27/09/07

320...ou 318 ?

Temos vindo a falar da entrada na escola e de alguns problemas que se colocam às crianças, jovens e famílias.
Se para todos os alunos há sempre que ter mais atenção nesta altura, isso é mais relevante em relação a alguns casos particulares.
Refiro-me ao regime educativo especial.
Trata-se de um conceito ainda pouco estabilizado e que pode originar algumas angústias em algumas crianças e pais.
O Notícias Magazine deste Domingo era preenchido com vários artigos sobre educação.
O s alunos 319 eram um dos temas, fazendo a ponte par a próxima lei que parece ser designada na gíria como 320. Seria uma espécie de upgrade da anterior lei.
Será ? Em que sentido ?
Alguns peritos na matéria como Luís de Miranda Correia e David Rodrigues não vibram de entusiasmo por aquilo a que o NM teve acesso como sendo a futura lei. Pelo contrário. Não compreendem como é possível deixar de fora milhares de alunos também eles com NEE.
Remete-se para a CIF a responsabilidade pela classificação (divisão) entre quem vai ser NEE e quem não vai ser.
E até há quem ache que essa é a vantagem da nova lei: fazer uma distinção clara entre esses dois grupos.
Onde é que eu já vi ou ouvi isto ? Temos então que ou é branco ou preto. Finalmente !
Não nos podemos esquecer de que a CIF não é mais do que um instrumento de trabalho como qualquer outro, como o DSM IV, os testes cognitivos, etc.
Não nos podemos esquecer de que uma avaliação depende de uma equipa interdisciplinar que não existe.
Não nos podemos esquecer de que uma avaliação não pode ser baseada apenas em critérios psicométricos, mas também em critérios educativos e adaptativos.
Não nos podemos esquecer de que a aplicação da CIF é contestada por peritos nacionais e estrangeiros.
Mas a própria classificação em NEE permanentes e temporárias já abria a porta a que mais tarde ou mais cedo isto viesse a acontecer. Tal como a divisão em baixa incidência e alta incidência.
E, no fundo, vai tudo dar ao mesmo que é: as NEE vistas do ponto de vista do aluno individual.
E esta perspectiva é errada, como aliás refere um Documento do Ministério da Educação [1]
O 319 foi um marco na educação especial. Introduziu grandes inovações na nossa cultura não só educativa mas também social, como é o caso da noção de NEE e a de preponderância do modelo pedagógico em detrimento do modelo médico e até psicológico.
Mas também o 319 não foi aplicado em todas as suas dimensões como por exemplo: nunca funcionaram cabalmente as equipas de avaliação prevista no artº 12º (Encaminhamento). E sem essas ou outras equipas qualquer boa intenção vai parar ao inferno.
O 319 precisa de ser actualizado, certamente.
Mas por tudo isto temo que venha aí o 318. Espero estar enganado. Se assim for, venha lá o 320.
Carlos Teixeira

[1] UNESCO (1993), Instituto de Inovação Educacional (1996) - Conjunto de materiais para a formação de professores, necessidades especiais na sala de aula.

05/09/07

A entrada na escola: integração e ritualização

O primeiro dia de escola é para a criança um acontecimento importante caracterizado objectivamente pela separação da família e pelo encontro com um novo mundo. É também importante pelas expectativas que lhe foram criadas pelos adultos e pelas outras crianças.
Esta criança é a representante da sua família naquela escola que ela está a frequentar. Ela vai pertencer a uma turma e vai ter um grupo de amigos. Em cada ano escolar que ela vai frequentar vai tendo novas experiências sociais e educativas. Tem que se integrar em novas turmas, passa a ter novos amigos. Por vezes, a entrada em novas fases de ensino passa por rituais de iniciação que alguns aceitam sem qualquer discussão mas levanta problemas a outros, designadamente aos pais e às crianças.
Como já vimos a entrada na escola apresenta duas vertentes: a separação dos pais e do meio familiar e a integração num novo meio. Este processo vai evoluindo quando a criança entra para o 2º ciclo do ensino básico, para o secundário e mais tarde para a Universidade, que é a grande separação da família, dado que o estudante, normalmente, vai integrar um meio completamente diferente, não só a nível escolar mas também a nível social. Para os que vivem em cidades de província implica muitas vezes a ida para grandes cidades como Lisboa, Coimbra, Porto, embora com a criação das universidades nos distritos, isto já não seja bem assim. Começa de qualquer modo uma mobilidade que até aí o estudante não tinha experimentado.
Este processo implica sucessivas separações e integração em novos meios à medida que o estudante avança no seu processo de escolarização. Nestes novos ambientes, devem ser acolhidos da melhor forma, isto é, o acolhimento da criança e do jovem é também uma função da escola que lhe deve prestar o apoio necessário à sua integração. A integração neste novo ambiente é também a integração num grupo de companheiros. Em muitas escolas organiza-se a semana de recepção ao caloiro, aspecto que toma particular relevância na Universidade.
Com iniciativas deste tipo pretende-se efectuar um processo de acolhimento necessário a quem não conhece o novo meio, os outros estudantes, as rotinas académicas...Este processo é igualmente importante para os pais, particularmente nos 2º ciclo, 3º ciclo e secundário. A nossa experiência como pais tem sido positiva, e podemos considerar o acolhimento das escolas razoável: alguma informação, auxiliares de acção educativa disponíveis, realização de reuniões de turma para informações, etc. Pensamos que se podiam melhorar alguns aspectos particularmente a nível da informação, da sinalização dos espaços, etc.

Outros aspectos que têm mais a ver com a integração no grupo de companheiros merece também uma particular atenção. A praxe é um desses aspectos.
Por uma questão de moda a praxe coimbrã generalizou-se. Aquilo que teve o seu tempo e o seu espaço, provavelmente hoje não se justifica e algumas práticas sexistas e classistas foram abandonadas. No entanto, a generalização ao ensino básico e secundário corresponde em nosso entender mais a um fenómeno de imitação, como uma moda, do que com algo que corresponda a uma necessidade de integração no grupo.

A praxe pode ser encarada em perspectivas diferentes: ou ela se integra numa perspectiva de acolhimento, criando mecanismos próprios de integração dos mais novos no grupo escolar ou é uma prática meramente tradicionalista, autocrática e que atenta contra as liberdades individuais.

No primeiro aspecto trata-se de um fenómeno de grupo - o conformismo - que se traduz "pela emergência de normas e modelos colectivos". "Estes modelos tomam a forma de costumes aos quais os que chegam de novo devem submeter-se mais ou menos espontaneamente para se integrarem no grupo"." Esta função colectiva do conformismo permite a coesão do grupo". Por outro lado, deste processo faz parte um conjunto de símbolos e rituais de iniciação. "O símbolo tem uma função de comunicação. Contribui para lembrar e manter os sentimentos de pertença, para suscitar ou assegurar a participação adequada dos membros, segundo a posição e o papel que cada um ocupa, para manter "a ordem social natural e a solidariedade que ela implica. "Os rituais como as festas (queima das fitas, festas de finalistas), a saudação, os rituais de iniciação, têm uma função vinculadora. Os rituais de vinculação são amistosos e apaziguadores. É isso que vincula os seres humanos. Geram confiança mútua. A agressividade tem sido ritualizada " houve sempre tentativas de ritualizar a agressividade humana" e os rituais vinculadores são oponentes da agressividade. Há no entanto formas diversas de vinculação.

A vinculação através do medo abre caminho ao autoritarismo. Os símbolos da praxe coimbrã (a moca, a colher e a tesoura) não são propriamente amistosos, mas agressivos, e não servem para rituais amistosos, mas para situações agressivas e autoritárias: as rapadas, apanhar nas unhas... O uso de vestuário característico, a música, etc. tem de facto outro tipo de características que criam o tal espírito de pertença de que falávamos.

A vinculação pelo medo e pela autoridade está bem patente em frases como:" Quem manda aqui somos nós", " vocês limitam-se à vossa insignificância", " animal infecto ", " o caloiro não tem direitos", que qualquer "regulamento" da praxe comtempla. A partir daqui é, pode ser, um crescendo de acções cruéis. Mesmo que estejam estabelecidos limites, o critério é de quem aplica a praxe. Não há qualquer espécie de controle, excepto quando acontecem problemas graves. Mas neste caso já é tarde para o exercer..." A crueldade é o amor pervertido e por isso o sadismo extremado é, sempre, sexualidade pervertida".

A pessoa cruel não pode dar, porque dar é um acto de amor. Devido a motivos inconscientes ninguém diz: "Bato porque tenho satisfação em bater", " bati no meu filho porque ele é pequeno", "vingo-me em casa quando o patrão se volta contra mim". Mas a arrogância e o sarcasmo podem também ser cruéis. " Cada espancamento torna uma criança sádica no desejo ou na prática". "Faço aos outros o que me fizeram a mim".

A praxe é muitas vezes a oportunidade para a realização de algumas destas acções.
E isto a sociedade não o pode permitir.

Carlos Teixeira

Socialização ?

Há cerca de 50 anos, iniciava na escola primária de S. Miguel d' Acha as aprendizagens essenciais: ler, escrever e contar. Recordo o meu primeiro professor, o Sr. Professor Mendes, que revejo de vez em quando cá por C. Branco. Foi com ele que aprendi essas ferramentas essenciais para a vida, que aprendi a gostar de ler, e que me fez pensar que daquelas letras poderia depender o meu futuro.
Comecei por essa altura a ler "O Século" e o "Diário de Notícias" que comprava por 50 centavos ao ti Chico Cego. Nunca mais perdi esse hábito (esse prazer) de ler...
Éramos muitos alunos. Havia cinco turmas: duas de raparigas, na escola das raparigas e três turmas na escola dos rapazes.
É com alguma nostalgia que recordo esse tempo quando assistimos à desertificação humana de hoje. Tantas diferenças existem em relação à escola de então. Nem todas para melhor. Tantas reformas. Nem todas para melhor.


EB1 de S. Miguel d' Acha
Colocou-se recentemente também o problema do encerramento desta escola, da minha escola. (Ver notícia http://www.reconquista.pt/jornal.dll/indartigo?idartigo=24340&idseccao=103). No entanto, felizmente, os pais vão poder contar com a escola para os seus filhos durante mais um ano. (Ver notícia http://www.gazetadointerior.pt/seccoes/index.asp?idn=5891).
Somos todos favoráveis às reformas. Mas... Algumas "reformas" são assim: as pessoas que se acomodem a elas. Quando deviam ser feitas, exactamente, para as pessoas e com as pessoas. Não me interessa qualquer critério de tipo basista. Mas como se poderá entender a tomada de medidas em que não se vislumbra qualquer vantagem para as pessoas? Para que serve ?Além do mais é legitimo fazer algumas perguntas como têm feito as populações, e neste caso, esta população.
Os pais podem até ser ignorantes. Os pais podem até ser maus pais porque não intervêm na escola. Aliás, quando o fazem, quem os ouve ?Os pais podem ser tudo o que os políticos quiserem mas, certamente, estão neste processo porque gostam dos seus filhos e pretendem para eles a melhor educação.
Por isso, colocam questões a que deveriam ter direito de resposta.
Para além de todas as preocupações que os pais levantam, e das respostas que ouvimos, pouco satisfatórias, há uma que merecia uma reflexão. Dizem: a questão é o problema da socialização das crianças. Mas qual é o número de crianças necessário numa escola para que o processo de socialização das crianças não seja afectado negativamente ?

Carlos Teixeira

Liberdade de expressão

Em plena campanha eleitoral para a Presidência da República, Maria de Lourdes Pintasilgo publicou As minhas respostas, em diálogo com Eduardo Prado Coelho, Jaime Nogueira Pinto e João Carlos Espada. 1
Quatro referências fundamentais para a democracia e liberdade.Lembro-me bem destes momentos. Politicamente e emocionalmente.
O livro tem uma dedicatória da própria M. L. Pintasilgo. Estava com o meu filho mais novo ao colo e o mais velho pela mão e ela escreveu: "ao Rui Pedro e ao João Carlos desejando que estas respostas contribuam para o vosso futuro. 21/12/85".
Vem isto a propósito de uma intervenção nessas respostas (pag.81) de Eduardo Prado Coelho, que faleceu recentemente:
"Há aqui uma coisa que me parece muito importante. Eu penso que a liberdade de expressão toca fundamentalmente as pessoas que escrevem, é claro, mas toca fundamentalmente as pessoas que lêem. Isto é, diz respeito aos produtores, mas também - e muito - aos receptores. Porque, quer como leitor, quer como produtor, eu tenho de ser sensível ao problema da liberdade de expressão em geral. Quando ela está em perigo, tudo está em perigo" .
Tão a propósito em 2007!

1. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1985.

Carlos Teixeira

Entrada na escola: aspectos psicológicos e pedagógicos

Todos nos lembramos, mesmo que vagamente, do nosso primeiro dia de escola e da importância que para nós teve o professor.
João de Melo em Gente Feliz Com Lágrimas descreve assim a felicidade de Maria Amélia quando da sua entrada na escola:
O primeiro dia de escola é, assim, preparado com expectativa pelas crianças mas também pelos pais. Embora os pais enfrentem esta situação com bom senso e de modo geral a situação é ultrapassada da melhor maneira, vamos referir alguns aspectos que podem ter interesse para os pais.
"Papá fizera-me uma malinha de madeira de ripa, muito leve, envernizou-a, adaptou-lhe um pequeno trinco de mola. Pus nela um lápis, duas folhas de papel almaço, um pauzinho de giz branco e uma ardósia. A escola vinha subtrair-me à casa, às terras aos maus tratos e à violência de lidar com os animais. As pessoas iam deixar de confundir-me com as galinhas, os porcos e os cães. Jurei que aprenderia depressa as estranhas coisas que até então me separavam dos adultos: as letras e os números. As cifras que resultam da combinação das letras com os números. Queria sentir a própria pulsação do mundo, sobretudo do que existia para além do mar... O quadro negro, nessa primeira manhã de aulas, pareceu-me logo possuído duma transparência misteriosa... O fascínio do globo terrestre, posto a rodar em torno dum eixo oblíquo sobre a secretária e ao contacto com o homem que estava ali para me ensinar o mundo, desvendou-me grandes mistérios... "
O papel dos pais consiste, assim, em:
- enfrentar com serenidade esta circunstância
- transmitir confiança ao filho que vai entrar na escola
- dar uma imagem positiva da escola ( diferente de uma instituição repressiva)
- ajudar a criar na criança motivação para aprender
- encorajar, desde os primeiros dias, os filhos nesta nova experiência
- compreender que o desenvolvimento da criança passa por esta separação e pela integração num novo ambiente
- acompanhar as actividades que a criança vai desenvolver na escola
- apoiar no estudo e criar um espaço próprio e condições que facilitem a aprendizagem
- compreender que entrar na escola não significa que toda a educação depende da escola. A participação em outras actividades de lazer, desportivas e culturais faz parte da educação integral, assim como a participação nas actividades comunitárias.
Mas que escola é esta em que a criança vai ser integrada?
Seria desejável que fosse a escola de que nos fala João dos Santos, para quem ESPAÇO É ESCOLA, ESCOLA É MÃE.

" Uma criança precisa para existir de ESPAÇO. Para que uma criança crie espaço, precisa de ter mãe: para que um corpo se confronte com o seu; para que nesse espaço se possa desenvolver o gesto - "onde põe a pitinha o ovo?" - se metem as palavras e se organize a linguagem que é basicamente emoção e AMOR. Não basta comunicar pelo gesto ou pela palavra. É necessário que a comunicação se faça num enquadramento de linguagem que é: sistema de referências, RELAÇÃO, espaço plástico gerido por cada um e por todos. É a linguagem que preenche o espaço entre as pessoas; é no envolvimento da linguagem que se processa a comunicação.
A criança precisa de ter ESPAÇO para descobrir e se descobrir, para se ver ao espelho, no OUTRO, nos outros, para que alguém lhe possa estender as mãos, para que ela receba a mensagem da cultura, para que a criança possa adquirir sabedoria...A criança precisa de ter espaço para criar tempo. Tempo para brincar, tempo que seja TODO. TEMPO INTEIRO, para sentir, aprender, pensar... nas coisas sérias da vida... no brincar. Para que possa ler na Natureza, nas Pessoas e nas Coisas.... A escola ensina , ou deveria ensinar, a comunicar à distância - no tempo e no espaço - mas só depois de as crianças e dos mestres entenderem que a comunicação escrita é um instrumento intermediário da cultura e não a própria cultura".

Carlos Teixeira