29/02/16

As minhas serigrafias: Teresa Ribeiro

Teresa Ribeiro - No Princípio era o Silêncio

Técnica: Serigrafia
Suporte: Papel Fabriano D5 GF 300g; Dimensão da Mancha: 39,5x49 cm; Dimensão do Suporte: 50x70 cm; 
N.º de cores: 28
Data: 2001
Nº de Exemplar: 19/200

Teresa Ribeiro - S/ Título

Técnica: Serigrafia
Suporte: Papel Fabriano D5 GF 210g; Dimensão da Mancha: 38x47,5 cm; Dimensão do Suporte: 50x70 cm;
N.º de cores: 21
Data: 1995
Nº de Exemplar: 51/200

"Nasceu em Lisboa. Estudou Artes dos Tecidos, na Escola de Artes Decorativas António Arroio e é licenciada em Design pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Orientou cursos de tapeçaria Contemporânea, na Casa da Juventude e da Cultura de Alverca do Ribatejo e no seu ateliê. Fez parte da Cooperativa de Cultura “Arte da Tapeçaria e do Têxtil” (ATT), onde participou até 1988 e é professora de Educação Visual. Está representada em Portugal e no estrangeiro em coleções públicas e privadas. É membro da Academia Internacional das Artes Contemporâneas da Bélgica e membro da Associação dos Artistas de França."

Teresa Ribeiro.

Saúde: bem-estar físico, mental e social

Tenho vindo a falar, com frequência, de felicidade. Tenho pretendido que esta minha opinião, às quintas-feiras,* seja sobretudo preventiva e, por isso, o objectivo é propor atitudes e comportamentos alternativos aos desajustados que habitualmente costumamos adoptar. É, no fundo, partir da experiência pessoal, dos momentos de tristeza e das soluções que tenho encontrado para os ultrapassar, que de algum modo pretendo partilhar com os outros.
A felicidade é o contrário da depressão, é transitória e a busca da felicidade, com as nuances que o contexto de vida vai trazendo, que muda constantemente com o desenvolvimento, a idade, o envelhecimento e as mudanças contextuais, procura caminhos que serão diferenciados conforme essas mudanças.

Perante alguns acontecimentos violentos na nossa sociedade, ficamos perplexos com a complexidade do ser humano que é capaz de se matar e de matar mesmo aqueles que era etologicamente e eticamente compreensível que protegesse, como nos casos de filicídio.
Não vale a pena fazer diagnósticos apressados sobre se se trata duma perturbação depressiva ou de outra perturbação mental uma vez que nem sequer conhecemos os casos concretos para podermos falar sobre eles. No entanto, a depressão está geralmente presente.
As estatísticas sobre a depressão são pouco animadoras. Apesar de dispormos de mais recursos do que há 50 anos, tanto a nível médico como medicamentoso, apesar de se dar mais importância ao tratamento de doenças mentais e problemas psicológicos, há qualquer coisa que não corre bem e não se está a actuar de forma a ver recuar estas estatísticas.
A taxa de suicídios cresceu 60% nos últimos 50 anos. A estimativa da Organização Mundial da Saúde é que a cada 40 segundos alguém comete suicídio. 
Apesar de a maioria dos suicidas pertencer à faixa etária acima dos 60 anos, é na faixa de 15 a 29 anos que os números mais impressionam, figurando como a segunda maior causa de morte. 
Entre as principais causas que levam uma pessoa a acabar com a própria vida estão problemas como depressão, abuso de drogas e situações temporais com forte carga emocional, como o fim de um relacionamento amoroso ou a perda do emprego. 
Se alguns factores estão bem estabelecidos, tais como doença mental e abuso de substâncias, há outros como as dificuldades económicas, que em cada caso concreto têm que ser considerados, uma vez que o suicídio acontece em todos os países com economias diferentes. Assim, por 100.000 habitantes, em 2007, a taxa padronizada de suicídio era: Lituânia - 28,41, Hungria – 21.4, Eslovénia - 18,4, Finlândia - 17,59, Letónia - 17,84, Luxemburgo - 15,36, França -14, 8 ...

Há pessoas que estão bem economicamente, têm carreiras de sucesso, passaram por situações de vida complicadas mas que apenas numa determinada altura reagem mal às situações de perda. Por exemplo, quando morre um dos progenitores a reacção é mais adaptativa do que quando falece o outro.
Apesar de ser feliz no casamento e de ter uma bem sucedida carreira científica, Lewis Wolpert, que passou por um grave episódio depressivo, só conseguia pensar em suicídio. Quando, afinal, recuperou, escreveu um livro, "Tristeza maligna: a anatomia da depressão", onde ele toma consciência do estigma associado à depressão e de como era difícil obter informações confiáveis. 
A depressão não é o único factor interno da infelicidade mas é, possivelmente, o mais destrutivo e o menos controlado dos factores que germinam dentro da própria pessoa. A depressão limita ou anula a nossa felicidade e é responsável por 15% das doenças nos países desenvolvidos. A depressão aguda é a segunda causa de doença nos Estados Unidos logo a seguir à cardiopatia isqúemica A depressão é a maior causa de incapacidade do mundo. (E. Punset, El viaje a la felicidad, p. 100)
Não podemos deixar que a tristeza maligna vença esta batalha pelo que a estratégia preventiva é o melhor caminho.
"O sofrimento deixa de ser sofrimento quando encontra um sentido." (V. Frankl)
__________________________
* Rbi/Racab - Rádio de Castelo Branco.

26/02/16

Magia na diferença


Mary Temple Grandin é uma mulher com Síndrome de Asperger, que revolucionou as práticas para o tratamento racional de animais vivos em fazendas e abatedouros.
Bacharel em Psicologia pelo Franklin Pierce College e com mestrado em Zootecnia na Universidade Estadual do Arizona, é Ph.D. em Zootecnia, desde 1989, pela Universidade de Illinois. Hoje ministra cursos na Universidade Estadual do Colorado a respeito de comportamento de rebanhos e projetos de instalação, além de prestar consultoria para a industria pecuária em manejo, instalações e cuidado de animais. Atualmente ela é a mais bem sucedida e célebre profissional norte-americana com autismo, altamente respeitada no segmento de manejo pecuário.
...
Temple tornou-se uma profissional extremamente bem-sucedida. Projeta equipamentos e instalações para a pecuária. Todos os corredores e currais que desenha são redondos, pois o gado tem mais facilidade em seguir um caminho curvo - primeiro porque, não vendo o que há no fim do caminho, fica menos assustado; segundo porque o desenho curvo aproveita o comportamento natural do animal, que é descrever círculos.
Ela faz uma analogia: com as crianças autistas é preciso agir do mesmo modo, isto é, trabalhando a favor delas, ajudando-as a descobrir e desenvolver seus talentos ocultos. Ela já escreveu mais de 400 artigos publicados em revistas científicas e periódicos especializados, tratando de manejo de rebanho, instalações e cuidados dos animais.
...
Sua mãe Eustácia, mesmo com a recomendação médica de interná-la em uma intituição psiquiátrica, insiste em proporcionar-lhe educação formal. Em uma escola para crianças superdotadas, é encorajada por seu professor de Ciências, o Dr.Carlock. Este percebe seu talento em "pensar imagens e conectá-las", e a incentiva a prosseguir sua educação em uma universidade.

21/02/16

As minhas serigrafias: Carlos Calvet

Carlos Calvet - S/Título

Técnica: Serigrafia
Suporte: Papel Fabriano D5 GF 300g ; Dimensão da Mancha: 65,5x50 cm; Dimensão do Suporte: 100x70 cm; N.º de cores: 14
Data: 1999
Nº de Exemplar: 117/200
"Nasceu em Lisboa, em 1928. Arquitecto de formação, pela ESBAP, dedica-se há mais de 50 anos à pintura, tendo igualmente praticado no campo da obra gráfica, a serigrafia, a gravura e a litografia. Fez também da fotografia um meio de expressão e chegou a experimentar o cinema. Nos anos 40 constitui o grupo “Os Surrealistas” juntamente com Mário Cesariny, Pedro Oom, Henrique Risques Pereira, António Maria Lisboa, Mário Henrique Leiria, Fernando José Francisco, Fernando Alves dos Santos e Cruzeiro Seixas. O ano de 1966 marca o início de uma nova fase: "pop metafísica", que caracteriza toda a sua obra posterior. Premiado pelo C.A.M. - Fundação Calouste Gulbenkian em 1983, tem realizado diversas exposições em Portugal e em importantes cidades internacionais tais como Tóquio, Paris, São Paulo, Chicago, Roma, Montreal, Frankfurt ou Madrid."

Carlos Calvet -1928 - 2014

18/02/16

Música e emoções

Emocionante
Radiante
Feliz
Descontraído
Pacífico 
Optimista
Alegre
Poderoso
Suave
Triste
Trágico
Nervoso
Irritado
Melancólico

Música e emoções

A música está presente durante toda a nossa vida e marca os momentos simbólicos particulares e sociais, os melhores mas também os piores. Alegra-nos ou entristece-nos conforme os sentimentos que vivemos e temos a faculdade de escolher o que queremos ouvir de acordo com esses momentos.
Quando somos crianças, a música liberta-nos do medo, numa canção de embalar ou quando passamos num local ermo e desconhecido, assobiamos para o espantar.  Ao longo da vida, a música é capaz de nos transportar para os mais diversos ambientes, com os sentimentos e emoções que eles compreendem.
“Tal como as emoções puras, a musica avoluma-se e suspira, comporta-se com violência ou sossega e nessa medida tem um comportamento tão semelhante ao das nossas emoções que muita vezes parece simboliza-las, espelhá-las, comunicá-las aos outros e, assim, libertar-nos dos múltiplos inconvenientes e imprecisões das palavras. Uma passagem musical pode fazer-nos chorar ou provocar a subida da nossa tensão arterial” *

Rachmaninoff - Concerto para piano nº. 2, Op. 18 ; 
Arthur Rubinstein, piano; Chicago Symphony Orchestra, Fritz Reiner, cond.

“As investigações mais recentes revelaram que a música ao actuar sobre o sistema nervoso central, aumenta os níveis de endorfinas, os opiáceos próprios do cérebro, assim como os de outros neurotransmissores, como a dopamina, a acetilcolina e a oxitocina. Das endorfinas descobriu-se que dão motivação e energia perante a vida, que produzem alegria e optimismo, que diminuem a dor, que contribuem para a sensação de bem estar e estimulam os sentimentos de gratidão e satisfação existencial. ** 
Qualquer expressão musical, desde os mantras ao assobio, repetidos vezes sem conta, que não nos sai da cabeça, tem essa característica fundamental de nos acalmar. O que leva a música a “encorajar a meditação é o facto de ela criar um ruído branco interior, cancelando barulhos exteriores, transformando a nossa cabeça numa caixa à prova de som".
Muitos dos rituais culturais e religiosos têm também essa finalidade. Principalmente aqueles ligados às tradições mais antigas de que temos vários exemplos nas nossas aldeias. Nesta altura do ano, “o terço cantado pelas ruas" ou a “encomendação das almas”, são disso exemplo.
No caso do terço cantado pelas ruas, a repetição da mesma música, enunciada por um grupo e repetida por um segundo grupo, as vozes masculinas, dão o sentimento de tristeza, de dor e de sofrimento que juntamente com a letra, falam da história que aconteceu há mais de 2000 anos mas que também é do tempo actual e de cada um de nós.
Nos últimos anos, temos motivos de orgulho pelo facto de terem sido reconhecidas pela Unesco como património cultural imaterial da Humanidade duas formas de expressão musical que são bem o espelho emocional da população: o fado e o cante alentejano.
Também é interessante que Idanha-a-Nova tenha sido reconhecida como a primeira localidade portuguesa a entrar no grupo de Cidades Criativas da Música.


Aproveitar estas condições e viver a música que está inscrita nas nossas raízes artísticas e culturais mais profundas será a melhor forma de exprimirmos as nossas emoções e ao mesmo tempo de podermos aproveitar dos seus efeitos terapêuticos. A música pode acalmar o coração inquieto do homem. 
___________________________
* Ackerman, Diane, Uma história natural dos sentidos, p. 218 
**  Punset , Eduardo, El viaje a la felicidad, p.215

Música da maré

Exploratorium - S. Francisco

Zadar - Croatia

"... A música pode vir das rochas, das raízes, das árvores, da chuva..." 
Diane Ackerman, Uma história natural dos sentidos.

14/02/16

Da alegria e da tristeza

A alegria, uma das cinco emoções básicas (E. Berne), é contagiante e aumenta quando compartilhada. "Quando estamos contentes, passamos esse contentamento para os outros em todos os momentos de nossa vida. É uma a dimensão espiritual da felicidade, que nos leva a compreender o nosso valor intrínseco e o papel que nos cabe neste universo. Portanto, ao aceitarmos a alegria, tomamos a decisão de "seguir com o fluxo" de sermos gratos pela vida e por todos os desafios e oportunidades que ela nos traz… (Osho)
Periodicamente, temos no calendário festas como o carnaval, supostamente um tempo de divertimento e alegria. E, estranhamente, ou talvez não, à mistura com a alegria vêm os excessos comportamentais que normalmente desembocam em violência. Como vemos/lemos na comunicação social, é, aliás, nestes acontecimentos festivos, desportivos, musicais, que há quem acabe por viver esses momentos com violência.

Não são diferentes, no entanto, de qualquer outro projecto humano: onde quer que estejam presentes as emoções que se encontram no nosso cérebro mais antigo, o cérebro reptiliano (Punset, p. 68).

Como sabemos, no campo das emoções, podemos ser facilmente presas de condicionamentos e reacções inconscientes ao medo, contaminando, assim, a multidão de comportamentos aparentemente racionais (p. 90)
As emoções, tomam caminhos muito directos quando se trata de comportamentos aditivos - tabaco, bebida, droga - mas percorrem um caminho mais tortuoso quando se trata das advertências “não fumes”, "não te drogues”, “não bebas demasiado" (p. 91).
De facto respondemos de forma automática quando tomamos decisões; e isto é difícil de reprimir, porque as emoções podem estar programadas com uma carga negativa que podem ser o resultado de emoções específicas da infância
As emoções são incontroláveis mas não podemos dizer que são irracionais e imprevisíveis. Elas estão ligadas à nossa mente cognitiva e participam das nossas decisões, outra coisa é a impossibilidade de evitar as emoções, a dificuldade de as controlar e de as reprogramar conscientemente (p.91-92). A dificuldade está em gerir a vida emocional, às vezes autêntico vendaval emocional.
“A felicidade é transitória e efémera, pelo que o primeiro a chegar à meta da infelicidade será aquele que pretende ser feliz continuamente.”(p. 101)
Sempre, em todas as sociedades, houve quem quisesse organizar a felicidade através dos mais diversos eventos: o carnaval * e todo o tipo de festas e festivais, onde se procura que as pessoas sejam felizes, seja a que preço for.
Estes atalhos para a felicidade (cap. 7, p. 201 e seg.) fazem-nos pensar que os factores determinantes da felicidade são as causas externas. Mas está claro que há muitos factores internos que levam a desbaratar a felicidade, como o medo, não aceitar o carácter efémero da felicidade, preconceitos enraizados que distorcem a realidade, a perda de controlo, os fluxos hormonais…
A felicidade e a alegria podem, afinal não estar nestes momentos organizados e, a nossa capacidade de resistência ao stress e às circunstancias desfavoráveis da vida tornar mais difícil a nossa capacidade de adaptação e entrarmos na espiral descendente de tristeza, fadiga e apatia. (Alex Korb).
Convém não esquecer que a felicidade é uma emoção transitória e que em grande parte depende de nós próprios.
_____________________
* A este propósito, muito interessante e contra a corrente, pelo menos de algum poder pródigo autárquico, o Editorial de Clara F. Alves, Expresso, «Pluma Caprichosa» - «Carnavais» - "A tradição da alegria obrigatória só contribui para a melancolia pecuniária. E não, o carnaval não é um direito dos trabalhadores".

11/02/16

As minhas serigrafias: Michael Barrett

Michael Barrett - O Palhaço

Técnica: Serigrafia
Suporte: Papel Fabriano D5 GF 300g; Dimensão da Mancha: 38x45,5 cm; Dimensão do Suporte: 50x70 cm; N.º de cores: 28;
Data: 2000
Nº de Exemplar: 105/200

"Michael Barrett (1926-2004), nasceu em Paris, contudo foi em Lisboa que se fixou, tendo aí descoberto o seu amor pela arte. Cascais, Figueira da Foz e Aveiro foram porventura os seus temas prediletos, a par com Fernando Pessoa. As influências impressionistas e expressionistas, a par da sua admiração por Matisse, definiram-lhe um estilo peculiar, revelado na excelência da sua obra... "


Trabalhar como se não houvesse ministro da educação



"Ouvimos o Conselho Nacional de Educação mas quem governa somos nós" . Dito de outra maneira: "quem manda aqui sou eu", que é a maneira mais fraca do poder ser autoridade.

O parecer do CNE de facto é apenas um parecer não vinculativo e tem o valor que tem. Face ao que estava em discussão e tinha que ser decidido mereceria mais ponderação. Mas isso é coisa que pouco interessa quando se tem uma agenda ideológica mesmo que profundamente errónea.

O mesmo se passa, agora, com o parecer do Conselho de Escolas.
Conselho das Escolas quer a continuação do exame do 6º ano e provas de aferição só nos 4º e 8º anos.
"Crítico e, afinal, com uma perspetiva contrária à defendida pelo ministro Tiago Brandão Rodrigues em relação ao fim dos exames. É este o tom do parecer do Conselho das Escolas (CE) em relação ao novo modelo de avaliação do ensino básico. O órgão consultivo do Ministério da Educação (ME) defende a manutenção dos exames do 6.º ano e provas de aferição só nos 4.º e 8.º anos. No parecer, feito a pedido da própria tutela e aprovado ontem, o órgão que representa as escolas mostra-se contra a aplicação das alterações já neste ano."

Costumava dizer, com a minha equipa de trabalho, quando ainda estava no activo: "vamos trabalhar como se não houvesse ministro da educação".  E foi assim durante muitos anos e passaram  dezenas de ministros da educação e secretários de estado da mesma, alguns de que, felizmente, nem sequer lembro do nome...
Nunca este moto teve tanta razão de ser. Já percebemos que o que aí vem não é bonito para quem tem da educação outra visão que não seja agradar às massas. 
Entradas de leão... vamos ver naquilo que dão.

09/02/16

Assim começa o mundo plástico da criança

J. - 1;5 (26) - Garatuja


"As garatujas são traçados espiralados e incontrolados que a criança executa apenas dominada pelos seus impulsos instintivos e segundo as suas possibilidades psicomotoras. É o prazer de riscar que ela experimenta sobre qualquer superfície lisa: parede, papel, chão ou mesa. Em regra, utiliza lápis, giz, carvão, lápis pastel ou de cera, o que encontra à mão. A folha de papel deve ser de grande formato, a fim de lhe permitir movimentos largos do braço e do antebraço. A criança terá assim uma maior sensação de liberdade, pois não pode executar com a mão movimentos mais curtos e minuciosos. Grandes e grossos pincéis redondos carregados de tinta, que deslizam facilmente sobre a folha de papel, são, por isso preferíveis aos lápis de cor que sendo mais duros podem romper o papel, além de dificultarem o movimento livre do braço, do antebraço e da mão. Assim, a criança traça turbilhões ou aglomerados de cor, sem se preocupar muito com a relação cromática, mas apenas movida pelo prazer que essa nova experiência representa para ela." 
Eurico Gonçalves, (1976), A Pintura das Crianças e Nós, Pais, Professores, Educadores, Porto Editora, p. 20

07/02/16

Hoje apetece-me ouvir: Debussy

La cathédrale engloutie, de Debussy


... e ler Jorge de Sena,

«La cathédrale engloutie, de Debussy»

Creio que nunca perdoarei o que me fez esta música.
Eu nada sabia de poesia, de literatura, e o piano
era, para mim, sem distinção entre a Viúva Alegre e Mozart,
o grande futuro paralelo a tudo o que eu seria
para satisfação dos meus parentes todos. Mesmo a Música,
eles achavam-na demais, imprópria de um rapaz
que era pretendido igual a todos eles: alto ou baixo funcionário público,
civil ou militar. Eu lia muito, é certo. Lera
o Ponson du Terrail, o Campos Júnior, o Verne e o Salgari,
e o Eça e o Pascoaes. E lera também
nuns caderninhos que me eram permitidos porque aperfeiçoavam o francês,
e a Livraria Larousse editava para crianças mais novas do que eu era,
a história da catedral de Ys submersa nas águas.

Um dia, no rádio Pilot da minha Avó, ouvi
uma série de acordes aquáticos, que os pedais faziam pensativos,
mas cujas dissonâncias eram a imagem tremulante
daquelas fendas ténues que na vida,
na minha e na dos outros, ou havia ou faltavam.
Foi como se as águas se me abrissem para ouvir os sinos,
os cânticos, e o eco das abóbadas, e ver as altas torres
sobre que as ondas glaucas se espumavam tranquilas.
Nas naves povoadas de limos e de anémonas, vi que perpassavam
almas penadas como as do Marão e que eu temia
em todos os estalidos e cantos escuros da casa.
 ...
31/12/1964

O poema completo está em
Arte de Música, 1968, Jorge de Sena, Obras completas, Antologia Poética, ed. Jorge Fazenda Lourenço, Guimarães, p. 155

06/02/16

Orçamento «tira do "lete" e põe no "caféi"»

Há várias formas de austeridade. Como já aqui escrevi, por diversas vezes, há uma austeridade virtuosa, a da sobriedade, a de um mundo sustentável, que devia ser a de todos, as famílias e países.
Se bem me lembro, num programa "prós e contras" sobre a austeridade foi perguntado a um pescador que estava na assistência o que pensava sobre austeridade, e a resposta resumiu aquilo que muitos portugueses pensam e praticam: "na minha casa sempre houve austeridade".

Aumentar impostos para sustentar, reverter, o consumismo, supondo que leva ao fim da austeridade, é mera ilusão alimentada pelo populismo que há-de dar votos. Essa palavra horrível - austeridade - por artes mágicas, tipo "bater o pé a Bruxelas", "exigir", "ser mau aluno", "não pagamos"... pode desaparecer com um orçamento que cumpra as promessas feitas a todos, aos assinantes da posição conjunta e ao conjunto da Comissão Europeia, aos que (con)correm por dentro e aos que olham de fora, desde que o mágico-chefe diga as palavras certas: "vamos mudar de página, acabou a austeridade".

Então, oh maravilha, os aumentos de impostos, as taxas, deixam de ser penalizadoras, e, com alegria, sentimos que, finalmente, o poder protege os mais fracos, mas ao sabor do seu gosto pessoal, chamado "recomposição fiscal": tira imposto de um lado e põe imposto no outro, tira o iva da restauração e põe no imposto de selo das transacções bancárias, tira o corte de salários da função pública e aumenta na gasolina, no iuc e no imposto automóvel, tira o iva de 23% do hamburger com batatas fritas mas deixa-o ficar na água com gás...

É, afinal, um orçamento clássico da dita esquerda, tirar a uns, os ricos, para dar a outros, os pobres? Nem por isso; agora dá a uns com uma mão e tira dos mesmos (a classe média, seja lá o que isso for) com a outra.

É o orçamento «tira do "lete" e põe no "caféi"». Como no tempo em que a Ana Faria "brincava aos clássicos" e os Queijinhos Frescos cantavam:
"Onde tás ó Zéi / Vem estudar p'raqui / Estou no balancéi / E a lição já liiii / E o que fizeste ao 'i'? / Tirei-o do 'lete' e 'púzio' no 'caféi'!"


03/02/16

Perdoar

Foi noticiado que um individuo de quarenta anos, começou a ser julgado nesta segunda-feira por violar, assassinar e atirar o corpo de uma idosa para o interior de um caixote do lixo público. 
Todos os crimes são horríveis. No entanto, poderíamos pensar que os seres humanos não seriam capazes de ultrapassar os limites da vida humana, com a agravante de as vítimas serem pessoas mais frágeis, como é o caso de crianças e idosos. Na realidade o ser humano, por ser humano, é capaz de cometer esses crimes quer agindo individualmente quer em grupo. 
Por outro lado, na mesma notícia confrontamo-nos, nesta situação e em muitas outras, com comportamentos verbalmente violentos dos que querem vingar a vítima.
Compreende-se a indignação  e o desejo de vingança dos familiares das vítimas e da opinião pública que, em geral, tem o sentimento de que não se faz justiça. Ficamos incomodados, em particular, nos casos de homicídio, quer porque as penas são demasiado leves, quer porque os criminosos muitas vezes têm antecedentes e continuam com padrões de comportamentos violentos, não se arrependem, não pedem desculpa, não fazem a restituição e reparação do que ainda pode ser reparado…
Tudo isso deve ser analisado, mas, na realidade, o que nos acontece é que nos fixamos “nas recordações negativas, em pensamentos negativos, frequentes e intensos sobre o passado … e estes pensamentos tornam impossível a serenidade e a paz. “ (Seligman, Felicidade autêntica, p.104)
Muitas pessoas agarram-se aos pensamentos amargos sobre o passado e isso pode levar ao caminho de vingança, de retaliação, do olho por olho… 
No entanto, o perdão tem vantagens positivas ao transformar a amargura em neutralidade e até em recordações de satisfação com a vida.

O fraco jamais perdoa: o perdão é uma das características do forte.... Frase de Mahatma Gandhi.É possível aprendermos a perdoar. 
O psicólogo Everett Worthington recebeu um telefonema do irmão a informar que a mãe tinha sido assassinada. A sua mãe já idosa fora espancada até à morte com uma barra de ferro e um bastão de basebol. Não vou referir mais pormenores. 
Após o assassinato de sua mãe, interessou-se pelo estudo da relação entre o perdão e outras virtudes, tais como justiça, misericórdia, humildade e auto-controle.
Para Everett, o "perdão emocional" substitui as emoções negativas por sentimentos positivos como a compaixão e empatia. O perdão emocional também nos impede de ruminar sobre o mal que nos foi feito, ruminação que pode ser prejudicial e desenvolver problemas de saúde mental, incluindo perturbação obsessivo-compulsiva, ansiedade e depressão. 
Everett desenvolveu um programa de cinco etapas chamado REACH que são as iniciais de recordação, empatia, altruísmo , comprometer-se e sustentar o perdão:
- recordar a dor que nos foi causada da forma mais objectiva possível;
- tentar compreender o ponto de vista do criminoso e porque é que essa pessoa nos magoou;
- pensar sobre alguma vez em que tenhamos sido perdoados por algo que fizemos errado;
 -comprometer-se consigo próprio e perdoar publicamente;
- perdoar não significa apagar a dor, mas lembrar-se de que fizemos a escolha de perdoar.

Perdoar é um processo psicológico difícil de conseguir mas, tal como foi testado neste programa, tem resultados positivos para a nossa vida, a nível físico e psicológico.
Perdoar, como dizia Gandhi, é característica dos fortes.