28/11/22

A adivinhar o Natal sem Black Friday

Brinquedo


Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.
O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo cordel à sua mão.

Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel.
E o menino, ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel.

Miguel Torga
Coimbra, 6 de Fevereiro de 1936
Diário, Vol. I e II


 

23/11/22

O reflexo de liberdade



 

Os seres humanos vivem condicionados por comportamentos inatos e por comportamentos aprendidos.
Como sabemos, a investigação de Pavlov (1849-1936), com cães, ficou conhecida como uma forma de aprendizagem - o condicionamento clássico.
Pavlov observou que os cães salivavam perante um estímulo incondicionado, a carne, isto é, provocava uma resposta incondicionada.
Quando associou uma estímulo sensorial neutro, o som de uma campainha, que não provocava qualquer resposta, com um estímulo incondicionado (a carne, que provocava a resposta incondicionada da salivação), verificou que, após algumas associações, o som da campainha se tornou num estímulo condicionado, pois à sua presença, os cães reagiam com a salivação, agora resposta condicionada.
O condicionamento clássico é um tipo de aprendizagem em que um organismo aprende a transferir uma resposta natural perante um estímulo, para outro estímulo inicialmente neutro, que depois se transforma em condicionado. Este processo dá-se através da associação entre os dois estímulos (incondicionado e neutro).
Sabemos bem as consequências desta descoberta para a nossa vida.

Pavlov verificou também, já na parte final da sua vida, tanto no homem como no animal a existência de dois importantes reflexos inatos: o reflexo de finalidade e o reflexo de liberdade.
O reflexo de finalidade verifica-se quando somos atraídos por certos estímulos que se tornam importantes na nossa vida, somos atraídos por fenómenos novos, novas experiências mesmo que aparentemente sem qualquer utilidade... que se traduzem em equilíbrio do nosso organismo, nos acalmam e por isso, desejamos repetir.
Para Pavlov a vida deixava de ser atraente desde que não tivesse finalidade.

“O reflexo da liberdade, diz Pavlov, é uma reacção geral dos animais. É um dos reflexos inatos mais importantes. Sem ele, o menor obstáculo encontrado pelo animal bastaria para modificar completamente a sua vida.
A existência deste reflexo de liberdade tinha-lhe sido demonstrada por um cão, que, mal fosse colocado nas condições de trabalho experimental, apresentava uma salivação espontânea, contínua, que o tornava "inutilizável"."
Pavlov descobriu então que “o cão não suportava qualquer entrave quer dizer que se mantinha calmo e sem salivação apenas em liberdade total: podia-se mesmo nestas condições condicioná-lo eficazmente." *

Perante este reflexo de liberdade existirá também um 'reflexo de servidão' inato ?
"Pavlov respondia pela afirmativa, declarando que este reflexo protegia o fraco contra o forte, isto é, que um gesto de submissão tinha por resultado fazer cessar um gesto de agressão (o cachorro, apontava ele como exemplo, deita-se de costas perante um canzarrão). Pavlov pensava que este reflexo podia existir no homem, e tentou defini-lo ... como  'reflexo de escravidão'." *
"Pavlov deplorava que o 'reflexo de escravidão' se manifestasse tão frequentemente na Rússia 'sob os aspectos mais variados'. Ele pedia que se tomasse consciência desse facto a fim de melhor lutar no sentido da sua anulação, porque o reflexo de escravidão provocava por sua vez a inibição do reflexo de finalidade: A servidão fez do servo um ser passivo, sem qualquer desejo, sendo as suas aspirações, as mais legítimas, continuamente entravadas pelas vontades e os caprichos dos senhores." *


Até para a semana

 

 _______________

* H. Cuny, (1976), Pavlov, Círculo de Leitores, (Capítulo quarto, 1 - Condicionamento e evolução do Homem), pags. 103 - 113.

 

 

 




21/11/22

“É preciso acabar com os professores com a casa às costas”

Quem faz o favor de ler algumas coisas que escrevo neste blogue sabe o que penso de António Costa. O primeiro-ministro era para mim um assunto arrumado. E não pensava  perder mais tempo com um caso arrumado.  
Porém, surge esta notícia. E não é que uma coisa que ando a dizer há tantos anos, de repente, parece que vai merecer alguma atenção da parte do poder? Finalmente, uma reforma estrutural? Já era tempo. A esperança é a última a morrer.
"Apesar do realismo destas medidas nada há a esperar em matéria de reformismo  do actual Ministério da educação, ou deste governo, durante o resto do mandato mas a esperança é a árvore frágil que tenta sobreviver a tudo, é "essa menina, que arrasta tudo consigo". (Péguy)
Transcrevo apenas um dos aspectos (Reformar e investir em educação 2da intervenção que considero necessária em matéria de educação. Uma reforma do sector da educação seria muito mais extensa. Mas já é alguma coisa face à escassez de medidas positivas neste sector.
3. Estabilização dos recursos humanos
Negociar com os sindicatos de professores o tempo de serviço de  9 A 4 M 2 D: as formas possíveis de gestão deste tempo efectuado pelos professores e que de forma nenhuma lhes pode ser sonegado.
Alterar o sistema de recrutamento e selecção de professores: terminar com a centralização dos concursos, com benefício para a redução da deslocação de professores, contra o centralismo educativo saloio e provinciano do ministério da educação: concursos de professores, parque escolar...
Número limite de turmas/professor. Não faz sentido que um professor possa leccionar 500 alunos, como um professor de TIC, por exemplo, uma vez por semana...
Técnicos especializados: psicólogos, terapeutas da fala, intérpretes de LGP, formadores/prof de LGP - eliminação da precariedade e entrada no quadro após 3 anos de serviço efectivo.
A gestão estratégica dos recursos humanos da educação passa por um "Programa de rejuvenescimento do corpo docente", proposto  por António Costa Silva, com o qual estou de acordo (Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030)

 Aqui fica a notícia da Lusa/ Público com foto e tudo...



“Não há nenhuma razão para que isto aconteça”, frisou António Costa a propósito de os professores nunca saberem se vão ficar perto ou longe de casa.
Lusa, 19 de Novembro de 2022, 15:27
 
Foto - António Costa falou dos professores num congresso regional do PS (LUSA/Miguel Pereira da Silva)



"O secretário-geral do PS, António Costa, defendeu este sábado que é preciso acabar com a situação dos professores com a “casa às costas” e mostrou-se confiante num acordo com os sindicatos do sector.

“Esperamos chegar a acordo com os sindicatos para que seja possível acabar, de uma vez por todas, com os professores com a ‘casa às costas’ e que possam, assim que sejam contratados, vincular-se na escola onde estão e só saírem de lá se um dia o desejarem”, disse.

António Costa falava na Covilhã, no XX Congresso Federativo do PS Castelo Branco, numa intervenção que foi acompanhada online nos congressos federativos socialistas de outras regiões, que também estão a decorrer neste sábado.

Durante a sessão, o líder socialista e primeiro-ministro reiterou o compromisso com a execução de “reformas estruturais”, destacando a situação dos professores e a necessidade de mudar o modelo de vinculação.

Costa lembrou que já foi aberto um processo de negociação sindical para alteração do modelo de vinculação dos professores e assumiu que “não há nenhuma razão” para que esta seja “a única carreira em todo o Estado” que tem de se apresentar a concurso de quatro em quatro anos.

António Costa reconheceu o problema que representa para os professores não saberem se vão ficar perto ou longe de casa e se vão ter de andar com a “casa às costas”, “sem saber onde é que se podem vincular”. “Não há nenhuma razão para que isto aconteça”, vincou.

Apontando que a estabilidade do corpo docente reforça a qualidade da educação, destacou que este é um ganho fundamental que tem de se conseguir."





18/11/22

"Uma em cada cinco crianças"


A decisão de dedicar o dia 18 de novembro à proteção das crianças contra a exploração sexual e abuso sexual resulta da campanha do Conselho da Europa “One in five” associada a um estudo que revelou que uma em cada cinco crianças na Europa é vítima de alguma forma de violência ou exploração sexual. A violência sexual contra as crianças pode assumir várias formas: abuso sexual no círculo familiar ou fora dele, pornografia e prostituição infantil, corrupção e solicitação sexual ou aliciamento sexual via internet.



17/11/22

"Mitos climáticos" (16) - Salvadores do planeta


Os novos super-heróis, os deuses do clima, descobriram o aquecimento global, a emergência climática e as alterações climáticas antropogénicas como responsáveis pelos problemas que acontecem no planeta. E também encontraram a fórmula mágica para haver um clima inalterado. A palavra de ordem é: salvar o planeta.
Ora o que não tem faltado no mundo é quem ache que pode salvar alguma coisa. Salvar o planeta é apenas o estribilho da moda e, portanto, há que meter mãos a essa obra de magnitude incomensurável que é inalterar o clima.

Mandar no clima a ponto de o estabilizar é coisa nunca vista... e que nunca vai acontecer. Era bom ter sol na eira e chuva no nabal sempre que se quisesse. É dos desejos mais antigos dos humanos. Até o grupo parlamentar do PS quer que o clima estável seja considerado património da Humanidade.  Ora o clima já é da Humanidade há muito muito tempo. Ser estável? Se calhar vai ser... mas como sempre foi até aqui, ou seja, com a instabilidade que o caracteriza. Se não, não é clima. (1)

Como vão mandar no sol, nos oceanos, no El Niño, nos vulcões... isso é coisa de que não falam. Tudo se resume a CO2 e efeito de estufa, a descarbonização e a negócio.
Remetem para 2030 o ponto de não retorno mas já prometem para o ano 2050 a neutralidade carbónica. Nem mais um ano nem menos um ano. Com este rigor, com esta precisão extraordinária.Qual é a fórmula para resolver este problema: a estratégia do medo. A espada de Dâmocles ameaçadora em cima das nossas cabeças... 
Basta vermos a mensagem do Secretário-Geral da ONU em Abril deste ano:
“Estamos em um caminho rápido para o desastre climático:
Principais cidades debaixo d' água.
Ondas de calor sem precedentes.
Tempestades aterrorizantes.
Falta de água generalizada.
A extinção de um milhão de espécies de plantas e animais.
Isso não é ficção ou exagero. É o que a ciência nos diz que resultará de nossas atuais políticas energéticas.”

Se o prazo já está fixado, ou seja, se a partir de 2030 é irreversível... vale a pena ter esperança na vida na terra, na nossa vida? Falar aos jovens de futuro ? Perante este cenário ainda há futuro ? (2)

Estes salvadores do planeta descobriram que se assustarem as pessoas com o apocalipse vão obter o que eles querem. Entretanto parece que deixou de ser problema a opção pelo nuclear que não os assusta.
Felizmente, há sempre quem tenha posição crítica e quem resista a estas formas de autoritarismo. 

Porém, há tantas coisas na nossa vida que podíamos resolver, como minimizar a pobreza, acabar com a fome, prevenir a doença, melhorar a saúde e a saúde mental, agir no sentido da paz, mas em vez disso não controlamos a inflação e a barbaridade volta à Europa civilizada...
Afinal, se não somos capazes de acabar com estes problemas... quem não quer salvar o planeta ?
"Que arrogância, a de querer salvar a Terra. Ou será a própria pele?" (J. Rentes de Carvalho)

Até para a semana

__________________

(1) A Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro, Lei de bases do clima, reconhece a emergência climática. Enquanto se procura definir o estatuto jurídico do clima estável como Património Comum da Humanidade, (Paulo Magalhães, Revista electrónica de Direito), o PS quer que a ONU reconheça o clima estável como património da humanidade (Marta Velho, Negócios)







 

 

 

  


14/11/22

O efeito de estufa

"O importante é que o eng. Guterres é apenas uma das inúmeras personalidades aflitas com o futuro colectivo que estes dias andam por Sharm el-Sheik. “Andam” é força de expressão: são conduzidos em automóveis altamente poluentes. E, ao invés de bicicletas, chegaram lá por via aérea. De facto, oitocentos jactos fretados ou regulares transportaram as sumidades que ocupam o seu precioso tempo a tentar salvar a Terra de irresponsáveis como nós. Não consegui verificar a habitual participação do reputado climatologista Leonardo DiCaprio, que talvez tenha ficado a reflectir na matéria a bordo do seu iate, em cujo tanque cabem 460 mil litros de gasóleo limpinho. Em compensação, confirmam-se as presenças dos climatologistas Joe Biden, Emmanuel Macron, Ursula von der Leyen e Lula da Silva. E, pela televisão, vi com agrado o climatologista António Costa em animada cavaqueira com o climatologista Nicolás Maduro."

Alberto Gonçalves, "A Cimeira do Clima tem péssimo ambiente", Observador.

13/11/22

Inalterações climáticas


                                                      A RODA

                               No Inverno desejamos a Primavera,
                               E na Primavera invocamos o Verão,
                               E quando ressoam as abundantes sebes
                               Declaramos que o Inverno é o melhor;
                               Depois nada há de bom
                               Porque a Primavera não chegou -
                               Não sabemos que essa inquietude que nosso sangue perturba
                               É apenas a sua nostalgia do túmulo.


W.B.Yeats, "The Tower", Antologia
Sel. e trad. de José Agostinho Baptista, Assírio e Alvim

12/11/22

"Esta Lisboa que eu amo"

...


"Todos os dias a Câmara, as autoridades e o Governo têm invenções. Vias para bicicletas, centros de negócios, congressos de web, passes gratuitos, é só pensar. Mas o mais simples, lavar e limpar, remendar e tapar buracos, pintar e restaurar, alojar e legalizar, fica para trás. À espera de negócios obscuros e de demolição, casas devolutas e palacetes arruinados morrem devagar, até que a grua e o caterpílar ponham termo à cidade. Lisboa necessita de habitantes, moradores, estudantes residentes, lojas decentes, limpeza e cuidado, não necessita de start-ups chiques."

António Barreto, "Grande angular - Requiem para a cidade de Lisboa", Jacarandá.

11/11/22

Prevenção dos abusos sexuais


Ao mesmo tempo que se faz justiça e se reparam os danos sofridos em relação ao passado, é necessário criar mecanismos para uma cultura de prevenção em que não seja possível repetir-se esta prática criminosa. Essa cultura é a dos bons tratos e da resiliência. (1)
O “Discurso Conclusivo do Papa Francisco” na Cimeira do Vaticano, em 2019, sobre a protecção dos menores na Igreja, coloca o problema nas justas e várias dimensões envolvidas.
Para Francisco uma explicação positivista não é suficiente porque não é capaz de nos indicar o significado e hoje precisamos explicações e significados. Explicações ajudar-nos-ão imenso no sector operativo mas... é necessário ter em conta a manifestação atual do espírito do mal...

Que fazer? “O objetivo da Igreja será ouvir, tutelar, proteger e tratar os menores abusados... acima de todas as polémicas ideológicas e as políticas jornalísticas”…
“encontrar o justo equilíbrio de todos os valores em jogo e dar diretrizes uniformes para a igreja, evitando os dois extremos, nem judicialismo provocado pelo sentimento de culpa, face aos erros passados, e pela pressão do mundo mediático, nem autodefesa que não enfrente as causas e as consequências deste grave delito."

Francisco refere um modelo de boas práticas de várias agências internacionais, da Organização Mundial de Saúde, designado INSPIRE. (2) Com base neste modelo e no trabalho que tem vindo a ser desenvolvido na Igreja propõe sete estratégias para acabar com a violência contra as crianças:
1. A tutela das crianças: cujo “objetivo primário das várias medidas é proteger os pequeninos e impedir que caiam vítimas de qualquer abuso psicológico e físico. Portanto, é necessário mudar a mentalidade combatendo a atitude defensivo-reativa de salvaguardar a Instituição, em benefício duma busca sincera e decidida do bem da comunidade, dando prioridade às vítimas de abusos em todos os sentidos.”
2. Seriedade impecável: para entregar à justiça toda a pessoa que tenha cometido tais delitos. 
3. Uma verdadeira purificação: é necessário impor um renovado e perene empenho na santidade dos pastores. Na realidade, não devemos cair na armadilha de acusar os outros, que é um passo rumo ao álibi que nos separa da realidade.
4. Formação: Deve-se ter em conta as exigências de selecção e formação dos candidatos ao sacerdócio...
5. Reforçar e verificar as diretrizes das Conferências Episcopais: "Normas e não somente diretrizes. Nenhum abuso deve jamais ser encoberto (como era habitual no passado) e subestimado"... 
6. Acompanhar as pessoas abusadas: “o mal que viveram deixa nelas feridas indeléveis que se manifestam também em rancores e tendências à autodestruição. Por isso, a Igreja tem o dever de oferecer-lhes todo o apoio necessário, valendo-se dos especialistas neste campo.”
7. O mundo digital: deve-se ter em conta as novas formas de abuso sexual. O mundo digital e o uso dos seus instrumentos com frequência incidem mais profundamente do que se pensa...
8. O turismo sexual: “anualmente, segundo os dados 2017 da organização Mundial de Turismo, 3 milhões de pessoas no mundo viajam para ter relações sexuais com um menor... Estamos, pois, diante de um problema universal e transversal que infelizmente existe em quase toda a parte.” (3)


Até para a semana.



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(1) Se calhar estou mesmo a fantasiar um mundo que não vai existir... A realidade é que  mais informação e mais discussão sobre o assunto nem sempre se traduzem em redução dos casos mas antes manutenção ou até aumento. Mesmo assim, "devemos privilegiar  uma cultura preventiva, de natureza universal, atuando sobre os factores de risco associados aos maus tratos, minimizando-os, ao mesmo tempo que se potenciam factores protectores". (Rute Agulhas, "P.R.E.V.E.N.I.R. O abuso sexual de crianças e adolescentes", Observador).

(2) "INSPIRE é um recurso baseado em evidências para todos aqueles que estão comprometidos com a prevenção e a resposta à violência contra crianças – de governos a pessoas comuns, da sociedade civil ao setor privado. Consiste em um grupo selecionado de estratégias baseadas nas melhores evidências disponíveis para ajudar os países e as comunidades a concentrar esforços em programas e serviços de prevenção que sejam dotados de um maior potencial para redução da violência contra crianças."
INSPIRE (2016) - Sete Estratégias para pôr fim à violência contra criançasImplementação e vigilância do cumprimento das leis; Normas e valores; Segurança do ambiente; Pais, mães e cuidadores recebem apoio; Incremento de renda e fortalecimento económico; Resposta de serviços de atenção e apoio; Educação e habilidades para a vida.

(3) Para combater este fenómeno é necessária repressão judicial, mas também apoio e projetos para a reinserção das vítimas. Vão nesse sentido a Resolução do Parlamento Europeu, as alterações ao Código Penal, a Convenção do Conselho da Europa (Convenção de Lanzarote), sobre este assunto, instrumentos legais que, espera-se, pelo menos possam levar a diminuir esta criminosa e  hipócrita prática. 






02/11/22

A Cimeira sobre a protecção das crianças





De 21 a 24 de Fevereiro de 2019 realizou-se no Vaticano a Cimeira sobre A protecção dos menores na Igreja. Juntamente com a publicação da Carta Apostólica Vos estis lux mundi (Vos sois a luz do mundo) deu-se início a uma nova visão e acção do papel da Igreja na protecção das crianças e pessoas vulneráveis. O Papa Francisco continuou pelo caminho difícil mas certo do seu antecessor, Bento XVI, (Luz do mundo): o caminho das respostas a este problema dando relevo à responsabilidade, responsabilização e transparência no que se refere à posição da Igreja relativamente aos abusos sexuais e à gravidade que representam.

Desta forma, foi ao encontro da história quando, na segunda metade do século passado, Instituições como a ONU criaram o quadro normativo da protecção da infância.
Foi também neste período que a investigação, designadamente no campo da psicologia, veio mostrar a importância das relações afectivas entre adultos e crianças e a necessidade urgente da prática de bons tratos devidos às crianças.

Bento XVI e Francisco compreenderam profundamente o problema. E foi com grande coragem que o encararam não temendo as vozes críticas e discordantes ou mesmo as consequências que a sua posição pudesse ter para os católicos e para a Igreja.
As críticas e a discussão têm-se centrado na desvalorização do tema, intencional ou não, e no medo das consequências:
Há quem ache que “se abriu a caixa de Pandora”...  A alternativa seria o silêncio e o encobrimento que sem dúvida seria, esse sim, mais grave para a credibilidade que a Igreja tem na sociedade actual e deve continuar a ter.
Há quem ache que “são muitos casos” ou "não são muitos casos" relativamente, por ex., ao número de casos dentro da família ou relativamente ao número de casos de outras instituições ou a outros países.
Nesta matéria a leitura estatística é sempre insuficiente. É por isso que mesmo que toda a gente saiba o que quis dizer o presidente Marcelo nem por isso deixou de ser contestado e bem por aquilo que disse. Podemos fazer todas as comparações estatísticas com outros países (Irlanda, Estados Unidos, França...) que não deixa de ser profundamente lamentável o que se passou. Não há palavras nem desculpas, nem justificações, nem vitimizações que possam ter mais relevo do que o sofrimento infligido às vítimas.
Como refere Bento XVI, o mal existia dentro da Igreja e no meio do trigo havia joio, como Jesus disse, e, para quem é bem intencionado, não se pode confundir a nuvem com Juno mas nada há que possa desculpar qualquer abuso ou encobrimento.
Pode haver quem ache que "era outro tempo". Conhecemos a história da infância. Os maus tratos de crianças eram aceites ou tolerados ou eram tabu, todos sabiam da sua existência mas ninguém falava deles. 
Mas o problema é dos dias de hoje: Segundo o RASI (Relatório anual de segurança interna 2021) 53,1% dos crimes de abuso sexual aconteceram em contexto familiar.
Independentemente do número de casos, acontece que toda a investigação nos informa do problema devastador que causa nas vítimas e se tornou intolerável na sociedade actual.
Esta situação é ainda mais aviltante para as vítimas que onde esperavam segurança e afecto obtiveram abuso e uma vida de sofrimento. É este o problema: “quando o sal se tornar insípido com que se salgará?” (Mateus 5:13)

Este é tempo de bons tratos e de prevenção.
Bento XVI e Francisco são exemplo não apenas para a Igreja Católica mas, em meu entender, para o mundo, e seria importante para as crianças se outras instituições criassem os seus próprios mecanismos de protecção da infância porque nesta área ninguém deve assobiar para o lado, a começar pelas famílias.

Até para a semana