30/12/10

PIB/FIB

Falar de felicidade nos tempos de crise profunda que correm parece ser uma tarefa arriscada. Apesar disso, desejamos boas festas e próspero ano novo aos nossos familiares, amigos ou simplesmente conhecidos.
Tem vindo a opor-se Felicidade Interna Bruta (FIB) ao Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja, para além do crescimento económico e do desenvolvimento material, o verdadeiro desenvolvimento de uma sociedade humana depende também do desenvolvimento espiritual, complementando-se e reforçando-se mutuamente. Os quatro pilares da FIB são a promoção de um desenvolvimento socio-económico sustentável e igualitário, a preservação e a promoção dos valores culturais, a conservação do meio-ambiente natural e o estabelecimento de uma boa governação.
Não sei se a fórmula será esta. Sabemos que as emoções e os sentimentos negativos, como a tristeza, a angústia e a raiva influenciam a saúde.
Os psicólogos, desde há cerca de vinte anos, falam da "psicologia positiva" (Seligman) que visa determinar o peso das emoções positivas no equilíbrio físico e mental.
O estudo de pacientes deprimidos, procura respostas para compreender quais são as raízes da felicidade.
Hoje a depressão é dez vezes mais frequente do que era em 1960.
Além disso, a depressão atinge pessoas cada vez mais cedo.
Algumas pessoas procuram a felicidade no dinheiro e no poder de compra.
É evidente que uma situação financeira confortável ajuda. Mas é um erro pensar que, quanto mais dinheiro, mais satisfação. Especialmente se, para consegui-lo, se sacrificam outros aspectos. (Seligman)
A riqueza tem uma baixa correlação com o nível de felicidade. Os ricos são, em geral, só um pouco mais felizes que os pobres.
Nos Estados Unidos, enquanto o rendimento aumentou 16% nos últimos trinta anos, o número de indivíduos que se consideram muito felizes caiu de 36% para 29%.
Quanto ao poder de compra verifica-se que há países muito pobres, como o Bangladesh, por exemplo, que têm, na média, menos pessoas felizes que países como os Estados Unidos, mas também é verdade há países onde as pessoas têm um poder de compra quase quatro vezes maior do que outros e são menos felizes.
Portanto, a felicidade não está necessariamente associada a mais dinheiro ou a mais poder de compra.
O problema é que muitas pessoas têm tudo para serem felizes e não o são, isto é, há pessoas que quanto mais têm mais querem.
Essas pessoas acumulam bens materiais, realizações e sucessos. Passam a encarar o status e o conforto que alcançaram como se fosse um dado da natureza.
Com isso, começam a ficar insatisfeitos e a querer sempre mais. É claro que tal atitude causa frustração. Por esse motivo, lidar com a felicidade pode ser tão difícil quanto enfrentar a infelicidade.
Vejamos o que acontece com os ídolos com pés de barro,do nosso tempo ou do passado.
Pode acontecer que a felicidade não seja vista como uma caraterística da personalidade "eu sou feliz” ou “eu não sou feliz”, mas como uma felicidade momentânea que vai perdendo o seu impacto.
O grande desafio é manter o nível constante de felicidade.
Quem ganha a lotaria ou o euromilhões, após esta euforia momentânea, regressa ao seu nível básico de felicidade.
Também é verdade que quando passamos por um acontecimento muito triste também somos capazes de regressar a esse nível básico de felicidade.
Para o novo ano, como Seligman, proponho que a conquista da felicidade seja um exercício diário, feito com gentileza, originalidade, humor, optimismo e generosidade.

(Entrevista a Martin Seligman, VEJA on-line, Edição 1844, 10 de Março de 2004)

27/12/10

Reacções de aniversário


Há dias especiais na vida das pessoas como os dias de aniversário e os dias festivos.
Como refere Bettelheim, “Os dias de festa dão forma à nossa maneira de ver a vida tanto positiva como negativamente”.
A reacção de aniversário surge quando recordamos um dia em que ocorreu um acontecimento muito infeliz, como, por exemplo, a perda de alguém muito próximo.
E todos nós temos dias destes.
Estas vivências depressivas tendem a ser mais valorizadas na altura dos aniversários ou em dias festivos como o Natal. No Natal sentem-se com mais força as tragédias resultantes dos acidentes de trânsito, a falta de paz em muitas zonas do globo, a falta de paz nas famílias, a falta dos pais ou a falta dos filhos, real ou simbólica, devido a mortes, separações, ausências e abandonos.
É nestes dias que a força destrutiva das reacções negativas aumenta a importância dos dias de festa.
Por outro lado, “as reacções positivas de aniversário são muito menos espectaculares e portanto menos susceptíveis de ser observadas”.
Nestes dias, as relações interpessoais deviam ser pacíficas e sem conflitos. Mas é, exactamente, nestes dias que os conflitos estão mais presentes aumentado a ansiedade.
Há uma paradoxal melancolia dos dias de festa. O vazio das lembranças: Os avós, os pais ou os filhos desaparecem tornando mais dolorosos estes dias.
O poema de David Mourão Ferreira, "Ladainha dos póstumos natais", retrata bem estes acontecimentos da nossa vida:

Há-de vir um Natal e será o primeiro
Em que se veja à mesa o meu lugar vazio
Há-de vir um Natal e será o primeiro
Em que não viva já ninguém meu conhecido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido
O Natal é a celebração de um nascimento e, portanto, da existência e da presença de alguém.
O que é paradoxal, neste dia, é que se trata de comemorar a presença das ausências. É, então, uma lembrança de não existência e de perda.
As pessoas com dificuldades emocionais revelam mais as suas angústias muitas vezes traduzidas nas frases “detesto o Natal” ou “detesto fazer anos”.
Assim, nestes dias festivos como o Natal, pode acontecer que surjam reacções em que haja mais “ausentes” do que “presentes”.
Então, não devemos celebrar os aniversários, não devemos celebrar os dias festivos ?
A celebração destes dias pode ser uma forma de trazer felicidade a nós próprios e aos que nos rodeiam na medida em que podemos reviver de uma forma feliz um acontecimento infeliz do passado, da nossa infância.
É por isso que devemos arranjar belos dias especiais para os nossos filhos e gozar esses dias da forma mais feliz que pudermos.
Estas datas festivas podem ajudar os filhos a terem uma evolução positiva. Por outro lado, repara experiências negativas da nossa vida. Estes acontecimentos felizes podem ir colmatar até um nível muito profundo experiências muito infelizes do nosso passado.

(Bettelheim, B. (1994). Bons Pais - O sucesso na educação dos filhos, Venda Nova: Bertrand Editora.)

15/12/10

Infortácticas: segredos e fugas de informação

WikiLeaks é uma organização transnacional sem fins lucrativos, sediada na Suécia. O site, lançado em Dezembro de 2006 foi mantido em segredo até Janeiro de 2007, e, em meados de Novembro de 2007, já continha mais de um milhão de documentos.
O seu director é o australiano Julian Assange, jornalista e ciberactivista.
Em Janeiro de 2010, a equipa da WikiLeaks era constituída por menos de dez pessoas, mas especula-se que a WikiLeaks conte com mais de mil voluntários.
A WikiLeaks já recebeu vários prémios para os novos media, como prémios da revista The Economist, em 2008, e um prémio da Amnistia Internacional, em 2009.
Mas qual é então o problema ? É que a Wikileaks tem vindo a publicar, com origem em fontes anónimas, documentos, fotos e informações confidenciais, que são fugas de informação de governos ou empresas, sobre assuntos sensíveis e que comprometem o poder.
Um dos assuntos que veio causar grande polémica foi a publicação de documentos secretos, sobre a guerra do Iraque e sobre a diplomacia americana.
Algo está a mudar na comunicação social e no poder da comunicação social.
No entanto, nada disto é novo. A diferença é que os novos poderes de que fala Toffler, e entre eles a detenção de informação, estão aí em força e podem servir-se de meios como a internet.
O secretismo foi sempre uma das tácticas do poder.
Em 1990, dizia Toffler, o Governo dos E. U. A. classifica como secretos cerca de 20 milhões de documentos por ano. Na sua maioria, dizem respeito a assuntos militares e diplomáticos ou a questões que poderiam embaraçar o funcionalismo.
Mas se isso parece pouco democrático e até hipócrita, em outros países é ainda pior. Há segredos para tudo: para as invenções, investigações, justiça,  indústria, estatísticas…
E porquê o segredo ? "Porque o segredo é um dos instrumentos habituais do poder repressivo e da corrupção."
Mas o segredo também tem aspectos positivos dado que não vivemos num mundo idílico mas neste mundo há também ditadores, pequenos ou grandes, narcopolíticos e teólogos armados … e os segredos são necessários para proteger a segurança principalmente a militar.
Os segredos dão origem à segunda infortáctica mais comum: a táctica da fuga guiada...
Diz Toffler, o problema dos segredos é que alguns segredos são guardados, mas outros fogem. Quando a fuga é involuntária trata-se apenas de um segredo ineficazmente guardado. Fugas deste género lançam os funcionários numa demência profunda.  Em contrapartida as fugas guiadas são mísseis informacionais conscientemente lançados e com alvos calculados com toda a precisão.
Há riscos, como diz Pacheco Pereira, como o risco de se tornar uma plataforma desejada para grandes operações de desinformação ou o risco que a protecção pessoal  pode correr com estas "revelações"...
Se forem tidos em conta estes riscos, podemos então dizer que o mundo está hoje mais transparente e mais seguro. O poder  tem mais explicações a dar e tem que ser menos abusivo.

09/12/10

Um programa de governo

Maslow estabeleceu um conjunto de necessidades do ser humano que começam pelas necessidades relacionadas com a etologia e que são a base da sobrevivência individual e da espécie. Passam em seguida pela segurança, pela auto-estima e pela realização.
De facto o ser humano desenvolve-se ao longo da sua vida desde a concepção até à morte tendo em conta um conjunto de factores que devem estar presentes nesse processo.
A começar pelas necessidades biológicas ou básicas, tais como, a sede, a fome, o sono, a habitação, a protecção contra a dor, o desejo sexual, ou seja, as necessidades vitais para o organismo.
Vêm a seguir as necessidades de segurança, de sentimentos de protecção, de defesa perante eventuais situações de perigo e contra ameaças ambientais e as necessidades sociais e afectivas, tais como a participação, a amizade, o afecto, o amor, a aceitação por parte dos outros.
Quando as necessidades não estão suficientemente satisfeitas o indivíduo torna-se hostil e agressivo na relação interpessoal. Se estão satisfeitas, geram-se sentimentos de auto-confiança, de prestígio e facilitação das relações interpessoais.
As necessidades de estima, que estão intimamente relacionadas com o modo como o indivíduo se vê e avalia envolvem sentimentos de auto-apreciação, auto-confiança, necessidade de aprovação social, de respeito, prestígio e de consideração.
As necessidades de auto-realização estão relacionadas com a competência e o sucesso.
Parece evidente que a pessoa procura primeiro satisfazer as necessidades básicas (alimentação e habitação) antes de voltar o seu comportamento para a satisfação das necessidades de auto-realização. As necessidades de sobrevivência e de segurança devem ser satisfeitas para que uma necessidade de ordem mais elevada entre nas preocupações conscientes da pessoa.
Este conjunto de necessidades humanas podia ser um bom programa de governo. A estratégia passa por ter em conta o que são as necessidades básicas do indivíduo.
Não adianta vir para a comunicação social dizer que andamos tristes e o que é preciso é elevar a auto-estima dos portugueses quando as necessidades básicas não estão asseguradas. É uma espécie de insulto a quem passa dificuldades.
Se adoptássemos este programa de governo dispensávamos as grandes obras de fachada que podem aumentar a nossa reputação mas nos torna moralmente miseráveis face aos cidadãos sempre que é construída mais uma autoestrada desnecessária e mais pessoas entram na fase de não assegurarem as suas necessidades básicas.
Há discussões na nossa sociedade que só fazem sentido quando são significativas para as pessoas. O que quer dizer greve para um desempregado. O que significa auto-estima para uma pessoa que não tem alimentação nem habitação ?
Motivar as pessoas é encorajar o desenvolvimento dos seus recursos no sentido da competência e da autonomia.

04/12/10

Acessibilidades

Em Castelo Branco, perto de várias escolas (EB Afonso de Paiva, EB S. Tiago, APPACDM) e do hospital, encontra-se esta linda obra para complicar o que era fácil. Por que raio foi interrompido o passeio  com escadas e rampa ? Está ali há anos. Incomoda mesmo quem não tem problemas de mobilidade.

03/12/10

Dia internacional da pessoa com deficiência

Muito tem mudado, positivamente, relativamente às pessoas que têm dificuldades na sua integração na comunidade.
Tudo o que se possa fazer em favor destas pessoas não é demais.
Como referíamos noutro local, a integração é de sempre, de todos os dias. Até porque quando umas barreiras se abatem, outras , muitas vezes imprevistas, invisíveis ou insuspeitas se levantam.
Este dia são todos os dias do ano. Por isso, aqui , com dificuldades, luta-se para dar o apoio psicopedagógico que estes alunos precisam.
Aqui não se deixa ninguém à porta da escola. Esta é uma grande vantagem em termos humanos para estas crianças e uma grande coragem e honra de estar ao serviço dos que mais precisam.
A escola, a escola pública é também para estes alunos, e as estruturas e os apoios deviam ser pensados para cada caso concreto.
Já neste blogue nos insurgimos contra a cegueira dos rácios. Não é a mesma coisa uma escola que tem 5 ou 50 crianças com NEE. Os apoios de estruturas físicas, materiais pedagógicos, novas tecnologias, ajudas técnicas e recursos humanos não podem ser os mesmos.
É lamentável que haja escolas públicas que nunca tenham vagas quando um aluno com dificuldades lhes bate à porta.
É lamentável que depois do Ano Internacional do Deficiente (1981) ainda haja quem faça selecção dos alunos que devem frequentar as escolas. Esta é, também, uma das barreiras, invisível, silenciosa, que deve ser destruída.

Disciplina

Um dos problemas que mais afecta a escola e a sala de aula está quase sempre relacionado com problemas de comportamento: a indisciplina. São alunos que têm dificuldade em distinguir entre a sala de aula e o recreio, entre a sua vontade e a dos outros, entre os seus limites e os limites dos outros.
Não é fácil lidar na escola e na sala de aula com alunos indisciplinados. O que se faz com um aluno que, por exemplo, no tempo de uma aula, vai à casa de banho, fala constantemente com os colegas, mexe, lê, escreve no trabalho do colega, mexe na colega, põe a cabeça no ombro da colega, levanta-se várias vezes da cadeira, diz, inclusive, que é hiperactivo e que toma medicação, desculpabilizando de alguma forma o que está a acontecer, faz intervenções descontextualizadas...
Este comportamento é suficiente para rebentar com qualquer tentativa de haver uma aula com um mínimo de aproveitamento. Imagine que são dois alunos com estas características ou  imagine que ainda tem alunos com outros problemas...
Normalmente, são alunos com comportamento de manipulação do ambiente da sala de aula, dos colegas e dos professores mas que não estando classificados como comportamento patológico, são destruidores da relação pedagógica e de um ambiente favorável às aprendizagens.
Falando com professores, sujeitos a este quotidiano, verifico que muitas vezes é difícil encontrar estratégias que funcionem com estes alunos.
É fácil sugerir as estratégias que vêm nos manuais. Mas o desfasamento das soluções vindas de psicólogos e técnicos que não estão no terreno, na escola, a milhas da realidade, faz com que não sejam eficazes.
Os professores têm que lidar e ultrapassar, diariamente, o problema. Não é um projecto, não é um programa sobre disciplina ou uma intervenção pontual sobre o assunto.
A compreensão deste fenómeno não pode excluir a participação dos pais que estão de boa fé e querem compreender o que se passa com os filhos porque a disciplina começa em casa e começa desde muito cedo.
Com alguma experiência, de alguns anos, já não me atrevo a propor simplesmente ao professor: tem que arranjar estratégias.
Sabemos que esse problema não se resolve de uma vez. A educação destes alunos faz-se todos os dias e é um projecto a longo prazo e com muitas repetições.
Perante alunos desobedientes, que apresentam aqueles comportamentos ou outros e que pura e simplesmente não ouvem o que se diz, alguns professores podem ter a tentação de quererem resolver o problema com medidas drásticas.  Mero engano. Estas medidas nada resolvem.
Fico apreensivo e lamento quando um professor diz que perdeu a cabeça e tomou medidas dessas. Mas, não concordando, também tenho cada vez mais dificuldade em julgá-lo.
Brazelton, fala-nos de formas de disciplinar as crianças e do que vale a pena experiementar, do que pode ser útil utilizar e do que é inútil experimentar.
Vale a pena experimentar:
- Os avisos podem ajudar a crianças a estabelecer limites em relação a actividades de que não quer prescindir.
- O silêncio às vezes é a melhor estratégia.
- Ir fazer uma pausa num determinado lugar da sala.
- Repetir as coisas da forma certa, dar a oportunidade a criança de fazer bem.
- Reparar o mal feito: pedir desculpa, pagar o que partiu, devolver o que roubou, repetir a acção de forma correcta.
- Planear alternativas dado que muitos comportamentos problemáticos são previsíveis e podem ser discutidos previamente.
- O humor pode ser uma forma agradável de ajudar a criança a controlar o seu comportamento
Algumas vezes é útil:
- Retirar os brinquedos.
- Cancelar convites para brincar ou adiar actividades agradáveis
- Proibir televisão ou jogos de computador
- Ignorar o mau comportamento
- Sair de cena - a criança pode gostar de ficar sozinha sem a presença do adulto.
- ter uma tarefa adicional para reparar o que fez errado.
- Suspensão da mesada
São inúteis medidas como:
- Castigos corporais
- Vergonha, humilhação.
- Lavar a boca com sabão.
- Comparar as crianças umas com as outras.
- Suprimir comida ou usá-la como recompensa.
- Deitar mais cedo ou fazer uma sesta extra.
- Retirar o afecto, ameaçar com o abandono.

(Brazelton, T. B. e Sparrow, J. D. (2008). A criança e a disciplina, 10ª Ed., Queluz de Baixo: Editorial Presença.)