31/12/22

Bento XVI - Por amor


" O amor é a vida. O amor é síntese, a morte é dissolução. Quem encontrou o amor pode dizer: "Encontrei a vida". A inversão do processo da morte, numa passagem para a vida, realiza-se na conversão da cupidez ao amor. O Cristianismo é conversão ao amor divino, portanto, ao amor fraterno e, por conseguinte, passagem da morte à vida."



24/12/22

Nesta noite de Natal


Marc-Antoine Charpentier
Excerto do concerto do Coro Comtradição, em 17-12-2022, Direção: Rui Teixeira
na Igreja de S. João de Deus, Lisboa

Bem casado está José
com a filha de Jessé.
Grande novidade era
Ser virgem e mãe que espera.
Deus bem sabe que assim é:
Bem casado está José.

Joseph est bien marié
à la fille de Jessé.
C'était chose bien nouvelle
D'être mère et pucelle.
Dieu y avait opéré:
Joseph est bien marié.





17/12/22

"A vida apenas, sem mistificação" (2)




A Assembleia da República aprovou  a semana passada (9-12-2022) a lei que  regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível, conhecida como prática da eutanásia.

Assim sendo, continuo a defender o direito à vida como já aqui  fiz  algumas vezes ("A vida apenas, sem mistificação" e Morrer). 


Como sabemos, há diversas posições sobre o assunto. Hoje refiro uma delas, a de Lucien  Israël, médico oncologista  e não crente, que no livro “Contra a eutanásia” explica porque não podemos aceitar a eutanásia. 

No original, o livro tem o título de “Os perigos da eutanásia”; trata-se de ser contra a eutanásia  mas, mais do que isso, de apontar para os perigos que ela representa.

Um desses perigos é a normalização: convenciona-se que há um grupo de pessoas  que podem ser excluídas da sociedade através da eutanásia e o assunto  passa a ser uma questão normal para a sociedade.

Para Lucien Israël, e cito, é “o desabamento da cultura ocidental... a eutanásia  legalizada representa a rutura do laço simbólico entre gerações: filhos e netos e, doravante, bisnetos – já que vamos tornar-nos uma sociedade a quatro gerações - saberão que podem desembaraçar-se dos idosos. No momento em que esta perspectiva se admitir e se tornar objecto de uma forma de consenso social, os mais jovens não poderão deixar de considerar os mais velhos como objetos para deitar fora.” (p. 98) *

E continua:

“Quanto a mim vejo em tudo isto o reflexo de um enfraquecimento dos laços existentes, não só entre indivíduos mas também entre as gerações e os grupos sociais. Hoje estão em perigo precisamente os valores que tornam  possível a sociedade. Existe algo indizível que é indispensável à coerência de uma sociedade;  revelador deste indizível é o respeito devido  à  vida e a necessidade de estender até ao fim os esforços para prolongá-la.”

Claro que há uma distinção entre obstinação terapêutica que é procurar todos os meios para manter a vida e o encarniçamento terapêutico quando já não há nada a fazer e que é de rejeitar.

 

Critica aquilo que parece ser moda: “o pedido da eutanásia faz parte do politicamente correto, cujo campo de aplicação se vai ampliando cada vez mais. Agora em alguns ambientes, é boa regra pronunciar-se a favor da eutanásia porque ela constituiria um quadro satisfatório na relação com o próximo.” (p. 102)

 

O utilitarismo continua a fazer estragos; porque um ser humano deixou de ser útil e se torna um encargo para a sociedade passa a fazer parte dos descartáveis.

Sabemos os custos económicos que os idosos, e o seu tratamento, quando adoecem, exigem da sociedade; porém ninguém pode aceitar que a eutanásia seja uma solução económica para resolver um problema da sociedade que, no fundo, está por trás daquilo que alguns chamam uma morte digna.


Neste debate, refere Lucien Israël, “Percebe-se uma incrível arrogância e a certeza de que sabem melhor que os outros o que é conveniente para a espécie humana. Consideram que todos os seus adversários estão de má fé e chegam até a pensar que os médicos que rejeitam a eutanásia escondem uma forma de sadismo que deve ser combatida com veemência.” (p. 114)

Para Lucien Israël, médico e não crente, o médico tem não só o dever de não se render à morte mas também deve infundir no seu paciente a esperança, a confiança, a vontade e a força de lutar. Porque existem doenças incuráveis, mas não existem doenças intratáveis.

 


Até para semana.


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* Como diz Michel Houellebecq: «Uma civilização que aceita a eutanásia não merece qualquer respeito». (Le Figaro, 










07/12/22

Para além da crise e dos especuladores...

 


... As primeiras cegonhas chegaram, hoje, a Castelo Branco.




 

Livros


A época de Natal é também, no calendário anual de eventos de consumo, um tempo privilegiado de que fazem parte os livros. Por esta altura, costumamos oferecer livros de presente, aos amigos e em particular às crianças.  Fui sempre apaixonado por livros e desde muito cedo me interesso pelo saber, conhecimento, novidade, emoção, cultura e tudo o que eles nos transmitem.


Montaigne (1533-1592) dedica um dos seus Ensaios - “Dos livros” - ao assunto. A esta distância temporal, mais de 4 séculos, escreve aquilo que todos nós continuamos a fazer em relação aos livros. Gostamos de uns e não de outros, alguns pomos de lado, por não corresponderem às nossas expectativas, outros, quando chegamos ao fim, achamos que foi tempo perdido... Mas é esta liberdade que importa: podermos escolher e ler o que queremos. Não estarmos sujeitos a qualquer index (1).  Podermos criticar, ler ou deixar de ler...

Escreve Montaigne: “Se quando leio, encontro dificuldades não roo as unhas por isso: após duas ou três investidas deixo-as onde estão...

“Se um livro me aborrece, pego no outro, e só volto a ele nos momentos em que o fastio de nada fazer começa a apoderar-se de mim.”

 

Eça de Queirós (1845-1900), em Cartas de Inglaterra, escreve sobre livrosum capítulo  “Acerca de Livros" e outro sobre “Literatura de Natal”.

Eça escreve que em Inglaterra há uma época (season) para tudo... Como seria de esperar, havia uma book-season, a época do livros. Já nessa altura, Eça se admirava com a quantidade de livros que se publicavam sobre tudo e nada: "Aos romances nem aludo: montes, montanhas - e monturos!"  (p.22) 

Sobre literatura para crianças, escrevia Eça: "Uma das coisas encantadoras que nos traz o Natal, são esses lindos livros para crianças, que constituem a literatura de Natal." (2) 

Os livros mudam as pessoas? Há livros que me mudaram? Em suma, os livros mudam o mundo?  

Dietrich Schwarnitz (1940-2004) em Cultura - inteligência, talento e criatividade, vol. 6, elaborou uma lista de “livros que mudaram o mundo”. Li uma ínfima parte desta lista de livros. Mas li outros. Cada pessoa tem que encontrar a sua lista; são listas subjectivas, como não podia deixar de ser.

É curioso que também apresenta uma lista de “livros para ir lendo” o que faz lembrar a antibiblioteca de que fala Umberto Eco.

Para além da leitura, só por si  terapêutica (biblioterapia), há livros que têm como objectivo a auto-ajuda e nos permitem compreender e mudar o nosso comportamento.

Quando compro livros ando à procura de respostas para o que me preocupa nesse momento. Tenho sempre grande expectativa em ver até que ponto essa preocupação é resolvida ou se aprofunda e debato-me com os caminhos abertos por esse aprofundamento.

 

Claro que hoje há recursos que não havia no tempo de Montaigne ou de Eça de Queiroz. Hoje podemos ver no cinema ou na TV grandes obras de grandes autores que também lemos nos livros como “Doutor Jivago” ou “E tudo o vento levou”, ou um documentário sobre Freud,  o filme do Rei Leão ou a série Spidey e a sua Superequipa...

Mas isto já é outra conversa.

 

 

Até para a semana.

 

 

 

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(1) O Index Librorum Prohibitorum, de 1559, é  considerado por Schwanitz como um dos “livros que mudaram o mundo”; manteve-se em vigor até 1966.

O controle do pensamento não terminou nessa altura, vem até aos dias de hoje. A censura de livros não é apenas do tempo do Index...  é de hoje através do wokismo e do politicamente correcto, da reescrita da história e das estórias, da censura nas redes sociais, Facebook, Twitter,... como se tem visto e que leva o nome de cancelamento.

 

(2) Eça de Queirós tem uma visão desenvolvimentista das crianças e jovens  e, justamente, os livros devem ser adequados aos diversos grupos etários, acessíveis a todos. É o que se passava em Inglaterra:

"Aqui, apenas o bebé começa a soletrar, possui logo os seus livros especiais: são obras adoráveis que não contêm mais de dez ou doze páginas, intercaladas de estampas, impressas em tipo enorme, e de um raro gosto de edição... 

Depois, quando o bebé chega aos seus oito ou nove anos proporciona-se-lhe outra literatura. Os sábios, a barrica, os trambolhões, já o não interessariam; vêm então as histórias de viagens, de caçadas, de naufrágios, de destinos fortes, a salutar crónica do triunfo, do esforço humano sobre a resistência da natureza. 

Tudo isto é contado numa linguagem simples, pura, clara - e provando sempre que na vida o êxito  pertence àqueles que têm energia, disciplina, sangue-frio e bondade...

Depois vêm ainda outros livros para os leitores de doze  a quinze anos: popularizações de ciências; descrições dramáticas do universo; estudos cativantes do mundo das plantas, do mar, das aves; viagens e descobertas; a história; e, enfim, em livros de imaginação, a vida social apresentada de modo que nem uma realidade muito crua ponha no espírito tenro securas de misantropia, nem uma falsa idealização produza uma sentimentalidade mórbida." (p.34-35)


 










01/12/22

"A razão dos avós"





Nos dias que correm educar uma criança é uma tarefa difícil. Não sei se mais difícil do que no passado. Não o seria a pensarmos nas inovações que num lar estão ao nosso dispor mas a vida moderna trouxe consigo novas dificuldades e necessidade de adaptação.

Há um ditado africano que diz: para educar uma criança é necessária toda a aldeia. E assim é.  

O papel dos avós é inestimável e muitos  estão a dar o seu contributo para essa educação como podem, directa ou indirectamente, apoiando financeiramente tomando conta dos netos, levando os netos ao colégio ou à escola, a passear na rua, ao parque infantil...

Por vezes, na rua, cruzo com pessoas que suponho serem avós com os netos e sorrio... Comigo, quando vou com os meus netos, acontece o mesmo e sinto recompensa pelo sorriso destas pessoas. Creio que, no fundo, comunicamos: “está certo o que estás a fazer,  estás a desempenhar uma tarefa linda e importante”. Muitas vezes é uma opção. Encontramos nos netos a nossa missão principal como  ocupação da nova vida de reformados. É também uma grande viagem à volta de nós próprios. E ainda sobra tempo para fazer turismo, passear por aí, fazer hortiterapia e estar com os amigos...

 

Estar com os netos, traz também uma grande compensação ao vermos  como crescem e se desenvolvem, de que fazem parte momentos difíceis e fáceis, de prazer e alegria, de tristeza e ansiedade, de emoção e afeto, de negação e birras. A alegria dos primeiros passos, as primeiras corridas, as primeiras palavras, as primeiras letras, os primeiros números, o  primeiro amigo. 

Como escrevia  Walt Whitman, em tudo isto o menino se transforma e passa a fazer parte dele. 

É a nossa vida que passa para a vida deles. É a continuidade que vem dos antepassados e que está ali a renovar-se em cada dia. Nada paga esta experiência, esta sensação de que fazemos parte da cadeia, somos um elo vital fundamental mas que nos faz aprender a ser humildes perante tanta dádiva de Deus e da Natureza que nos inunda os dias de felicidade.

 

Revemo-nos nas palavras de Daniel Sampaio em A Razão dos avós: “Um momento significativo ocorre quando os avós vão buscar os netos à escola. É curioso observar como o fazem: sem pressas, com tranquilidade, por vezes com algum excesso de gratificação. Contrastam com a ansiedade de alguns pais que chegam a deixar o carro mal estacionado e se precipitam em recomendações e perguntas a que as criança respondem como podem. Os avós chegam cedo, esperam a hora de saída e passam pela pastelaria da esquina onde oferecem o lanche ou contribuem com uns euros para a coleção de cromos.”(p.86)

 

Os avós vivem agora mais tempo e com mais qualidade de vida. Já não correspondem muitas vezes às imagens dos livros e as novas tecnologias são ferramentas que muitos dominam. 

Há toda uma interacção benéfica para ambos – avós e netos -  e não podemos dispensá-la da educação das crianças deste tempo.

 

 

 

Até para a semana.