29/02/20

Hoje apetece-me regressar à infância e viajar até Viena

 Wiener Sängerknaben - (Meninos Cantores de Viena)
Wo die Zitronen blüh'n - (Onde Florescem os Limões)




Valsa Onde Florescem os Limões, Op.364 - Johann Strauss -
 Strauss-Orchester Wien



26/02/20

Estrada Nacional 2

A desertificação, o despovoamento e o abandono do chamado “interior” tem vindo a ser concretizado desde há muito tempo pelos diferentes governos que nos têm desgovernado.
Mas “agora sim , damos a volta a isto”*, como diz a canção dos Deolinda. 
Temos o maior governo da democracia que soma cerca de 70 ministros e secretários de estado  para todos os gostos mas principalmente para combaterem a desertificação e o abandono:
Ministra da coesão territorial, Secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território, Secretário de Estado Adjunto e do Desenvolvimento Regional, Secretária de Estado da Valorização do Interior, Secretário de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural. 

John Steinbeck em “Vinhas da ira”, dá-nos um retrato do sonho americano desfeito  e sem esperança.  Conta a história  de uma família (Joad), que parte do Oklahoma em direcção à Califórnia em busca desse sonho, que como muitas outras famílias, após a Grande Depressão de 1929, as fracas condições económicas, as intempéries,  a incapacidade  de pagar os empréstimos aos bancos... tem que deixar as suas cidades,  as suas quintas em busca de algo melhor.
Fogem pela mítica Route 66 **, até à Califórnia em busca de trabalho e de melhores salários onde, afinal, o afluxo de muitos trabalhadores  não lhes vai permitir melhorar a situação.

Manhattan Transfer - ROUTE 66

Esta mesma estrada é um dos assuntos centrais do filme Cars, da Pixar (2006) , que é muito mais do que um filme para crianças, e da cidade fictícia de Radiator Springs simbolizando vários lugares reais da histórica Route 66
Uma excelente imagem da desertificação após a construção da Interstate 40 porque Radiator Springs deixou de ser passagem obrigatória para todos os que utilizavam a Route 66 e  levou a cidade, onde Faísca McQueen foi “cair”, ao abandono e ao marasmo.



Por cá temos a EN2  com 738,5 quilómetros *** que o escritor Afonso Reis Cabral (Ler, p. 116-127) percorreu a pé. Sendo a estrada nacional com mais longo percurso, torna-se fascinante percorrê-la, visitando o Portugal profundo: 11 distritos, 8 províncias, 4 serras, 11 rios e 32 concelhos.

Talvez inspirado por esta “aventura”, o sr. primeiro ministro não quis deixar de fazer campanha eleitoral à conta da EN 2.  
"Estamos brevemente a iniciar uma nova etapa na caminhada que iniciámos há quatro anos. E sempre que se inicia uma nova etapa é bom voltar ao quilómetro zero para ganhar inspiração para o que há a fazer nos quilómetros a seguir", afirmou António Costa, que hoje dedicou o dia à EN2, que atravessa o país entre Chaves e Faro, recusando-se a falar sobre outros assuntos da atualidade nacional.
... O também primeiro-ministro elogiou o projeto da Rota da N2, lançado em 2014, e disse que é "preciso relembrar que há mais país para além do país" que se vê "nas áreas de serviço"...

Como nas Vinhas da ira, como em Cars, o progresso conseguido não é definitivo. As autoestradas têm este reverso da medalha, a desertificação dos locais por onde passava a antiga estrada com curvas e contracurvas mas com tempo para apreciar a beleza da paisagem, e a falta de contrapartidas para as populações locais.
Por outro lado, o desenvolvimento passa pela coesão territorial, pelo equilíbrio inter-regional e local, passa pela manutenção das infraestruturas no seu conjunto nacional em todos os sectores, em todas as cidades, vilas e aldeias. De contrário, não há Eldorado que nos valha.

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António Costa arranca com iniciativa "Governo mais próximo" em Bragança
**Route 66 é uma rodovia histórica que foi construída na década de 1920 e atravessava sete estados dos EUA (Illinois, Missouri, Kansas, Oklahoma, Texas, Novo México, Arizona e Califórnia) com um percurso de 3.940 km.  Em 1985  foi substituída pela Interstate 40.
*** É a terceira mais extensa estrada nacional de todo o Mundo, apenas superada pela Route 66 (3.939 quilómetros), nos Estados Unidos, e a Ruta Nacional 40 (5.194 quilómetros), na Argentina.

  

https://www.mixcloud.com/RACAB/crónica-de-opinião-de-carlos-teixeira-27-02-2020/


22/02/20

Não muda nada !

Planos

Para quem conhece cursivamente a história portuguesa do século XIX e do século XX, a crise em que estamos metidos não é novidade. De quando em quando, o País tem uma crise de nervos e resolve que se quer «modernizar». «Modernizar» significa, muito precisamente, «viver tão bem como na Europa». Mas, para «viver tão bem como na Europa», é preciso cumprir uma pequena formalidade: ganhar dinheiro, coisa que antigamente se chamava «fomento» e hoje se chama «desenvolvimento económico». As receitas para o «desenvolvimento» foram sempre duas. Primeiro, obras públicas (estradas, pontes, caminhos de ferro); e, a seguir, educação. Só que está ainda por provar a eficácia destas duas panaceias. Claro que as «modernizações» trouxeram algumas modestas melhorias. Em contrapartida, criaram, ou alargaram, uma classe média com uma camadinha de verniz «civilizado» e ambições na vida. E essa classe média, quando a «modernização» em curso afocinhou, não perdeu o seu legítimo apetite e bramiu contra os governos, que lhe anunciavam vacas magras. O Estado entrou, então, em cena, para directa ou indirectamente a sustentar e garantir o sossego da Pátria. Tirando Salazar (que tinha a PIDE), Portugal andou, por isso, à beira da falência (ou faliu mesmo), desde pelo menos 1834. Como agora, éramos famosos pelas nossas dívidas, pelo alto risco do nosso crédito, pela desorganização das nossas finanças, pela nossa inconcebível incapacidade administrativa e pela nossa luxuriante burocracia. No fundo, nada mudou, excepto a dimensão da classe média e a subordinação à paternal autoridade de Bruxelas. Há, aqui em casa, duas prateleiras de livros com planos maravilhosos para nos salvar desta velha praga. Nunca evidentemente esses planos passaram do papel.

Vasco Pulido Valente, "Planos", Crónica "Faz de conta", DN,  23-6-2001.

20/02/20

Morrer


Lev Tolstói descreve assim o sofrimento no processo de morte de Ivan Iliitch:
Piotr, traz-me cá o medicamento. - «E depois porque não? Talvez o medicamento ajude.» Pegou na colher, tomou-o. «Não, não ajuda. Tudo isto é um disparate, uma ilusão» - concluiu mal sentiu o sabor familiar, demasiado doce e desesperado. «Não, já não consigo acreditar. Mas a dor, para que é esta dor, que ela desapareça ao menos por um minuto.» «E gemeu. Piotr arrepiou caminho. – Não, vai e traz o chá.
Piotr saiu. Ivan Iliitch, sozinho desatou aos gemidos, não tanto pela dor, pavorosa, como pela angústia. « Sempre a mesma coisa, dias e noites sem fim. Que isto seja mais rápido. Mais rápido o quê? A morte, as trevas. Não, não. Tudo é melhor do que a morte!» (Lev Tolstói, A morte de Ivan Iliitch”, p. 72)

A morte é um assunto que diz respeito a todos. É um processo natural, inerente à condição humana. Morrer é um processo previsível mas quase sempre inesperado e que não depende de nós. A morte de qualquer ser humano é sempre uma perda com a complexidade que a envolve e tem o seu tempo próprio para acontecer.
A questão que se coloca é se deverá ser acelerada pelo próprio ou por outra pessoa a seu pedido. No primeiro caso trata-se de suicídio. A outra situação, actualmente em discussão, requer a necessidade de algumas clarificações conceptuais. (Wikipedia)
Eutanásia é o acto intencional de proporcionar a alguém uma morte indolor para aliviar o sofrimento causado por uma doença incurável ou dolorosa. Geralmente a eutanásia é realizada por um profissional de saúde mediante pedido expresso da pessoa doente. (1)
A eutanásia é diferente do suicídio assistido, que é o ato de disponibilizar ao paciente meios para que ele próprio cometa suicídio.
A eutanásia pode ser classificada em voluntária e involuntária. É voluntária quando é a própria pessoa doente que, de forma consciente, expressa o desejo de morrer e pede ajuda para realizar o procedimento. Na eutanásia involuntária a pessoa encontra-se incapaz de dar consentimento para determinado tratamento e essa decisão é tomada por outra pessoa, geralmente cumprindo o desejo anteriormente expresso pelo próprio doente nesse sentido.
A eutanásia pode também ser activa e passiva. A eutanásia activa é o acto de intervir de forma deliberada para terminar a vida da pessoa. A eutanásia passiva consiste em não realizar ou interromper o tratamento necessário à sobrevivência do doente.
Distanásia é o prolongamento artificial do processo de morte e por consequência prorroga também o sofrimento da pessoa. Muitas vezes o desejo de recuperação do doente a todo custo, ao invés de ajudar ou permitir uma morte natural, acaba prolongando sua agonia. O tratamento é inútil. Não visa prolongar a vida, mas sim o processo de morte"
Ortotanásia significa morte pelo seu processo natural. Neste caso o doente já está em processo natural da morte e recebe uma contribuição do médico para que este estado siga seu curso natural. (2)

Outro aspecto não consensual tem a ver com a Constituição.
Jorge Miranda, não tem dúvidas: "legalizar a eutanásia "fere flagrantemente" a Constituição… sejam quais forem as circunstâncias e as intenções". Porque, argumenta, de acordo com o artigo 24º,1º, sobre a inviolabilidade da vida, "ninguém pode dispor da sua vida, como ninguém pode alienar a sua liberdade ou o respeito por si mesmo".
E Jorge Miranda soma-lhe "uma segunda inconstitucionalidade por omissão, por o Estado não conferir exequibilidade plena às normas constitucionais sobre direitos económicos. sociais e culturais", ou seja, "não defender a plena realização do SNS, incluindo cuidados paliativos e cuidados continuados".

A eutanásia é também um retrocesso civilizacional. (3) Tanto mais num tempo em que o conhecimento científico e os meios postos à disposição do ser humano, como os cuidados paliativos (4), podem ajudar a que no morrer haja menos sofrimento.
A aprovação da eutanásia é a instauração de um controle da vida pelas mais diversas razões, mesquinhas ou supostamente humanitárias mas ainda assim insuficientes para que a vida seja deixada ao poder de outros mesmo que pedida pela pessoa que a pretende.
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(1) Entre os motivos mais comuns que levam os doentes terminais a pedir uma eutanásia estão a dor intensa e insuportável e a diminuição permanente da qualidade de vida por condições físicas
Entre os fatores psicológicos estão a depressão e o medo de perder o controlo do corpo, a dignidade e independência.
(2) Desta forma, diante de dores intensas sofridas pelo paciente terminal, consideradas por este como intoleráveis e inúteis, o médico deve agir para amenizá-las, mesmo que a consequência venha a ser, indirectamente, a morte do paciente.
(3) Mesmo que deputados do BE digam o contrário... há outras opiniões, como esta, e até esta ...
(4) “Os cuidados paliativos definem-se como uma resposta activa aos problemas decorrentes da doença prolongada, incurável e progressiva, na tentativa de prevenir o sofrimento que ela gera e de proporcionar a máxima qualidade de vida possível a estes doentes e suas famílias. São cuidados de saúde activos, rigorosos, que combinam ciência e humanismo.”






16/02/20

Ciúme e violência doméstica


https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1e/%282%29_Cycle_of_abuse%2C_power_%26_control_issues_in_domestic_abuse_situations.gif



O ciúme é uma das causas que está na origem da violência doméstica. Agride-se, violenta-se e mata-se, por causa do ciúme, sendo a vítima principalmente a mulher, como as estatísticas comprovam.
Para a Associação de Apoio à Vítima (APAV), a violência doméstica abarca comportamentos utilizados num relacionamento, por uma das partes, sobretudo para controlar a outra.
Assim, a violência doméstica abrange:
- os actos criminais enquadráveis na legislação (art. 152º, Código Penal, Decreto-Lei n.º 48/95): maus tratos físicos; maus tratos psíquicos; ameaça; coacção; injúrias; difamação e crimes sexuais (sentido estrito).
- outros crimes em contacto doméstico: violação de domicílio ou perturbação da vida privada; devassa da vida privada (imagens; conversas telefónicas; emails; revelar segredos e factos privados; etc. violação de correspondência ou de telecomunicações; violência sexual; subtracção de menor; violação da obrigação de alimentos; homicídio: tentado/consumado; dano; furto e roubo), em sentido lato).
O ciúme é um sinal de que algo não está a correr bem na relação do casal. Em muitos casos pode explicar a a violência doméstica e o feminicidio. Porém, há muitas outras causas que explicam estes comportamentos.
Continua a haver, no contexto social em que vivemos, o sentimento de que uma pessoa, normalmente a mulher, é propriedade de outra pessoa, em geral o homem, e tem contado com alguma passividade por parte da sociedade.

Assim sendo, a pessoa ciumenta controla a vítima do seu ciúme até ao limite preferindo a sua eliminação a vê-la com outra pessoa: "perdido por cem perdido por mil".

Para Freud, "O ciúme é um daqueles estados emocionais, como o luto, que podem ser descritos como normais. Se alguém parece não possuí-lo, justifica-se a inferência de que ele experimentou severa repressão e, consequentemente, desempenha um papel ainda maior em sua vida mental inconsciente. Os exemplos de ciúme anormalmente intenso encontrados no trabalho analítico revelam-se como constituídos de três camadas. As três camadas ou graus do ciúme podem ser descritas como ciúme (1) competitivo ou normal, (2) projetado, e (3) delirante.
Não há muito a dizer, do ponto de vista analítico, sobre o ciúme normal. É fácil perceber que essencialmente se compõe de pesar, do sofrimento causado pelo pensamento de perder o objeto amado, e da ferida narcísica, na medida em que esta é distinguível da outra ferida; ademais, também de sentimentos de inimizade contra o rival bem-sucedido, e de maior ou menor quantidade de autocrítica, que procura responsabilizar por sua perda o próprio ego do sujeito. Embora possamos chamá-lo de normal, esse ciúme não é, em absoluto, completamente racional, isto é, derivado da situação real, proporcionado às circunstâncias reais e sob o controle completo do ego consciente; isso por achar-se profundamente enraizado no inconsciente, ser uma continuação das primeiras manifestações da vida emocional da criança e originar-se do complexo de Édipo ou de irmão-e-irmã do primeiro período sexual... 
O ciúme da segunda camada, o ciúme projetado, deriva-se, tanto nos homens quanto nas mulheres, de sua própria infidelidade concreta na vida real ou de impulsos no sentido dela que sucumbiram à repressão...
... A posição é pior com referência ao ciúme pertencente à terceira camada, o tipo delirante verdadeiro. Este também tem sua origem em impulsos reprimidos no sentido da infidelidade, mas o objeto, nesses casos, é do mesmo sexo do sujeito. O ciúme delirante é o sobrante de um homossexualismo que cumpriu seu curso e corretamente toma sua posição entre as formas clássicas da paranóia. Como tentativa de defesa contra um forte impulso homossexual indevido, ele pode, no homem, ser descrito pela fórmula: ‘Eu não o amo; é ela que o ama!’ Num caso delirante deve-se estar preparado para encontrar ciúmes pertinentes a todas as três camadas, nunca apenas à terceira." (S. Freud, Alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranóia e no homossexualismo, 1922)

O ciúme difere da inveja na medida em que envolve mais do que duas pessoas: o medo da perda por parte do sujeito activo do ciúme, a pessoa de quem se sente ciúmes e a terceira pessoa que é o motivo dos ciúmes.

Nos casos de ciúme patológico, verifica-se uma permanente desconfiança e um estado de tensão, angústia e insegurança pelo medo de ser traído, conduzindo a um constante controle das ações do parceiro, mesmo que este não tenha dado razões para tal. As reacções são desproporcionais e podem mesmo ser agressivas do ponto de vista físico e psicológico, gerando sofrimento para ambas as partes.

Como fenómeno psicológico complexo, o ciúme manifesta-se em todas as classes sociais, idades e regiões. O ciúme é também um comportamento complexo porque envolve um largo conjunto de emoções, pensamentos, reacções físicas e comportamentais.
O sofrimento da pessoa que tem ciúmes envolve toda a sua personalidade: as emoções tornam-se tóxicas, os pensamentos obsessivos, de desconfiança, e de ressentimento, as reacções físicas ficam dependentes da angústia e ansiedade e os comportamentos desajustados, agressivos e violentos.

Nesta situação, (se acha que os seus relacionamentos estão nesta situação) procurar ajuda especializada é o melhor caminho para o equilíbrio psicológico e para acabar com o seu sofrimento psicológico e o de outras pessoas.