29/09/08

Sete vidas



                                                          Na rua da minha infância
                                                          Há casas velhas e fechadas
                                                          Desertas
                                                          Cada vez mais

                                                          Há velhos cada vez mais velhos
                                                          Poucos e mais sós
                                                          Cada vez menos

                                                          Apenas os gatos renascem
                                                          Nos telhados velhos
                                                          Enquanto houver telhados

25/09/08

SINAlizações de crianças com NEE

A palavra sinalização significa pôr um sinal como acontece na regulação do trânsito. Porém, às vezes, parece que significa ter uma SINA.
No caso de que quero falar hoje ou é sina ou coincidência…ou algo de mais estruturado…
Periodicamente, assistimos a reduções umas vezes do número de professores de educação especial outras vezes do número de alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE).
É sempre bom lembrar… que em Outubro de 2001 foi feita uma redução (corte) de 46% dos professores de Educação Especial.(correspondente a 2.596 profissionais) 1.
Passou-se depois pela redução dos professores efectivos com a criação do Quadro de Educação Especial.
Este ano, acontece que não são os professores que não são colocados, são os alunos que são excluídos da Educação Especial.
A notícia do Público de 10-9-2008 que cita a Lusa (http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1342311&idCanal=58) vem dar-nos conta de que para o Ministério da educação todos os alunos com necessidades especiais estão sinalizados considerando "absurdo" um estudo da Universidade do Minho, recentemente divulgado.
Para o Ministério da Educação as crianças com necessidades especiais "rondam os 1,8 por cento"2. E quantificou em 55 mil os alunos que estão sinalizados e que precisam de necessidades especiais, de apoio especializado ou de apoio educativo. "É um absurdo estar-se a falar em 100 mil, é um número atirado para o ar", diz o Ministério da Educação.
O professor catedrático que coordena a Área de Educação Especial da Universidade do Minho, Miranda Correia, disse que mais de 100 mil alunos com necessidades especiais estão sem qualquer apoio pedagógico, situação que em muitos casos se transforma em "graves problemas de insucesso escolar".
O número do Ministério da Educação "É um número totalmente abaixo de qualquer estudo internacional", sustenta Miranda Correia que defende situarem-se entre os oito e os 12 por cento os alunos que têm dificuldades de aprendizagem específicas.
Esta divergência vem do facto de se saber se devem ser apoiadas apenas problemáticas de alta-intensidade e baixa-frequência ou também as problemáticas de baixa-intensidade e alta-frequência.
Já aqui dissemos que alta frequência era o novo nome da exclusão. As crianças deste grupo, segundo a actual visão do Ministério da Educação, vão ficar excluídas da Educação Especial.
Como podemos dizer que as dificuldades de aprendizagem não são Necessidades Especiais de Educação? Ou pelo menos algumas Dificuldades de Aprendizagem como as alexias ou dislexias
O mais estranho é que até as crianças com deficiência mental devidamente comprovada ficaram, em muitos casos, excluídas ou para reavaliação. Que adianta explicar o que significa um QI <70 para a aprendizagem?

Se não ouvem as crianças,
Se não querem ouvir os pais das crianças,
Se não ouvem quem está no terreno, professores e técnicos.
Não querem ouvir professores universitários como Miranda Correia, David Rodrigues, médicos pediatras como Luís Borges etc. …
… Só pode ser SINA a situação das crianças com NEE e dos seus pais que nunca mais vêem estabilizada uma área de educação onde as instabilidades são provavelmente mais angustiantes.

Carlos Teixeira

1. Redução de professores no Ensino Especial (2001-10-22)
Este ano lectivo o número de professores colocados no Ensino Especial foi reduzido em 2.596 profissionais.
No corrente ano lectivo foram colocados menos 46% professores de Ensino Especial.
Segundo a Federação Nacional de Professores (FENPROF) foram colocados no apoio educativo 3.412 professores sem formação específica na área do Ensino Especial; por isso, as necessidades nessa área vão ficar por preencher.
Ainda segundo a FENPROF, os professores colocados são destinados a apoiar as crianças deficientes, com permanentes necessidades educativas especiais, ficando as restantes situações de fora.
No passado recente, Teresa Palha, representante da FENPROF, realçou a importância do acompanhamento de alunos com necessidades especiais, com problemas de integração (jovens hemofílicos, seropositivos ou que pertencem a grupos étnicos minoritários) e que necessitam de acompanhamento especializado.


2. “Os alunos com necessidades educativas especiais podem ser distinguidos, levando ainda mais à frente o princípio da diferenciação positiva, entre os que apresentam problemáticas de baixa-intensidade e alta-frequência e os que apresentam problemáticas de alta-intensidade e baixa-frequência.
Se para os primeiros deve ser suficiente uma maior qualidade nas respostas educativas e escolares, no sentido de uma maior flexibilização e diferenciação pedagógica, associadas a medidas como os percursos alternativos e os apoios individualizados, para os outros requerem-se recursos humanos e logísticos mais sofisticados e especializados.
Neste sentido, o actual diploma prevê, além de outras medidas, o desenvolvimento de respostas diferenciadas, levando à criação de escolas de referência nas áreas da cegueira e baixa visão e da surdez, bem como a criação de unidades de apoio especializado para a educação de alunos com perturbações do espectro do autismo ou alunos com multideficiência.
Tal implica um esforço adicional de entidades diversas, que vão das escolas e serviços da educação até às autarquias, à segurança social e às famílias, que em breve deverá produzir um salto qualitativo de grande alcance na resposta a estas problemáticas mais específicas, aquelas que tradicionalmente tendiam a ficar para trás”.
Luís Capucha, Educação Especial, Manual de apoio à Prática, DGIDC, ME, Lisboa, 2008

17/09/08

Construir

Castelo Branco: Homenagem aos combatentes
                                                                   

 Morro do Aragão
                                                            “...Passarão anos, nascerão filhos
                                                            Muito antes que eu esqueça
                                                             ...”
Fernando Assis Pacheco, Catalabanza, Quilolo e volta, Centelha, Coimbra, 1976

11/09/08

Filhos preferidos, leis iníquas e comportamentos imorais

1. A igualdade dos filhos face à lei, decorre de Declarações e Convenções internacionais e da Constituição: “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”. [1]
Assim, as pessoas são iguais face à lei e, nas mesmas circunstâncias, têm os mesmos direitos. No entanto, assim não acontece no que diz respeito a heranças. [2]
Os pais podem dispor de uma parte da herança (parte disponível) e fazer dela doação a um filho preferido. Na prática, se existirem dois filhos um pode herdar 2/3 e o outro 1/3.
Portanto, de facto, os filhos não são iguais face à lei quando os pais se comportam como verdadeiros discriminadores dos direitos fundamentais dos filhos.
Mas, dir-me-ão, que a lei está bem quando prevê a possibilidade de, por exemplo, num gesto filantrópico, uma pessoa poder deixar os seus bens a uma instituição de caridade ou outra que beneficie igualmente a sociedade…. Neste caso estamos de acordo.
O que se passa é que a lei também pode ser usada pelos pais para esbulharem os filhos de que não gostam, influenciados ou não pelos filhos preferidos.
2. Não se exige a ninguém que tenha padrões elevados de desenvolvimento e comportamento moral.
E, de facto, no dia a dia da nossa vida, não é o que acontece com uma grande maioria de pessoas que se situa, moralmente, pelo menos ao nível do contrato social.
O problema é que há muita gente que se coloca num nível bastante baixo da moralidade.
Essa gente pode até exercer profissões de destaque na sociedade e pensaríamos nós que elas próprios se orientariam por esses padrões elevados de moralidade. Mero engano. Pautam a sua vida pela dimensão dos seus interesses.
3. São, por isso, os primeiros a dar a “facada nas costas” dos irmãos e dos amigos, quando os seus interesses estão em jogo.
A história de Jacob e Esaú que conhecemos da Bíblia, devia estar sempre presente na compreensão do ser humano e das suas velhas manhas.
Jacob enganou duas vezes o irmão mais velho, Esaú. Numa das vezes incentivado pela própria mãe que sugeriu a melhor forma de enganar o pai, Isaac, que se encontrava cego. E assim aconteceu. Obteve a benção (e a fortuna) do pai com a artimanha de se fazer passar pelo irmão.
4. A família devia ser o melhor meio para cada um de nós. Mas esta visão é enganosa e paradoxal.
É paradoxal porque é aí que deveria residir a ideia de igualdade dos próprios filhos. E onde devíamos esperar amor encontramos discriminação, interesses, ódio…
Podemos ter a melhor impressão dos nossos progenitores. Mesmo quando algum é assassino, ladrão, etc. Mas como compreender que aqueles que nos devem proteger e promover a igualdade entre os filhos têm as mãos livres para os discriminarem ?
Esta situação é também um problema de maus tratos e de abuso: aqueles de quem se espera protecção, tratamento igual, são os abusadores, os que roubam os direitos dos filhos a um tratamento igual, os mentirosos que dizem que são iguais aqueles que, na prática, discriminam.
Por isso, a família pode ser o pior micro-meio que podemos ter na nossa vida. Que o digam os filhos abusados, violados, roubados, discriminados…
5. A discriminação dos filhos apenas serve aos seres moralmente rasteiros, invejosos, gananciosos, ladrões de secretaria, ascensoristas sociais, entre outros…
Quando a leis iníquas se somam comportamentos imorais, temos a fórmula para estilhaçar qualquer relação afectiva que possa existir numa família. Os afectos terminam onde começam os seus interesses. E a família é apenas o meio onde esperam poder meter a mão manipuladora que concretize os seus interesses.
6. Mas, pelo menos, por fim, e é aqui que a história de Esaú e Jacob é diferente, Jacob pediu perdão ao irmão que ele próprio tinha enganado e roubado.
Se queremos que a afectividade esteja no centro das relações familiares, podemos começar por acabar com os filhos preferidos, acabar com as leis iníquas e subirmos um pouco os nossos padrões de comportamento moral.

Carlos Teixeira

[1] Artº 13º Constituição da República Portuguesa.[2] Código Civil, Artº 2156 e seguintes.

05/09/08

Casamento, Família e Sexo

A família é uma “Instituição social fundada sobre a sexualidade e as tendências maternais e paternais, cuja forma varia consoante as culturas (monogâmica, poligâmica, poliândrica, etc.).
A sexualidade é, segundo esta definição, um elemento fundamental da família. (1)
No comportamento sexual existem actividades reprodutivas e actividades não reprodutivas.
A distinção nem sempre é fácil. E, esse facto, tem dado origem a discussões intermináveis sobre o assunto.
Desmond Morris, no seu livro O Zoo Humano (2), diz que o sexo se tornou “ a mais elaborada das nossas actividades apesar de todos os riscos, e não conta menos de dez categorias principais”:
1. Sexo procriador
2. Sexo acasalador
3. Sexo sustentador do par
4. Sexo fisiológico
5. Sexo exploratório
6. Sexo autogratificante
7. Sexo ocupacional
8. Sexo tranquilizante
9. Sexo comercial
10. Sexo de situação
Remeto os ouvintes para a (re)leitura do livro de Desmond Morris.
Mas vejamos, seguindo o autor, ainda que muito resumidamente, cada uma destas categorias sexuais.
1. Sexo procriador
Para Desmond Morris “não há dúvida de que esta é a função mais básica do comportamento sexual”. Mas também refere que “por vezes tem-se pretendido, erradamente, que é a única função natural e por conseguinte apropriada.” (3)
2. Sexo acasalador
O animal humano é básica e biologicamente uma espécie acasaladora. À medida que se desenvolvem relações emocionais entre um par de companheiros potenciais, elas são favorecidas e fortificadas pelas actividades sexuais.
3. Sexo sustentador do par
Quando um acasalamento se estabeleceu com sucesso, as actividades sexuais ainda funcionam para manter e reforçar os laços
Estas três primeiras categorias constituem, em conjunto, as funções reprodutivas primárias do comportamento sexual humano.
4. Sexo fisiológico
Os adultos saudáveis, machos e fêmeas, têm necessidade fisiológica básica de consumo sexual repetido…
5. Sexo exploratório
Uma vasta gama de variações do tema sexual e … nesta como noutras matérias é grande o poder inventivo do homem.
6. Sexo autogratificante
É diferente do anterior porque aquele tinha uma função exploratória e aqui repetem-se os moldes em que o casal faz “sexo pelo sexo”.
7. Sexo ocupacional
Este é o sexo que funciona como terapêutica ocupacional, como dispositivo contra o tédio…
8. Sexo tranquilizante
Funciona ao contrario do anterior, é um remédio contra o alvoroço, contra o stress…
9. Sexo comercial
Trata-se de uma transacção comercial: um dos comparsas não faz mais do que fornecer ao outro serviço copulatório, em troca de dinheiro ou abrigo….
10. Sexo de situação
Trata-se de aspectos mais complexos da nossa sexualidade, tem a ver com o estatuto e com os papéis da fêmea sexual e do macho sexual…
Desmond Morris dá-nos uma perspectiva biológica das funções sexuais. E segundo esta perspectiva, qualquer pessoa, macho ou fêmea, pode ter vários destes comportamentos sexuais durante a sua vida. E sempre foi assim. Não são comportamentos pré-modernos ou pós-modernos. Existiram desde sempre e partilhamos com outras espécies estas funções do sexo.
Não vale a pena negar que o casamento e a família têm uma função procriadora como também não vale a pena pensar que têm apenas essa função.

[1] Dicionário Temático Larousse, Psicologia, “Família”, Círculo de Leitores, pag. 112
[1] Morris , Desmond – O Zoo Humano, Europa América, pp.91-140
[1] idem , pag. 93