30/01/20

"O capitão fantástico"




Filme de 2016. A ideologia de Noam Chomsky está expressa logo no início: "o povo é que mais ordena... abaixo a autoridade".
Mas, como sempre, é necessário, num mundo de ilusões, ter alimento para sobreviver. A operação chama-se "Missão libertar a comida".
O tema é recorrente: a educação natural vs civilização consumista. Uma, a primeira, é boa, a outra má.
Viver segundo a natureza, sem educação que manche essa boa natureza e em que apenas importa uma educação familiar radical e utópica.
De Rousseau no que tem de pior ao menino selvagem mas da frente para trás, na direcção contrária das crianças do "capitão". Ou seja:  Fugir da civilização e criar os filhos na floresta.

Salva-se a música dos Guns N' Roses - Sweet Child O' Mine




Sweet Child O' Mine

Ela tem um sorriso que parece
Lembrar-me de memórias de infância
Onde tudo era fresco
como o brilhante céu azul
De vez em quando eu vejo seu rosto
Ela me leva para aquele lugar especial
E se eu olhasse por muito tempo
Provavelmente perderia o controle e choraria
Oh, oh! Minha doce criança
Oh, oh, oh, oh! Meu doce amor
Ela tem olhos dos céus mais azuis
Como se eles pensassem na chuva
Odeio olhar para dentro daqueles olhos
E ver um pingo de dor
O seu cabelo lembra-me um lugar quente e seguro
Onde como uma criança eu me esconderia
E rezaria para que o trovão e a chuva
Passassem quietos por mim
Para onde vamos?
Para onde vamos agora?
Para onde vamos?


29/01/20

Psicologia da corrupção 2

 


Na semana passada falámos da corrupção numa perspectiva cognitivista. Hoje apresentamos outras perspectivas psicológicas que nos ajudam a compreender este fenómeno tão perturbador na nossa vida social.

2. A perspectiva comportamentalista dá particular relevo ao ambiente como fundamental para a aprendizagem.
Qualquer processo comportamental, como a corrupção, depende do ambiente através do comportamento operante e da contingência do reforço. 
Como sabemos para o behaviorismo, o comportamento é justificado pelas suas consequências. Portanto, tudo depende da história de desenvolvimento do individuo, de contingências sociais a que esteve sujeito, do ambiente social e cultural complexos em que vive. 
Nesta perspectiva, a corrupção como um conjunto de acções ou comportamentos de um indivíduo é aprendida e está sujeita às contingências sociais. 
Na vida social ou política todos conhecemos a troca de favores por meios mais ou menos obscuros, frequentemente envolvendo empregos, posições de poder nas instituições, dinheiro e enriquecimento, desafiando os limites da legalidade. 
A corrupção, por um lado, resulta de reforçadores positivos, como o poder que se pode obter, as vantagens económicas, as vantagens dos relacionamentos sociais, o papel e estatuto que se tem na sociedade.
Por outro lado, em geral, não há punição efectiva para os corruptos. Por exemplo, no nosso país são raríssimos os casos em que a justiça puniu estes comportamentos.
Estas duas condições, reforçadores positivos no curto prazo (lucro financeiro ou outras vantagens ilegais), bem como risco reduzido de punição a curto e médio prazo (sanções legais), modelam e mantêm os comportamentos corruptos.
Mesmo quando há condenação dos corruptos, após processos judiciais altamente complexos e que se eternizam no tempo, as relações custo-benefício entre as respostas que caracterizam o comportamento corrupto e as consequências que produzem, indicam que corromper-se e corromper “valem a pena”, no sentido de que há pouca ou nenhuma consequência aversiva contingente nos âmbitos comunitário e legal ou jurídico…(1)

3. Na perspectiva analítica de Jung, a corrupção está relacionada com características individuais da personalidade, é um acto egoísta do indivíduo, o indivíduo corrupto coloca as suas necessidades acima da sociedade inteira. 
Quando a corrupção se torna um comportamento padrão, há um processo de "normalização da corrupção" em que pela racionalização, o corrupto cria narrativas socialmente construídas para legitimar os actos aos seus próprios olhos
Por outro lado, há um inconsciente cultural em que a relação do indivíduo com a corrupção não é a mesma se ele vive num lugar onde a corrupção é endémica ou se vive em um lugar onde a corrupção está sob controle. A corrupção é, então, relativa: varia de acordo com o tempo e o espaço. 
A corrupção, de uma forma ou de outra, esteve presente ao longo da história. Ela pode ser encontrada em todo o lado, em todas as sociedades e todos sistemas económicos, mesmo que mudem as manifestações, as frequências, os níveis hierárquicos e as influências culturais. (2)

Para Jung o bem e o mal não são relativos. A corrupção é oposta de integridade e consciência moral e contém vários elementos, como: responsabilidade, rectidão, perfeição, honestidade, obrigação moral, harmonia psicológica interna, eros psicológico e ético, sinceridade… Por seu lado, a corrupção é irresponsabilidade, vergonha, fragmentação, imperfeição, desonestidade, imoralidade, dissociação... Assim a corrupção a nível do inconsciente colectivo, representa uma propensão à ruptura, uma tendência contrária à integridade moral e uma expressão do mal na sociedade. (3)

Apesar de sabermos que os comportamentos corruptos manifestam esta complexidade do ponto de vista psicológico, há uma escolha a fazer (4) entre ser corrupto ou ser íntegro (5) e essa escolha é pessoal.
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(1) Baseado e condensado de Kester Carrara - Diego Mansano Fernandes, "Corrupção e seleção por consequências: uma análise comportamental".
(2) O inconsciente colectivo é composto de arquétipos. "A natureza dos arquétipos é tal que os reconhecemos de imediato e somos capazes de lhes atribuir um significado emocional específico". O Livro da Psicologia, pag.105.
(3) Apesar do determinismo que algumas perspectivas psicológicas envolvem (B. F. Skinner, Para além da liberdade e da dignidade), há sempre lugar para as escolhas e liberdade individual.
(4) Baseado e condensado de  Camila Souza Novaes, "Corrupção no Brasil: uma visão da psicologia analítica".
(5) Uma das 24 forças de carácter de Seligman: Integridade / Autenticidade / Honestidade




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26/01/20

Psicologia da corrupção







Todos sabem o que é a corrupção. Todos, de alguma forma, sofrem as consequências que dela resulta. Quase não há dia nenhum em que não somos surpreendidos com mais um caso de corrupção. É, portanto, um tema que, infelizmente, pelos piores motivos, está na moda.
A corrupção tornou-se um fenómeno global que atinge todos os países. Mesmo aqueles em que por falta de liberdade de expressão e de transparência não são notícia nos media.
A corrupção atinge os sistemas políticos e as democracias como Portugal, e é causador de grandes prejuízos na economia dos países, na sua reputação externa e no descrédito dos cidadãos no estado e nos políticos.
A corrupção "compreende uma variedade de comportamentos que têm como princípio a apropriação indevida de uma autoridade pública para fins privados, causando prejuízos materiais e morais a uma sociedade por operar contra a lei ." *
"Este comportamento é bastante complexo e possui múltiplas causas, e é necessário que se compreenda os mecanismos inerentes ao mesmo para elaborar estratégias mais eficientes para combatê-lo"*.
Além disso, atinge também todos os sectores da vida, vai desde as golas antifumo, como no caso dos incêndios, até às falências de bancos ou à insolvência dos países.
Ela afecta todos os níveis em que nos movemos, enquanto indivíduos, na sociedade e na cultura.
Os comportamentos de corrupção têm vindo a interessar, cada vez mais, os estudos psicológicos.
Nesse sentido, os modelos da psicologia cognitiva, comportamental e analítica podem ser de grande utilidade para compreender os comportamentos e a personalidade do corrupto e da corrupção na sociedade.

Hoje vamos falar da perspectiva da Psicologia cognitiva em relação à corrupção.
A psicologia cognitiva (Piaget e Kohlberg) define vários estádios de desenvolvimento moral: inicialmente temos uma moral heterónoma que se vai desenvolvendo até uma moral autónoma. Este processo de desenvolvimento cognitivo e moral acontece na maioria das pessoas.
Para Kohlberg há 3 níveis de desenvolvimento moral: Pré-convencional, convencional e pós-convencional, cada nível com dois estádios.
Digamos que alguns destes corruptos se situam entre o estádio do auto-interesse (ou "hedonismo instrumental") ou de “o que eu ganho com isso?”, do nível 1, e o estádio do acordo interpessoal e conformidade, do nível 2.
A psicologia cognitiva apresenta alguns mecanismos que conduzem a esta alteração no desenvolvimento do juízo moral *:
- o “desengajamento moral” (moral disengajement) que leva o indivíduo a reinterpretar os seus conceitos morais de forma a poder modificar ou bloquear o seu julgamento moral. Estes indivíduos corruptos podem cometer actos desumanos, sem sofrer grande stress ou culpa. Estes actos não lhes tiram o sono, como costumamos dizer.
O "desengajamento moral" ocorre por meio de subprocessos cognitivos como: Simplificar um dilema por meio de racionalizações e eufemismos (deturpação cognitiva); minimizar o próprio papel na conduta ilícita ou admitir que a mesma é inevitável, deslocando a responsabilidade para as circunstâncias; reduzir a dissonância cognitiva desumanizando as vítimas ou culpando as mesmas pela ocorrência do acto corrupto.
- O processo de decisão pode levar um indivíduo a pensar em termos de custos-benefícios resultantes do seu comportamento.
Neste caso, a tomada decisão pelo comportamento de corrupção ocorre com maior frequência em indivíduos que sentem mais emoções positivas advindas da antecipação de cenários favoráveis, como os lucros financeiros resultantes da acção criminosa.
- Ter poder pode levar a modificações cognitivas acerca do julgamento moral de um indivíduo, permitindo que o mesmo tenha uma maior inclinação para cometer actos ilícitos.
O poder e o sentimento de superioridade podem evidenciar e exagerar traços comportamentais narcisistas. Como tal acredita que merece algum tipo de tratamento especial e que não precisa respeitar certas regras… *

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Baseado e condensado de Henrique Britto de Melo, "Psicologia da corrupção: uma abordagem cognitiva".




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Municipalização da educação 2




Na sequência da legislação da Assembleia da República e do Governo, como falámos (escrevemos) aqui na semana passada, (1) foi publicado o Despacho n.º 203-A/2020, de 7/1/2020 que homologou a lista nominativa de trabalhadores que transitaram para o mapa de pessoal dos Municípios.
A opção de descentralização/municipalização é segundo o primeiro-ministro A. Costa a "grande reforma do Estado da legislatura".
Porém, esta “grande reforma do Estado da legislatura” vai contra a opinião de muitos portugueses. (2)
Podemos questionar: Quais são as vantagens desta municipalização? Segundo a minha experiência, nenhumas. Nem para os trabalhadores nem para os municípios.
Um exemplo. Também eu fui descentralizado e municipalizado! Fui psicólogo escolar durante 24 anos (no CAE e no SPO da Escola Afonso de Paiva). Em 2009, os técnicos superiores, assistentes operacionais e assistentes técnicos, passaram para a autarquia de Castelo Branco.(4) E o que aconteceu em termos de organização e gestão? Rigorosamente nada. Ou melhor, houve apenas uma diferença: o vencimento que era pago pelo Ministério da educação passou a ser pago pelo Município.
Isto é uma falsa descentralização.
No entanto, haveria muito a fazer nos Serviços de Psicologia e Orientação (SPO) em termos de organização, gestão, supervisão...

Outro exemplo, neste caso do ensino superior. A ESGIN (Escola Superior de Gestão de Idanha-a-Nova) tem actualmente autonomia financeira e administrativa, cientifica, e pedagógica. Pretende-se agora acabar com essa autonomia, com fundamento num processo de reestruturação que não é outra coisa que uma forma de centralização.

Para fazer sentido, a descentralização da educação mesmo que através da municipalização deve:
- ter que ser um processo de policentrar o sistema social;
- reduzir assimetrias: geográficas, educacionais, económicas, sociais, culturais, etc; (3)
- ter em conta a autonomia das instituições educativas: organização e gestão de recursos financeiros, recursos humanos, autonomia cientifica e pedagógica;
- ser contextualizada como fazendo parte de uma reforma global da educação;
- Ter, no final, de corresponder a menos estado e menos governo.

Esta descentralização/municipalização não pode ser uma forma encapotada de alternativa à regionalização que foi rejeitada em referendo pelos portugueses. (4)
António Barreto a propósito do Orçamento de estado para 2020 refere: "Sem que se perceba, neste orçamento continua indigitado o caminho para a regionalização. Com as invenções de Costa e Cabrita, não se chama regionalização, chamar-se-á outra coisa qualquer. Talvez descentralização. Não se criarão regiões, mas entidades. Não se farão eleições, mas serão eleitos uns representantes para fazer companhia a uns nomeados: não serão uma coisa nem outra. Tudo será feito para evitar o veto do Presidente da República e para afastar a hipótese de referendo. Mas é este o mais intenso programa com o qual o PS pretende criar um Estado à sua imagem."

Apesar de todas as provas em contrário, quero acreditar que poderá haver uma forma honesta e não inquinada de descentralização.
Costumamos dar o exemplo da Finlândia como um dos melhores sistemas educativos do mundo. Então o que o caracteriza ? Onde está o segredo do seu sucesso ? (5)
Dois princípios básicos: na Finlândia o sistema educativo é uma prioridade nacional e opera com base na confiança.
- um currículo amplo, abrangendo o ensino da música, da arte e de, pelo menos, duas línguas estrangeiras.
- aposta na formação dos docentes, a quem é exigido o mestrado até para os educadores do ensino básico.
- número limitado de vagas nos cursos de formação de professores que garante que apenas os melhores conseguem aceder à profissão
- A contratação de professores é da responsabilidade das autoridades locais.

Tudo isto na Finlândia, mas, infelizmente, não existe entre nós… (6)

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(1) Municipalização da educação.
(2) No caso da educação a municipalização vai, certamente, contra a vontade dos professores e dos seus sindicatos. Talvez por isso, os professores não estão incluídos neste despacho.
Por ex.: Não à municipalização da educação em três pontos.
A atitude dos profissionais, designadamente dos professores, não pode ser vista apenas como um problema de resistência à mudança mas como resultado das experiências que vão tendo e que (n)os levam a desacreditar e desconfiar destas medidas: O caso dos 9A4M2D é paradigmático, as promessas não cumpridas, o não dito ou implícito, o angariar mais clientelas, o nepotismo, aumentando a despesa onde o voto flui mais certeiro…
(3) As assimetrias entre municípios diferentes a vários níveis, económico, serviços de saúde, ensino universitário… vão certamente continuar e até aumentar com este processo de municipalização.
No fim de contas não será uma medida política que deixará tudo pior? Não seria prioritário corrigir assimetrias actuais? A regionalização não irá manter e até acentuar essas assimetrias ?
A experiência de New Jersey (J.P. Ferreira, "Municipalização do ensino? E se visitássemos Trenton Road?") merece reflexão. O custo de um aluno numa zona mais pobre é menos de um quarto de uma zona mais rica.
Por outro lado, transferir competências por decreto-lei não é a parte mais fácil? É que descentralizar a sério significa redistribuição do poder e dos recursos de autoridade. Ou seja, dar autonomia ao sistema educativo. E, verdadeiramente, o poder central esta disposto a perder estas grandes formas de controlo do estado?
(4) Pior a emenda do que o soneto: Há presidentes de câmara que não aceitam a descentralização/municipalização proposta agora porque querem a regionalização.
(5) Municipalização da educação - Resistir e mudar, pag 70.
(6) Seria demasiado fácil fazer cópias de sistemas e subsistemas que noutros países obtêm bons resultados. Mesmo no caso da Finlândia não se trata de uma reforma "concluída". As reformas são sempre necessárias, tendo em conta as mudanças da sociedade.
Por outro lado, é necessário ter criatividade para fazer uma reforma "à nossa maneira", com os resultados semelhantes ou melhores. O benchmarking é útil mas tem de resultar da nossa capacidade de adaptação.
Além disso, não terão as escolas ou os agrupamentos de escolas capacidade para organizar e gerir concursos de pessoal e de logística ?




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