24/09/20

A liberdade de educação é uma questão de cidadania


1. As leis e convenções internacionais e a legislação portuguesa prevêem o direito à liberdade de educação. (1)

2. Desde o início da aplicação da lei de bases do sistema educativo (Lei 46/86, de 14/10) que a instabilidade curricular se tem verificado ao sabor dos governos que entram e saem conforme os resultados eleitorais ou a conjugação de forças políticas daí resultantes.
Foi o que aconteceu com a Área-escola que, em 2001, foi substancialmente alterada, com a criação de três áreas curriculares não disciplinares: Formação Cívica, Área de Projecto e Estudo Acompanhado e, depois, em 2018, novamente alterada com a “disciplina” de “cidadania e desenvolvimento”. 

3. Obviamente não está em questão a cidadania. É anedótico quando dizem que “a cidadania não é facultativa”. Pois não, não é. E é para ser exercida. E por isso mesmo é que faz todo o sentido que haja debate e contestação.

4. Tenho defendido (2) a importância da cidadania activa como um direito de todos os cidadãos, inclusive dos mais desfavorecidos que em certos casos – porque igualdade não é justiça – devem ter acesso a condições especiais de apoios económicos, educativos...

A designação de uma "disciplina" com este nome seria indiferente, não fosse o conteúdo este conjunto de temas, diverso e controverso, imposto centralmente por um governo que, como outro governo qualquer, tem uma determinada ideologia ... (3)

A cidadania é de facto  um aspecto fundamental da nossa vida democrática em que tudo é cidadania  e não apenas uma “disciplina” onde se incluiu uma amálgama de temas tão diversa como o clima ou a educação sexual...

 

5. A contestação tem a ver com a liberdade de educação e a objecção de consciência (4) face aos temas tratados.

Brevemente, vejamos alguns exemplos:

- Basta olhar para o mundo e ver o que se passa na área dos direitos humanos  e da paz em Cuba, nos EU ou na China...

Basta olhar para a visão sobre a paz defendida pelo Conselho Português para a Paz e Cooperação.

O assunto não é novo, depende de modas, lembram-se de quando havia placas na estrada que diziam concelho “livre de armas nucleares” e os pins “no nukes” ?

- As alterações climáticas antropogénicas não são assunto adquirido, embora queiram impor essa ideologia como dominadora de toda a nossa vida desde a alimentação, do bife ao abacate...

- A identidade é sem dúvida um tema importante. A começar na identidade nacional e terminar na identidade individual.

No entanto, sabemos que  subjacente à identidade de género está apenas a  ideologia de género. (5)

 

6. Um conjunto de temas não pode ser considerada em termos curriculares uma “disciplina”.

A construção do currículo é dinâmica mas esta área foi introduzida no currículo exactamente porque o poder actual (a geringonça) considerou que era importante para a sua ideologia.

 

7. Em educação, o diálogo faz sempre sentido, a crítica é fundamental e o exercício da cidadania activa não é apenas um slogan.

O produto curricular a que se chegou não  merece  outra coisa que não seja o exercício da crítica como ponto de partida para melhorar o curículo escolar.(6)

 

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(1) Art. 2° , Direito à instrução, "A ninguém pode ser negado o direito à instrução. O Estado, no exercício das funções que tem de assumir no campo da educação e do ensino, respeitará o direito dos pais a assegurar aquela educação e ensino consoante as suas convicções religiosas e filosóficas." (Protocolo adicional à Convenção de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais ) 

(2)  Há dez anos, em a resposta vem no dia seguinte  no contexto em que se encontrava a educação, a existência de uma "disciplina" de cidadania, em meu entender, não era problemática, discordando que as chamadas NAC retirassem às artes parte do horário, já de si escasso para educação visual, educação musical... Bem, mas o que não me ocorria era a involução que viria a seguir sobre alterações climáticas antropogénicas, manipulação de comportamentos de consumo e da vida pessoal, ideologia de género, etc... 

(3) No comentário à Lei de bases do sistema educativo, Eurico Lemos Pires refere que o princípio "do impedimento para o Estado de programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas "é um dos princípios constitucionais mais "ridículos", pelo que é de paradoxal e contraditório. A afirmação por exemplo de que "o Estado não está subordinado a directrizes ideológicas", é em si mesmo um paradoxo, pois a afirmação constitui já em si uma directriz ideológica..." Estes princípios "outra coisa não representam senão um conjunto de directrizes filosóficas, políticas e até religiosas (pela não confessionalidade do ensino público)... "(p.25)
 
(4) Sobre a questão da objecção de consciência ver em "Porta da Loja" : "o clube do jornalismo jacobino e progressista de toca a aviar".
(6) Se não é assim, qual é o papel dos pais e encarregados de educação? Como não terem as atitudes e acções de que fala Benjamin Spock como referi em "o povo é quem mais ordena" ?
 







21/09/20

O segundo passo

Bem-vindos a mais um ano em que espero estar convosco aqui nesta rádio (RACAB), à quinta-feira, com a minha opinião sobre os acontecimentos do quotidiano que tento compreender principalmente do ponto de vista psicológico.

 

Estamos em tempo de grandes mudanças como de resto aconteceu em outras épocas. A vida é feita de mudança e a sobrevivência depende da nossa capacidade de adaptação.

A pandemia veio destapar aquilo que já se sabia como resultado principalmente da política de cativações dos governos Costa /Centeno.

Já todos sabíamos que não era possível responder adequadamente a qualquer crise quando os serviços e equipamentos já eram  deficientes em recursos materiais e humanos com relevo para o sistema de saúde, educação e segurança social...

Acima de tudo, revelou a incapacidade de organização e gestão dos recursos: as listas de espera  cada vez maiores, agendamentos excessivamente burocráticos, teletrabalho nem sempre justificável ...

Por exemplo, sabíamos que no sector da saúde já era complicado haver respostas atempadas,  num contexto de  pandemia covid 19 tudo ficou pior. 

É verdade que os médicos, enfermeiros e restante pessoal fazem o que podem e são merecedores do nosso respeito pelo profissionalismo e humanismo que têm demonstrado.

Mas ficou pior porque a afluência à urgência, tal como o número de intrervenções diminuíram drasticamente. 

Não por serem falsas urgências mas pelo receio dos utentes e pela falta de resposta dos serviços.

Aliás, a questão das falsas urgências é  uma falsa questão.

 

A medicina e a psicologia lidam com o sofrimento do ser humano. O  sofrimento é contra a vida,  tira  o prazer da vida, e, por isso, deve ser eliminado imediatamente.

Bom, mas o sofrimento existe e,  ao contrário do que muitas vezes se diz, não é uma provação de Deus ou um castigo de Deus.

Infelizmente, muito desse sofrimento deve-se ao impasse em que vivemos ou às opções erradas que tomamos. Em vez de nos focarmos na descoberta da cura ou da vacina para a covid,  anda-se numa competição desenfreada para se saber quem é o primeiro a tê-la, quem deterá as patentes e, com isso, fará negócios de muitos milhões.

 

O homem existe para ser feliz, o sofrimento deve ser passageiro e as respostas dos que governam têm que ser rápidas para evitar esse sofrimento.

Temos duas maneiras de reagir ao nosso sofrimento e ao que se passa à nossa volta: aceitação ou resignação.

O estado de resignação significa que não há nada a fazer, a não ser ter um comportamento fatalista. A resignação leva à inacção e o organismo não reage à agressão que sofre.

Pelo contrário, pela aceitação “o doente aceita a realidade e desde logo estabelece a estratégia para combater o mal, o invasor, o problema, a desgraça."

"Quando o indivíduo não aceita a realidade entra em processo de revolta, de raiva, de ódio, de mágoa, o que são condições mentais e físicas  altamente maléficas  e extremamente prejudiciais à cura."

"A diferença gritante entre aceitação e resignação está... no passo seguinte. O resignado não tem um segundo passo. Resignou-se, parou. Aquele que aceita a realidade como ponto de partida, necessariamente dará o segundo passo e os seguintes..." (p.21)*

 

Até para a semana.


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* Lauro Trevisan, Jesus - o grande psicanalista, Dinalivro.