22/11/19

Medos bons e medos maus - a fobia de impulsão


De uma maneira ou de outra, todos conhecemos e somos afectados pela ansiedade e pelo medo em diferentes graus, circunstâncias e diferenças intra e interpessoais.
O medo é uma resposta emocional do organismo a uma situação de ameaça que podemos sentir e assim é uma resposta protectora do equilíbrio psicológico.
O medo dirige-se a algo concreto, a algo exterior, entra dentro do possível. A ansiedade á algo mais indefinido, é mais interior do que exterior, responde a uma ameaça vaga, algo mau que nos pode acontecer, ou fazer perder o controlo...
Mas há ansiedade normal e patológica. Há ansiedades que são características do desenvolvimento como os medos sociais próprios da adolescência  que desaparecem normalmente com a idade. Porém nos fóbicos esses medos mantêm-se.

Há fobias em relação a tudo, algumas que podemos achar ridículas, como o medo de baratas, de osgas…  que, ainda assim,  merecem ser levadas em conta particularmente quando descontrolam o comportamento.
Mesmo quando um determinado objecto fóbico não o seja para a maioria das crianças, temos que ter em conta que há crianças que têm medo, por exemplo, de animais, como cães ou gatos, e mesmo do pai natal.
Os pais devem ter sensibilidade para compreender cada situação e não reforçar essa fobia pela persistência em confrontar a criança com esses objectos ou situações.

Em geral, devemos estar atentos a sinais como:
- Sentir medo exagerado em relação a uma situação de pouco ou nenhum perigo real;
- Ficar descontrolado perante determinadas situações ou objetos;
- Evitar situações da vida ou determinados objectos impedindo a pessoa de um comportamento normal, ex. medo de andar de elevador;
- Sentir reacções físicas como sudorese, taquicardia, dificuldade para respirar perante algumas situações ou objetos…

Quase todas as pessoas (80%) têm pensamentos intrusivos e desagradáveis durante a vida mas a maioria de nós interpreta-os como sendo sem gravidade e não ligamos.
Pode não acontecer o mesmo com a fobia de impulsão que consiste na obsessão de fazer mal a alguém, familiares, a si próprio, ter medo extremo de insultar, agredir, ter ideias assassinas, perder o controlo e seguir os seus impulsos, o que atormenta alguns pacientes ...
Há factores que desencadeiam esta situação: uma mudança de vida, traumatismos ou factores de stress.
As fobias de impulsão variam em função do contexto socio-cultural e do que é admitido ou proibido numa sociedade. É expectável que actualmente as temáticas pedófilas sejam mais frequentes.

Perante esta perturbação, é possível sabermos qual o risco, qual a possibilidade de passagem ao acto ?
Na fobia de impulsão estas ideias podem ser consideradas egodistónicas, isto é, contrárias ao que a pessoa deseja, que é controlar o pensamento.
No caso de um paciente que apresenta risco de passagem ao acto o pensamento violento é considerado em ligação com a procura de prazer. Os pensamentos de agressão ou sexuais são, então, egossintónicos, isto é, de acordo com o que a pessoa pensa. Eles serão vividos como agradáveis e a pessoa minimiza as consequências do seus acto.
Na história desta pessoa poderemos encontrar antecedentes de passagem ao acto e esforços de planeamento do mesmo.
Em todo o caso, a dificuldade está sempre em fazer o diagnóstico acertado.
As estatísticas * indicam-nos que as perturbações obsessivo-compulsivas (POC) ** correspondem a 2% dos adultos, sendo as fobias de impulsão um quarto destes casos.
Como em qualquer doença psicológica, a fobia de impulsão provoca uma significativa diminuição da qualidade de vida do paciente.

Sempre que sinta que está a viver situações deste tipo deve procurar ajuda psicológica. Para além da ajuda, se necessário, de medicação adequada, sabemos que as terapias cognitivo-comportamentais são eficazes. ***
____________________
* Clément Guillet, "Phobies d' impulsion: la hantise de faire du mal", le cercle psy, pgs 54 e 55.
** Em Portugal, "disorder" foi traduzido por "transtorno" mas substituído por "perturbação", após o DSM IV.
*** Como sempre, na internet encontra diversos artigos sobre o assunto, por ex.: Fobia de impulsão: o que é e como tratar; Fobia social, por John W. Barnhill ... No entanto, a ajuda especializada não pode nem deve ser negligenciada.




https://www.mixcloud.com/RACAB/cr%C3%B3nica-de-opini%C3%A3o-de-carlos-teixeira-21-11-2019/






18/11/19

Ter filhos é bom... para o planeta



Como sabemos os filhos e os netos transformam a nossa vida. Aprendemos isso quando decidimos ter filhos.
Cada criança que vem a este mundo cria dessa forma uma  família ou integra-se nela, seja de que tipo for: monoparental, reconstituída, adoptiva, etc. e seja qual for o processo de procriação.
São os filhos que definem a família.
As motivações que levam uma pessoa a ter filhos são as mais diversas. Poderá mesmo  não ter havido motivação. (1)
Por outro lado sabemos que o envelhecimento da população é um factor extremamente importante para o problema da sustentabilidade  dos diversos sistemas sociais.
"Em cerca de cinco décadas o número de nascimentos em Portugal caiu para menos de metade.
…Em 1982, o número médio de filhos por mulher caiu abaixo de 2,1, considerado o limite da substituição de gerações.
Na década seguinte, em 1994, esse indicador ficou, pela primeira vez, abaixo de 1,5 filhos por mulher, valor que é considerado crítico para a sustentabilidade de qualquer população, inviabilizando uma recuperação das gerações no futuro se tal nível se mantiver durante um longo período." (Fundação Francisco Manuel dos Santos, Nascer em Portugal)

As razões que levaram a esta situação são as mais diversas. Porém aquilo que pensávamos que podia ser um problema é visto de outro modo  por alguns investigadores.
Sarah Harper, gerontóloga da Universidade de Oxford , defende que afinal a diminuição da natalidade não é um problema e não há motivo para alarme ... Pode até ser bom.

Porém o que eu não sabia é que  uma das razões para não ter filhos pudesse ser o aquecimento global e  as alterações climáticas. (1, 2, 3, 4)
Corinne Maier,  psicanalista, defende que “Ter filhos sai caro, mata o desejo no casal, impede a mãe de ter uma carreira bem sucedida e, para além disso... há demasiadas crianças na Terra.
Há também o movimento  GINK (green inclination no kids - inclinação verde não aos filhos) que defende que a pegada ecológica ou pegada de carbono de uma  criança é muito grande e por isso é melhor para o planeta não ter filhos. (Justine Canonne, "Faire un enfant, c'est mauvais pour la planète...", le cercle psy, nº34, pgs. 28 e 29)
Cada um é livre de pensar e expressar o que quiser mas qual a importância da pegada ecológica de uma criança  que vem a este mundo?
Todos queremos  ambiente saudável, é necessário fazer tudo para reduzir a poluição – o que não deve ser confundido com alterações climáticas – mas isso não pode ser posto em alternativa a não ter filhos.
E interrogo-me sobre que mundo será o nosso sem filhos e sem crianças
Se como dizia Pessoa o melhor do mundo são as crianças, essa é a única maneira de ter um planeta melhor. Um futuro melhor. Nelas está a esperança de podermos ter um Mozart, Beethoven, Freud, cientistas, artistas, … seres humanos que transformem o mundo que temos num mundo mais belo e mais humano.
E nenhuma criança  tira o lugar  a outra. Cada um de nós, cada um dos nosso filhos e netos, como ser único que é, tem um papel a desempenhar no mundo.
E chegámos aqui. Com a emergência climática – que para alguns não passa de uma invenção - o homem quer controlar o clima   nem que para isso seja necessário abdicar de ter filhos
As crianças são muito mais do que pegada ecológica e origem de mal-estar.
As crianças, os filhos, são de facto um milagre de amor e algo de transcendente na vida das famílias que as coloca num futuro aberto e promissor para a humanidade que não cabe nestas mesquinhas concepções climáticas.




03/11/19

Muros de silêncio

The sound of silence - Paul Simon


... And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more
People talking without speaking
People hearing without listening
People writing songs that voices never share
And no one dare
Disturb the sound of silence
"Fools" said I, "You do not know
Silence like a cancer grows
Hear my words that I might teach you
Take my arms that I might reach you"
But my words like silent raindrops fell
And echoed
In the wells of silence...

O silêncio é de ouro mas o silenciamento não. Nesse caso "é como um cancro que cresce".
David Draiman dos Disturbed, na sua versão de "The sound of silence", dá bem a ideia do dramatismo do silenciamento, talvez mais do que a versão original de Paul Simon.
Dá também Uma resposta ao silenciamento de Roger Waters sobre as ditaduras mais ferozes que têm grassado por este mundo.
A questão, afinal, não é "nós não precisamos de educação" mas, sim, precisamos de uma educação decente, nós precisamos de uma educação livre, crítica, sem os muros (quem diria!) de silêncio que Roger Waters quer impor aos outros, os muros da palavra, simbólicos, da liberdade, de poder cantar seja onde for para quem quiser ouvir.
As sociedades democráticas estão carregadas de defeitos, alguns dos líderes democráticos não são do nosso agrado, merecem todas as críticas porque e quando se põem a jeito, mas, e esta diferença é determinante, sabemos que serão substituídos pelos eleitores em próximas eleições.
Já não podemos dizer o mesmo dos pulhas que se mantêm no poder anos intermináveis, sem eleições democráticas, até caírem da tripeça, deixando os respectivos países ainda mais miseráveis.

Onde estão os que não se calam, os que não são corruptos, os corajosos, os que não são calculistas, os que não são hipócritas, os que não são habilidosos  e videirinhos... Onde estão ?
Onde está a comunicação social livre  e independente que dá voz aos que a não têm, que não vai atrás de modas de share ou lá o que é, mas que não passa da voz do dono ?
Onde estão os que não calam os criminosos, onde estão os procuradores e os juízes que devem fazer justiça ?

Há quantos anos vivemos com a extrema-esquerda no parlamento e na rua,  neste país e por todo o lado, e silenciamos  a sua filiação à mais profunda das desgraças, violências, que reinaram nos países, arruinaram povos, dizimaram etnias... que tiveram a infelicidade de saber o que ela é ?
Onde está a comunicação social - que tem nesta matéria uma responsabilidade particular - e os jornalistas independentes ?
intelligentsia parece esquecida destas realidades quando defende  não a "liberdade" mas o eufemismo das "mais amplas liberdades"? Foi assim em Portugal, é assim nos países onde a extrema-esquerda é quem mais ordena.
Onde estava Bernard Shaw quando os opositores de Estaline eram dizimados ?
Onde está Noam Chomsky quando ignora o "Arquipélago de Gulag"  e defende todas as ditaduras de esquerda ?

O silêncio não é de ouro quando é silêncio que fala alto através da linguagem das armas mas também de outras formas simbólicas ensinadas não apenas nos quartéis mas nas escolas e universidades. 
Paradoxalmente, assistimos a estas lutas interculturais  e  intraculturais, à violência mais feroz que fica dentro de fronteiras, dentro de casa, da luta de classes às guerras civis.

"Porque os outros se calam mas tu não", escrevia Sophia e Fanhais cantava (Porque). 
Entretanto, ninguém perturba o som do silêncio ...  trinta anos depois do muro de Berlim.


01/11/19

A educação é o professor


Depois deste interregno das férias escolares de Verão e eleições legislativas,  o meu regresso  a estas crónicas de OPINIÃO, acontece após o regresso às aulas e a um novo ano lectivo.
Podia ter a esperança de que este ano lectivo começaria melhor, dada a experiência de anos anteriores e assim poder pensar numa  melhoria da situação educativa das nossas escolas.
O ano lectivo anterior acabou com  a crise na educação, devido, principalmente, à questão do direito dos professores à contagem de tempo de serviço  de 9 anos 4 meses e 2 dias que provocou entre os partidos alguma desorientação  e com o primeiro-ministro a ameaçar demitir-se, caso isso fosse aprovado na Assembleia da República.
Começámos este ano lectivo da mesma forma. Com este problema por resolver, assim como com os problemas habituais, como, por exemplo, escolas fechadas ou disfuncionais devido a falta de pessoal docente e não docente, o problema da indisciplina dos alunos em muitas escolas, e até com  alguma violência contra professores e funcionários…
Mantém-se o problema do amianto nos telhados de algumas escolas, o problemas da qualidade das refeições,  o problema da gratuitidade e da reutilização dos manuais escolares…
Mantém-se, principalmente, o problema do clima escolar e os problemas da relação pedagógica. 
O que se passa ?
O que desde há alguns anos está a acontecer é que, sendo a escola um reflexo da sociedade e os comportamentos dos alunos reflexo da comunidade em que a escola está inserida, não se deu a importância devida às mudanças nos processos de socialização.  A comunidade educativa – alunos, professores, pais e encarregados de educação - são diferentes  e a escola necessita de se adaptar a essa situação.
A começar pelas lideranças políticas que com as atitudes e medidas que tomam, têm importante influência na melhoria das condições que se vivem no quotidiano da escola.
O ministério da educação não pode silenciar a realidade. Se não podem ser corporativistas, também não podem ignorar o grande sofrimento por que estão a passar muitos docentes.
A questão dos recursos humanos da educação é crucial. Impressiona-me, anualmente, a colocação de professores e também de outros funcionários das escolas, pela burocracia, centralismo, injustiça,  que cria uma das maiores instabilidades no sistema educativo.
É necessário entender que o sistema educativo não é um conjunto de leis portarias e despachos, tabelas e fluxogramas... mas de pessoas e famílias concretas. As famílias dos professores, técnicos, pessoal não docente e as famílias dos alunos.
Não compreendo como é possível que os recursos humanos no sistema educativo tenham uma forma de colocação singular em toda a função pública.  Há professores e técnicos que passam dezenas de anos sem vinculação a uma escola, todos os anos têm de concorrer a um horário numa escola  e que leva à anormalidade de professores serem colocados a centenas de quilómetros da sua residência  porque se o não fizerem ficam no desemprego…
Este é um assunto que  exigiria também a flexibilidade dos sindicatos de forma a que fosse salvaguardado o essencial:
1. a vinculação o mais cedo possível a uma escola de forma a estabilizar a vida dos professores e das suas famílias.
2. e a existência de uma carreira em que dois aspectos fundamentais dela façam parte:
- que o mérito seja levado em conta por uma avaliação de desempenho justa e simples, radicalmente diferente da actual;
- que seja contado o tempo integral de serviço, não dependendo da táctica  política dos vários momentos, dos vários governos.
Aprendi, um dia, que a educação é o professor. É a mudança que falta fazer.
Será que há vontade ministerial e sindical para realizar esta mudança ?