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05/05/23

Ramiro Marques (1955-2023)

 


"Quando os valores da escola coincidem com os valores das famílias, quando não há rupturas culturais, a aprendizagem ocorre com mais facilidade."

"Podemos considerar quatro tipos de obstáculos (à criação de bons programas de envolvimento dos pais): a tradição de separação entre escola e as famílias, a tradição de culpar os pais pelas dificuldades dos filhos, as condições demográficas e os constrangimentos estruturais." Ramiro Marques 

Continua a ser necessária a mudança em relação a estas circunstâncias das escolas, sem a qual - esta mudança - nada de novo a acontecerá.



Página de Ramiro Marques

A escola cultural


14/10/22

Respeitar os professores...


Ouvimos dizer que a escola já não é como era. Antes havia disciplina e os professores eram respeitados.(1) De facto, parece haver um “sentimento geral” de que se perdeu o respeito pela autoridade que havia em relação a várias instituições políticas, sociais, religiosas. Parece que este fenómeno é particularmente notado nas escolas e em relação aos professores.

Cada um de nós tem conhecimento de agressões a professores, feitas por alunos e pais, que são notícia nos meios de comunicação social, o que significa que são suficientemente graves para merecerem essa referência. 


Era interessante saber: qual a dimensão destas atitudes e comportamentos  para com os professores? Quem desrespeita quem: são os alunos, os pais, a comunidade? 

Em 2020, "os números mostram que todas as semanas alguém foi agredido ou ameaçado de morte. Mas tanto professores como polícia garantem que existem muitos mais casos que ficam dentro dos muros das escolas, sem nunca serem esquecidos pelas vítimas. "Muitos preferem remeter-se ao silêncio para não colocar a imagem da escola em causa". 

Se virmos o que dizem alguns sindicatos de professores, parece que quem desrespeita mais os professores é o ministério da educação. Ou seja a autoridade dos professores é posta em causa pelo poder quando não cria as condições para que a função docente seja exercida nas condições que evitem a falta de respeito aos  professores e a outros funcionários da escola.

 

Mas o desrespeito pelo poder e pela autoridade vem também dos alunos como aconteceu com o slogan “não pagamos“ e a “geração rasca”. Ou era apenas irreverência da juventude?


De facto, podemos dizer que a escola e os professores têm vindo a perder status *. Interessa, por isso, saber a que se poderá dever esta situação. Onde começou esta mudança profunda de desrespeito da autoridade dos professores na escola e na sociedade.

 

A degradação da autoridade tem vindo a acontecer a partir de uma das  perversidades saídas do Maio 68, em França. Um dos slogans, “Proibido proibir”, foi o mote que levou a questionar toda a autoridade e não só o poder. 

Vargas Llosa, em  A Civilização do Espectáculo, refere: “Pelo menos no campo do ensino, a partir de 1968 a autoridade castradora dos instintos libertários dos jovens voara em pedaços.” Mas, por outro lado, o Maio 68 vem dar “legitimidade e glamour à ideia de que toda autoridade é suspeita, perniciosa e desdenhável e que o ideal libertário mais nobre é desconhecê-la, negá-la e destruí-la” (p. 79)

 

E escreve Vargas Lhosa: “Em nenhum campo isto foi tão catastrófico para a cultura como na educação. O professor, despojado de credibilidade e autoridade, convertido em muitos casos, na perspetiva progressista, em representante do poder repressivo, isto é, no inimigo a quem para alcançar a liberdade e dignidade humana era preciso resistir e até abater não só perdeu a confiança e respeito sem os quais era impossível cumprir eficazmente a sua função de educador - de transmissor tanto de valores como de conhecimentos -  perante os seus alunos,   como também os dos próprios pais de família e de filósofos revolucionários..." (p. 80) 

Porém, o poder não se viu afectado minimamente. Pelo contrário. (3)

 


_________________________

 

(1) Podemos questionar o que quer dizer "respeito". O  respeito é um sentimento positivo em relação a outra pessoa ou em relação a si próprio. Respeito é mais do que tolerância. Respeito é  concordar, incentivar, respeito implica inclusão, empatia, honestidade, cumprir as promessas que se fazem, escutar com atenção, colocar-se no lugar do outro, cumprir as leis do país em que se vive...

Isto aplica-se a todos os adultos em relação às crianças, os pais em relação aos filhos, os superiores hierárquicos em relação aos subordinados e vice-versa...

Segundo Alain de Botton "As consequências de um status elevado são aprazíveis. Incluem recursos, liberdade, espaço, conforto, tempo e porventura mais importante o facto de sentirmos que somos objeto de afecto e estima por parte dos outros através de convites lisonjas, risos mesmo quando as piadas não são boas deferência e atenção o status elevado é considerado por muitos como um dos mais preciosos bens terrenos.

Por outro lado, "Angústia de Status" é "A preocupação perniciosa a ponto arruinar boa parte das nossas vidas, com o risco de não conseguirmos conformar-nos aos ideais de sucesso instituídos pela sociedade envolvente e de podermos, por conseguinte, ser despojados da nossa dignidade e respeito. A preocupação pelo facto de nos acharmos num patamar demasiado modesto ou de estarmos prestes a cair para um degrau mais abaixo." (Alain de Botton, Status ansiedade, Publicações D. Quixote, 2005)

(2) Índice Global de Status de Professores da Fundação Varkey (2018). "Os dados do estudo "sugerem que há uma correlação entre o status concedido aos professores e os resultados dos alunos do seu país. Em outras palavras, um alto status de professor não é apenas “bom de se ter” – aumentar o status de professor pode melhorar diretamente o desempenho dos alunos de um país. Os governos devem levar a sério o status de professor e fazer esforços para melhorá-lo." (p.11)

"O estudo conclui que a classificação média de respeito para um professor nos 35 países foi a 7ª de 14 profissões, indicativa de uma classificação de respeito intermédia para a profissão." (p 13)

(3) "Basta recordar que nas primeiras eleições realizadas em França depois do Maio 68, a direita gaulista obteve uma vitória categórica." (p.80)




16/07/22

Pais com autoridade 3

1. Makarenko descreve vários tipos de autoridade parental que devem ser evitados. Mas então em que deve consistir a verdadeira autoridade dos pais numa família? *
Esta autoridade baseia-se, em primeiro lugar, na condição de cidadania, de pai e de ajuda, e em segundo lugar, na responsabilidade.
Podemos dizer que o principal fundamento da autoridade dos pais, não pode ser senão a vida e o trabalho dos pais, a sua personalidade de cidadãos, a sua conduta.
Quando as crianças vão crescendo interessam-se sempre por saber onde os pais trabalham, qual a sua posição social. Devem saber de que vivem, em que se interessam, qual o seu ambiente. A profissão dos pais deve parecer aos olhos da criança uma coisa séria e digna de respeito...
O trabalho paterno deve consistir em saber como vive, de que se interessa, do que gosta e o que quer o seu filho. Quais são os seus amigos, com quem joga, o que lê e como assimila o que lê. Qual a sua atitude face à escola, aos professores, quais são as suas dificuldades, como é o seu comportamento nas aulas.
Isto não significa que seja necessário fazer interrogatórios permanentes ao seu filho ou fazer espionagem mesquinha e inoportuna. É necessário que o seu filho fale destes assuntos. Diremos que é necessário o diálogo entre os elementos da família.
Este conhecimento leva à necessidade de ajuda. Na vida de qualquer criança é necessária esta ajuda para saber como se comportar. Esta ajuda não será provavelmente pedida pelo seu filho mas é necessário ir ao seu encontro.
Esta ajuda pode ter a forma de um conselho directo, uma brincadeira, uma orientação directiva, uma ordem. Se se conhece a vida do filho então é possível saber como será a melhor maneira de agir. Pode ser através de um jogo, travando conhecimento com os companheiros do seu filho, falando com os professores, ou com os outros filhos quando existem.
A ajuda dos pais não deve ser inoportuna, enjoativa e fastidiosa. É necessário que a criança às vezes resolva os seus problemas sozinha e que se habitue a ultrapassar dificuldades e resolver questões complicadas. Mas não se pode deixar cair a criança nas dificuldades, no desespero. É necessário que ela saiba que pode contar com a sua vigilância, com a sua atenção e com a sua confiança nas suas forças... Mas o seu filho saberá ao mesmo tempo que se exige qualquer coisa dele, isto é, ele tem que assumir responsabilidades.
A responsabilidade constitui assim o segundo traço essencial da autoridade dos pais, porque respondem pelos filhos face à sociedade e,  por outro lado, essa responsabilidade é também exigida aos filhos.

Para além das formas de autoridade errónea analisadas, M. refere ainda outras: a autoridade alegre, jovial, autoridade erudita, autoridade "bom rapaz"... Mas acontece que os pais não se preocupam em adquirir qualquer espécie de autoridade; vivem de qualquer maneira... Um dia punem o filho por um aspecto sem importância, no dia seguinte fazem-lhe uma declaração amorosa, a seguir punem de novo...
Pode também acontecer que o pai opte por um tipo de autoridade e a mãe por outro. Os filhos neste caso devem ser diplomatas e aprender a andar com rodeios entre o papá e a mamã. Acontece, enfim, simplesmente que os pais não têm qualquer atenção aos filhos e apenas pensam na sua tranquilidade.

2. Quando Makarenko escreveu O livro dos pais - Artigos sobre a educação, dirigia-se à família soviética e a uma sociedade totalitária. Podemos questionar qual a diferença em relação a outras famílias e sociedades de outros países mais democráticas, conservadoras, liberais...
Makarenko procurava chamar a atenção dos pais e da sociedade para os problemas da educação de crianças e jovens na sociedade que integrava com os problemas originados nas vicissitudes de Outubro de 1917 com o cortejo de crianças e jovens sem família, marginais, desorientados e abandonados.
O pedagogo socialista e conselheiro parental que escreve sobre a família soviética escrevia também sobre outra família qualquer, burguesa e capitalista, com as mesmas preocupações de educação dos filhos, seres humanos desenvolvidos, cultos, integrados, críticos, moralmente competentes... 

3. Não há Olimpos pedagógicos. Nem o de Rousseau, nem o de Gorki, nem o de Makarenko, nem o de Rogers ou de Skinner ou de todos os outros que conhecemos da pedagogia e da psicopedagogia mesmo daqueles que nem sequer eram "dados" na faculdade.
Insistir mais na educação baseada no colectivo ou no indivíduo é certamente discutível mas de certeza que não podemos dispensar nem uma nem a outra. Inscrevo o contributo pedagógico de Makarenko nesta perspectiva: Recompensas ou castigos devem ser vistos num contexto de motivação intrínseca. O papel do professor é fundamental e insubstituível na aprendizagem e na relação pedagógica. A educação com base na espontaneidade rousseauniana não é de todo o caminho a seguir mas também não pode ser uma camisa de forças onde o aluno seja manipulado como um autómato da aprendizagem.

__________________________

* Anton Makarenko, Oeuvres en trois volumes, Le livre des parents - Articles sur l'éducation - III, Ed. du Progrès, Moscou (“O livro dos pais - Artigos sobre a educação”). No capítulo  "Sobre autoridade dos pais" (p. 369-378) descreve vários tipos de autoridade parental e coloca a questão sobre a verdadeira autoridade dos pais e como se organiza.
 


02/07/21

Reformar e investir em educação 1





A  “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal”, de António Costa Silva * sublinha a importância estratégica do sector de educação e apresenta três temas da maior importância: a qualificação de adultos, o apoio social, o rejuvenescimento e formação de professores.

Os temas referidos no relatório relevam a melhoria das condições para a aprendizagem  como a acção social e os equipamentos ...  

 

Não podemos continuar com políticas de remendos levadas a cabo pelos diversos ministérios de educação, de várias cores políticas, ao sabor de projectos envoltos em controvérsia do ponto de vista das estratégias dos seus criadores e promotores. ** Pelo contrário, devemos estabelecer prioridades.  

Dito de outra forma, um programa estratégico do sector de educação deve dar relevo a três aspectos fundamentais: Educar para a inclusão, Educar para o bem-estar (M. Seligman), Educar para um mundo melhor (B. Spock)

 

1. A inclusão não é apenas o direito de todos à igualdade de educação é também o direito a uma igualdade que seja justa, sendo necessário que a máxima “todos diferentes todos iguais” possa ser aplicada a todos os alunos, de acordo com os pais e encarregados de educação, no acesso às escolas, aos cursos, às aprendizagens o que por vezes significa a necessidade de ser desigual nas estratégias, nos currículos, nos apoios educativos. Implica ainda uma articulação de todas as respostas educativas, das várias escolas, estatais, privadas, ipss, cooperativas, que respondam melhor às necessidades educativas de cada criança.   

 

2. O bem-estar (Seligman). A escola deve dar a cada aluno os instrumentos  pessoais e culturais necessários a uma vida boa  que valha a pena viver. Podemos conhecer as nossas forças e virtudes, construir relações profundas e duradouras com os outros e sermos pessoas positivas e felizes.

 

3. Educar para um mundo melhor (B. Spock)Mesmo que hoje pareça que se desmoronam  os valores da família, da escola, da sociedade, não só é possível acreditar na construção de um mundo melhor para os nossos filhos, como é, pela educação dos e para os valores, a única via para conseguir esse mundo melhor....

 

Por onde começar? Antes de tomar outras medidas, igualmente necessárias, e de que havemos de falar a seguir, há duas que deviam ter uma intervenção imediata e definitiva:

- Acabar, de uma vez por todas, com o amianto nas escolas.

- Instalar sistemas de climatização nas escolas para acabar com o frio e calor excessivos permitindo condições de trabalho na sala de  aula. Não é razoável, todos os anos, vermos alunos e professores, no Inverno,  enregelados por falta de aquecimento nas salas onde, no Verão,  é impossível permanecer com o calor que se faz sentir. Este problema é mais premente nas regiões do interior onde as amplitudes térmicas são mais extremas.

 

A importância estratégica do investimento em  educação reflecte-se no desenvolvimento   individual mas também social. Mais e melhor educação significa mais e melhor produção, mais produtividade, melhor ambiente social e convivência social, menos criminalidade, mais qualidade de vida.

 

Boas férias e até Setembro. 

 


___________________

* Segundo a Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030, pag 79-80, "Face a tudo isto e também a algumas fragilidades que o sistema de ensino e de investigação nacional ainda tem, é importante o Plano de Recuperação Económica considerar os seguintes investimentos
Programa de qualificação de adultos
Reforço dos programas de qualificação de adultos visando generalizar o nível secundário, nas dimensões escolar e profissional e alargar a formação profissional pós-secundária, promovendo a articulação entre escolas, instituições do ensino superior, centros de formação profissional, empresas e administração pública central e local.
Programa de apoio social a estudantes em todos os graus de ensino
Aumentar o investimento nos programas de ação social para os ensinos básico, secundário e superior, para estimular e assegurar o acesso ao ensino das crianças e jovens de famílias mais carenciadas, e contrariar a tendência para o abandono e diminuição de estudantes que se revela em cada crise económica e social.
Investir na requalificação e modernização da rede de escolas e de centros de formação profissional, com vários objetivos. Em primeiro lugar, corrigindo localizações segregadas que comprometem o futuro dos jovens que as frequentam. Em segundo lugar, melhorando as condições de trabalho e estudo nos edifícios onde tal for necessário e ampliando o leque de valências disponibilizadas. Finalmente, modernizando as infraestruturas tecnológicas de educação e formação, sempre que obsoletas. A gestão de todo este investimento deveria contar com a participação ativa das autarquias e das empresas.
Programa de rejuvenescimento do corpo docente e de formação de professores
Investir num programa de reformas antecipadas negociadas com os professores mais idosos e alargar o recrutamento de novos professores jovens. O programa deveria ser de adesão voluntária e os modos de acesso à carreira pelos novos docentes deveriam ser revistos. Reformar e financiar o sistema de formação de professores em todos os domínios: na formação de base, na formação em exercício e na formação contínua. O programa deveria ser desenvolvido em negociação com as instituições do ensino superior implicadas na formação de professores, num tempo curto, para poder ter efeitos no processo de rejuvenescimento do corpo docente, assegurando que esse rejuvenescimento seria também um momento de requalificação da profissão."















01/06/21

Hoje, dia da Criança, se eu fosse presidente...

Gérard Lenormand - Si j'étais président


...

"Mas não contem comigo para fazer política

Não é necessário ser Presidente, para amar as crianças"

02/07/20

Robinson Crusoé e a nova censura

Título de edição original: The Life and Strange Adventures of Robinson Crusoe, of York, Mariner.
Versão portuguesa segundo a tradução do séc. XiX, de Pinheiro Chagas, condensada e actualizada pelos serviços Editoriais da Editorial Verbo.
Capa e ilustrações de Augusto Trigo.



1. Em 1 de Fevereiro de 1709, Alexander Selkirk foi resgatado numa ilha deserta depois de um naufrágio. A sua história serviu de inspiração a Daniel Defoe para escrever o livro Robinson Crusoe.
O livro Robinson Crusoé fez 300 anos em 2019. Foi publicado originalmente em 1719 no Reino Unido.
Faz parte do Plano Nacional de Leitura, e é aconselhado ao 6.º ano, o que "demonstra a importância e universalidade da sua prosa, que tem resistido ao desgaste do tempo e das teorias literárias." (F. Ribeiro)
O livro tem inúmeras edições, foram realizados diversos filmes sobre o tema. Continua a ser de leitura generalizada, a surgirem as versões mais diversas no cinema....
Interessa-me principalmente como livro didáctico e exemplo de sobrevivência.

2. Em resumo, Robinson Crusoé era um jovem inglês, que tinha o sonho de ser marinheiro, partir num navio e visitar vários países. Apesar de ser contrariado pelos pais que queriam que ele fosse advogado, um dia resolve embarcar.
O seu navio é apanhado por uma tempestade, naufraga e fica encalhado numa ilha. Toda a tripulação morre excepto o jovem Crusoé. Começa por ir buscar mantimentos ao navio naufragado. Constrói uma cabana de madeira, fez carvão, plantou cereais a partir de grãos que havia no navio, construiu barcas, fez ferramentas, mesa, cadeira e tudo o que mais precisava para o seu uso. Um dia descobriu uma tribo de canibais, e destes canibais, ele conseguiu educar um. Deu-lhe o nome de Sexta-Feira (assim chamado em razão do dia da semana que foi salvo). A princípio, trata-o como escravo mas aos poucos encontra um amigo. Robinson, depois de cerca de vinte e oito anos, e após a chegada de um navio inglês, ele e Sexta-Feira, rumaram a Inglaterra. (Wikipedia)

3. Aquilo que podia ser uma efeméride normal, passou a ser mais um assunto do quadro actual de controvérsia que surge sobre tudo o que não seja considerado sem mácula pela ideologia dos patrulheiros do politicamente correcto.
Uma censura terrível tomou conta da sociedade que não é capaz de tomar medidas contra os revisionistas da história. A passividade com que tudo isto é aceite deixa-nos uma grande apreensão.
Tivemos um "pequeno" exemplo na vandalização de algumas estátuas* que pouco ou nada tinham a ver com aquilo que dizem defender: o antirracismo.

4. Fernando Ribeiro, do grupo musical  Moonspell define bem a actual situação no texto "Deixem o Robinson em paz!", (9 mai 2019): "O livro Robinson Crusoé faz 300 anos. Parabéns a você. É um dos meus livros de cabeceira. Li-o quando era jovem, e reli-o inúmeras vezes já adulto, em outros contextos e alturas."
Cada um de nós poderá dizer o mesmo dos livros de que gostou** e que o espírito revisionista que inunda as redes sociais e a comunicação social classifica de racista, colonialista, etc., e é necessário colocar as coisas no tempo e no modo em que tudo sempre aconteceu e acontece, sem apagamentos, silêncios, revisionismo da história e das estórias.***


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* Churchill, P. António Vieira...
**  Como o clássico "E tudo o vento levou", retirado da plataforma de streaming HBO.
*** Por exemplo a censura de género no beijo salvador d 'A Bela Adormecida ou a escola Tàber de Barcelona que retirou cerca de 200 livros – um terço do acervo, entre eles “O Capuchinho Vermelho” e “A Bela Adormecida” – por achar que transmitem valores “tóxicos” às crianças.




   

26/12/19

A colaboração Família-Escola

Têm vindo a ser assinaladas divergências  entre pais e professores sobre a escola. O tempo de permanência dos alunos na escola é uma delas (estudo da Universidade Católica)
Por outro lado, devido aos casos  de indisciplina e violência que têm acontecido nas escolas com mais frequência* do que o habitual, talvez devido a maior visibilidade ou à preocupação dos educadores, que dá relevo a este tipo de situações, transmite-se muitas vezes a ideia de que  a família educa e a escola ensina ou instrui.
Não me parece que faça sentido esta separação sobretudo na prática quotidiana da escola e da família.
Educar é função fundamental da escola e não apenas da família. Além disso, para educar, escola e família não são demais. Como diz o provérbio africano: “é necessário toda a aldeia para educar uma criança”.
É certo que a família perdeu o monopólio da educação e formação. Mas a família continua a fazer parte imprescindível da educação das crianças juntamente com a escola.
Também há professores que têm a expectativa de  que os filhos sejam educados e venham educados de  casa, que saibam portar-se na sala de aula, que saibam portar-se na à mesa,  que sejam capazes de interagir com os colegas sem encontrões, gritaria, correrias…

Partindo do princípio que a família deve ter um papel insubstituível  a desempenhar na educação dos filhos, temos que nos interrogar sobre que família estamos a falar. A realidade mostra-nos uma família diferente do passado. Actualmente, na família, parece que já ninguém encontra o seu lugar.
Há muitas crianças que não vivem em família mas em instituições. Há crianças que vivem em famílias maltratantes e violentas e a exposição à violência física e psicológica faz parte do seu quotidiano e da sua aprendizagem.
Há crianças que são abusadas sexualmente e sabemos que esse abuso é maioritariamente dentro da família.
Há crianças que vivem em famílias disfuncionais em que os pais não se entendem em relação ao essencial necessário aos filhos: o afecto.
Há crianças que  vivem com os avós ou outros parentes como recurso às dificuldades dos pais devido ao trabalho, à emigração…
Há crianças que vivem divididas entre a casa do pai e a casa da mãe e não são bem aceites num lado e no outro e muitas vezes são instrumentalizadas para favorecer e tomarem o partido de um ou outro.
Há crianças que são filhas de pai incógnito (aqui e aqui), que era uma coisa impensável depois do 25 de Abril.
Há crianças com dificuldades de toda a ordem…
Então quando dizemos que a criança vem educada de casa de que estamos a falar? O professor não foi contratado para educar mas para ensinar e instruir?
O que fazemos quando há crianças que têm à sua disposição apenas as suas competências para fazerem frente à vida hostil ou de dificuldades em que vivem e para as quais é muitas vezes na escola que encontram algum afecto e compreensão para as suas necessidades?
As instituições educativas intervêm desde muito cedo na escola. Muitas crianças passam grande parte da sua a vida desde pequenas na creche e depois jardim de infância
Passam muito mais tempo na escola do que em  família, ou seja, muitas aprendizagens são realizadas na escola: autonomia pessoal como vestir-se, alimentar-se, fazer a higiene, controlar esfíncteres, aprender a coordenação motora global e finaaprender a falar e comunicar, etc.
A aprendizagem da afectividade e da sexualidade, da interacção com os outros, da moralidade, da participação na sociedade não são apenas da família nem apenas da escola mas de toda a comunidade educativa.
Alem disso há que contar com  as aprendizagens dos pares e dos media que hoje têm à disposição como a internet.
 
Diez * descreve algumas formas de colaboração entre a família e a escola e dos aspectos mais específicos da escola ou da família.  Já aqui escrevi sobre o assunto. Há uma educação específica dos pais e a escola deve desempenhar também uma educação específica nos diversos programas do currículo, mas há também aspectos comuns, e é sempre  difícil estabelecer limites para a actuação de cada uma delas, como é o caso da 
- Educação corporal,
- Educação intelectual,
- Educação da afectividade,
- Educação da expressão,
- Educação para a liberdade,
- Educação para a vida comunitária.
Mesmo que alguma destas áreas não faça parte do currículo formal não podem ser excluídas do currículo escolar, informal, ou oculto.
Escola e família, cada uma delas tem áreas específicas de actuação mas ambas educam e ambas ensinam. O sucesso educativo, a não violência e a disciplina, dependem desta colaboração.
_______________________________________
* Diez, J.J., Familia – escola , uma relação vital, Porto editora, Porto, 1989.



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23/11/16

"Construção louca"

 

Por volta dos 6 anos de idade, as crianças manifestam comportamentos que, ao contrário de se considerarem de indisciplina ou desorganização, são momentos de uma relação de qualidade com os pais ou avós.
O mais velho (6;7) que iniciou a escolaridade este ano, toma a iniciativa da brincadeira criando o que chama de “construção louca” ou seja, o local da brincadeira feito com todas as almofadas que se encontram na sala, uma “montanha” de almofadas, para onde irá saltar, de diversos sítios e com diversas “acrobacias”…
É uma actividade onde as habilidades psicomotoras são testadas e nos obriga a avisar “cuidado”, várias vezes, com os saltos mais ou menos arriscados que realiza, e com a dúvida se não será melhor acabar com aquela brincadeira. Claro que não mas deve dizer-se que é necessária alguma supervisão para não deixar objectos, como brinquedos inofensivos, que naquelas circunstâncias, se podem tornar perigosos que podem magoar quando salta para a "construção", como na foto.
A segurança da brincadeira torna-se mais sensível quando a irmã mais nova (2;3) também resolve imitar o irmão e entrar na brincadeira.

Aos seis anos de idade, a criança está em franco desenvolvimento físico, psicológico e emocional.
Um dos grandes psicólogos do desenvolvimento, Arnold Gesell *, continua a ser uma referência na descrição minuciosa do comportamento da criança
Gesell diz-nos que aos seis anos, submetida à mais leve tensão, a criança tende para comportamentos extremos, sempre que tenta servir-se dos seus actuais recursos.
As suas novas possibilidades de comportamento parecem surgir nela aos pares. Sente-se muitas vezes compelida a manifestar, primeiro, um dos extremos de dois comportamentos alternativos e depois logo a seguir o comportamento precisamente contrário (p. 97)

“A auto-activação dramática é simultaneamente um método de crescimento e de aprendizagem. É um mecanismo natural mediante o qual a criança organiza a sua maneira de sentir e de pensar. Mas a tarefa é grande demais para ela só. A escola é o instrumento cultural que deve ajudá-la a alargar e a apurar as suas autoprojecções dramáticas. Instintivamente a criança identifica-se com tudo o que acontece à volta dela e até com as figuras e as letras do seu livro e os números escritos no quadro. Assim como precisa de pegar num bloco e manuseá-lo para ficar a conhecer-lhe as propriedades, assim carece também de projectar as suas atitudes mentais e motoras em situações da vida. As emoções não são forças amorfas; são experiências esquematizadas. A função da escola é a de lhe fornecer experiências pessoais e culturais que organizem simultaneamente as emoções em desenvolvimento e as imagens intelectuais a elas associadas.” (p. 100)

“Os seis anos é uma idade activa, a criança encontra-se numa actividade quase constante, quer seja de pé quer sentada. Parece que anda a equilibrar conscientemente o corpo no espaço. Está em toda a parte - ou anda a trepar às árvores ou a arrastar-se de gatas por cima, por baixo e à roda das suas grandes construções de blocos ou das outras crianças. Parece que é toda ela braços e pernas, quando vai a dançar pela casa fora.” (p. 104)
A criança está a iniciar uma grande mudança cognitiva: o período das operações concretas (Piaget). O seu pensamento vai adquirir uma das ferramentas mais importantes de que poderá dispor – a reversibilidade. A lógica vai entrar na solução dos problemas da sua vida.
Estas actividades e comportamentos fazem parte desse desenvolvimento. Por isso, não faz sentido que sejam reprimidos e muito menos sujeitos a castigos, quando ficamos com a casa virada do avesso ou chegamos a casa cansados do trabalho.
______________________________
* Gesell, A., A criança dos 5 aos 10 anos, D. Quixote.

11/04/16

As minhas serigrafias: Eurico Gonçalves


Eurico Gonçalves - Luz Oblíqua

Técnica: Serigrafia
Suporte: Papel Fabriano D5 GF 210g; Dimensão da Mancha: 41,7x31 cm ; Dimensão do Suporte: 70x50 cm
N.º de cores: 10
Data: 1995
Nº de Exemplar: 43/200


Biografia
Nasceu em 1932, em Abragão, Penafiel. Exercendo a sua actividade sobretudo na área da pintura, é também professor e crítico de arte, membro da A.I.C.A.. Neste âmbito, tem publicado vários artigos que versam sobre temáticas como a Expressão Plástica das Crianças, o Dadaísmo, a Filosofia Zen ou a Escrita. Em Paris, foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, entre 1966 e 1969. Em 1971 recebeu uma Menção Honrosa do Prémio Crítica de Arte Portuguesa, pela Soquil. Entre 1972 e 1992, foi membro dos Corpos Directivos da S.N.B.A (Sociedade Nacional de Belas Artes) e actualmente é membro da A.I.C.A. (Associação Internacional de Críticos de Arte). Em 1998 recebeu o Prémio Almada Negreiros e, em 2005, o Grande Prémio da Bienal de Vila Nova de Cerveira. Autor dos livros: Narrativas de Sonhos e Textos Automáticos (1950-51), editado pelo CPS, 1995; A Pintura das Crianças e Nós - Pais, Professores e Educadores, 1978; A Arte Descobre a Criança e a Criança Descobre a Arte (4 volumes); e Dádá-Zen/Pintura-Escrita, 2005. No seu percurso artístico, conta com uma fase inicial surrealista, originária das teorias freudianas na vertente do fantástico, evoluindo depois para um asbtraccionismo não-geométrico e gestual, que valoriza, portanto, a mancha e o traço livre e impulsivo. Esta pintura tem o intuito, como o próprio artista disse em 2003 de “reduzir-se a pouca coisa ou quase nada, em função do vazio libertador”.

 Eurico Gonçalves
Um blog sobre Eurico Gonçalves.
Eurico Gonçaves dá o seu nome a uma escola básica, merecidamente.



Foi com Eurico Gonçalves que aprendi muito sobre a expressão gráfica na infância. Com os seus livros: A arte descobre a criança  e A pintura das crianças e nós - pais, professores e educadores mas também com a sua capacidade de formador na área da expressão gráfica.
Em determinada altura da minha vida profissional, como psicólogo nos Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros (SSPCM), uma das tarefas que me competiam era a participação no projecto de organização e gestão de campos de férias e actividades de férias e, especificamente, no recrutamento e selecção de monitores de campos de férias  e na formação desses monitores. EG foi escolhido para formador da área de expressão plástica. Era deslumbrante a sua comunicação sobre a pintura moderna e a arte infantil. Era exigente com os formandos que nem sempre se esforçavam o que deviam sobre as composições que lhes eram propostas.
Foi, para mim,  um privilégio ter tido a oportunidade de ver de perto a sua forma de trabalhar como pedagogo. Estivemos no seu atelier nos Coruchéus e não me esqueço da sua empatia.