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02/06/24

Activas, proactivas, hiperactivas


A grande maioria das crianças são activas e nascem com competências motoras, cognitivas e emocionais que lhes permitem um desenvolvimento saudável. Esta é a constatação de psicólogos, educadores e pais na relação com as crianças. E sabemos que cada criança procura responder à interação com os adultos e com o meio, explorando tudo o que está à sua volta, primeiro o seu corpo e o da mãe e a pouco e pouco vai explorando tudo o que consegue tocar.

Todos os pais têm experiência do que acontece quando os filhos começam a andar e o que acontece às tomada eléctricas, às gavetas das mesas, às tralhas da casa de banho, em que a curiosidade e a proactividade fazem parte dos comportamentos da criança... enquanto está acordada.
Essa actividade e proactividade são fundamentais para o desenvolvimento da criança. Aliás sabemos que quando estão muito sossegadas é porque se passa alguma coisa.
Segundo Bion há três emoções fundamentais: Amor, ódio e epistemofilia. A criança, e os adultos, querem conhecer o que se passa no ambiente à sua volta.

Acontece que em confronto com as exigências da sociedade, em especial da escola, muitas crianças têm dificuldade em controlar alguns comportamentos motores e não estão facilmente adaptadas às condições e ao currículo que é suposto elas terem na escola. (1)
Acontece até que alguns comportamentos ultrapassam os limites das relações saudáveis com os colegas e com os professores.
Conhecemos casos de violência que não era suposto existirem na escola actual que se supõe ser mais evoluída do que a escola do passado.

De facto, nem sempre assim foi, e, antes, a autoridade e o poder do professor faziam com que as crianças fossem mais controladas. Claro que muito deste controle era um controlo exterior.
Com a "escola para todos", começaram a aparecer mais casos de comportamentos disruptivos.
Alguns podem configurar doenças, embora seja discutível como se chega a alguns diagnósticos como no caso das perturbações psicológicas. (2)
Bem sei que temos critérios para classificação dessas doenças referidos pelo Manual de diagnóstico e estatística de perturbações mentais – DSM - que já vai na 5ª edição. 

A perturbação de hiperactividade com défice de atenção (PHDA) afecta cerca de 5% a 15% das crianças
Na Carolina do Norte foram diagnosticados 14% dos rapazes enquanto na Califórnia os casos ficaram nos 7%. (C. Gonzalez, Crescer Juntos, p.144)
Entretanto, muitos especialistas acreditam que a perturbação de hiperactividade é sobrediagnosticada, em grande parte porque os critérios são aplicados de forma imprecisa. 
Ora acontece que muitos destes critérios são avaliados em questionários, como a Escala de Conners, e respondidos por pais e por professores, o que revela um elevado grau de subjectividade nas respostas que são dadas.

Também não é de espantar que a idade da criança seja um factor a considerar. Quanto mais nova a criança mais instabilidade apresenta, ou seja, quanto mais maturação neurológica menos hiperactividade.

Ora se concordarmos que se trata de uma doença, só em casos verdadeiramente excepcionais devia haver medicação. (3) 
Há muito a fazer antes disso: Se as crianças tiverem mais actividade começarão a apresentar menos hiperactividade.

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(1) "... há crianças muito calmas e há crianças muitíssimo irrequietas, difíceis de controlar. Alguns estudos sugerem que uma em cada dez crianças é muito difícil de educar, por irrequietude, mas apenas uma em trinta virá, no futuro, a apresentar hiperactividade." («Crianças pré escolares "supra activas"» Centro Distrital de Desenvolvimento da Criança, Hospital Amato Lusitano)

(2) Sobre «O conceito de "doença" (C. González, Crescer Juntos, p. 145 a p. 151). «O campo da psiquiatria é particularmente propenso ao surgimento de doenças »; «... a hiperactividade é precisamente uma das doenças "inventadas" (ou pelo menos enormemente exageradas)...»

(3) Há opiniões que consideram que a medicação é a primeira opção (idem, p.154). Porém, desde há  muito, se defende o contrário.  Eduardo Sá: "As crianças excessivamente medicadas estão em perigo e deviam ser protegidas pelas comissões (de proteção de crianças e jovens) tal como as outras". (Jornal do Fundão, 12-6-2008)


27/09/23

Memória e internet - o "efeito google" *


A nossa memória é fascinante. Ela acompanha-nos desde sempre. É a memoria filogenética. Vem com os nossos genes e vai sendo acrescentada e modificada pelas experiências da nossa vida, pelos estímulos ambientais, o meio físico e social, a cultura, a educação. Temos memórias únicas e pessoais que podemos recuperar sempre que quisermos, desde que não tenham sofrido alterações e perturbações. Mas esta memória está sendo confrontada (e ameaçada ?) com outra memória: a internet, o google, a inteligência artificial (IA)... Até que ponto a internet está a mudar os nossos cérebros, os processos mentais e, em particular, a nossa memória? Que efeitos poderá ter o google na nossa memória e suas consequências nos processos cognitivos? Até que ponto podemos beneficiar ou não com os assistentes digitais de memória? Será que eles mudam a nossa forma de memorizar?

Qualquer pessoa pode pesquisar um assunto, utilizando o google, pela extrema facilidade com que se obtêm respostas, mesmo que manhosas ou até erróneas. Esta facilidade tem uma vantagem: poupa-nos o esforço de aprender e recordar mas também tem um problema: a informação não é registada na nossa memória pessoal biológica e neuronal mas antes na memória externa digital e artificial.
“A navegação na internet implica uma atividade multitarefa intensiva pelo que a rede pressupõe um sistema de interrupção da atenção sustida e focalizada. Estamos constantemente a mudar de objetivos com a atenção dividida e a controlar a interferência de estímulos.” (Emilio García García (2022), Memória - Recordar e esquecer, Biblioteca de Psicologia, p. 129)
Todos temos esta experiência: começamos a navegar e depressa deixamos os objetivos iniciais da nossa pesquisa para irmos atrás das ligações que são propostas pela internet, das sugestões que vão aparecendo no ecrã, das informações mais recentes que desfocalizam a nossa atenção e acabamos pesquisando assuntos pouco ou nada relacionados com aquilo que nos interessava e acaba numa perda de tempo,...

O cérebro digital de um computador é muito diferente do cérebro vivo de uma pessoa, assim como a memória externa e artificial é muito diferente da memória pessoal biológica. “O cérebro humano está constantemente a elaborar informação reconstruindo as memórias. Quando trazemos à memória de trabalho uma memória guardada a longo prazo, estabelecem-se novas ligações num contexto de experiência distinto e sempre novo. O cérebro que recorda já não é o mesmo que elaborou as memórias.” (p. 128)

O "efeito Google" ou "amnésia digital", é então um comportamento cada vez mais comum: o de confiar o armazenamento de dados importantes aos nossos dispositivos e à internet no lugar de guardá-los na cabeça.
O problema pode ser mais grave do que se imagina: além de recorrer à internet para guardar informações, muitas pessoas têm a impressão de que os dados online fazem parte de sua própria memória.

O mundo actual condiciona-nos a consumir uma enorme quantidade de informações, e a memória biológica não consegue lembrar-se de tudo. 
Portanto, usar essas ferramentas como um complemento pode ser de grande utilidade, mas deve ser feito com muita responsabilidade.
Ainda não podemos tirar conclusões sobre se o "efeito google" muda o nosso cérebro, como acontece com a leitura, por exemplo, mas o tempo dirá como foi esta mudança. (p. 130)



Até para a semana.

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* Hoje comemora-se o 25º aniversário do Google (1998-2023).



Rádio Castelo Branco
 

04/09/23

Jovens que gostam de música antiga


Fui ao concerto final, em 2 de setembro, dos Cursos Internacionais de Música Antiga - CIMA 2023, na Sé de Idanha-a-Velha

Não deixa de ser curioso que no meio de tanta agitação, diversidade de apelos do que está na ordem do dia, do consumo, dos media, e do vazio... haja jovens que se interessem e gostem de música antiga e que venham estudar num sítio longe dos grandes roteiros turísticos de Verão. Um grande aplauso só por isto.

"Barroco. Esta palavra vaga, de ressonâncias pejorativas, encontra-se revalorizada, nos nossos dias, sob a forma mais autêntica e mais refinada. Mais ou menos conhecida do público, antes de 1950, a música barroca tornou-se o objecto mais precioso de deleite do amador esclarecido: encontram-se contrastes inesperados, coros de anjos, timbres raros, e a indústria do disco procura nela best-sellers." (História da Música Clássica, vol I, Barroco e Classicismo, pag. 27)

Do programa fizeram parte:
Valentini, Giuseppe (1681-1753)
Hotteterre, Jacques-Martin (1674-1763)
Telemann, Georg Philipp (1681-1767)
Senaillé, Jean Baptiste (1687-1730)
Boismortier, Joseph Bodin de (1689-1755)
Monteverdi, Claudio (1567-1643)
Leclair, Jean-Marie (1697-1764)
Chedeville, Nicolas (1705-1782)
Bach, Johann Sebastian (1685-1750)
Rameau, Jean-Philippe (1683-1764)

Uma das peças apresentadas foi "Les Indes Galantes" ("Forêts paisibles") de Jean-Philippe Rameau.





06/07/23

Construir boas memórias




A nossa mente vai construindo, ao longo do tempo, memórias boas e más ou, se quisermos, positivas e negativas, da nossa vida. Há memórias que se mantêm durante muitos anos. Outras são apagadas e não fica rasto delas. 
Sem dúvida, é de relevar o papel que a memória tem na nossa saúde mental. As memórias recorrentes, involuntárias, intrusivas, perturbadoras fazem parte do quadro de sintomas da perturbação de stress pós-traumático. São memórias de vivências negativas que não nos deixam dormir, que não nos deixam viver a vida de forma activa, criativa, e que pelo seu peso perturbador exigem acompanhamento psicológico.
A emoção tem um papel crucial na construção das nossas memórias. A emoção não é o único factor que afecta a memória e não afecta apenas a memória. Mas face a um estado emocional intenso todo o sistema cognitivo (percepção, atenção, memória, raciocínio, linguagem e tomada de decisão) é afectado.

Ao relevarmos os efeitos negativos, esquecemo-nos da importância que as memórias positivas podem ter na nossa felicidade: como a memória, quando éramos pequenos, da comida feita pela avó, do cheiro das árvores da quinta, dos momentos especiais de convívio com os amigos...
É isso - as boas memórias - que faz juntar as pessoas em encontros periódicos. O encontro anual é um bom exercício de memória, como penso que são todos os encontros em que comemoramos o tempo de vida em comum, encontros de ex-militares, de ex-colegas de liceu....
Por isso, é tão importante (re)lembrar e reviver as boas memórias de tempos e espaços emocionais tão intensos, ao mesmo tempo que reforçamos a recordação dessas memórias.

Uma das boas memórias que todos sentimos passa pela música e pelo muito tempo que permanece connosco... Em Musicofilia (Oliver Sacks) vemos como mesmo quando aparecem doenças como a doença de Alzheimer, permanece a memória da música e somos capazes de a interpretar.
As memórias que mais perduram são as que estão ligadas a uma vivência emocional intensa e a música está relacionada com as emoções.

É também isso que faz juntar "Os Leões de Madina". Madina Mandinga, uma mensagem de paz e amor no meio da guerra, como atesta o Cancioneiro de Madina de que o hino da Companhia é o melhor exemplo: 
Nós somos Primavera 
Gostamos de cantar!
Nos somos juventude 
Nascemos para amar!
Nós queremos Amar
Toda a gente da terra!
Não queremos mais fome 
Não queremos mais guerra!

Boas memórias são a presença dos que se reencontraram em Tarouquela mas também a presença dos ausentes, dos lugares vazios: os que já não se sentam à mesa, os que não resistiram na caminhada, e também os que não se sabe onde estão ou nunca tiveram interesse em participar.
Como tive oportunidade de dizer, este foi um dia muito feliz para mim por ter reencontrado tanta gente boa, mesmo que esquecendo alguns dos seus nomes, que não de momentos inesquecíveis. Fui lá recordar memórias felizes e ver como as emoções tão intensas daquele tempo nos vincularam até aos 49 anos da comemoração. E, acreditem-me, interessam-me apenas essas boas memórias. Sim, o sofrimento, as separações, fizeram parte delas mas o tratamento humano que era regra naquela Companhia, relevam em relação a todos os episódios que cada um de nós tenha na sua memória mesmo que tenham sido apagados na memória dos outros. Foi um dia bonito e feliz e isso é que conta para a vida. 

Como me senti confortável com esta gente com quem partilhei aqueles momentos de 1973/74!  Como foi bom rever todos aqueles companheiros em quem sentíamos apoio e superação no esforço de todos os dias para sobrevivermos à guerra que nos roubava a juventude. 
E agora tantos anos depois, cada dia é mais uma prova de superação das dificuldades que uns vivem mais do que outros mas que também radicam lá no passado.
Como fiquei grato por me terem dado a honra, juntamente com o ex-alferes Baptista, de ter partido e partilhado o bolo de mais este aniversário!







21/06/23

Avaliar alunos e avaliar escolas

 

Se bem me lembro, foi em 2001, portanto, há 22 anos, que o governo do primeiro-ministro António Guterres e ministro da educação Júlio Pedrosa, decidiu publicar os dados dos exames nacionais, conhecidos como ranking dos exames.
Honra lhes seja feita que decidiram desocultar estes resultados porque não havia qualquer justificação para serem confidenciais ou apenas conhecidos de alguns, e, pelo contrário, deviam ser amplamente divulgados. Desde então todos os anos são publicados os dados dos exames nacionais.

Este ano, mais uma vez, com a publicação dos resultados dos exames, veio a análise e crítica a esses dados, o que é louvável, mas também a contestação à publicação dos rankings.
O actual ministro da educação, João Costa, explicou que a condição sócio-económica das escolas influencia os resultados. Para ele, os rankings são uma “operação comercial”. A mesma desvalorização vem dos sindicatos: para a FNE os resultados são “mais do mesmo” e a Fenprof considera o “ranking” uma fraude.
Neste resumo está tudo o que governo e sindicatos pensam da escola, ou seja,  na escola tudo se justifica com o estatuto socio-económico das famílias e o meio de implantação das escolas: os resultados dos alunos, os comportamentos desajustados dos alunos, a violência e o bullying, os consumos aditivos ...

Todos conhecemos a importância que a realidade socio-económica, a origem e a vida dos alunos têm nos resultados escolares e na sua vida futura... 
E então? O ranking dos exames também reflete essa realidade. Não é por isso que deixa de haver escolas com melhores resultados nos exames mesmo quando o meio é semelhante.
Mas isso importa para as famílias? Claro. Significa que se os pais puderem colocar os seus filhos noutra escola o farão sem dúvida nenhuma.

E isso deve ser importante para o ministério da educação? Claro que é, embora isso não interesse ao sr. ministro da educação.
Esta informação pode contribuir para mudar a motivação dos professores, alterar os recursos materiais e humanos, promover actividades de valorização e enriquecimento, intervir a nível das famílias juntamente com as instituições de acção social e segurança social, formar a nível das mudanças parentais e valorizar a escola, fomentar as artes, o desporto, criar pedagogias diferenciadas, férias na escola, tudo isso são projectos possíveis que podem transformar uma escola talvez com relevo no ranking dos exames.

Lamentavelmente, esta informação preciosa – os dados dos exames - parece ser desprezada pelo sr. ministro e desvalorizada pelos sindicatos.

Mas há escolas que vêem estes resultados, entre muitos outros dados, como um contributo para a avaliação da qualidade do ensino na escola - e essa foi a minha experiência em dezenas de conselhos pedagógicos em que participei - levando a alterações no currículo e na escola necessárias à introdução de planos de melhoria. 
Não, não é uma “operação comercial”. É muito mais do que isso. É também a cultura assimilada pelos alunos, a cultura de avaliação, a valorização da escola, a aprendizagem dos valores, o respeito dos professores, a devolução às famílias dos resultados do trabalho feito e o respeito pelos contribuintes.


Até para a semana.


Rádio Castelo Branco





21/11/22

“É preciso acabar com os professores com a casa às costas”

Quem faz o favor de ler algumas coisas que escrevo neste blogue sabe o que penso de António Costa. O primeiro-ministro era para mim um assunto arrumado. E não pensava  perder mais tempo com um caso arrumado.  
Porém, surge esta notícia. E não é que uma coisa que ando a dizer há tantos anos, de repente, parece que vai merecer alguma atenção da parte do poder? Finalmente, uma reforma estrutural? Já era tempo. A esperança é a última a morrer.
"Apesar do realismo destas medidas nada há a esperar em matéria de reformismo  do actual Ministério da educação, ou deste governo, durante o resto do mandato mas a esperança é a árvore frágil que tenta sobreviver a tudo, é "essa menina, que arrasta tudo consigo". (Péguy)
Transcrevo apenas um dos aspectos (Reformar e investir em educação 2da intervenção que considero necessária em matéria de educação. Uma reforma do sector da educação seria muito mais extensa. Mas já é alguma coisa face à escassez de medidas positivas neste sector.
3. Estabilização dos recursos humanos
Negociar com os sindicatos de professores o tempo de serviço de  9 A 4 M 2 D: as formas possíveis de gestão deste tempo efectuado pelos professores e que de forma nenhuma lhes pode ser sonegado.
Alterar o sistema de recrutamento e selecção de professores: terminar com a centralização dos concursos, com benefício para a redução da deslocação de professores, contra o centralismo educativo saloio e provinciano do ministério da educação: concursos de professores, parque escolar...
Número limite de turmas/professor. Não faz sentido que um professor possa leccionar 500 alunos, como um professor de TIC, por exemplo, uma vez por semana...
Técnicos especializados: psicólogos, terapeutas da fala, intérpretes de LGP, formadores/prof de LGP - eliminação da precariedade e entrada no quadro após 3 anos de serviço efectivo.
A gestão estratégica dos recursos humanos da educação passa por um "Programa de rejuvenescimento do corpo docente", proposto  por António Costa Silva, com o qual estou de acordo (Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030)

 Aqui fica a notícia da Lusa/ Público com foto e tudo...



“Não há nenhuma razão para que isto aconteça”, frisou António Costa a propósito de os professores nunca saberem se vão ficar perto ou longe de casa.
Lusa, 19 de Novembro de 2022, 15:27
 
Foto - António Costa falou dos professores num congresso regional do PS (LUSA/Miguel Pereira da Silva)



"O secretário-geral do PS, António Costa, defendeu este sábado que é preciso acabar com a situação dos professores com a “casa às costas” e mostrou-se confiante num acordo com os sindicatos do sector.

“Esperamos chegar a acordo com os sindicatos para que seja possível acabar, de uma vez por todas, com os professores com a ‘casa às costas’ e que possam, assim que sejam contratados, vincular-se na escola onde estão e só saírem de lá se um dia o desejarem”, disse.

António Costa falava na Covilhã, no XX Congresso Federativo do PS Castelo Branco, numa intervenção que foi acompanhada online nos congressos federativos socialistas de outras regiões, que também estão a decorrer neste sábado.

Durante a sessão, o líder socialista e primeiro-ministro reiterou o compromisso com a execução de “reformas estruturais”, destacando a situação dos professores e a necessidade de mudar o modelo de vinculação.

Costa lembrou que já foi aberto um processo de negociação sindical para alteração do modelo de vinculação dos professores e assumiu que “não há nenhuma razão” para que esta seja “a única carreira em todo o Estado” que tem de se apresentar a concurso de quatro em quatro anos.

António Costa reconheceu o problema que representa para os professores não saberem se vão ficar perto ou longe de casa e se vão ter de andar com a “casa às costas”, “sem saber onde é que se podem vincular”. “Não há nenhuma razão para que isto aconteça”, vincou.

Apontando que a estabilidade do corpo docente reforça a qualidade da educação, destacou que este é um ganho fundamental que tem de se conseguir."





29/09/22

A primeira vez: a entrada na escola (2)



  

A entrada na escola bem sucedida depende essencialmente de dois factores: os pais e os professores. Comecei por falar do impacto que a entrada dos filhos na escola tem para as famílias. Não se pode deixar de reconhecer o outro lado fundamental deste processo inicial: os professores.
Obviamente, as diversas estruturas da escola e o sistema educativo têm impacto na vivência desta crise de forma adaptativa ou não.

A escola é um mundo real onde convivem pessoas concretas, adultos e crianças, professores e alunos, cada uma com a sua visão, diferente da escola real, cada uma com a sua escola imaginária. A nossa escola ideal é, também, um processo inconsciente, faz parte dos desejos e das expectativas, das esperanças e dos sonhos dos pais, das crianças e dos professores.
Umas vezes a escola responde de forma adaptativa a este processo outras vezes nem por isso (1) e esbarra com a realidade concreta de cada criança e a realidade concreta de cada professor.
De facto, a escola forma para os valores humanos como é expresso no projecto educativo de qualquer escola ou agrupamento de escolas. Mas também pode ser ou é um lugar de aprendizagens outras que não conduzem ao caminho previsto pela sociedade para o processo educativo e ou ser origem de problemas e de stress para a criança e sua família.
O futuro educativo ou simplesmente o futuro de uma criança depende muito da forma como este momento crítico é assumido pelos professores. 

Da minha experiência no Serviço de Psicologia e Orientação (SPO), em inúmeras reuniões com professores ou de Conselho de Turma, concluí que a turma (1º ciclo) e o conselho de turma constitui o core de todo o sistema educativo e, portanto, o papel exercido pelos professores é decisivo no processo educativo de cada aluno.
É, por isso, que a gestão da turma é um trabalho árduo, personalizado, principalmente em momentos críticos como a análise da primeira abordagem dos alunos da turma ou em momentos de avaliação qualitativa (compreensiva).
O trabalho da maioria dos professores é sem dúvida intenso e de grande responsabilidade, exige competência técnica, empenho, motivação, capacidade de liderança, cooperação, inteligência emocional, honestidade (2) ... (Claro que, como em todas as organizações, há professores desmotivados e em burnout).

No início do ano lectivo, a inclusão de cada aluno na escola exige estar atento às diferenças que uma vez identificadas e valorizadas permitam a prática de metodologias e estratégias como a necessidade de educação especial, definição das capacidades e fragilidades, da maturidade e precocidade excepcional. 
Desta forma serão ultrapassadas as dificuldades e adquiridas competências comuns a todos os alunos, ou específicas, desenvolvendo-as até onde for possível quando adaptativas.
Para crianças diferentes poderão ser necessários métodos e estratégias diferentes e aqui ganha relevo a metodologia UDL (Desenho Universal para a Aprendizagem). (3)
Como já aqui escrevi “a educação é o professor. É a mudança que falta fazer."
Volto hoje a dizer: investir nos professores é o melhor seguro para o futuro de uma criança, o mesmo é dizer de um país.


Até para a semana.


_________________________

(1) Pennac, Daniel, (2009), Mágoas da Escola, Porto Editora

(2) McCourt, Frank, (2005), O Professor, Ed. Presença

(3) Rose, David e Meyer, Anne, (2002), Teaching Every Student in the Digital Age, Universal Design for Learning, ASCD




28/09/21

Reformar e investir em educação 2

Esperança - a árvore frágil...


Alguns autores inspiradores para a nossa vida podem também iluminar um programa de educação estruturante para o futuro. Ajudam-nos a estabelecer um rumo, a ser vento e não andar ao sabor dele, ou seja, de modas atrabiliárias resultantes das agendas políticas e ideológicas dos governos actuais e dos que aí vêm, ou de facções modistas curriculares que não reflectem o que a sociedade precisa para os seus cidadãos: uns dias é área-escola, outros educação sexual, outros ainda cidadania e desenvolvimento, outros AEC e escola a tempo inteiro... um dia são objectivos e, no outro, competências...

Como aqui referi, uma reflexão possível, a partir da psicologia e pediatria, e de muitos modelos pedagógicos ou psicopedagógicos - convém conhecer Montessori, Freinet, Makarenko, Fröbel, Rogers, Piaget, Kohlberg, D. Rose... - integra três perspectivas: aprender numa escola inclusiva que educa para o bem-estar e para um mundo melhor, baseada numa cultura de educação diversa e plural, democrática e livre, igual e justa.

A escolarização continua a ser o processo mais comum de educação das crianças. Não ignorando formas alternativas que podem existir (ou mesmo a desescolarização), a maioria das famílias continua a querer os seus filhos na escola. E de facto, na escola reside a grande diferença em relação ao futuro pessoal de cada aluno e ao futuro da sociedade. Não podemos esperar uma sociedade desenvolvida sem o trabalho educativo de excelência desenvolvido nas escolas, não podemos esperar cidadãos responsáveis sem as aprendizagens humanísticas, técnicas e científicas efectuadas nas escolas. A escolarização continua a ser responsável pela definição do futuro.
É por isso que se ainda há lugares sagrados neste mundo, a escola devia ser um desses lugares, como ouvia dizer ao Prof. António Frade (Cousas e Lousas). A escola devia ser poupada à violência, ao bullying, mas também devíamos poupar os alunos e as famílias aos caprichos curriculares e à intrusão nas competências das famílias.

O que aconteceu para que a escola, principalmente nas sociedades democráticas, seja o lugar que é hoje? Se a escola é o centro da esperança no futuro também, ao mesmo tempo, é o sítio das desilusões de quem trabalha na educação, desmotivado e em burnout, o sítio das "mágoas da escola" (Pennac) de quem a frequenta.
Esta difícil situação deve ter em conta que os pais devem ter um papel na educação dos filhos, é uma questão fundamental em qualquer projecto educativo. Porém, isto não significa que os pais sejam intrusivos ou possam invadir a escola com a violência que conhecemos em algumas situações chegando à agressão física de professores. 
Outra coisa é o papel dos pais que desde logo devem ter a possibilidade de escolher o projecto educativo (currículo) mais adequado para os filhos. Com raras excepções, a educação é uma prioridade das famílias e muitos pais sabem qual é o seu papel na educação e instrução dos filhos, em colaboração com a escola e professores.
Para atingir estes objectivos, uma reforma concreta, uma reforma das pequenas coisas, teria em conta a realização dos seguintes aspectos críticos.

1. Consolidação do sistema educativo
Há legislação a mais sobre a educação e a escola. Por isso, uma das medidas fundamentais é  legislar apenas o essencial para o sistema. Isto significa legislar menos e nos timings certos de forma a não criar disfuncionamentos e dificuldades de adaptação dos professores, pais e alunos, em cada ano lectivo que se inicia...
Aplicar a legislação em vigor e avaliar periodicamente, a longo termo, a sua eficácia.
Avaliar os projectos educativos, curriculares ou outros de cada escola.
O estado deve limitar-se, o que é muito, ao papel de gerir o sector educativo estatal e regular todo o sistema educativo.

2. Articulação do sistema educativo 
Necessidade de um sistema coerente entre os vários sectores ou subsistemas: estatal, privado, cooperativo e social e entre várias modalidades de repostas/valências educativas e terapêuticas...
Repor, na medida do possível, e alargar, os contratos de associação nas localidades onde se justificam.
Regular a articulação com o sector privado, social e cooperativo, de forma a que os resultados sejam idênticos ou melhores que no sector estatal, como têm sido, basta ver os rankings dos exames, e  sejam menos dispendiosos para o estado. 
Esta rede educativa pode ter as vantagens que apenas um sector não tem: a liberdade de ensinar e de aprender. 
A concorrência entre projectos educativos das escolas estatais  e privadas, pode criar opções de escolha às famílias e aos alunos, pode desempenhar um papel importante na redução de despesa do estado quer através de contratos de associação quer através de encargos das famílias que o estado deixa de ter com a educação.
No sector estatal, promover o desenvolvimento dos projectos de autonomia das escolas.

3. Estabilização dos recursos humanos
Negociar com os sindicatos de professores o tempo de serviço de  9 A 4 M 2 D: as formas possíveis de gestão deste tempo efectuado pelos professores e que de forma nenhuma lhes pode ser sonegado.
Alterar o sistema de recrutamento e selecção de professores: terminar com a centralização dos concursos, com benefício para a redução da deslocação de professores, contra o centralismo educativo saloio e provinciano do ministério da educação: concursos de professores, parque escolar...
Número limite de turmas/professor. Não faz sentido que um professor possa leccionar 500 alunos, como um professor de TIC, por exemplo, uma vez por semana...
Técnicos especializados: psicólogos, terapeutas da fala, intérpretes de LGP, formadores/prof de LGP - eliminação da precariedade e entrada no quadro após 3 anos de serviço efectivo.
A gestão estratégica dos recursos humanos da educação passa por um "Programa de rejuvenescimento do corpo docente", proposto  por António Costa Silva, com o qual estou de acordo (Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030)

4. Avaliação das aprendizagens
Terminar com a actual periodização da avaliação, passando de três períodos de avaliação sumativa, para dois períodos, correspondentes a dois semestres, como acontece no ensino superior.
Repor a avaliação sumativa externa no final do 4º ano e 6º ano e acabar com a avaliação aferida no 3º e no 5º.
Definir o peso efectivo dessa avaliação externa no conjunto da avaliação contínua e interna.
Realizar uma prova aferida externa no final do 2º ano lectivo que terá como objectivo a avaliação das dificuldades individuais dos alunos na leitura, escrita e cálculo. Face aos resultados, cada escola deve desencadear o processo de apoios educativos e outros de que o aluno necessita para poder ultrapassar dificuldades detectadas.

5. Estabilização e autonomia do Currículo 
O currículo nacional deve merecer uma atenção especial como, aliás, tem sido dada a língua portuguesa e matemática. 
Do currículo nacional deve fazer parte uma disciplina de música para todos os alunos do ensino básico.
Além disso, os alunos terão ainda a possibilidade de optar por clubes ou projectos artísticos ou desportivos.
Com esta opção termina a obrigatoriedade da frequência da "disciplina" de "cidadania e desenvolvimento". E as actividades circum-escolares estarão organizadas em clubes e ou projectos, de iniciativa da escola, e de acordo com os interesses dos alunos, no campo do desporto, artes e cultura, de acordo com os grupos disciplinares e tendo em conta o contexto cultural em que a escola se insere, substituindo as actuais AEC. 
As  alterações curriculares devem sempre ser sujeitas a um processo de avaliação do currículo em vigor e dos projectos desenvolvidos
Reposição da "educação vocacional". Avaliar a experiência efectuada (Ramiro Marques). Manter com alterações, se necessário, resultantes dessa avaliação. Seria preferível designar esta modalidade de educação de "Preparação para a formação profissional".
Definir a idade mínima de 13/14 anos para a integração nestes cursos. Isto significa que  seriam abrangidos alunos com duas ou mais retenções no 2º ciclo.
Estes alunos devem antecipadamente participar em projectos de OEP.
O projecto deverá ser alargado progressivamente a todo o país.

6. Redefinição da intervenção da ASE  
Os livros escolares serão gratuitos para todos os alunos. Não se compreende porque ficaram excluídos os alunos das escolas com contrato de associação  e escolas profissionais para além do ensino privado.
Os livros escolares ficam na escola acabando com o transporte quotidiano de peso exagerado nas mochilas, preservando a saúde dos alunos e ao mesmo tempo a preservação dos livros.
Gratuitidade das refeições terminando com os actuais escalões. Esta medida iria beneficiar todos os alunos e suas famílias.
Poderá haver um período de transição, até a despesa poder ser acomodada no orçamento do estado, em que tanto num caso como no outro se deve ter  em conta a situação de recursos, segundo os escalões do abono de família, por ex., em relação a todos os alunos.

7. Inclusão
Adoptar uma metodologia UDL (Universal Design for Learning) preconizada, aliás, no DL 54/2018, que sem dúvida será a melhor forma de inclusão de todas as crianças de acordo com as suas necessidades educativas.
As crianças consideradas com dificuldades de aprendizagem e com PHDA devem ter alternativas activas evitando a sua medicação - principalmente actividades curriculares e extracurriculares activas como o desporto, as artes, a música e a dança. 
Não nos podemos esquecer que milhares de crianças entre os 4 anos e a adolescência consomem milhões de anfetaminas. (Eduardo Sá)
Uma das fontes de indisciplina é o telemóvel. Cada escola deve determinar com as Associações de pais e com as Associações de estudantes as regras de utilização dos telemóveis na sala de aula.
Outra fonte de indisciplina é a duração dos tempos lectivos. Por isso, a referência temporal de uma aula deve ser a de uma tempo lectivo correspondente a 50 minutos. Deverá também haver flexibilidade para blocos de 2 tempos lectivos quando devidamente justificada.

8.  Planeamento da educação a longo prazo
Sabemos que a natalidade está a baixar enquanto o número de pessoas idosas cresce todos os anos.
Os vários sistemas da sociedade começam a ressentir-se desta realidade. Na educação os impactos vão ser enormes. Redução do número de alunos implica redução de escolas, de pessoal docente e não docente para assegurar o funcionamento das escolas. É agora que é oportuno planear o que vamos fazer para responder a estes problemas num tempo já bem próximo de nós.
Uma das consequências tem a ver com o fecho de escolas rurais e escolas de pequena dimensão. Apenas fecharão obrigatoriamente as escolas com menos de 5 alunos ou com mais alunos desde que essa seja a vontade dos encarregados de educação e pais e das autarquias.
Estas escolas ficarão como escolas anexas a escolas mais próximas e poderão ter parte do currículo preenchido com  actividades sociais e culturais em conjunto, em calendário previamente previsto.

9. Definição e estabilização do papel dos municípios na educação
A gestão das escolas e dos agrupamentos de escolas deverá ser o mais autónoma possível. Assim, os contratos de autonomia devem alargar-se a todas as escolas e agrupamentos. 
A gestão dos recursos humanos devem igualmente ser da competência dos agrupamentos.
Os júris devem ser independentes, designados pelas escolas mas com nomeação pelo ME.
Para 2020, previa-se que dos 278 concelhos do continente, 84 municípios iam  assumir todas as áreas da educação excepto a colocação de professores. 
A mudança é urgente. Sabemos que a posição dos sindicatos a este propósito contraria este aspecto e que também não é popular entre os professores. Mas são os professores as principais vítimas.

Com estas propostas, não quero "reinventar a escola", não proponho uma "escola ideal", não é sequer a "escola dos meus sonhos" nem a "educação dos meus sonhos", não é a escola progressista nem último grito vindo da Finlândia, Japão, Suécia ou seja de onde for, não é a "escola da doutrinação pública", não é a escola dos oprimidos ou privilegiados (aliás, o problema da "Pedagogia do oprimido" é antes um problema de Oprimidos da pedagogia), não é a escola tradicional ou a escola dita democrática, nada disso... É apenas o resultado de uma reflexão de experiência feita que poderá melhorar as escolas  actuais. Um simples plano de melhoria para uma escola mais eficiente e mais eficaz. São propostas para uma escola em que as crianças são todas iguais, todas diferentes, mas em que cada uma delas merece o melhor que a sociedade dos adultos lhe pode oferecer.

Apesar do realismo destas medidas nada há a esperar em matéria de reformismo  do actual Ministério da educação, ou deste governo, durante o resto do mandato mas a esperança é a árvore frágil que tenta sobreviver a tudo, é "essa menina, que arrasta tudo consigo". (Péguy)




04/12/19

Educação especial e cidadania


Esta semana, no dia 3 de Dezembro de 2019, comemorou-se mais uma vez o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, sob o lema, “O futuro é acessível”, proposto pela ONU.
Entre nós o dia foi assinalado, em vários locais.
O Instituto Nacional para a Reabilitação - INR, comemorou este dia em parceria com a Câmara Municipal de Santarém, e contou com representantes do governo, município e instituições locais.*
Em Castelo Branco, foi comemorado pela Câmara Municipal, Agrupamentos de escolas e instituições ligadas à educação e apoio de pessoas com deficiência. **

Sabemos que estes dias são simbólicos e por isso parece que estamos a repetir os mesmos assuntos há anos e que não avançamos em concreto nas respostas às necessidades das pessoas com deficiência. Estas mudanças são lentas e faz sentido que este ritual anual seja realizado porque há muito para lembrar e para fazer.
O Secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que “a inclusão de pessoas com deficiência é um direito humano fundamental.” Neste aspecto, concordo inteiramente com ele.

A comemoração deste dia começou a ser feita de um modo mais relevante em Castelo Branco na Escola Afonso de Paiva, ** graças à Equipa de Educação Especial que nesta escola tem tido um papel insubstituível no apoio às crianças com deficiências e com dificuldades de aprendizagem.
Em 2013, a acção de formação em que participei, justamente para comemorar este dia, foi dedicada ao tema “Unidos nas diferenças para a cidadania”, na sequência do apelo do Secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, “Quebrem barreiras, Abram portas: Por uma sociedade inclusiva para todos.”
Na sessão comemorativa  deste dia no Agrupamento de Escolas Afonso de Paiva apresentei o tema "Educação especial e cidadania".
Resumidamente, a cidadania diz respeito a todos. A cidadania envolve direitos civis, políticos, sociais económicos, culturais...
Em termos psicológicos costumo dizer que os direitos humanos são a realização das necessidades humanas, como, por exemplo, foram definidas por Maslow.

A cidadania é um principio universal de inclusão e não pode haver discriminação de ninguém.
A cidadania é um principio de legitimidade política, de construção identitária e de um conjunto de valores.
É por isso que ao mesmo tempo somos cidadãos nacionais, europeus e do mundo e, simultaneamente, a cidadania dá-nos um sentimento de pertença  a uma comunidade de valores. Valores esses consagrados nas diversas declarações e convenções de organismos internacionais como a ONU.
A Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, de 2006, que, em Portugal, foi adoptada pela Resolução nº 56/2009, da Assembleia da República, refere, no que diz respeito à educação, que os "estados partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação ... e asseguram um sistema de educação inclusiva a todos os níveis e uma aprendizagem ao longo da vida.”
Penso que já todos estamos convictos deste princípio. Porém, a nossa prática e a das instituições não são de forma a que sejam garantidos esses elementares direitos nas oportunidades, nos espaços e nas barreiras físicas e psicológicas, nas barreiras curriculares, nas barreiras profissionais e de emprego… direitos a que todas as pessoas, com ou sem deficiência, devem poder  aceder.
Basta dar uma volta pela nossas cidade e constatar como temos tratado as acessibilidades e a eliminação de barreiras arquitectónicas, para as pessoas com dificuldades de locomoção, nas ruas e passeios, nas habitações, nos transportes, onde não cabem cadeiras de rodas ou carrinhos de bebé … ou como os ratios de pessoal são insuficientes para trabalhar com as crianças nas escolas, quando se pretende um sistema unificado de ensino. ***
A inclusão é um processo. É feita todos os dias e a todo o momento. Não é para começar amanhã. É para fazer agora que é quando o futuro começa.
_____________________________
* Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, da Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, do Presidente do INR, Humberto Santos, e do Presidente da Câmara Municipal de Santarém, Ricardo Gonçalves. Evento apoiado pela APPACDM de Santarém e pela Associação de Desporto Especial do Distrito de Santarém.
** Este projecto passou a ser gerido pela autarquia albicastrense que refere "que esta data é assinalada em conjunto com os agrupamentos de escola do concelho". Assim, cada agrupamento escolar irá ter um momento próprio relacionado com a efeméride, juntando-se também instituições que cuidam de pessoas com deficiência."
*** David Rodrigues refere duas vias para os sistemas educativos: um sistema alternativo e um sistema unificado de ensino. São medidas opostas ou complementares? Dito de outra maneira: qual o papel das instituições face à escola, e vice-versa, qual o papel dos currículos alternativos face ao currículo geral?





https://www.mixcloud.com/RACAB/cr%C3%B3nica-de-opini%C3%A3o-de-carlos-teixeira-05-12-2019/?fbclid=IwAR3MV2HrNuoxRFSwC-ocBOScoBBT_YA6UllcZk2Z2k7wTT0vssLKLKh98rc




07/06/19

Virginia Apgar

Virginia Apgar (7/6/1909-7/8/1974), "foi uma médica norte-americana que se especializou em obstetrícia e anestesiologia. Foi líder em vários campos da anestesiologia e, efetivamente, foi a responsável pela criação do que viria a ser a neonatologia. Para o público em geral, ela foi mais conhecida como a responsável pelo desenvolvimento da Escala de Apgar, um método de avaliação de saúde de recém-nascidos que reduziu drasticamente a mortalidade infantil em todo o mundo."

Virginia Apgar faria, em 2019, 110 anos. A escala que criou continua a ser um instrumento fundamental na avaliação da saúde do recém-nascido. V. Apgar não casou nem teve filhos. Porém, a sua vida foi dedicada aos recém-nascidos. O seu método ajudou e ajuda  a salvar milhares de bebés.

O resultado, Índice de Apgar, é imprescindível na anamnese psicológica.


Resultado de imagem para indice de apgar
Em 2018, Google Doodle Honors Dr. Virginia Apgar, the Anesthesiologist Credited With Saving Many Newborn Babies' Lives


109.º aniversário da Dr.ª Virginia Apgar

[APGAR: Appearance, Pulse, Grimace, Activity, Respiration. Em Português: Aparência, Pulso, Gesticulação, Actividade, Respiração.]



12/02/19

Lembranças e esquecimentos


ZAZ - Si jamais j'oublie


Se eu me esquecer

Lembra-me o dia e o ano
Lembra-me do tempo que fazia
E se eu o esqueci
tu podes fazer-me reagir
E se eu quiser ir embora
Fecha-me e deita a chave fora
Com doses de estímulos
Diz como eu me chamo
Se um dia eu esquecer as noites que passei
As guitarras e as vozes
Lembra-me quem eu sou
Porque eu estou viva
Se um dia eu me esquecer de como escapar
Se um dia eu fugir
Lembra-me quem eu sou
O que eu prometia a mim mesmo
Lembra-me de meus sonhos mais loucos
Lembra-me das lágrimas no meu rosto
E se eu esquecer do quanto eu amava cantar
Lembra-me quem eu sou
Porque eu estou viva
Lembra-me do dia e do ano…


A memória pode definir-se como a capacidade de armazenar, processar e recuperar informação que provém de todo o ambiente que nos rodeia captada pelas nossas capacidades sensoriais.
Tanto as lembranças ou recordações como os esquecimentos ou amnésias estão presentes na nossa vida. Todos nós já alguma vez percebemos que nos esquecemos de alguma coisa, como não nos lembrarmos onde deixamos as chaves de casa ou termos o nome de uma pessoa "mesmo debaixo da língua", ou como respondem os alunos, quando são interrogados pelos professores mesmo quando estudaram: "sei mas não me lembro".
Também é engraçado quando nos acontece que nos lembramos de que nos esquecemos de dar um recado, ou de dar os parabéns a alguém.
Os "lapsos de memória" acontecem com frequência e não me refiro àqueles falsos lapsos de memória que acontecem muitas vezes nos tribunais e nas comissões de inquérito parlamentar...

A idade tem influência na frequência dos esquecimentos ou vai tornando mais difícil as lembranças, embora esta dificuldade possa também afectar  os mais jovens.
Muitos de nós têm a ideia de que se lembram de tudo o que ouvem ou fixam tudo o que vêem. No entanto, na realização de um teste psicológico de memória visual, como acontece no teste da Figura Complexa de Rey, acabam por verificar que afinal se esqueceram de muitas coisas, acrescentaram ou modificaram outras.
De facto, o processo de memorização envolve a complexidade do sistema nervoso, por um lado, e, por outro, a complexidade psicológica de todo o processo de aprendizagem, condicionamento operante, do tipo de tarefa e motivação e das emoções que acompanham a realidade da nossa vida.

Mesmo que não se atinjam situações tão graves como em algumas doenças em que se perde a própria identidade, à medida que envelhecemos os esquecimentos tornam-se uma realidade mais frequente. Cerca de 40% das pessoas com idade acima de 65 anos têm algum tipo de problema de memória, e a prevalência aumenta rapidamente com o aumento da idade.
Segundo um relatório da OCDE de 2017, em Portugal, 20 em cada mil habitantes sofrem de demência.  Um valor acima da média da OCDE que está nos 15 casos por mil habitantes (Relatório Health at a Glance, 2017), “A prevalência da demência, cuja forma mais comum é a doença de Alzheimer, é um indicador para monitorizar a saúde da população idosa, acrescentando que o envelhecimento da população tornará a demência mais comum. E os países “com um envelhecimento mais rápido verão esta prevalência mais do que duplicar nos próximos 20 anos”. (Ana Maia, Público, 10/11/2017)

Há uma canção de Zaz -“Se eu me esquecer” - que expressa bem este esquecimento, a necessidade de compreensão e apoio.


08/07/18

Uma sociedade amiga das crianças

Todos temos alguma experiência negativa relativamente à sociedade e comunidade  em que vivemos sobre a ausência de condições inclusivas para os cidadãos, desde criança até à velhice.
Ter um filho implica grandes necessidades de mudança, de adaptação à vida quotidiana dos pais. É, sem dúvida, verdade que o nascimento de um filho muda a nossa vida, principalmente quando os pais decidem que os filhos os devem acompanhar, sempre que possível, nas suas actividades de lazer, nas férias, na vida social ...
Em 2012, segundo o Relatório da UNICEF ‘Situação Mundial da Infância, estimava-se que, no ano de 2050, 70% da população mundial iria viver em áreas urbanas, o que significa que a maioria das crianças e jovens crescerão em cidades nas próximas décadas.
Viver num mundo urbano coloca mais dificuldades que não favorecem o bem estar das crianças. Há muitas situações em que a vida de quem tem filhos é dificultada por não haver estruturas ou estruturas  amigas das crianças.
Uma sociedade amiga das crianças  tem cidades amigas das crianças, com estruturas arquitectónicas, sociais e educativas amigas das crianças: escolas, currículos escolares amigos das crianças, hospitais, jardins e parques infantis, passeios e passadeiras... amigos das crianças

Em 1996, a UNICEF lançou o conceito “Cidades Amigas das Crianças”,  com o objectivo de colocar “as crianças em primeiro lugar” tanto no mundo em desenvolvimento como no mundo industrializado, em contexto rural ou urbano. *

Uma cidade amiga das crianças tem acessibilidades para todas as crianças. Nas nossas cidades, apesar de ter havido alguma evolução, é uma verdadeira aventura deslocarmo-nos a qualquer sítio, por necessidade ou apenas por lazer, com uma criança  num carrinho de bebé.
A lei sobre acessibilidades ( DL n.º 163/2006, de 8/8, alterado pelo DL n.º 136/2014, de 9/9, e DL n.º 125/2017, de 4/10) continua a ficar sem efeito; mesmo em bairros relativamente novos não são tidos em conta a eliminação de barreiras arquitectónicas: nas passagens de peões, desníveis dos passeios perigosos, com candeeiros, sinais, canteiros, escadas, a interromper, rampas perigosas...

Espaços das cidades amigos das crianças são espaços verdes, jardins, feitos para as pessoas e, portanto, para as crianças,  e não para os cães que continuam a andar solta, sem trela, não  têm condições de higiene ou de segurança  para poderem ser frequentados.
Reconheço o esforço que algumas autarquias têm feito com distribuidores de sacos gratuitos, com avisos, com a manutenção dos espaços... mas as autarquias também têm as costas largas quando os cidadãos ou não sabem ler os avisos ou se estão nas tintas para os outros, principalmente se forem crianças.
Uma sociedade amiga das crianças tem escolas amigas das crianças. Nesse sentido, a  Confederação nacional das associações de pais (CONFAP) criou um selo que é atribuído às Escolas “amigas das crianças”. Para isso, vai avaliar ideias inovadoras em áreas como o espaço de recreio, a alimentação, a segurança ou o envolvimento da família. (Rita Marques Costa, Mais de 300 escolas “amigas das crianças” receberam selo da Confap, Público, 22 de Março de 2018

Uma cidade amiga das crianças tem  creches e jardins de infância para todas as crianças de forma a poder equilibrar o papel profissional dos pais com a necessidade de desenvolvimento das crianças.
Nestas creches, jardins de infância e escolas,  os currículos devem utilizar o Desenho universal para a aprendizagem (UDL), ou metodologias semelhantes. Os currículos devem ser desenhados de forma a que todos os alunos possam ter acesso a eles. A modificação do meio ao nível das acessibilidades, por exemplo, e dos instrumentos de aprendizagem são fundamentais para que o sucesso escolar possa acontecer.

Os equipamentos  e serviços sociais amigos das crianças devem respeitar estas regras. Quando decidimos ir a um restaurante com os filhos ou os netos,  as crianças são bem-vindas. Sabemos que nem sempre assim acontece e há de tudo: alguns são mais ou menos indiferentes, outros pouco simpáticos para a frequência de crianças, porque  fazem barulho, às vezes birras, um empecilho... Não têm cadeirinhas, não têm fraldário, não têm rampas de acesso, etc... nada que tenha em vista o bem-estar das crianças.

Os comportamentos sociais dos adultos deviam ser sempre amigos das crianças, o que se traduz no exercício da cidadania: respeitar as passadeiras, nos automóveis, os pais que devem ter cuidado com a segurança das crianças, não falar ao telemóvel, não fumar sempre que viajam com crianças...  
Está em cada um de nós a capacidade de transformar a nossa cidade numa cidade amiga das crianças. **
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* O programa da UNICEF, "Cidades Amigas das Crianças", ganhou força em 2007, existindo, actualmente, 35 cidades em Portugal que aderiram a esta iniciativa."Os fundamentos para construir uma Cidade Amiga das Crianças assentam nos quatro princípios base da Convenção: não discriminação; interesse superior da criança; sobrevivência e desenvolvimento; ouvir as crianças e respeitar as suas opiniões." (UNICEF) 

** RACAB (Rádio de Castelo Branco - Crónica-de-opinião - 28-06-2018 - "Uma sociedade amiga das crianças"