28/03/08

A INDISCIPLINA (2)


Temos vindo a falar da indisciplina…
Mal sabíamos nós que seria aberta a caixa de Pandora através do YouTube e passaríamos toda a semana a olhar para o umbigo da Escola.

A verdade é que os alunos não são como muita gente tem dito.
As crianças não são como muita gente acha que são.
Os professores não são anjos nem demónios
Os ministros são como sempre foram
Para a ministra da educação 1000 ou 100000 professores “são muitos”.
O poder é o que sempre foi.
Não é verdade que as medidas educativas sejam adequadas. Mas este problema não é de hoje.
Aconteceu aliás um milagre em Portugal porque, com menos professores, tivemos melhores resultados.
Pois é, esses desmancha-prazeres dos sindicalistas vêm agora falar em qualidade do ensino... Que bom que era uma sociedade democrática sem sindicatos, não era ? ! Pois era. Mas se calhar não era sociedade democrática.

Não acho que os culpados sejam:
Os pais
As crianças
Os professores
Os conselhos executivos
Os psicólogos
A ministra da educação
Os sindicatos
A legislação
A sociedade
O telemóvel
Os media
A pobreza
A riqueza
O Benjamin Spock
O Berry Brazelton
O(s) currículo(s) …

Pelo contrário, acho que é com todos estes factores que se faz a educação e é aí que, no fundo da caixa, podemos encontrar a esperança. Ou seja, apesar de todos os males de que a escola enferma, é também nela que reside um futuro melhor. Aliás, o título de um livro de Benjamin Spock é, precisamente “Um mundo melhor para os nossos filhos”.

Acho que fez muito bem Armando Leandro quando centrou um problema particular na sua justa dimensão, enquadramento legal e também no campo dos valores sociais, como o valor da autoridade.
Não acho que os problemas de indisciplina se resolvam com castigos exemplares, como diz um representante de um Associação de País do Porto e se ouve por aí…
Não acho que o pequeno delito conduza necessariamente ao grande crime como acha o Sr. PGR.
Não acho que se psicologizou excessivamente a escola, como referiu o psiquiatra José Gameiro.

O trabalho da educação está a fazer-se todos os dias nas escolas pelos alunos, professores, técnicos, incluindo alguns psicólogos, auxiliares de educação, etc.
Por isso das nossas escolas, públicas e privadas vão sair óptimos alunos, óptimos filhos e cidadãos responsáveis.
Estão dentro delas os futuros profissionais que vão permitir que o país funcione: médicos, educadores, engenheiros, arquitectos, terapeutas, carpinteiros, polícias, canalizadores, investigadores … todos os profissionais que irão cuidar de nós quando formos velhos, dos nossos filhos ou dos nossos netos, que irão construir as nossas casas, que irão proteger-nos…

É por isso que estou preocupado com a educação e com os fenómenos com ela relacionados como a indisciplina ou com outras coisas mais modernas como a disrupção escolar ou o bullying, como agora se diz, mas que é a mesma coisa.

É por isso que eu e os professores trabalhamos todos os dias na escola para ajudar a ultrapassar esses problemas. Sublinho professores porque são as melhores pessoas da nossa sociedade e por isso lhes confiamos os nossos filhos para fazerem aquilo que de mais nobre existe: ajudar uma criança a crescer, cognitiva e emocionalmente, e ajudá-la a tornar-se independente e autónoma, objectivo principal da educação. Como diz Brazelton: “é tão excitante aprender qualquer coisa sozinho, sem a ajuda dos pais” e, já agora, dos professores.

Voltando atrás…
O que são castigos exemplares ? São, certamente, um abuso. E provavelmente enquadram-se no que podemos chamar de maus tratos. Por que deve haver castigos exemplares ?
Eu pensaria que todo o cidadão é sujeito de direitos e deveres e que seria sancionado pelas infracções cometidas.
Então quando é que devemos aplicar castigos exemplares ? Quem é que decide ? Onde estão esses castigos exemplares, foram definidos por quem ? Foram aprovados por quem ?
Não será que devemos apenas aplicar castigos ? Os castigos que devem ser aplicados são os que estão previstos na lei e nos regulamentos da escola aprovados democraticamente nas suas instâncias, designadamente no Conselho Pedagógico. E, mesmo assim, tem sempre que se submeter à lei e aos princípios universais dos direitos humanos e dos direitos da criança (1959 – Declaração dos Direitos da Criança,1989 – Convenção dos Direitos da Criança e 1999 – A lei 147 – lei de promoção e protecção dos direitos da criança).
Não há lugar a castigos exemplares, porque isso será a falta de justiça. Não há lugar a subjectividade nesta matéria. Em parte nenhuma da sociedade mas muito menos na escola. As instituições escolares devem funcionar. O Conselho de turma disciplinar é para isso que serve.

É a modelagem ? Para que todos vejam como são punidos os que se portam mal ? Haverá modelagem pela humilhação ? Pedagogia da humilhação ? Orelhas de burro ? A fila dos burros? Exposição na entrada da escola com um cartaz ao pescoço? Chibatadas em público ? Espancamento no gabinete ? Prisão ?

Quanto à delinquência que vai originar a grande criminalidade faz-me pensar na Crónica dos bons malandros, do Mário Zambujal. Mas sabemos que nem sempre assim acontece e o contrário também é verdade.

A escola psicologizada ? É exactamente ao contrário. “É necessária toda a aldeia para educar uma criança”. Isto é, é preciso usar os recursos ao nosso dispor para que possamos levar a cabo as tarefas da educação.
A verdade é que não há uma verdadeira rede de serviços de psicologia e orientação, no terreno…
Tenho defendido inclusive a presença na escola de outros profissionais, designadamente: técnicos de serviço social e animadores sócio-culturais, dentro de ratios que se justifiquem.

O que faz falta é que as escolas sejam dotadas do número de psicólogos que seja razoável e nem sequer falo em parâmetros internacionais ou mesmo nas dotações que estão previstas na lei a nível nacional.
Podíamos começar por um ratio de 1 psicólogo/1000 alunos.
Sobre a necessidade do trabalho dos psicólogos na escola, parece uma evidência a necessidade de consulta psicológica e de orientação escolar para os alunos.
Dispenso-me de falar do sofrimento na infância, na invisibilidade dos maus tratos às crianças (Barudy) com que frequentemente me cruzo na vida de muitas crianças com quem trabalho.
Não é necessário falar nas crianças com NEE que estão nas escolas. Merecem tudo o que possamos fazer por elas. Devolvem-nos em dobrado a força para vermos o quotidiano com outra luz e optimismo.
Não vale a pena falar dos alunos que saem da escola e são integrados na sociedade depois de muito trabalho dos professores e dos psicólogos, de terem feito sofrer colegas, professores e a própria família … porque o inferno não são só os outros…há problemas individuais a resolver, devidamente contextualizados, obviamente.

Mas “a dor da gente não vem nos jornais” como diria Amaral Dias, e também não vai aparecer no YouTube Os media têm essa dupla faceta: fazem parte da transparência da sociedade da informação mas isso não quer dizer que não traga muito sofrimento para as pessoas visadas.

Não vale a pena falar nos problemas de aprendizagem que são característicos dessa aprendizagem e que hoje são vistos com outro olhar, graças também ao trabalho dos psicólogos.

Mas viva o YouTube porque numa sociedade democrática há opinião para tudo. Hoje há opinião sobre tudo. Hoje há milhares de opiniões diferentes sobre uma mesma coisa.
Hoje felizmente há opinião. Pode ser cretina ou inteligente. Mas o importante é que ela exista.
Que bom que era uma sociedade democrática onde a liberdade de expressão fosse amordaçada, não era ? ! Pois era, mas se calhar não era uma sociedade democrática.
Foi devido ao trabalho dos meus professores que sou quem sou. E como dizia Cecília Meireles:
"Há pessoas que nos falam e nem as escutamos,
há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam
mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossa vida
e nos marcam para sempre".
Finalmente, acho que vamos descobrir a esperança no fundo da caixa de Pandora… E de repente começaremos a dizer: obrigado professores do meu país pelo trabalho que têm feito!
A escola não é a vida. Mas o que dela resulta, o saber, a cultura, é um instrumento para a experiência da vida. Os problemas da escola e da aprendizagem com todas as contradições inerentes estão presentes nestes versos de Cecília Meireles. E, assim, faz todo o sentido a frase de Brazelton…


ALUNA
Conservo-te o meu sorriso
para, quando me encontrares,
veres que ainda tenho uns ares
de aluna do paraíso...

Leva sempre a minha imagem
a submissa rebeldia
dos que estudam todo o dia
sem chegar à aprendizagem...

- e, de salas interiores,
por altíssimas janelas,
descobrem coisas mais belas,
rindo-se dos professores...

Gastarei meu tempo inteiro
nessa brincadeira triste;
mas na escola não existe
mais do que pena e tinteiro!

E toda a humana docência
para inventar-me um ofício
ou morre sem exercício
ou se perde na experiência...

Carlos Teixeira

19/03/08

MANIFESTAÇÃO

não se pode estancar uma corrente

passam os rios
mas os passos não

dividem-se as águas em diferente

passam os passos
mas os rios não

sobem as águas explosão de gente
passam os rios - passos

uma vontade de seguir em frente

E.M. de Melo e Castro, Autologia

16/03/08

«Quem a tem...»

Não hei-de morrer sem saber
Qual a cor da liberdade.

Eu não posso senão ser
desta terra em que nasci.
Embora ao mundo pertença
e sempre a verdade vença,
qual será ser livre aqui,
não hei-de morrer sem saber.

Trocaram tudo em maldade,
é quase um crime viver.
Mas, embora escondam tudo
e me queiram cego e mudo,
não hei-de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.

(Jorge de Sena, 9/12/1956, Antologia Poética, pag. 106)
Letra para um hino

É possível falar sem um nó na garganta
é possível amar sem que venham proibir
é possível correr sem que seja fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.

É possível andar sem olhar para o chão
é possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros
se te apetece dizer não grita comigo: não.

É possível viver de outro modo.
É possível transformares em arma a tua mão.
É possível o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.

Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre livre livre.

Manuel Alegre