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24/03/25

Chuva... Chuva...


O tempo é assim. Imprevisível apesar das previsões. Excessivo ou com moderação. Ameno ou de tempestade. Inspirador pela doçura ou pelo medo. 
As barragens voltaram a encher contra os que diziam que não haveria mais água para isso. A neve cobriu a Serra da Estrela contra os que diziam que não ia cair.
Periodicamente, é o que acontece. Como em 2018. São estas as alterações do clima que nos fazem pensar na mudança: "mudam-se os tempos mudam-se as vontades" como cantava Camões.  E, após um mês de chuva, hoje começou a Primavera com alguns dias de atraso.
Apesar dos contratempos que causa,  a chuva, desde sempre, em todas os lugares e culturas, é música para os nossos ouvidos. 





Maurice Ravel - Jeux d'eau (orchestral version)


R. Strauss - Sinfonia Alpina


Preludio - Gota d´água - Chopin


Young People's Chorus of New York City/USA: Três Cantos Nativos dos Índios Kraó, EJCF Basel 2014





21/03/25

Por que os idosos não querem ir para um lar ?



Com algumas excepções, é o que acontece. Esta é, pelo menos, a minha experiência. A resposta dos idosos quando questionados sobre o local para onde gostariam de ir quando forem velhos é quase invariavelmente :"para um lar não".

Um conjunto de razões pode motivar tal decisão.

- Não querem perder o resto de independência e autonomia que ainda têm e não querem controlo externo para o que fazem: refeições, tempos livres, para fazer seja o que for...
- Não querem perder os vínculos afectivos que ainda existem e que de algum modo se irão perder com a entrada num lar.
- Não querem ser indiferenciados no meio de outros, com igual ou pior situação do que a deles, tornando o ambiente pesado, triste, deprimente, 
- Não querem pensar nas várias violências que são cometidas contra os idosos, que vão da infantilização, aos raspanetes por coisas sem importância, pela dificuldade em memorizar aquilo que esquecem rapidamente, por coisas que já não conseguem fazer...
- Não querem estar sujeitos a técnicos e auxiliares que não têm qualquer vocação e respeito para com os idosos.
- Não querem ser votados ao abandono principalmente pelos familiares que os despejam nos lares e deixam de os visitar.
- Não querem que lhes aconteça como a familiares, amigos e conhecidos que faleceram pouco tempo depois de terem entrado para o lar.
- Não querem perder algumas referências espaciais e afectivas importantes, como perder os amigos, as pessoas próximas e perder as rotinas que eram feitas em determinados espaços e contextos afectivos.
- Não querem pensar que o fim está próximo e “atirar a toalha ao chão”, ou seja, pensar que já se é demasiado velho.

Ora tudo isto é o contrário do que deve ser feito. Se o SNC tem plasticidade (neuroplasticidade), tem que se procurar o que faz sentido para cada um de nós.
Se me sentir acompanhado, querido pelos outros, tiver amigos... tudo isso vai influenciar e regular o sistema nervoso e manter-me mais saudável.
Estes sentimentos, como o afecto e a amizade, são fundamentais, reduzem os medos e afastam a solidão...

Não quero ter uma ideia estereotipada dos lares, generalizando sobre o que se conhece. E o que se conhece não é bom.
Claro que há excepções . Claro que há lares melhores que outros.
Claro que há técnicos competentes em todos as estruturas, sejam IPSS ou Privados, com preços acessíveis ou preços impossíveis...

Manuel Lemos, da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), em 2023, defendia “um novo paradigma, assente no apoio domiciliário”, e reconhecia “que são necessárias mais estruturas para idosos, face à longevidade, mas também outro tipo de oferta.” ( "Lares para idosos têm de evoluir e mudar de padrão" Lusa, DN31-5-2023)
Hoje o nível de escolaridade é superior, muitos idosos já são capazes de utilizar meios digitais, têm interesses diferentes...
Para Manuel Lemos, "mesmo nos lares que existem hoje, temos de encontrar uma nova forma de cuidar dos idosos”...



Até para a semana.


Rádio Castelo Branco



17/03/25

O bom da partida é o regresso


Cipriano de Rore - Ancor che col partire


Ancor che col partire

Io mi sento morire
Partir vorrei ogn' hor, ogni momento:
Tant' il piacer ch'io sento
De la vita ch'acquisto nel ritorno:
Et cosi mill' e mille volt' il giorno
Partir da voi vorrei:
Tanto son dolci gli ritorni miei







22/01/25

Percepção e Realidade


Daqui



A percepção é uma “conduta psicológica complexa através da qual um individuo organiza as suas sensações e toma conhecimento do Real.” (Dicionário Temático Larousse – Psicologia, Círculo de Leitores, p. 198)

Podemos referir alguns aspectos fundamentais da percepção:

- A percepção é a única forma que nos permite conhecer a realidade. Sem percepção viajávamos sem referências pelo nosso mundo exterior e interior.

- É necessário haver integração sensorial (Teoria da integração sensorial de Jean Ayres) que é a capacidade do sistema nervoso central para receber, processar e interpretar informações sensoriais provenientes dos diferentes sentidos: visão, audição, tacto, olfato, paladar, propriocepção (perceção do corpo no espaço) e o sistema vestibular (equilíbrio e movimento)... para criar uma imagem coerente e organizada do mundo e do próprio.

- A percepção é subjectiva. "Estes são os meus olhos, isto é o que eu vejo e é assim que eu penso." A minha percepção não é a de toda a gente. Cada pessoa tem a sua percepção. A percepção da realidade não é uma reprodução exacta do mundo exterior, mas uma construção subjectiva dessa realidade baseada nas nossas experiências e interpretações individuais.

- A percepção da realidade é influenciada por diversos factores, como experiências passadas, crenças, valores, cultura e emoções.
Tendo em conta estas características, concluímos que a percepção pode enganar-nos e levar-nos a cometer erros de análise e de avaliação. E, além disso, estes erros podem ser perigosos para o próprio e para os outros.
De facto, tudo isto acontece porque “o problema dos humanos é que eles vêem o universo mais com as suas ideias do que com os olhos” (Boris Cyrulnik), ou seja, entre os humanos, ver a realidade significa lê-la de uma determinada maneira. Essa leitura passa por vários mecanismos complexos de processamento das informações... (Jean-François Dortier, "La perception, une lecture du monde", Sciences Humaines)

- Tendo em conta estas características da percepção, podemos concluir: A percepção que eu tenho da realidade pode enganar-me e levar-me a ver a realidade de forma errónea. 

Toda a polémica acerca da insegurança e do medo relacionados com o que se passa em determinadas zonas duma cidade, como o Martim Moniz, deve levar em conta o nosso condicionamento e subjectividade. 
Mesmo os que consideram que lêem melhor a realidade porque sabem ler melhor a sociedade e as estatísticas, como os comentadores dos media, seguem as suas percepções que dependem das preferências politico-partidárias com que simpatizam ou têm afinidade, as suas crenças e visão do mundo...
A realidade não muda pelo facto de haver mais ou menos pessoas que pensam que estão do lado das boas percepções da realidade. 

Não há uma percepção mas percepções. A leitura da realidade está sujeita a erros perceptivos por parte de toda a gente: por aqueles que defendem a polícia e por aqueles que são contra o “modus operandi” da polícia, ou, simplesmente, contra a polícia e contra o poder incumbente. 
E este enviesamento perceptivo é o maior erro de quem se recusa a ver, ouvir e achar que não se passa nada. 
Não era Fanhais que cantava os versos de Sophia “Vemos, ouvimos e lemos não podemos ignorar” ? 


Até para a semana.



Rádio Castelo Branco




08/01/25

Eça e Offenbach




"Sim, Offenbach, com a tua mão espirituosa deste nesta burguesia oficial — uma bofetada? Não! Uma palmada na pança, ao alegre compasso dos cancans, numa gargalhada europeia.
Offenbach é uma filosofia cantada."

(As Farpas, Coord. de M. F. Mónica, Principia, p. 29)

01/09/24

Hoje apetece-me ouvir



1. Hoje é o Dia Nacional das Bandas Filarmónicas. 

"As estimativas apontam para a existência de mais de 600 bandas em Portugal e, de acordo com um inquérito feito em 2001 pela Direção Regional de Cultura do Centro, esta designação engloba agrupamentos de 17 a 83 músicos. As bandas apresentam-se geralmente com uniformes personalizados e reconhecíveis, incluindo chapéu, e muitas vezes usando insígnias para distinguir e identificar a comunidade à qual pertencem. Os músicos são quase todos amadores, no sentido em que a música não é a sua carreira, não obstante o facto de, ao longo dos últimos 30 anos, um número crescente de músicos destas bandas procurar formação musical em escolas oficiais de música, elevando assim a sua qualidade técnica e o potencial musical de uma forma bastante notória." (Bandas Filarmónicas: 200 Anos de Música em Comunidade)
Um trabalho extraordinário. Parabéns.

2. Em 1 de Setembro de 1610, a obra musical Vespro della Beata Vergine de Claudio Monteverdi é publicada pela primeira vez, impressa em Veneza e dedicada ao Papa Paulo V.

Monteverdi - Vespro della Beata Vergine - Gardiner





29/08/24

De regresso à selva

 



A luta pelo estímulo (Desmond Morris, O Zoo Humano) é fundamental para a sobrevivência do ser humano. Porém, quando os estímulos são em excesso podemos ficar doentes. 
Sempre que pensamos em férias temos em mente os benefícios do descanso e relaxamento, do ar livre, do mar e do sol, para o corpo e para a mente, que são comprovados pelos estudos sobre férias e saúde.  (1)

Acontece que deixamos o trabalho mas o trabalho não nos deixa. Levamos  connosco muita bagagem desnecessária: preocupações, arrelias, frustrações, desilusões, trabalho e equipamentos: portátil, telemóvel, ipad ...  E acima de tudo a mesma atitude mental: competição expressa ou inconsciente nos mais pequenos pormenores que compromete aqueles benefícios.

Umas férias pensadas e sonhadas para combater o stress levam a aumentar ainda mais o stress com as bichas de automóveis para a praia, para o supermercado, para o barco, dificuldade para estacionar... Afinal já chegava a bicha para marcar consulta no Centro de Saúde, tratar de um documento  na Loja do cidadão, para não falar na AIMA que só de ver na TV me cansa... 

  

O ser humano percebeu que era necessário haver regras para poder funcionar em seu próprio proveito. Mesmo que alguns teimem em não as entender na utilização  do condomínio, do trânsito... e da praia. (2)

Por que há-de haver regras num tempo e espaço em que queremos gozar a nossa liberdade? E por que não hei-de ter as minhas regras ?

Não é de estranhar o resultado de um recente inquérito: “os jovens dizem que as proibições nas praias lhes tiram a diversão.” (3)


Uma das últimas guerras de que estaríamos à espera seria a luta pelo domínio de uma espreguiçadeira junto à praia ou à piscina. Uma espreguiçadeira pode ser o meu território. Tenho espreguiçadeira, logo existo. Mas a conquista daquele minúsculo espaço territorial, a necessidade de ficar à frente, ter o melhor lugar junto à praia, exige ter que levantar cedo, correr para a conquista, impondo a minha regra, o espaço marcado pela minha toalha. E esta vitória tem custos: deixam-me completamente stressado.


Por mais que tenha evoluído e tenha abraçado o progresso, trazido pelo turismo de massas, o ser humano está sempre a voltar para os estádios primitivos dessa evolução. Como acontece com todas as guerras em que  o homo sapiens manifesta a sua incapacidade para ultrapassar a eliminação física do outro ou os pequenos conflitos interpessoais, inesperados, que ameaçam o velho cérebro que dita o meu domínio territorial: "Os hotéis dizem que sem o controlo das espreguiçadeiras "seria uma selva", uma vez que os turistas competem por lugares privilegiados nos hotéis ao longo da costa espanhola." (4)


O comportamento humano não pára de nos surpreender, preocupar e... divertir. Em vez de tranquilas férias aumentamos o stress, a terapia vira pesadelo, um feliz casamento pode voltar de férias desfeito ou uma boa amizade encontrará o seu ocaso. (5)

O ser humano ainda não se adaptou a estas novas regras. Volta sempre à selva de onde afinal parece nunca ter saído: um lugar ao sol tem uma importância fundamental para um primata em via de socialização.


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30/06/24

Construir



Manuel Cargaleiro (Mata dos Loureiros – Castelo Branco)

“Quando um artista encontra o seu caminho, é a grande felicidade” - Cargaleiro (Entrevista à RTP)

1927-2024

09/02/24

Educação – o maior tesouro


Pais e educadores, às vezes, sentimo-nos perdidos com tanta informação sobre a educação das crianças e sobre a melhor educação tendo em vista o seu futuro.
Choque do Futuro, um livro de Alvin Toffler, já com mais de 50 anos alertava para o desconforto que poderíamos sentir em virtude da evolução tecnológica e social que estava a acontecer e que se acentuava cada vez mais e também dos desafios daí resultantes que se verificavam em todos os campos da actividade humana. 
Na verdade, nem tudo o que se diz "progresso" é positivo, e, na verdade nem tudo é possível ser previsto havendo sempre a possibilidade de aparecerem cisnes negros na nossa vida. (N. Nicholas Taleb)
Alvin Toffler alertava: “O analfabeto do século XXI não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender.” (1)
No meio de tanta informação, a tarefa de educar na sala de aula e na escola parece que não evoluiu assim tanto. 

O processo de aprendizagem nalguns casos continua baseado na coerção, no medo, na obrigação fazendo com que formemos jovens que possuem desconfiança e desprazer com o ato de estudar. E aqui e ali surgem alguns (maus) exemplos...

Jacques Delors, recentemente falecido (27-12-2023), foi Presidente da Comissão Europeia entre 1985 e 1995.
Quero recordá-lo aqui, pelo mérito de ter presidido à Comissão que produziu o relatório sob a forma de livro: Educação - Um tesouro a descobrir. (2)
O título do Relatório é uma referência à fábula de Esopo (ou La Fontaine): O Lavrador e seus filhos, que nos mostra que o trabalho de preparar o terreno, semear e plantar é o verdadeiro tesouro que mais tarde vamos descobrir.
A educação para Jacques Delors baseia-se em em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser (Capítulo 4).
• Aprender a conhecer, combinando cultura geral, ampla, com a possibilidade de estudar, em profundidade, alguns assuntos.
• Aprender a fazer, adquirir uma qualificação profissional, sendo apto a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. 
• Aprender a conviver, desenvolvendo a compreensão do outro e a percep­ção das interdependências – projetos comuns, gerir conflitos – no respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz.
• Aprender a ser, para desenvolver, o melhor possível, a personalidade e estar em condições de agir com uma capacidade cada vez maior de auto­nomia, discernimento e responsabilidade pessoal. Com essa finalidade,a educação deve levar em consideração todas as potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar­.

O conceito de educação ao longo da vida é a chave que abre as portas do século XXI (Capítulo 5);  ele elimina a distinção tradicional entre educação formal inicial e educação permanente. Além disso, converge em direção a outro conceito, proposto com frequência: o da “sociedade educativa” ("The Learning Society") na qual tudo pode ser uma oportunidade para aprender e desenvolver os talentos. (3)
Nesta perspectiva, a educação permanente é concebida como atualização, reciclagem e conversão, além da promoção profissional, dos adultos.  
Deve  abrir as possibilidades da educação a todos, com vários objetivos: oferecer uma segunda ou terceira oportunidade; dar resposta à sede de conhe­cimento, de beleza ou de superação de si mesmo; ou, ainda, aprimorar e ampliar as formações estritamente associadas às exigências da vida profissional, incluindo as formações práticas.

Em suma, para Jacques Delors, a educação ao longo da vida, é aprender a aprender, é tirar proveito de todas as oportunidades oferecidas por essa “sociedade educativa”.


Até para a semana


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(1)  A frase é de Herbert Gerjuoy. Reflexão para ler e criticar sobre o que é aprender, desaprender e reaprender
(2) A Conferência Geral da UNESCO, em novembro de 1991, convidou o Diretor Geral “a convocar uma Comissão Internacional para refletir sobre a educação e a aprendizagem no século XXI”. Assim, Federico Mayor solicitou a Jacques Delors para assumir a presidência dessa Comissão, que reuniu outras 14 personalidades de todas as regiões do mundo, oriundas de diversos horizontes culturais e profissionais. A Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI foi criada oficialmente no início de 1993.
(3) "A formação ao longo da vida, como categoria enquadradora de uma nova forma de conceber as relações entre a educação, a escola e a sociedade, (sublinhado meu) se, por um lado, radica em necessidades pragmáticas das sociedades a que urge responder mais adequadamente, por outro implica a reconceptualização do papel da instituição escolar e, consequentemente, o reexame das grandes metas de educação escolar no mundo atual."  Maria do Céu Roldão, "A educação básica numa perspetiva de formação ao longo da vida",  Inovação - Educação e Formação ao longo da vida, Vol. 9, nº 3, 1996, p. 211.






Rádio Castelo Branco



11/01/24

"As cantigas são tantas, que a mim até se mudam"


As cantigas são tantas, que a mim até se mudam - 
Ensaio sobre a paisagem,  Filipe Faria.

1. "As  cantigas são tantas, que a mim até se mudam", é o nome da exposição de Filipe Faria inaugurada no dia 18/11/2023, no Centro Cultural Raiano, com a participação musical de Fátima Torrado Milheiro. O evento integra o Programa "Fora do lugar".

A exposição "Som Sobre Fotografia" integra cantigas e fotografias de São Miguel de Acha. É uma exposição sobre os sons que estão dentro dos lugares e das pessoas de S. Miguel de Acha a que dá voz Fátima Torrado Milheiro. É uma exposição sobre a existência e a importância dos sons nos eventos da vida.

2. É também um livro com as fotografias da exposição de Filipe Faria e uma longa entrevista a Fátima T. Milheiro. 

Como é referido por Filipe Faria no belo livro sobre o evento, é possível que o som nunca se extinga e se tivéssemos uma máquina que o captasse - como dizem que dizia Marconi - podíamos  ouvir  esse som sempre que quiséssemos.

"Podíamos ouvir tudo. Ouvir a primeira inspiração dos nossos filhos e dos nossos pais. Ouvir o primeiro grito da Humanidade, cada sermão, conselho sábio ou riso de todas as gerações. Ouvir o som grave da primeira erupção ou o canto agudo daquela ave que escapou para longe. Todos nós podíamos ouvir tudo. Ouvir tudo, para sempre. 
Depois de produzido, o som não morria mas perdia poder, enfraquecia. Estas ondas sonoras, fracas, sem destino preciso, permaneciam eternamente a flutuar. Qualquer som podia, em teoria, ser recuperado. Ouvido pela primeira ou pela enésima vez. Qualquer som de qualquer lugar ou tempo passado. O primeiro e o último. Um som perdido podia ser ouvido, novamente, com o equipamento certo. Um equipamento poderoso. Um que conseguisse ouvir e escolher. Um por inventar. 
Todos os sons são sons perdidos… "

Como não há máquina que os possa captar, temos, felizmente, outro dispositivo altamente sofisticado, chamado memória. Uma memória que preserva tudo o que foi a nossa vida ao longo do tempo, que gravou, seleccionou e é capaz de reproduzir todos os acontecimentos que vivemos. Foi isso que Filipe Faria levou a efeito na exposição/canto em que o som se liga aos lugares, casas, ruas, pedras, equilíbrios arquitectónicos, paisagens, caminhos, os lugares que "ouviram" as canções de roda, os lugares altaneiros, as torres onde aconteceu e acontece "a encomendação das almas".
O som anda por aí, pelas ruas, se nos pusermos à escuta, profundamente, descobrimos esse som em cada pessoa de S. Miguel ou em cada imagem das pedras, das janelas, das coisas mais organizadas ou desorganizadas.

Alguns sons são especiais. Podemos lembrar o som da fala da mãe, do pai, dos irmãos, dos amigos, dos que nos amam muito e também dos que não gostam de nós. Há um som particularmente importante: O som do meu nome. O nosso nome, o nome de uma pessoa é o som mais importante e doce de qualquer linguagem. (Dale Carnegie, Como fazer amigos e influenciar pessoas)

O som pode ser ruído, experiência desagradável, e ferir, literalmente, os nossos sentidos. De resto, o som ajuda no equilíbrio da mente. É dessa forma que os bebés pacificam, com uma canção de embalar, e não só os bebés, basta ouvir, por ex., Lullaby, de Brahms, para nos acontecer a mesma serenidade. Sobre a origem da angústia infantil, escreve Freud sobre um pequeno rapaz de três anos: "Um dia em que ele se encontrava num quarto sem luz, ouvi-o gritar: 'Tia diz-me qualquer coisa, tenho medo porque está muito escuro.' A tia respondeu-lhe: 'De que é que isso te serve se não me podes ver?' 'Isso não tem importância', respondeu a criança; 'desde que alguém me fale, há luz.' ". (Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Ed. "Livros do Brasil", Lisboa, p. 166)

3. As memórias destes sons fazem parte desta história e são elas que dão colorido aos registos que permanecem connosco por gerações. 
E que bela memória nos apresenta Fátima T. Milheiro para nos transmitir, cantando, as melodias que nos estão no ouvido mas que só ela sabe interpretar com a mestria que lhe reconhecemos.
Felizmente, ficam também aqui registadas e podem ser acedidas pelo QR Code que remete para o site "arte das musas", para as histórias e as músicas cantadas pela Fátima.

4. A exposição esteve patente ao público até final de Dezembro. Era bom que conforme então se perspectivava, na Primavera de 2024, a exposição pudesse ser visitada no local onde estes sons nasceram - S. Miguel d'Acha.



30/10/23

Pela Paz



Daniel Barenboim,  Beethoven - Sonata No. 8 Op. 13 (Patética) 
I. Grave -- Allegro di molto e con brio 0:19
II. Adagio cantabile 9:46
III. Rondo: Allegro 15:11

27/09/23

Memória e internet - o "efeito google" *


A nossa memória é fascinante. Ela acompanha-nos desde sempre. É a memoria filogenética. Vem com os nossos genes e vai sendo acrescentada e modificada pelas experiências da nossa vida, pelos estímulos ambientais, o meio físico e social, a cultura, a educação. Temos memórias únicas e pessoais que podemos recuperar sempre que quisermos, desde que não tenham sofrido alterações e perturbações. Mas esta memória está sendo confrontada (e ameaçada ?) com outra memória: a internet, o google, a inteligência artificial (IA)... Até que ponto a internet está a mudar os nossos cérebros, os processos mentais e, em particular, a nossa memória? Que efeitos poderá ter o google na nossa memória e suas consequências nos processos cognitivos? Até que ponto podemos beneficiar ou não com os assistentes digitais de memória? Será que eles mudam a nossa forma de memorizar?

Qualquer pessoa pode pesquisar um assunto, utilizando o google, pela extrema facilidade com que se obtêm respostas, mesmo que manhosas ou até erróneas. Esta facilidade tem uma vantagem: poupa-nos o esforço de aprender e recordar mas também tem um problema: a informação não é registada na nossa memória pessoal biológica e neuronal mas antes na memória externa digital e artificial.
“A navegação na internet implica uma atividade multitarefa intensiva pelo que a rede pressupõe um sistema de interrupção da atenção sustida e focalizada. Estamos constantemente a mudar de objetivos com a atenção dividida e a controlar a interferência de estímulos.” (Emilio García García (2022), Memória - Recordar e esquecer, Biblioteca de Psicologia, p. 129)
Todos temos esta experiência: começamos a navegar e depressa deixamos os objetivos iniciais da nossa pesquisa para irmos atrás das ligações que são propostas pela internet, das sugestões que vão aparecendo no ecrã, das informações mais recentes que desfocalizam a nossa atenção e acabamos pesquisando assuntos pouco ou nada relacionados com aquilo que nos interessava e acaba numa perda de tempo,...

O cérebro digital de um computador é muito diferente do cérebro vivo de uma pessoa, assim como a memória externa e artificial é muito diferente da memória pessoal biológica. “O cérebro humano está constantemente a elaborar informação reconstruindo as memórias. Quando trazemos à memória de trabalho uma memória guardada a longo prazo, estabelecem-se novas ligações num contexto de experiência distinto e sempre novo. O cérebro que recorda já não é o mesmo que elaborou as memórias.” (p. 128)

O "efeito Google" ou "amnésia digital", é então um comportamento cada vez mais comum: o de confiar o armazenamento de dados importantes aos nossos dispositivos e à internet no lugar de guardá-los na cabeça.
O problema pode ser mais grave do que se imagina: além de recorrer à internet para guardar informações, muitas pessoas têm a impressão de que os dados online fazem parte de sua própria memória.

O mundo actual condiciona-nos a consumir uma enorme quantidade de informações, e a memória biológica não consegue lembrar-se de tudo. 
Portanto, usar essas ferramentas como um complemento pode ser de grande utilidade, mas deve ser feito com muita responsabilidade.
Ainda não podemos tirar conclusões sobre se o "efeito google" muda o nosso cérebro, como acontece com a leitura, por exemplo, mas o tempo dirá como foi esta mudança. (p. 130)



Até para a semana.

___________________
* Hoje comemora-se o 25º aniversário do Google (1998-2023).



Rádio Castelo Branco
 

04/09/23

Jovens que gostam de música antiga


Fui ao concerto final, em 2 de setembro, dos Cursos Internacionais de Música Antiga - CIMA 2023, na Sé de Idanha-a-Velha

Não deixa de ser curioso que no meio de tanta agitação, diversidade de apelos do que está na ordem do dia, do consumo, dos media, e do vazio... haja jovens que se interessem e gostem de música antiga e que venham estudar num sítio longe dos grandes roteiros turísticos de Verão. Um grande aplauso só por isto.

"Barroco. Esta palavra vaga, de ressonâncias pejorativas, encontra-se revalorizada, nos nossos dias, sob a forma mais autêntica e mais refinada. Mais ou menos conhecida do público, antes de 1950, a música barroca tornou-se o objecto mais precioso de deleite do amador esclarecido: encontram-se contrastes inesperados, coros de anjos, timbres raros, e a indústria do disco procura nela best-sellers." (História da Música Clássica, vol I, Barroco e Classicismo, pag. 27)

Do programa fizeram parte:
Valentini, Giuseppe (1681-1753)
Hotteterre, Jacques-Martin (1674-1763)
Telemann, Georg Philipp (1681-1767)
Senaillé, Jean Baptiste (1687-1730)
Boismortier, Joseph Bodin de (1689-1755)
Monteverdi, Claudio (1567-1643)
Leclair, Jean-Marie (1697-1764)
Chedeville, Nicolas (1705-1782)
Bach, Johann Sebastian (1685-1750)
Rameau, Jean-Philippe (1683-1764)

Uma das peças apresentadas foi "Les Indes Galantes" ("Forêts paisibles") de Jean-Philippe Rameau.





26/06/23

Terapia da natureza



Parque da Cidade - Mata dos Loureiros - Castelo Branco



Viver em meio rural pode ser uma desvantagem mas também um privilégio: a natureza está mesmo ao pé da porta. Basta andar umas dezenas ou centenas de metros e temos a natureza em pleno, nas hortas e nas quintas que dão continuidade ao espaço urbano.
Os cientistas têm vindo a investigar a influência da natureza no nosso cérebro, concluindo que o tempo passado ao ar livre não é um luxo, mas sim uma necessidade básica dos seres humanos - e até pequenas «doses» de natureza podem tornar-nos mais criativos e deixar-nos mais bem-dispostos. (Florence Williams, A Natureza Cura)
O que nos faz deslumbrar perante um pôr-do-sol, acalmar sob a refrescante sombra de uma árvore, relaxar perante uma paisagem ou quando olhamos o azul do mar? O que nos faz acalmar ao ouvir o canto dos pássaros?
Todos já tivemos essas experiências e sabemos que estas situações possibilitam o descanso do cérebro, geram em nós equilíbrio, chamam tranquilamente a nossa atenção.
“As cenas naturais embalam-nos num “suave fascínio” ajudando a fazer descansar as nossas faculdades de atenção direta ... Com esta recuperação, ficamos mais descontraídos, podendo depois realizar melhor as tarefas do foro mental.... a exposição aos ambientes naturais consegue diminuir de imediato os níveis de ansiedade e tensão podendo nós depois pensar com maior clareza e ficar mais alegres.” (p. 60) Sem dúvida, a natureza cura, a natureza torna-nos mais felizes, mais saudáveis e mais criativos.

As vantagens físicas e mentais de viver a vida ao ar livre são evidentes. Há, actualmente razões validadas pela investigação (Maria Pinheiro, "O ar livre faz bem à saúde: 8 razões para sair de casa", PH+, nº 20), de que a vida nos espaços exteriores têm vantagens para a nossa saúde: 
- Estimula a produção de vitamina D. 
- Melhora a saúde mental.
- Diminui o stress. 
- Aumenta a concentração e potencia o desempenho académico. 
- Melhora a visão. 
- Reduz a inflamação e estimula o sistema imunitário. 
- Melhora a qualidade do sono. 
- Retarda o envelhecimento. 

A ecoterapia, ou terapia natural, baseia-se no conceito de usar a natureza para nos ajudar a curar, especialmente psicologicamente. 
A prática desta terapia é tanto mais importante quanto sabemos a dificuldade que temos em deixar de estar online e de nos libertarmos do audiovisual - tv, videojogos... podendo em vez disso beneficiar do ambiente natural.
A responsabilidade de viver de acordo com este ambiente natural, é essencialmente nossa...
No entanto, as autarquias têm aqui uma particular responsabilidade. Não podem ignorar estes dados relativamente à qualidade de vida que pode ser devolvida pela natureza quando cuidamos dela, criando espaços verdes, zonas de lazer, que são autênticos espaços terapêuticos. *
Nas zonas rurais, quando éramos crianças, tudo isto era mais natural e havia uma integração social e comunitária que permitia aproveitar os benefícios que a natureza oferecia. 
Entretanto, as condições sociais mudaram drasticamente e, por isso, a criação de equipamentos colectivos quando necessários deve ter em conta as novas realidades, principalmente, a nível da segurança... 
Estamos no Verão e as férias estão a chegar. Podemos aproveitar os benefícios que a natureza nesta altura é tão pródiga em nos oferecer.


Boas férias, com muita saúde.

 

 

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 * Isto não significa que, por questões eleitoralistas, se deva cair na tentação de implantar determinados equipamentos apenas porque é moda: piscinas,  ciclovias,  passadiços, roteiros pedestres, hortas urbanas e comunitárias... que se vão replicando um pouco por todo o lado.

 


Rádio Castelo Branco


23/06/23

"Mitos climáticos" 17

Com o agradecimento devido, vou buscar ao J. Rentes de Carvalho, em TEMPO CONTADO.

quinta-feira, junho 22

Freeman Dyson


Admiro os rebeldes inteligentes e consequentes. Freeman Dyson (1923-2020) foi desses. Físico  famoso e respeitado, trabalhou com Niels Bohr, Oppenheimer, Bethe, Teller, Feynman, ocupou a cátedra de Física na Cornell University e no Institute for Advanced Studies de  Princeton. O politicamente correcto não era com ele. Anos atrás, numa entrevista com o semanário neerlandês Elsevier afirmava:

"Os efeitos do aquecimento global serão mais vantajosos que prejudiciais. Os seus cálculos sobre o dióxido de carbono levam-no a concluir que: Muitos leigos crêem que esse gás na atmosfera resultará em séculos de desastre. Nada menos verdade. Uma molécula de COpermanece apenas sete anos na atmosfera, sendo depois absorvida pelos oceanos ou pela vegetação. É um equilíbrio muito dinâmico e totalmente ignorado pelo público.

Um facto matemático que também deveria ser mais conhecido, acha Dyson, é existir uma função logarítmica nos efeitos físicos do CO2. O que significa que quanto maior for o volume desse gás na atmosfera, mais diminuirão os seus efeitos. Do ponto de vista da sociedade isso é extremamente tranquilizante.

É interessante  notar – disse o jornalista – que muitos (cientistas) cépticos acerca do aquecimento global são pessoas idosas. Porque será?

Dyson permaneceu calado alguns segundos, o seu olhar preso no do interlocutor:

Os cientistas idosos são financeiramente independentes e podem falar com toda a liberdade… Fora de dúvida existe um lobby do clima. Há um vasto número de cientistas que ganha dinheiro assustando o público. Não digo que o façam conscientemente, mas é facto que muitos rendimentos provêm desse medo.

O presidente Eisenhower disse um dia que o poder dos militares em determinado momento se torna  perigoso, pois é tão grande. O mesmo se constata com o lobby do clima: com o poder de que dispõe torna-se perigoso."

 

24/04/23

O navio fantasma


O Navio Fantasma de Richard Wagner - Encenação Max Hoehn
Coro do Teatro Nacional de São Carlos e Orquestra Sinfónica Portuguesa




A ópera O Navio Fantasma (Der fliegende Holländer no título original) estreou em 1843 sob direção musical de Richard Wagner. O libreto é do domínio do fantástico: por ter invocado o Demónio, um marinheiro holandês (por alguns identificado como o Herói Romântico) foi condenado a errar eternamente pelos mares, comandando um navio fantasma. É-lhe concedida, como escape à maldição, a possibilidade de poder vir a terra de sete em sete anos e de encontrar uma mulher que lhe seja fiel até à morte. A redentora será a filha do marinheiro Daland, Senta, que quebrará a maldição lançando-se ao mar.

A obra apresentou, pela primeira vez, alguns elementos constitutivos de toda a futura produção wagneriana e contém ambientes e personagens impregnados de realismo. Daland, exemplo marcante, vai ser cantado pelo britânico Peter Rose. A ópera O Navio Fantasma foi apresentada no Teatro Nacional de São Carlos a 4 de março de 1893 e já aí teve notáveis intérpretes do Holandês.

A nova produção é assinada por Max Hoehn, jovem encenador que integrou a equipa artística de Graham Vick na produção de Alceste em São Carlos, em 2019, e que transportará o caráter épico da música de Wagner para uma conceção cénica sustentável, em linha com os desafios do nosso tempo.


Ficha técnica:

Direção musical - Graeme Jenkins

Encenação - Max Hoehn

Cenografia e desenho de luz - Giuseppe di Iorio

Figurinos - Rafaela Mapril

O Holandês - Tómas Tómasson

Senta - Martina Serafin

Erik - Peter Wedd

Daland - Peter Rose

O Piloto - Marco Alves dos Santos

Maria - Maria Luísa de Freitas

Coro do Teatro Nacional de São Carlos

(Maestro titular Giampaolo Vessella)

Coro Ricercare
(Maestro titular Pedro Teixeira)
Orquestra Sinfónica Portuguesa
(Maestro titular Antonio Pirolli)


(De Centro Cultural de Belém)





Foi um privilégio assistir a este espectáculo: O navio fantasma de Wagner. Principalmente a Abertura,  o Coro das jovens aldeãs amigas de Senta, no princípio do segundo Acto e a Balada de Senta, deixam-me focado na beleza que ainda existe neste mundo. Na força do ser humano e na capacidade de cada um dos artistas para a (re)criação de emoções e sentimentos de bem-estar e positividade em cada um dos espectadores: Eu, na sala, colado ao palco com o sentimento de viver o drama de quem busca a salvação em Senta ou então na desesperança de continuar a navegar perdido para sempre no mar. A eterna história do amor salvífico que passa pelo sofrimento da separação...











 

05/03/23

António Salvado (1936-2023)


SE QUISERES LEMBRAR...

Se quiseres lembrar o que perdido
está        aviva o sangue flutuante
que no entanto ainda jaz nas veias.

Não servirá - tu saberás - de alívio
o perseguir aquelas marcas vãs
porque o que foi       não ganha novo enleio.

Indecisões? Um prémio passageiro?
Um sol brilhante que escondeu enganos?


António Salvado, Repor a luz