT é gerir o capital.

A CGTP corresponde a 18% da força de trabalho do país (referido por Miguel Portas em entrevista à antena 1). É óbvio que muitos dos sectores que entram em greve afectam todo o sistema social. Os transportes têm aí um impacto significativo.
A UGT, não sei a quanto corresponde da força de trabalho, consegue ter a visão mais próxima da realidade e também menos agressiva até porque são os próprios partidos que a constituem que fazem parte do poder.



01/06/13

O albergue espanhol


Um presidente que já não é, um secretário-geral que não está, um social-democrata "nosso camarada", uma democracia feita à medida deles, não do voto, nem das instituições democráticas…
Um verdadeiro albergue espanhol da política: marxistas, comunistas, trotskistas, leninistas, estalinistas, maoistas, radicais, anti-marxistas, capitalistas, anti-capitalistas, anti-comunistas, ultimatistas, boicotadores, lixados, populistas...
Tudo velho, tudo requentado, tudo ressabiado... 
Mesmo com corações partidos e olhos sendo abertos de formas inesperadas, e mesmo com o tumulto e a confusão reinando no apartamento, surge uma espécie de unidade a partir dos sonhos que os seus habitantes têm em comum. Surge também a certeza que nenhum deles será igual depois das experiências que viveram ali.

Acredito que cada um aprende por si. Os genuínos vão perceber que mais uma vez foram enganados.