25/01/24

Leve, Leve, o Luar


Luar de Janeiro (25-1-2024)


Leve, Leve, o Luar

Leve, leve, o luar de neve
goteja em perlas leitosas,
o luar de neve e tão leve
que ameiga o seio das rosas.

E as gotas finas da etérea
chuva, caindo do ar,
matam a sede sidéria
das coisas que embebe o luar.

A luz, oh sol, com que alagas,
abre feridas, e a lua
vem pôr no lume das chagas
o beijo da pele nua.

Afonso Lopes Vieira  (26/1/1878 — 25 /1/1946



11/01/24

"As cantigas são tantas, que a mim até se mudam"


As cantigas são tantas, que a mim até se mudam - 
Ensaio sobre a paisagem,  Filipe Faria.

1. "As  cantigas são tantas, que a mim até se mudam", é o nome da exposição de Filipe Faria inaugurada no dia 18/11/2023, no Centro Cultural Raiano, com a participação musical de Fátima Torrado Milheiro. O evento integra o Programa "Fora do lugar".

A exposição "Som Sobre Fotografia" integra cantigas e fotografias de São Miguel de Acha. É uma exposição sobre os sons que estão dentro dos lugares e das pessoas de S. Miguel de Acha a que dá voz Fátima Torrado Milheiro. É uma exposição sobre a existência e a importância dos sons nos eventos da vida.

2. É também um livro com as fotografias da exposição de Filipe Faria e uma longa entrevista a Fátima T. Milheiro. 

Como é referido por Filipe Faria no belo livro sobre o evento, é possível que o som nunca se extinga e se tivéssemos uma máquina que o captasse - como dizem que dizia Marconi - podíamos  ouvir  esse som sempre que quiséssemos.

"Podíamos ouvir tudo. Ouvir a primeira inspiração dos nossos filhos e dos nossos pais. Ouvir o primeiro grito da Humanidade, cada sermão, conselho sábio ou riso de todas as gerações. Ouvir o som grave da primeira erupção ou o canto agudo daquela ave que escapou para longe. Todos nós podíamos ouvir tudo. Ouvir tudo, para sempre. 
Depois de produzido, o som não morria mas perdia poder, enfraquecia. Estas ondas sonoras, fracas, sem destino preciso, permaneciam eternamente a flutuar. Qualquer som podia, em teoria, ser recuperado. Ouvido pela primeira ou pela enésima vez. Qualquer som de qualquer lugar ou tempo passado. O primeiro e o último. Um som perdido podia ser ouvido, novamente, com o equipamento certo. Um equipamento poderoso. Um que conseguisse ouvir e escolher. Um por inventar. 
Todos os sons são sons perdidos… "

Como não há máquina que os possa captar, temos, felizmente, outro dispositivo altamente sofisticado, chamado memória. Uma memória que preserva tudo o que foi a nossa vida ao longo do tempo, que gravou, seleccionou e é capaz de reproduzir todos os acontecimentos que vivemos. Foi isso que Filipe Faria levou a efeito na exposição/canto em que o som se liga aos lugares, casas, ruas, pedras, equilíbrios arquitectónicos, paisagens, caminhos, os lugares que "ouviram" as canções de roda, os lugares altaneiros, as torres onde aconteceu e acontece "a encomendação das almas".
O som anda por aí, pelas ruas, se nos pusermos à escuta, profundamente, descobrimos esse som em cada pessoa de S. Miguel ou em cada imagem das pedras, das janelas, das coisas mais organizadas ou desorganizadas.

Alguns sons são especiais. Podemos lembrar o som da fala da mãe, do pai, dos irmãos, dos amigos, dos que nos amam muito e também dos que não gostam de nós. Há um som particularmente importante: O som do meu nome. O nosso nome, o nome de uma pessoa é o som mais importante e doce de qualquer linguagem. (Dale Carnegie, Como fazer amigos e influenciar pessoas)

O som pode ser ruído, experiência desagradável, e ferir, literalmente, os nossos sentidos. De resto, o som ajuda no equilíbrio da mente. É dessa forma que os bebés pacificam, com uma canção de embalar, e não só os bebés, basta ouvir, por ex., Lullaby, de Brahms, para nos acontecer a mesma serenidade. Sobre a origem da angústia infantil, escreve Freud sobre um pequeno rapaz de três anos: "Um dia em que ele se encontrava num quarto sem luz, ouvi-o gritar: 'Tia diz-me qualquer coisa, tenho medo porque está muito escuro.' A tia respondeu-lhe: 'De que é que isso te serve se não me podes ver?' 'Isso não tem importância', respondeu a criança; 'desde que alguém me fale, há luz.' ". (Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Ed. "Livros do Brasil", Lisboa, p. 166)

3. As memórias destes sons fazem parte desta história e são elas que dão colorido aos registos que permanecem connosco por gerações. 
E que bela memória nos apresenta Fátima T. Milheiro para nos transmitir, cantando, as melodias que nos estão no ouvido mas que só ela sabe interpretar com a mestria que lhe reconhecemos.
Felizmente, ficam também aqui registadas e podem ser acedidas pelo QR Code que remete para o site "arte das musas", para as histórias e as músicas cantadas pela Fátima.

4. A exposição esteve patente ao público até final de Dezembro. Era bom que conforme então se perspectivava, na Primavera de 2024, a exposição pudesse ser visitada no local onde estes sons nasceram - S. Miguel d'Acha.



08/01/24

"Vão sem mim que eu vou lá ter"


 Movimento perpétuo associativo - Deolinda


Andamos nisto: um movimento perpétuo. Ainda não sairam de todo do governo e já prometem: "agora sim damos a volta a isto"...  

Pois é. "Vão sem mim que eu vou lá ter".



07/01/24

Quero ainda sonhar


Judy Garland, Somewhere Over The Rainbow,  

O Feiticeiro de Oz, 1939 

Por esta altura, lemos histórias aos nossos netos ou revemos alguns clássicos do cinema como O Feiticeiro de Oz (The Wizard of Oz, 1939, dirigido por Victor Fleming, baseado no livro The Wonderful Wizard of Oz, de L. Frank Baum).


Por esta altura, penso como seria bom voltar à infância e, no conforto da família, continuar a sonhar que é possível viver com alguma paz num mundo onde os conflitos se podem resolver sem a destruição de uns e outros.  

Quero continuar a pensar que apesar da bruxa má do leste e da bruxa má do oeste é possível, como no Feiticeiro de Oz, sonhar com o que existe para lá do arco-íris.

Num mundo devastado pela irracionalidade que não dá tréguas mesmo em época de Natal, como queria o espantalho, é possível continuar a desejar ter um cérebro por mais mordaças ou absurdos woke que nos queiram impingir. Como o lenhador de lata, é possível continuar a desejar um coração por mais inteligência artificial (IA) que nos cerque. Como o leão, é possível ser corajoso sem necessitar de mísseis para impor a razão da força aos outros.

 

Mesmo no contexto actual, cenário de medo que nos atrapalha o livre pensamento, é possível ter a coragem e a ousadia de ser pacífico mas não pacifista. É possível acreditar na paz e tudo fazer pela paz, mas a paz dos simples, dos pobres em espírito, dos verdadeiros triunfadores, dos que não querem expansionismos, dos que não querem ser senhores do mundo. É possível ser dos interessados na mensagem de Francisco ou de Bento ou de João Paulo ou de Paulo que começou esta iniciativa de comemorar todos os anos, desde 1968, o dia mundial da Paz.

 

O dia 1 de Janeiro é o dia mundial da Paz. O objectivo deste dia é promover a paz no mundo, garantindo a construção de uma cultura que permita que indivíduos e Estados possam ser defensores da paz entre a humanidade. 

Este ano, para assinalar a data, o Papa Francisco publicou uma mensagem na qual abordou os riscos e perigos da Inteligência Artificial.


"Devemos recordar-nos de que a pesquisa científica e as inovações tecnológicas não estão desencarnadas da realidade nem são «neutrais», mas estão sujeitas às influências culturais. Sendo atividades plenamente humanas, os rumos que tomam refletem opções condicionadas pelos valores pessoais, sociais e culturais de cada época. E o mesmo se diga dos resultados que alcançam: enquanto fruto de abordagens especificamente humanas do mundo envolvente, têm sempre uma dimensão ética, intimamente ligada às decisões de quem projeta a experimentação e orienta a produção para objetivos particulares.”

 

“Por conseguinte a inteligência artificial deve ser entendida como uma galáxia de realidades diversas e não podemos presumir a priori que o seu desenvolvimento traga um contributo benéfico para o futuro da humanidade e para a paz entre os povos. O resultado positivo só será possível se nos demonstrarmos capazes de agir de maneira responsável e respeitar valores humanos fundamentais como «a inclusão, a transparência, a segurança, a equidade, a privacidade e a fiabilidade».(Mensagem do Santo Padre Francisco para a celebração do Dia Mundial da Paz - 1º de Janeiro de 2024 - Inteligência Artificial e Paz)

 

Moral da história: Contra o retrocesso cultural da guerra, do cancelamento e do artificial, continuo a sonhar que há em nós um feiticeiro do bem que quer um mundo maravilhoso de saber e de paz que nos devolve à  casa onde mora quem nos ama. Para isso precisamos de um cérebro para pensar, de um coração para amar e de coragem para agir.

 

 



Rádio Castelo Branco