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26/06/25

Olá, solidão!





À medida que vou envelhecendo tenho mais necessidade de estar acompanhado, compreendo melhor a necessidade de estar com os outros e fico ansioso quando sinto que estou só, mesmo que isso signifique apenas isolamento social e não solidão não desejada.
De facto, estar rodeado de gente não resolve os sentimentos de solidão. Como o contrário, viver sozinho não é sempre sinónimo de sentir solidão. 
Refiro-me à solidão que faz mal à saúde.

Segundo V. Murthy, referido por Isabel Sánchez, a solidão “alastra como uma epidemia”, uma "epidemia oculta”, como foi referido no Reino Unido que criou o Ministério da solidão. (1)
Isabel Sánchez em A Cultura do Cuidado refere que “A solidão é um problema de saúde pública. E não é por acaso que foi integrada pelos governos de alguns países nas respectivas agendas de trabalho (2); a solidão está na origem e é um agente promotor das grandes epidemias do mundo atual, desde o alcoolismo e a dependência de drogas até à violência, à depressão e à ansiedade”.
“Mas a solidão não afeta apenas a saúde; afeta igualmente, o comportamento das crianças na escola, o nosso rendimento no trabalho, bem como o sentimento de divisão e polarização que domina sociedade.” (p. 134)
“... O que está presente no fundo da nossa solidão é o desejo inato de nos relacionarmos com os outros, porque o ser humano é uma criatura social...” (p.135)

Sabemos bem a importância da relação social para o desenvolvimento da criança; conhecemos as experiências de carência de contacto, carência de afeto e vinculação em que certas crianças ficaram e quanto isso perturbou o seu desenvolvimento.
Sabemos da importância que a necessidade do outro tem no grupo de adolescentes; enquanto adultos a importância do outro no trabalho ou, quando na velhice, precisamos de alguém que nos ajude em tarefas essenciais das actividades da vida diária que nós já não somos capazes de fazer.

A solidão “é um dos males do nosso tempo, uma pandemia do presente, que provoca mais mortos que a poluição ambiental, a obesidade e o alcoolismo... o isolamento afeta a qualidade do sono e faz aumentar os sintomas depressivos e os níveis matinais de cortisol que é a hormona do stress”... (Facundo Manes, referido por I. Sánchez, p.135)

Também em Portugal vivemos esta realidade. Um estudo com mais de 1200 pessoas entre os 50 e os 101 anos, concluiu que: 
- as mulheres (20,4%) sofrem mais de solidão do que os homens (7,3%).
- as pessoas com menor escolaridade apresentam mais solidão (25,8%).
- o sentimento de solidão aumenta com a idade: 9,9% dos 50-64 anos; 26,8% com 85 anos ou mais.
- é mais frequente nas pessoas viúvas (30,6%) e nas pessoas solteiras (15,8%) do que em pessoas casadas (9,2%).

As férias que estão a chegar são uma excelente oportunidade para novos contactos sociais ou para renovar contactos sociais que, eventualmente, estavam perdidos, desde logo dentro da nossa família, com os nossos filhos ou com amigos que não víamos há muito tempo. É um tempo em que podemos refazer relações sociais que nos devolvam a alegria de viver. 


Desejo a todos umas boas férias.



__________________________

(1) Marta Rebelo, "Precisamos de um Ministério da Solidão?" Visão, 10.03.2021 ;  "Há países que já têm um Ministério da Solidão. E Portugal?" Agência Lusa , CM.

(2) No nosso país foi aprovado o Plano Nacional de envelhecimento activo (Resolução do Conselho de Ministros nº 14/2024, de 12-1 )




Rádio Castelo Branco






21/03/25

Por que os idosos não querem ir para um lar ?



Com algumas excepções, é o que acontece. Esta é, pelo menos, a minha experiência. A resposta dos idosos quando questionados sobre o local para onde gostariam de ir quando forem velhos é quase invariavelmente :"para um lar não".

Um conjunto de razões pode motivar tal decisão.

- Não querem perder o resto de independência e autonomia que ainda têm e não querem controlo externo para o que fazem: refeições, tempos livres, para fazer seja o que for...
- Não querem perder os vínculos afectivos que ainda existem e que de algum modo se irão perder com a entrada num lar.
- Não querem ser indiferenciados no meio de outros, com igual ou pior situação do que a deles, tornando o ambiente pesado, triste, deprimente, 
- Não querem pensar nas várias violências que são cometidas contra os idosos, que vão da infantilização, aos raspanetes por coisas sem importância, pela dificuldade em memorizar aquilo que esquecem rapidamente, por coisas que já não conseguem fazer...
- Não querem estar sujeitos a técnicos e auxiliares que não têm qualquer vocação e respeito para com os idosos.
- Não querem ser votados ao abandono principalmente pelos familiares que os despejam nos lares e deixam de os visitar.
- Não querem que lhes aconteça como a familiares, amigos e conhecidos que faleceram pouco tempo depois de terem entrado para o lar.
- Não querem perder algumas referências espaciais e afectivas importantes, como perder os amigos, as pessoas próximas e perder as rotinas que eram feitas em determinados espaços e contextos afectivos.
- Não querem pensar que o fim está próximo e “atirar a toalha ao chão”, ou seja, pensar que já se é demasiado velho.

Ora tudo isto é o contrário do que deve ser feito. Se o SNC tem plasticidade (neuroplasticidade), tem que se procurar o que faz sentido para cada um de nós.
Se me sentir acompanhado, querido pelos outros, tiver amigos... tudo isso vai influenciar e regular o sistema nervoso e manter-me mais saudável.
Estes sentimentos, como o afecto e a amizade, são fundamentais, reduzem os medos e afastam a solidão...

Não quero ter uma ideia estereotipada dos lares, generalizando sobre o que se conhece. E o que se conhece não é bom.
Claro que há excepções . Claro que há lares melhores que outros.
Claro que há técnicos competentes em todos as estruturas, sejam IPSS ou Privados, com preços acessíveis ou preços impossíveis...

Manuel Lemos, da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), em 2023, defendia “um novo paradigma, assente no apoio domiciliário”, e reconhecia “que são necessárias mais estruturas para idosos, face à longevidade, mas também outro tipo de oferta.” ( "Lares para idosos têm de evoluir e mudar de padrão" Lusa, DN31-5-2023)
Hoje o nível de escolaridade é superior, muitos idosos já são capazes de utilizar meios digitais, têm interesses diferentes...
Para Manuel Lemos, "mesmo nos lares que existem hoje, temos de encontrar uma nova forma de cuidar dos idosos”...



Até para a semana.


Rádio Castelo Branco



12/03/25

Ideias que curam 2


 

No meio da grande confusão que vai pelo mundo, e mesmo no nosso pequeno mundo nacional, é preciso que consigamos alguma tranquilidade, sensatez, racionalidade.

É penoso, e talvez para algumas pessoas, perturbador, assistir a tantos desentendimentos, afastamentos, polarizações.

Os dias passam e acrescentam mais ódios e relações cada vez mais clivadas.

Talvez tudo tenha mudado em 11 de Setembro de 2001, quando as torres gémeas foram deitadas abaixo: “O dia que fez abalar o mundo”. (Amaral Dias, Um Psicanalista no Expresso do Ocidente)


Nunca foi fácil para cada pessoa encontrar o equilíbrio na vida e também não o é actualmente. Podemos dizer, no entanto, que é sempre possível “converter qualquer obstáculo num meio para atingir os fins”. Neste caso, atingir o equilíbrio.

Sem dúvida, que tem um papel muito importante tudo o que possamos fazer para nos ajudarmos a nós próprios.

Sei que, também nesta área da auto-ajuda, é necessário ser selectivo porque  há muitos caminhos que podem servir outros propósitos que não sejam os que  interessam.

 

Já aqui tenho escrito e falado (RACAB) em vários procedimentos  terapêuticos que podemos usar na gestão do equilíbrio que procuramos para a nossa vida: a terapia da natureza, a hortiterapia, a biblioterapia, a filosofia, a leitura e prática do estoicismo, as práticas da meditação que vão da terapia mindfulness até à prática da oração...

Por estes dias de incerteza, leio Séneca, Sobre a brevidade da vida, que pode ser um bom começo para fundamentar  esta perspectiva....

Tudo o que está à nossa volta nos preocupa. Vivemos preocupados, ou seja, há todas as condições, políticas, sociais e familiares para que assim seja...

“Mas (diz Séneca) há quem viva preocupado mesmo quando em repouso:  Em casas de campo, no leito, no meio da solidão. Mesmo quando totalmente sozinhos, são a pior companhia que podem ter. Não vivem descansados, mas com preocupações persistentes.”(p. 22)

Provavelmente, estamos nesta categoria e se calhar temos justificadas razões para isso: somos daqueles que trabalham ate à exaustão, até ficarmos doentes (burnout), workaholics inveterados, regressamos cansados de férias,  ficamos cansados de ver tv ou das redes sociais...

 Outra das minhas leituras é Estoico todos os dias, de Ryan Holiday e Stephen Hanselman, que propõe um pensamento para cada dia do ano, principalmente a partir dos textos de Séneca, Epicteto, Marco Aurélio. Uma proposta de leitura para cada dia do ano, mas mais do que isso de meditação.

A leitura para o dia 11 de Março parte de uma frase de Epicteto: “O homem sem impedimentos, que tem à mão as coisas como quer, é livre. Mas aquele que possa ser impedido, coagido ou empurrado para fazer qualquer coisa contra a sua vontade, é um escravo.”(p.103)

As pessoas perdem a liberdade em troca do que supõem ser o êxito, o poder, a riqueza e a fama, são “prisioneiras nas cadeias que elas próprias construíram”.

Se pensarmos bem, há 50 anos, aconteceu o 11 de Março de 1975, com todos os desmandos e  violência que se seguiram e que só viriam a terminar com o 25 de Novembro desse ano.

Não podemos dizer que a crise actual é pior.

 


Até para a semana.




Rádio Castelo Branco










06/11/24

Idosos cuidadores de idosos


Tem vindo a aumentar o número de pessoas idosas que necessitam de cuidados permanentes ou regulares, muitas vezes prestados pelos próprios familiares. *
Como sabemos, há perdas e ganhos no envelhecimento. A mente vai-se deteriorando ainda que o corpo esteja fisicamente em condições de realizar as actividades da vida diária. Ou então é o corpo que já não possui as condições que a mente ainda lhe exige. Num ou noutro caso, ter consciência dessas dificuldades não é fácil de aceitar.

Não é um problema da actualidade. Séneca, na carta 26 (Cartas a Lucílio), divide a velhice em duas fases: a da velhice propriamente dita e a da decrepitude.
Diz Séneca: “Dizia-te eu, não há muito, que já estava à vista da velhice; agora creio bem já ter deixado a velhice lá para trás de mim! 
À minha idade, ou pelo menos ao meu corpo, já será adequada outra designação, pois "velhice" é o nome que se dá ao período da vida em que o homem está, embora cansado, ainda não gasto de todo. 
Inclui-me, portanto, no número dos decrépitos já prestes a atingir o fim. 
Há, porém, uma coisa que te peço tomes em consideração: é que não sinto na alma as injúrias da idade, conquanto as sinta no corpo. Somente envelheceram os meus vícios, tal como o corpo auxiliar desses vícios. O meu espírito conserva-se vigoroso e mostra-se contente de já pouco ter de se ocupar com o corpo, isto é, já alijou uma grande parte do seu fardo."


Colocar o pai ou a mãe num lar pode ser uma decisão extremamente difícil e complicada e gerar conflitos contra a sua vontade, quando rejeita essa opção, de forma ostensiva ou ficando em silêncio... Uma alternativa é, muitas vezes, ficar a cuidar deles  na sua própria casa, mesmo que a nível temporário, mesmo que com apoio de outros familiares.

 

É necessário avaliar se o podemos fazer sozinhos, com apoio dos irmãos ou outros familiares, ou com necessidade de recorrer ao apoio domiciliário disponibilizado por instituições ... 

Com pais muito idosos é natural que os filhos também já sejam idosos e, por isso, é necessário ter em conta que os idosos cuidadores de idosos são duplamente onerados devido às suas fragilidades e por terem de cuidar de outros ainda mais frágeis.


Como encarar esta dupla fragilidade? Que fazer? A gestão desta situação faz-se em vários planos: as interações com os pais, as interacções com os irmãos, com o resto da família, com a sociedade.
E não é fácil cuidar, com as forças que nos restam, de pais muito idosos. Mas, por vezes, mais difícil ainda é lidar com o resto da família, em especial os irmãos.
Sendo uma fase stressante para toda a família, muitas vezes as pessoas revelam facetas desconhecidas, quase sempre por motivos por dinheiro e heranças...
Por estarmos numa das fases mais complexas, tristes e emocionalmente desgastantes da vida, é necessário estarmos preparados para estas situações e protegermos a nossa sanidade mental. (Reviver, "Cuidar de pais idosos: As 15 melhores formas de manter a sanidade mental")

 


Até para a semana.


___________________________

* No dia 5 de Novembro comemorou-se o Dia Mundial do Cuidador Informal. Este dia foi instituído com o objectivo de homenagear todas as pessoas que, de forma informal, prestam cuidados básicos a quem não pode cuidar de si próprio.




Rádio Castelo Branco




02/10/24

Envelhecer com dignidade


O dia 1 de Outubro foi declarado pela ONU, em 1990, como dia internacional dos idosos, e em 1991 foram aprovados os princípios para as pessoas idosas (Resolução 46/91 das Nações Unidas). Este ano, o Secretário-Geral da ONU na sua mensagem para o Dia Internacional dos Idosos, voltou a apelar para: “Envelhecer com dignidade: A importância de reforçar os Sistemas de Cuidados e de Apoio aos Idosos em todo o Mundo.”
Todos estamos de acordo. Mas sabemos que o discurso bem intencionado se confronta com uma realidade bem diferente. Infelizmente, as estatísticas dão-nos uma imagem deplorável do tratamento dado a muitos idosos que vai do abandono e negligência aos maus tratos físicos. E, mais uma vez, vindos de quem não se devia esperar.

Esta discriminação negativa, devida à idade cronológica, chama-se idadismo (ageism). Para Sofia Duque(“Dia Internacional do Idoso: contra o estigma e estereótipos, para dignificar e respeitar os direitos dos mais velhos”, DN, 1-10-2024o idadismo “pode ter várias consequências negativas:

de natureza psicológica – a baixa autoestima, depressão e ansiedade; 

a redução do acesso a cuidados de saúde; 

a falta de  motivação dos próprios para a adoção de estilos de vida saudáveis, face à crença falsa de que a deterioração funcional e cognitiva são consequências inevitáveis do envelhecimento; 

o isolamento social e solidão;  

a tensão nas dinâmicas familiares, sendo frequentemente afastada a pessoa mais velha da tomada de decisões, mesmo quando estas lhe dizem diretamente respeito; 

o afastamento das esferas familiar e social; 

as políticas sociais e de saúde desfavoráveis; 

a desvalorização das capacidades das pessoas mais velhas e a falta de oportunidades.”


Podemos fazer um exercício. Para entendermos o que sente um idoso coloquemo-nos no seu lugar. Como gostaria de ser tratado quando fosse mais velho ou idoso?

Um idoso quer ser tratado com o respeito que é devido a um ser humano.

Deve-se ter em conta o seu passado, o profissional que foi  e o trabalho que fez durante tantos anos.

Embora possa ficar calado, não gosta de ser tratado com termos  ofensivos e esterotipados.

Apesar de já não poder deslocar-me tão facilmente ou de não estar “à la page”, não gosta de ser excluído de nada: da vida da família e da vida em sociedade.

Não gosta de ser tratado por tu mas de ser chamado pelo seu nome e gosta de ser cumprimentado como as outras pessoas.

Não gosta de ser excluído de sítios que proíbem a sua entrada.

Gosta que lhe perguntem a sua opinião em relação às coisas que lhe dizem respeito e que o deixem decidir em relação à ida para um lar ou uma “erpi” (estrutura  residencial para pessoas idosas). Deve ser respeitada a sua vontade.

Gosta de ser tratado por profissionais competentes que sabem como lidar com pessoas idosas com as suas dificuldades emocionais, cognitivas e sociais.

Gosta de fazer o que gosta e de não ser infantilizado. As actividades devem ter em conta que o adulto ou o idoso não é uma criança, que tem uma experiência de vida, cultura e vivências próprias.

Gosta que o deixem em paz quando não quer participar... mas,  ainda que sozinho, prefere ler, escrever e pensar...


 

Até para a semana.





Rádio Castelo Branco






11/12/23

"Na hora da partida"

"É vontade raivosa que muitas vezes me assalta, mas quando consigo travar a tempo, passados uns instantes de reflexão logo descarto a ideia, ciente de que o resultado seria funesto.

Dá-se o caso, e com ele há vidas sofro, que me desconcerta a violência e disparidade dos meus sentimentos para com a terra em que nasci, as raivas que ela me provoca, como se em vez de um lugar, um território, uma nação, Portugal fosse gente.

Ora o vejo como um sujeito estúpido que me dá vontade de insultar e agredir, ora um tonto de tal modo desvairado que não paro de abanar a cabeça, de vez em quando uma inocente criança, que em mim desperta insuspeitados carinhos e ternura.

Olho-o de longe e assusta-me a frieza com que disseco o seu funcionamento, o sarcasmo que me provocam os pandilhas que há décadas o esbulham, fingindo que governam, os sortidos donos daquilo tudo, os que se dobram ajoelhados como escravos de galé. E ainda os jeitos, as luvas, o fatalismo, as vénias, a cunha, a subserviência para com os que estão acima, o desprezo para com os que dependem. O medo generalizado, os brandos costumes, as manhas, o respeitinho. Aquela inveja, que de tão extraordinária e corrente parece ser genética. A promessa raro cumprida, idem a sornice, o deixa para amanhã, a fatuidade, o valor das aparências, o gosto da rasteira.

Mas depois, tão entranhado português que sou, e protegendo-me de mim próprio, logo amoleço, procuro razões de brandura e desculpa, fecho um bocadinho os olhos, embalo-me com a esperança de que cheguem os amanhãs que sempre desejei.

Contudo agora, melancolicamente certo e seguro que a minha hora não tardará, sei que vou partir sem os ver chegar."



J. Rentes de Carvalho, Tempo contado


Este maravilhoso texto de J. Rentes de Carvalho é uma justa definição daquilo que somos e sentimos. 
Amor e ódio por termos tudo para sermos melhores do que somos mas com os pés de barro que nos entravam a marcha para uma vida sem sobressaltos, o que nos chateia e encanita, mas, por fim, fica sempre o amor a este país.
Tanto cantámos a paz, o pão, habitação, saúde, educação... que já não damos por nada... a prestação da casa, a falta de professores, o aeroporto ou a simples marcação de uma consulta no centro de saúde...
Mas não é este desconsolo o que se passa com aqueles que amamos ? E lá estou também eu a pensar que se trata de gente.
Já no fim de termos visto quase tudo, não cremos nos amanhãs que esta gente canta, nem as falinhas-mansas das campanhas eleitorais nos seduzem, como mais uma que aí vem. 
Resta-me sonhar com "os amanhãs que sempre desejei".




27/09/23

Memória e internet - o "efeito google" *


A nossa memória é fascinante. Ela acompanha-nos desde sempre. É a memoria filogenética. Vem com os nossos genes e vai sendo acrescentada e modificada pelas experiências da nossa vida, pelos estímulos ambientais, o meio físico e social, a cultura, a educação. Temos memórias únicas e pessoais que podemos recuperar sempre que quisermos, desde que não tenham sofrido alterações e perturbações. Mas esta memória está sendo confrontada (e ameaçada ?) com outra memória: a internet, o google, a inteligência artificial (IA)... Até que ponto a internet está a mudar os nossos cérebros, os processos mentais e, em particular, a nossa memória? Que efeitos poderá ter o google na nossa memória e suas consequências nos processos cognitivos? Até que ponto podemos beneficiar ou não com os assistentes digitais de memória? Será que eles mudam a nossa forma de memorizar?

Qualquer pessoa pode pesquisar um assunto, utilizando o google, pela extrema facilidade com que se obtêm respostas, mesmo que manhosas ou até erróneas. Esta facilidade tem uma vantagem: poupa-nos o esforço de aprender e recordar mas também tem um problema: a informação não é registada na nossa memória pessoal biológica e neuronal mas antes na memória externa digital e artificial.
“A navegação na internet implica uma atividade multitarefa intensiva pelo que a rede pressupõe um sistema de interrupção da atenção sustida e focalizada. Estamos constantemente a mudar de objetivos com a atenção dividida e a controlar a interferência de estímulos.” (Emilio García García (2022), Memória - Recordar e esquecer, Biblioteca de Psicologia, p. 129)
Todos temos esta experiência: começamos a navegar e depressa deixamos os objetivos iniciais da nossa pesquisa para irmos atrás das ligações que são propostas pela internet, das sugestões que vão aparecendo no ecrã, das informações mais recentes que desfocalizam a nossa atenção e acabamos pesquisando assuntos pouco ou nada relacionados com aquilo que nos interessava e acaba numa perda de tempo,...

O cérebro digital de um computador é muito diferente do cérebro vivo de uma pessoa, assim como a memória externa e artificial é muito diferente da memória pessoal biológica. “O cérebro humano está constantemente a elaborar informação reconstruindo as memórias. Quando trazemos à memória de trabalho uma memória guardada a longo prazo, estabelecem-se novas ligações num contexto de experiência distinto e sempre novo. O cérebro que recorda já não é o mesmo que elaborou as memórias.” (p. 128)

O "efeito Google" ou "amnésia digital", é então um comportamento cada vez mais comum: o de confiar o armazenamento de dados importantes aos nossos dispositivos e à internet no lugar de guardá-los na cabeça.
O problema pode ser mais grave do que se imagina: além de recorrer à internet para guardar informações, muitas pessoas têm a impressão de que os dados online fazem parte de sua própria memória.

O mundo actual condiciona-nos a consumir uma enorme quantidade de informações, e a memória biológica não consegue lembrar-se de tudo. 
Portanto, usar essas ferramentas como um complemento pode ser de grande utilidade, mas deve ser feito com muita responsabilidade.
Ainda não podemos tirar conclusões sobre se o "efeito google" muda o nosso cérebro, como acontece com a leitura, por exemplo, mas o tempo dirá como foi esta mudança. (p. 130)



Até para a semana.

___________________
* Hoje comemora-se o 25º aniversário do Google (1998-2023).



Rádio Castelo Branco
 

22/09/23

"A ilusão da eutanásia"


Faço uma longa citação do artigo do Dr. A. Lourenço Marques "Ilusão da eutanásia - Sobre as más condições em que geralmente se morre em Portugal, há um panorama trágico que urge ultrapassar", que de preferência deve ser lido na íntegra em Reconquista, 21-9-2023.

"...Deixar a morte natural acontecer - estando presentes, solidariamente, em tudo o que isto tem de significado, e cuidando - já pode ter outro sentido. Esta última opção é uma via que tem as marcas da ciência e do humanismo. Verdadeiramente, nestas situações, a aplicação da Medicina, no estado atual da Arte, com o mesmo vigor e empenho com que se aplica quando se pretende o resultado da cura que é viável, pode ter uma resposta positiva do ponto de vista humano. Porque a Medicina é ampla. Com uma história muito antiga, está em permanente progresso, e chegou, hoje, a importantes conquistas que contribuem substancialmente para a melhoria da vida das pessoas que adoecem, e em qualquer fase da doença: curando, quando é possível; aliviando, que é um imperativo; e sempre confortando. A medicina vai até ao fim. A especialidade dos Cuidados Paliativos, os cuidados específicos no sofrimento das pessoas com doenças que determinam a morte natural, assumiu a envergadura de qualquer outra especialidade médica. Só que, na nossa organização, em Portugal, predominantemente arquitetada para a doença aguda, o cuidado apropriado do tempo do fim da vida com doença crónica (período variável) tem penetrado com muita dificuldade. A avaliação disponível que temos, é que num universo de cerca de 90 mil pessoas, necessitadas de Cuidados Paliativos, que morrem, anualmente, entre nós, menos de 30 mil têm acesso aos cuidados indicados pela Arte. Pensemos, por exemplo, que de todos os doentes com indicação para cuidados intensivos, em Portugal, só 30% teriam acesso! Seria um sonoro escândalo! 
Em meados do século passado, os Cuidados Paliativos começaram no Reino Unido. No mesmo país, cerca de 20 anos depois, em 1987, ganharam o estatuto de especialidade médica. 
Portugal está atrasado. A primeira iniciativa concretizada com internamento para doentes terminais com cancro, data de 1992, no Hospital do Fundão. Portanto, 25 anos depois do pioneiro Reino Unido. O percurso, cá, cheio de embaraços. E só em 2014, a Ordem dos Médicos concluiu o primeiro passo do reconhecimento profissional, que foi a atribuição do grau de competência médica à Medicina Paliativa. Ora, sabendo que a Lei da Eutanásia é feita para um país em que esta condição básica, que é a universalidade do acesso aos Cuidados Paliativos, não está cumprida, tenho o direito de julgar que essa Lei é inoportuna. E mais. Acho mesmo que cria a ilusão de que estamos no caminho certo da solução do sofrimento dos doentes, com doenças incuráveis, que se aproximam da morte, quando, na realidade, de tudo o resto (que está universalmente consensualizado) para responder a esta questão, estão arredados, grosso modo, dois terços dos potenciais candidatos. Do meu ponto de vista, o meio político dominante tem dado ares de não ter convicções sobre o que verdadeiramente está em causa. Lamento!"






06/07/23

Construir boas memórias




A nossa mente vai construindo, ao longo do tempo, memórias boas e más ou, se quisermos, positivas e negativas, da nossa vida. Há memórias que se mantêm durante muitos anos. Outras são apagadas e não fica rasto delas. 
Sem dúvida, é de relevar o papel que a memória tem na nossa saúde mental. As memórias recorrentes, involuntárias, intrusivas, perturbadoras fazem parte do quadro de sintomas da perturbação de stress pós-traumático. São memórias de vivências negativas que não nos deixam dormir, que não nos deixam viver a vida de forma activa, criativa, e que pelo seu peso perturbador exigem acompanhamento psicológico.
A emoção tem um papel crucial na construção das nossas memórias. A emoção não é o único factor que afecta a memória e não afecta apenas a memória. Mas face a um estado emocional intenso todo o sistema cognitivo (percepção, atenção, memória, raciocínio, linguagem e tomada de decisão) é afectado.

Ao relevarmos os efeitos negativos, esquecemo-nos da importância que as memórias positivas podem ter na nossa felicidade: como a memória, quando éramos pequenos, da comida feita pela avó, do cheiro das árvores da quinta, dos momentos especiais de convívio com os amigos...
É isso - as boas memórias - que faz juntar as pessoas em encontros periódicos. O encontro anual é um bom exercício de memória, como penso que são todos os encontros em que comemoramos o tempo de vida em comum, encontros de ex-militares, de ex-colegas de liceu....
Por isso, é tão importante (re)lembrar e reviver as boas memórias de tempos e espaços emocionais tão intensos, ao mesmo tempo que reforçamos a recordação dessas memórias.

Uma das boas memórias que todos sentimos passa pela música e pelo muito tempo que permanece connosco... Em Musicofilia (Oliver Sacks) vemos como mesmo quando aparecem doenças como a doença de Alzheimer, permanece a memória da música e somos capazes de a interpretar.
As memórias que mais perduram são as que estão ligadas a uma vivência emocional intensa e a música está relacionada com as emoções.

É também isso que faz juntar "Os Leões de Madina". Madina Mandinga, uma mensagem de paz e amor no meio da guerra, como atesta o Cancioneiro de Madina de que o hino da Companhia é o melhor exemplo: 
Nós somos Primavera 
Gostamos de cantar!
Nos somos juventude 
Nascemos para amar!
Nós queremos Amar
Toda a gente da terra!
Não queremos mais fome 
Não queremos mais guerra!

Boas memórias são a presença dos que se reencontraram em Tarouquela mas também a presença dos ausentes, dos lugares vazios: os que já não se sentam à mesa, os que não resistiram na caminhada, e também os que não se sabe onde estão ou nunca tiveram interesse em participar.
Como tive oportunidade de dizer, este foi um dia muito feliz para mim por ter reencontrado tanta gente boa, mesmo que esquecendo alguns dos seus nomes, que não de momentos inesquecíveis. Fui lá recordar memórias felizes e ver como as emoções tão intensas daquele tempo nos vincularam até aos 49 anos da comemoração. E, acreditem-me, interessam-me apenas essas boas memórias. Sim, o sofrimento, as separações, fizeram parte delas mas o tratamento humano que era regra naquela Companhia, relevam em relação a todos os episódios que cada um de nós tenha na sua memória mesmo que tenham sido apagados na memória dos outros. Foi um dia bonito e feliz e isso é que conta para a vida. 

Como me senti confortável com esta gente com quem partilhei aqueles momentos de 1973/74!  Como foi bom rever todos aqueles companheiros em quem sentíamos apoio e superação no esforço de todos os dias para sobrevivermos à guerra que nos roubava a juventude. 
E agora tantos anos depois, cada dia é mais uma prova de superação das dificuldades que uns vivem mais do que outros mas que também radicam lá no passado.
Como fiquei grato por me terem dado a honra, juntamente com o ex-alferes Baptista, de ter partido e partilhado o bolo de mais este aniversário!







18/05/23

"A vida apenas, sem mistificação" (3)


Fernando Namora, Deuses e demónios da medicina


Em 12 de Maio de 2023, a Assembleia da República confirmou a lei da eutanásia. 
Com lei ou sem ela, continuo a tentar compreender o que move algumas pessoas nesta campanha radical.
Há um espaço ideológico onde se cruzam os defensores mais dogmáticos das questões fracturantes mas neste caso da eutanásia não há um alinhamento à esquerda e à direita. Os socialistas votaram com os liberais a favor, os comunistas do PCP votaram contra. (1)

Estes arautos do progresso usam a metodologia da persistência que muitas vezes se aproxima do fanatismo. Insistem no assunto tantas vezes quantas as necessárias para obterem o que pretendem. 
Como sabemos quando se consegue uma maioria no parlamento, pode-se aprovar a lei que se quiser, seja pouco ou muito importante como esta: uma questão de vida ou de morte. Por isso esta lei devia ultrapassar a conjuntura.

Contam também com a tibieza dos indiferentes ou que não têm posição. Enquanto no PS não há qualquer dúvida nem qualquer rebuço na aprovação da morte medicamente assistida, no PSD há todas as posições: a favor, contra ou outra coisa que é o referendo. Rui Rio era a favor, Montenegro não sabemos mas defende o referendo. 
Para Pedro Passos Coelho, a Eutanásia é uma decisão (demasiado) radical.
É sempre bom saber que haverá quem não se conforma nem desiste de, no futuro próximo, pôr em cima da mesa a reversão da decisão que o parlamento tomou.

Por outro lado, há uma questão de constitucionalidade. O problema não está apenas na constitucionalidade deste ou daquele artigo. É uma questão de fundo: a inviolabilidade da vida que esta lei não respeita. É, por isso, uma violação da constituição, como defende Jorge Miranda.

Mas há a realidade. O fim da vida deve ser tratado com as condições cientiíficas e humanas de que podemos dispor actualmente. Podemos escolher outras perspectivas ou respostas para esta situação como: a ortotanásia, o testamento vital, os cuidados paliativos.
Há mais de dez anos, em 2012, foi aprovado a Lei (Lei n.º 25/2012, de 16 de julho), que regula as diretivas antecipadas de vontade (DAV), designadamente sob a forma de testamento vital, como é referido no artº 2º. (2)
Se bem entendo, o que está previsto no testamento vital corresponde àquilo que é englobado na definição de ortotanásia. Como se diz num documento do Parlamento, “Ortotanásia” é definida, de forma simples, como “morte natural, sem sofrimento” ou, de forma mais completa, como “postura clínica que procura evitar que os doentes terminais, sem perspetiva de cura ou melhoras sensíveis, sejam submetidos a procedimentos terapêuticos inúteis ou desproporcionados que apenas prolonguem artificialmente a sua agonia, privilegiando, em alternativa, a prestação de cuidados paliativos e a promoção do bem-estar do enfermo durante o processo de morte cuja evolução deverá decorrer de modo natural”

Perante a existência de respostas racionais, culturais, humanas... não havia necessidade de insistir nesta radicalização. Como diz o Papa Francisco "foi aprovada uma lei para matar". E, por isso ,“sei que não vou por aí”. 


Até para a semana.


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(1) A deputada socialista Isabel Moreira considera que aprovar a eutanásia também é cumprir Abril. Esta religião de Abril, como refere Helena Matos, neste caso nem sequer conta com o PCP, certamente um dos seus paladinos.

(2) Em 2012, foi aprovada a Lei n.º 25/2012, de 16 de julho, que regula as diretivas antecipadas de vontade (DAV), designadamente sob a forma de testamento vital, e a nomeação de procurador de cuidados de saúde e cria o Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV).  
No artº 2º refere algumas das directivas antecipadas de vontade (DAV):
"Podem constar do documento de diretivas antecipadas de vontade as disposições que expressem a vontade clara e inequívoca do outorgante, nomeadamente:
a) Não ser submetido a tratamento de suporte artificial das funções vitais;
b) Não ser submetido a tratamento fútil, inútil ou desproporcionado no seu quadro clínico e de acordo com as boas práticas profissionais, nomeadamente no que concerne às medidas de suporte básico de vida e às medidas de alimentação e hidratação artificiais que apenas visem retardar o processo natural de morte;
c) Receber os cuidados paliativos adequados ao respeito pelo seu direito a uma intervenção global no sofrimento determinado por doença grave ou irreversível, em fase avançada, incluindo uma terapêutica sintomática apropriada;
d) Não ser submetido a tratamentos que se encontrem em fase experimental;
e) Autorizar ou recusar a participação em programas de investigação científica ou ensaios clínicos."


A Portaria n.º 96/2014, de 5 de maio, que Regulamenta a organização e funcionamento do Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV) que contempla diversas situações em que a pessoa pode decidir.




Rádio Castelo Branco


15/05/23

Aprender a envelhecer.



Envelhecer é algo natural e inevitável, o destino de todos nós. Mas para o geneticista David Sinclair não é bem assim. Defende que é possível retardar o envelhecimento com alguns hábitos simples para que tenhamos vidas cada vez mais longas e saudáveis.
Seja como for, a gente envelhece quer queira quer não. E como não estamos preparados para isso, se calhar, o melhor é apender a envelhecer. (1)
Diz-se que as crianças não nascem com livro de instruções. É também o caso da velhice que não chega com livro de instruções. Tenho aprendido com a própria experiência e já estabeleci algumas regras para meu uso pessoal.

1. Reduzir a velocidade em tudo: andar mais devagar, comer mais devagar, preferir tudo o que se faça devagar.
Não é nada fácil mudar o hábito de muitos anos a fazer as coisas à pressa para começar a fazê-las devagar.
Alguns provérbios fazem agora mais sentido: “depressa e bem não há ninguém” e “devagar se vai ao longe”, ou “um dia de cada vez”...

2. Não ser rezingão, não dizer mal de tudo, não ser queixinhas acerca de tudo o que acontece no mundo à minha volta. 

3. Não ser um peso para ninguém. Não deixar que façam nada por mim, excepto quando de todo não conseguir. 

4. Manter a actividade física e mental. Um hobby pode ajudar. 

5. Não querer ser um velho arrogante e presunçoso mas humilde. Não querer falar em último lugar e não querer ter razão e tirar as conclusões, nem pedir mais 30 segundos para concluir, porque isso não releva nada, não interessa nada e a conversa ou o debate não ganha nada com isso.

6. Ter cuidado com a ideia que anda por aí de que uma pessoa idosa já pode dizer tudo o que lhe vem à cabeça porque normalmente isso é visto como falta de responsabilidade.

7. Não dizer no meu tempo é que era bom, ou “os bons velhos tempos”. É uma frase enganadora uma vez que estes ainda são os meus tempos.

8. Saber retirar-se a tempo de responsabilidades que ficam mais bem entregues a pessoas com mais capacidades e deixar de querer ser, de uma vez por todas, um workaholic

9. Saber vestir-se: se calhar não "vestir à velho" mas também não querer ser o que não se é: um jovem de 20 anos.

10. Não dar saída aos mitos relacionados com a velhice, como por exemplo: Solidão e depressão são normais na velhice; os velhos não aprendem coisas novas...

11. Na velhice, como ao longo da vida, em relação às pessoas com quem vivemos, não dizer “tu nunca...” ou de outra forma não dizer “tu sempre...” , porque isso torna a comunicação difícil. 

12. Ter presente que a memória vai falhando com o envelhecimento. Vamos tendo experiência do que é perder lentamente a memória. Nada de anormal. começamos a esquecer-nos dos nomes de algumas pessoas, depois de muitas pessoas, a seguir, de acontecimentos temporais...

13. Finalmente, ser fanático apenas por uma coisa: a família afectiva.


Até para a semana.


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(1) Este é também o sentido do livro de Manuel Pinto Coelho, Chegar novo a velho.


Rádio Castelo Branco


24/03/23

Respeitar os idosos


O psicólogo Erik Erikson definiu oito estádios de desenvolvimento psico-social sendo o oitavo correspondente à velhice
A resolução das crises características desta idade passa pelo equilíbrio entre a integridade e o desespero. Quer dizer, reconhecer sucessos e fracassos vividos como parte de um todo que constitui a nossa vida, como um sentimento de realização ou de desespero de uma vida insatisfatória e que já não se pode alterar.

O envelhecimento da população vem questionar-nos sobre as respostas que a sociedade cria, desenvolve e regula para que estas pessoas possam viver sem grande ansiedade o resto da suas vidas.
Segundo os dados dos censos de 2021, a percentagem de população idosa (65 e mais anos) representava 23,4%, da população. 
Por outro lado, o que também está a aumentar é a violência contra idosos.
Segundo os dados da APAV, em 2021, 1594 pessoas idosas foram vítimas de crimes.
Embora sujeitos a episódios de violência extremamente graves, apenas 35% dos idosos denunciaram o crime e apresentaram queixa contra os agressores.

Sofrem também a violência institucional. Nas últimas semanas tivemos notícias sobre alguns lares de idosos a funcionarem em condições verdadeiramente infra-humanas. 
Tudo isto faz (re)pensar no respeito que devemos aos idosos e nas estruturas para apoio de que necessitam. 
Estas notícias certamente não nos deixam indiferentes: E se fosse comigo? Sim, se fosse eu que estivesse num destes lares o que faria?

Muitos idosos - nem velhos nem trapos ou mesmo que velhos nunca são trapos - de facto, hoje, são activos e, apesar da idade, continuam a ter autonomia suficiente para não dependerem de ninguém e até contribuírem para o desenvolvimento da sociedade e das comunidades em que estão inseridos.
Mas outros são velhos com alguma forma de necessidade (dependência) física, psicológica, social, espiritual. 
Ao depararmos com estas notícias sobre lares a funcionarem em condições desumanas o que poderemos pensar ?
Será que é a resposta adequada ou apenas uma solução a que se recorre porque não há alternativa?
Se houvesse alternativa alguém escolheria passar os seus últimos dias num lar?
A vontade dos idosos é tida em conta quando se trata de tomar a decisão de ser colocado num lar?
Como é possível o que acontece em alguns destes equipamentos sem condições para as pessoas internadas?

Como fazer o balanço de que Erikson fala quando o idoso vive em condições socio-culturais bem diferentes daquelas que alguma vez pensou e tudo é favorável ao desespero ? Como resolver o dilema entre a integridade e o desespero, quando se é posto perante condições infra-humanas: fome, falta de cuidados elementares, falta de carinho, longe da família, longe de tudo e de todos ? Onde ficam os laços de toda uma vida ? Qual o lugar dos afectos ?
Também aqui “o silêncio tem voz”. É preciso respeitar os idosos e os direitos dos idosos e se a educação de cada um não chega para o fazer, a sociedade tem que ter mecanismos que os façam respeitar.


Até para a semana.

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