30/09/21

Vale a pena se for...



"Ser cristão é passar da morte para a vida. O Cristianismo é portanto um movimento, um caminho; não é uma teoria, nem um conjunto de doutrina; o Cristianismo é vida, é um impulso vital que nos leva à verdadeira vida e, por conseguinte, abre também os nossos olhos para a verdade, que não é pensamento puro mas força criadora fundamentalmente idêntica à caridade."

"Nós sabemos que passámos da morte à vida".  O Cristianismo é, portanto, a inversão da direcção normal da nossa existência. A vida humana é, segundo a sua tendência natural, um caminho em direção à morte, em direção à dissolução da síntese maravilhosa que é a vida. Provavelmente, São João, com a sua definição de existência cristã, pretende mostrar não só a inversão da tendência normal de cada vivência, no processo batismal, mas também ainda a origem da história humana..."  (Pg 9-10)



28/09/21

Reformar e investir em educação 2

Esperança - a árvore frágil...


Alguns autores inspiradores para a nossa vida podem também iluminar um programa de educação estruturante para o futuro. Ajudam-nos a estabelecer um rumo, a ser vento e não andar ao sabor dele, ou seja, de modas atrabiliárias resultantes das agendas políticas e ideológicas dos governos actuais e dos que aí vêm, ou de facções modistas curriculares que não reflectem o que a sociedade precisa para os seus cidadãos: uns dias é área-escola, outros educação sexual, outros ainda cidadania e desenvolvimento, outros AEC e escola a tempo inteiro... um dia são objectivos e, no outro, competências...

Como aqui referi, uma reflexão possível, a partir da psicologia e pediatria, e de muitos modelos pedagógicos ou psicopedagógicos - convém conhecer Montessori, Freinet, Makarenko, Fröbel, Rogers, Piaget, Kohlberg, D. Rose... - integra três perspectivas: aprender numa escola inclusiva que educa para o bem-estar e para um mundo melhor, baseada numa cultura de educação diversa e plural, democrática e livre, igual e justa.

A escolarização continua a ser o processo mais comum de educação das crianças. Não ignorando formas alternativas que podem existir (ou mesmo a desescolarização), a maioria das famílias continua a querer os seus filhos na escola. E de facto, na escola reside a grande diferença em relação ao futuro pessoal de cada aluno e ao futuro da sociedade. Não podemos esperar uma sociedade desenvolvida sem o trabalho educativo de excelência desenvolvido nas escolas, não podemos esperar cidadãos responsáveis sem as aprendizagens humanísticas, técnicas e científicas efectuadas nas escolas. A escolarização continua a ser responsável pela definição do futuro.
É por isso que se ainda há lugares sagrados neste mundo, a escola devia ser um desses lugares, como ouvia dizer ao Prof. António Frade (Cousas e Lousas). A escola devia ser poupada à violência, ao bullying, mas também devíamos poupar os alunos e as famílias aos caprichos curriculares e à intrusão nas competências das famílias.

O que aconteceu para que a escola, principalmente nas sociedades democráticas, seja o lugar que é hoje? Se a escola é o centro da esperança no futuro também, ao mesmo tempo, é o sítio das desilusões de quem trabalha na educação, desmotivado e em burnout, o sítio das "mágoas da escola" (Pennac) de quem a frequenta.
Esta difícil situação deve ter em conta que os pais devem ter um papel na educação dos filhos, é uma questão fundamental em qualquer projecto educativo. Porém, isto não significa que os pais sejam intrusivos ou possam invadir a escola com a violência que conhecemos em algumas situações chegando à agressão física de professores. 
Outra coisa é o papel dos pais que desde logo devem ter a possibilidade de escolher o projecto educativo (currículo) mais adequado para os filhos. Com raras excepções, a educação é uma prioridade das famílias e muitos pais sabem qual é o seu papel na educação e instrução dos filhos, em colaboração com a escola e professores.
Para atingir estes objectivos, uma reforma concreta, uma reforma das pequenas coisas, teria em conta a realização dos seguintes aspectos críticos.

1. Consolidação do sistema educativo
Há legislação a mais sobre a educação e a escola. Por isso, uma das medidas fundamentais é  legislar apenas o essencial para o sistema. Isto significa legislar menos e nos timings certos de forma a não criar disfuncionamentos e dificuldades de adaptação dos professores, pais e alunos, em cada ano lectivo que se inicia...
Aplicar a legislação em vigor e avaliar periodicamente, a longo termo, a sua eficácia.
Avaliar os projectos educativos, curriculares ou outros de cada escola.
O estado deve limitar-se, o que é muito, ao papel de gerir o sector educativo estatal e regular todo o sistema educativo.

2. Articulação do sistema educativo 
Necessidade de um sistema coerente entre os vários sectores ou subsistemas: estatal, privado, cooperativo e social e entre várias modalidades de repostas/valências educativas e terapêuticas...
Repor, na medida do possível, e alargar, os contratos de associação nas localidades onde se justificam.
Regular a articulação com o sector privado, social e cooperativo, de forma a que os resultados sejam idênticos ou melhores que no sector estatal, como têm sido, basta ver os rankings dos exames, e  sejam menos dispendiosos para o estado. 
Esta rede educativa pode ter as vantagens que apenas um sector não tem: a liberdade de ensinar e de aprender. 
A concorrência entre projectos educativos das escolas estatais  e privadas, pode criar opções de escolha às famílias e aos alunos, pode desempenhar um papel importante na redução de despesa do estado quer através de contratos de associação quer através de encargos das famílias que o estado deixa de ter com a educação.
No sector estatal, promover o desenvolvimento dos projectos de autonomia das escolas.

3. Estabilização dos recursos humanos
Negociar com os sindicatos de professores o tempo de serviço de  9 A 4 M 2 D: as formas possíveis de gestão deste tempo efectuado pelos professores e que de forma nenhuma lhes pode ser sonegado.
Alterar o sistema de recrutamento e selecção de professores: terminar com a centralização dos concursos, com benefício para a redução da deslocação de professores, contra o centralismo educativo saloio e provinciano do ministério da educação: concursos de professores, parque escolar...
Número limite de turmas/professor. Não faz sentido que um professor possa leccionar 500 alunos, como um professor de TIC, por exemplo, uma vez por semana...
Técnicos especializados: psicólogos, terapeutas da fala, intérpretes de LGP, formadores/prof de LGP - eliminação da precariedade e entrada no quadro após 3 anos de serviço efectivo.
A gestão estratégica dos recursos humanos da educação passa por um "Programa de rejuvenescimento do corpo docente", proposto  por António Costa Silva, com o qual estou de acordo (Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030)

4. Avaliação das aprendizagens
Terminar com a actual periodização da avaliação, passando de três períodos de avaliação sumativa, para dois períodos, correspondentes a dois semestres, como acontece no ensino superior.
Repor a avaliação sumativa externa no final do 4º ano e 6º ano e acabar com a avaliação aferida no 3º e no 5º.
Definir o peso efectivo dessa avaliação externa no conjunto da avaliação contínua e interna.
Realizar uma prova aferida externa no final do 2º ano lectivo que terá como objectivo a avaliação das dificuldades individuais dos alunos na leitura, escrita e cálculo. Face aos resultados, cada escola deve desencadear o processo de apoios educativos e outros de que o aluno necessita para poder ultrapassar dificuldades detectadas.

5. Estabilização e autonomia do Currículo 
O currículo nacional deve merecer uma atenção especial como, aliás, tem sido dada a língua portuguesa e matemática. 
Do currículo nacional deve fazer parte uma disciplina de música para todos os alunos do ensino básico.
Além disso, os alunos terão ainda a possibilidade de optar por clubes ou projectos artísticos ou desportivos.
Com esta opção termina a obrigatoriedade da frequência da "disciplina" de "cidadania e desenvolvimento". E as actividades circum-escolares estarão organizadas em clubes e ou projectos, de iniciativa da escola, e de acordo com os interesses dos alunos, no campo do desporto, artes e cultura, de acordo com os grupos disciplinares e tendo em conta o contexto cultural em que a escola se insere, substituindo as actuais AEC. 
As  alterações curriculares devem sempre ser sujeitas a um processo de avaliação do currículo em vigor e dos projectos desenvolvidos
Reposição da "educação vocacional". Avaliar a experiência efectuada (Ramiro Marques). Manter com alterações, se necessário, resultantes dessa avaliação. Seria preferível designar esta modalidade de educação de "Preparação para a formação profissional".
Definir a idade mínima de 13/14 anos para a integração nestes cursos. Isto significa que  seriam abrangidos alunos com duas ou mais retenções no 2º ciclo.
Estes alunos devem antecipadamente participar em projectos de OEP.
O projecto deverá ser alargado progressivamente a todo o país.

6. Redefinição da intervenção da ASE  
Os livros escolares serão gratuitos para todos os alunos. Não se compreende porque ficaram excluídos os alunos das escolas com contrato de associação  e escolas profissionais para além do ensino privado.
Os livros escolares ficam na escola acabando com o transporte quotidiano de peso exagerado nas mochilas, preservando a saúde dos alunos e ao mesmo tempo a preservação dos livros.
Gratuitidade das refeições terminando com os actuais escalões. Esta medida iria beneficiar todos os alunos e suas famílias.
Poderá haver um período de transição, até a despesa poder ser acomodada no orçamento do estado, em que tanto num caso como no outro se deve ter  em conta a situação de recursos, segundo os escalões do abono de família, por ex., em relação a todos os alunos.

7. Inclusão
Adoptar uma metodologia UDL (Universal Design for Learning) preconizada, aliás, no DL 54/2018, que sem dúvida será a melhor forma de inclusão de todas as crianças de acordo com as suas necessidades educativas.
As crianças consideradas com dificuldades de aprendizagem e com PHDA devem ter alternativas activas evitando a sua medicação - principalmente actividades curriculares e extracurriculares activas como o desporto, as artes, a música e a dança. 
Não nos podemos esquecer que milhares de crianças entre os 4 anos e a adolescência consomem milhões de anfetaminas. (Eduardo Sá)
Uma das fontes de indisciplina é o telemóvel. Cada escola deve determinar com as Associações de pais e com as Associações de estudantes as regras de utilização dos telemóveis na sala de aula.
Outra fonte de indisciplina é a duração dos tempos lectivos. Por isso, a referência temporal de uma aula deve ser a de uma tempo lectivo correspondente a 50 minutos. Deverá também haver flexibilidade para blocos de 2 tempos lectivos quando devidamente justificada.

8.  Planeamento da educação a longo prazo
Sabemos que a natalidade está a baixar enquanto o número de pessoas idosas cresce todos os anos.
Os vários sistemas da sociedade começam a ressentir-se desta realidade. Na educação os impactos vão ser enormes. Redução do número de alunos implica redução de escolas, de pessoal docente e não docente para assegurar o funcionamento das escolas. É agora que é oportuno planear o que vamos fazer para responder a estes problemas num tempo já bem próximo de nós.
Uma das consequências tem a ver com o fecho de escolas rurais e escolas de pequena dimensão. Apenas fecharão obrigatoriamente as escolas com menos de 5 alunos ou com mais alunos desde que essa seja a vontade dos encarregados de educação e pais e das autarquias.
Estas escolas ficarão como escolas anexas a escolas mais próximas e poderão ter parte do currículo preenchido com  actividades sociais e culturais em conjunto, em calendário previamente previsto.

9. Definição e estabilização do papel dos municípios na educação
A gestão das escolas e dos agrupamentos de escolas deverá ser o mais autónoma possível. Assim, os contratos de autonomia devem alargar-se a todas as escolas e agrupamentos. 
A gestão dos recursos humanos devem igualmente ser da competência dos agrupamentos.
Os júris devem ser independentes, designados pelas escolas mas com nomeação pelo ME.
Para 2020, previa-se que dos 278 concelhos do continente, 84 municípios iam  assumir todas as áreas da educação excepto a colocação de professores. 
A mudança é urgente. Sabemos que a posição dos sindicatos a este propósito contraria este aspecto e que também não é popular entre os professores. Mas são os professores as principais vítimas.


Com estas propostas, não quero "reinventar a escola", não proponho uma "escola ideal", não é sequer a "escola dos meus sonhos" nem a "educação dos meus sonhos", não é a escola progressista nem último grito vindo da Finlândia, Japão, Suécia ou seja de onde for, não é a "escola da doutrinação pública", não é a escola dos oprimidos ou privilegiados (aliás, o problema da "Pedagogia do oprimido" é antes um problema de Oprimidos da pedagogia), não é a escola tradicional ou a escola dita democrática, nada disso... É apenas o resultado de uma reflexão de experiência feita que poderá melhorar as escolas  actuais. Um simples plano de melhoria para uma escola mais eficiente e mais eficaz. São propostas para uma escola em que as crianças são todas iguais, todas diferentes, mas em que cada uma delas merece o melhor que a sociedade dos adultos lhe pode oferecer.

Apesar do realismo destas medidas nada há a esperar em matéria de reformismo  do actual Ministério da educação, ou deste governo, durante o resto do mandato mas a esperança é a árvore frágil que tenta sobreviver a tudo, é "essa menina, que arrasta tudo consigo". (Péguy)




13/09/21

As pessoas que moram dentro dos políticos




Talvez as pessoas que têm partido sejam mais felizes do que eu ou pelo menos tenham o seu processo de decisão mais facilitado porque sabem sempre em quem votam e, como sabemos, votam sempre nos mesmos, aconteça o que acontecer, mude o que mudar no mundo e arredores...
Não tenho essa vantagem, esse conforto, e isso dá-me muito mais trabalho a encontrar a racionalidade do voto, em cada eleição que se apresenta aos cidadãos.
Nas actuais eleições autárquicas, precisava de dispor de pelo menos quatro votos para ficar satisfeito com a minha opção eleitoral em quatro pessoas.

O primeiro voto seria para João Belém a quem devo a minha transferência para o Ministério da Educação para exercer funções de psicólogo no CAE de Castelo Branco e pelos anos em que tive o privilégio de trabalhar na equipa por ele dirigida. E este é um ponto fundamental: a sua capacidade para dirigir equipas de trabalho, o seu humanismo nas relações interpessoais, a capacidade de resolver problemas.

O segundo seria para Leopoldo Rodrigues de quem tenho as melhores recordações do tempo em que na Escola Afonso de Paiva nos empenhámos na educação de todos os alunos em especial daqueles que tinham mais dificuldades de e na aprendizagem. Integrei o conselho de turma de um CEF de que era director de turma, durante vários anos, onde fui docente de Psicologia do desenvolvimento. Foi uma experiência extremamente enriquecedora que me permitiu constatar a sua capacidade de liderança, o seu humanismo, a sua compaixão pelos alunos mais frágeis.

O terceiro voto seria para Rui Amaro Alves que revela capacidade de liderança, capacidade técnica e de planeamento, tem feito as propostas mais inovadoras e de mudança tão necessárias à autarquia após tanto tempo de gestão, e refiro-me a vários mandatos, cheia de vícios, e que por isso necessita de outra forma de ser e estar ao serviço dos cidadãos albicastrenses.

Finalmente, preciso de um quarto voto para resgatar Carlos Semedo à actual gestão autárquica pelo reconhecimento do que tem feito na gestão da área da cultura.

Sinceramente, ainda precisava de mais alguns votos para pessoas que têm mérito e  me agradam como Ernesto Candeias, José Pires, Maria do Carmo Andrade...

Não sendo possível, espero que, após as eleições, os eleitos tenham a grandeza de espírito de, na prática, darem oportunidade ao consenso e continuidade às melhores propostas que se encontram nos programas que estas pessoas propõem ou defendem para Castelo Branco.
Creio que, como eu, todos amam Castelo Branco e, por isso, o esforço tem que ser feito para melhorar a vida dos albicastrenses  e tornar o espaço dos nosso afectos mais agradável para viver.



11/09/21

"O dia que fez abalar o mundo"


O passado, há vinte anos, quando o impensável aconteceu, convoca-nos ainda hoje para tentar compreender, para pensar, este acontecimento e estes comportamentos, porquê e para quê da "mais fantástica e incisiva acção terrorista de que há memória", porque "à irracionalidade subjacente a tal violência criminosa, se não dá a razão palavras e entendimentos, aquela fica em cada um de nós, tão só irracional e, por isso, feroz, maligna e estúpida" (p. 239). 
C. Amaral Dias ajuda-nos a tentar compreender estes comportamentos em "O dia que fez abalar o mundo", Um Psicanalista no Expresso do Ocidente (2003).
Por outro lado, a resposta intervencionista e de ocupação militar sem avaliação de consequências e deixando à sua sorte todos os que acreditaram noutro futuro mostram a fragilidade da decisão e de quem toma a decisão de intervir e de abandonar... 
Passados vinte anos, ficam para trás os direitos humanos, a liberdade e principalmente a liberdade das mulheres. Podemos pensar que mudou alguma coisa ? Ou que ainda vai mudar ?
O anacronismo dos comportamentos em relação à mulher poderá ter alguma expectativa de mudança como escrevia Aragon: "O futuro do homem é a mulher"? 


Capa do Anuário do Expresso de 2001