27/12/20

No dia da Sagrada Família



Berlioz - L'enfance du Christ, Op 25, (A Infância de Cristo)
L' Adieu des bergers à la Sainte-Famille
(Adeus dos pastores à Sagrada Família)

Concert de l'Académie de musique de Paris à l'église de la Trinité à Paris.
Direction : Jean-Philippe Sarcos
2013

17/12/20

“Neste Natal nada nos pode separar”


É o que diz a publicidade* mesmo que nunca tenha havido, nas nossas vidas, um tempo de Natal como este em plena pandemia e estado de emergência.

Já tínhamos que lidar com o risco normal que faz parte do quotidiano da nossa vida mas agora também temos que lidar com este que ninguém previu. Dispensava-se mais esta provação.

Mas este Advento de 2020, é também tempo de desafio da capacidade de superação do ser humano,  da capacidade de bondade para com os outros e de atingir os mais altos estádios de desenvolvimento moral.

 

Depois das conquistas científicas e sociais do século XX voltamos a mostrar a nossa fragilidade porque mais expostos à morte ou porque a nossa relação com a morte passou a ser diária, nas estatísticas da pandemia à hora do almoço, que a DGS divulga em todos os media, nas conversas com os outros, ou no seio da própria família quando um dos seus elementos fica contagiado ou esteve em contacto com alguém covid positivo.

O maravilhoso mundo construído desde a segunda metade do sec. XX começou a desabar. Muitas famílias voltaram a níveis elementares  de subsistência porque perderam os empregos, os negócios, as empresas...

Tudo isto se reflecte na vida da família. O século XX foi o século da descoberta da criança e apesar de todos estas alterações que vivemos há algo de substancial que não muda:  “Todas as crianças nascem com direito a uma família, sendo que uma família não é um pequeno grupo de pessoas com uma história comum que se converte em cumplicidades, mas os laços que entre elas se criam através de experiências de intimidade, irrepetíveis, inimitáveis e inefáveis”. (Eduardo Sá, Más maneiras de sermos bons Pais, p. 33).

 

O advento é o tempo da construção de uma família e, portanto, da  esperança e da expectativa, que  pouco a pouco se vai concretizando até ao nascimento de um filho. 

O Natal, como os outros dias de festa  é a realização das necessidades básicas (Maslow) da criança do ponto de vista da sobrevivência biológica mas também do ponto de vista simbólico.

“O  que é maravilhoso na magia positiva dos dias de festa é o facto de que ela dá à criança segurança durante todo o ano, quando é mais necessária, mesmo nas circunstâncias mais penosas da vida”. (Bruno Bettelheim, Bons Pais, p. 593)

Segurança e confiança real e simbólica representada nas pequenas coisas que só as crianças sabem avaliar e guardar, nos presentes insignificantes para nós mas que a elas lhes dá expectativas de futuro.

E diz-nos D. Antonino Dias (Diocese de Portalegre e Castelo Branco):  Não são as expectativas estáticas nem as meramente racionais ou as simplesmente afectivas ou as memórias fechadas ao  futuro ou as meramente legais.  São “as expectativas que interpelam, comprometem, fazem alargar o horizonte, abrem o coração à surpresa da novidade.” 

“A família é um dos mais importantes campos em que a expectativa, como atitude própria de Advento, pode ser aprendida, educada, purificada, vivida e ajudar a vida com os seus talentos a dar fruto”. (Reconquista, p. 2, 3-12-2020).

 


Um bom Natal, com muita saúde.


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* "Neste Natal, nada nos pode separar" ("A campanha de Natal da Nos é uma história de amor entre avós e netos").









13/12/20

Terapia da natureza

                   


As terapias que oferecem alívio do sofrimento e prometem a cura da doença são inúmeras.
Porém, muitas delas não obedecem a critérios rigorosos e a métodos científicos para podermos confiar nelas. E, por isso, facilmente nos colocamos numa posição céptica em relação às terapias. Neste caso muitas questões se colocam: Há mesmo uma terapia da natureza? Há provas de que a natureza melhora a nossa saude e cura algumas das nossas doenças? É mais uma panaceia para que alguns espertos ganhem dinheiro ludibriando os crédulos? É mais uma moda porque tudo o que é verde está na moda ?...

Já aqui falámos na terapia de ar livre e da natureza e da hortiterapia e, depois de ter visitado o Parque do Barrocal, e de pensar nas potencialidades terapêuticas que possui, tenho procurado saber mais sobre as terapias da natureza, como em  A natureza cura, de Florence Williams, e shinrin yoku, de Y. Miyazaki, para saber mais sobre as terapias da natureza. 

A ligação da natureza ao ser humano tem uma história tão longa como a da sua existência. Necessitamos de espaços alargados, naturais, onde possamos explorar os nossos sentidos e a nossa paz interior.
"O Homo sapiens tornou-se oficialmente uma espécie urbana por volta de 2008. Foi nesse ano que a OMS informou que pela primeira vez havia mais pessoas em todo o mundo a viverem em áreas urbanas do que em áreas rurais." (F. Williams, p. 22)
Até que ponto esta mudança está a modificar o nosso modo de vida e a nossa biologia ?
A experiência do confinamento devido à pandemia veio pôr em evidênca a necessidade dessa interacção para a nossa personalidade. Na ausência desta interacção com a natureza, aumenta o recurso a medicamentos. São os antidepressivos para os adultos ou os medicamentos para a hiperactividade das crianças...

O controverso biólogo Edward O. Wilson a quem se deve o termo biodiversidade, desenvolveu a ideia de "biofilia" situando-a no mundo natural e identificando "a natural ligação emocional dos seres humanos aos outros organismos vivos" como uma adaptação evolutiva que nos ajudou não só a sobreviver mas também a alargar os limites da realização humana. Apesar de não se terem encontrado quaisquer genes relacionados com a biofilia sabemos que o nosso cérebro responde de modo inato aos estímulos naturais como acontece com o medo. (biofobia ) Como, por exemplo o medo de serpentes... (p. 32) *

Os resultados das experiências de Miyazaki mostram que os benefícios da terapia da floresta se traduz em vários benefícios para a saúde, tais como:  A recuperação do sistema imunitário deficiente, maior relaxamento do corpo, redução do stress ... (Miyazaki, p. 34)

Felizmente, as pessoas têm vindo a tomar consciência da importância da natureza, das árvores, e dos espaços verdes para a sua saúde.
Há protestos e manifestações de cidadãos quando entidades governamentais centrais ou locais decidem cortar árvores, danificar a natureza para construírem equipamentos, como barragens, aeroportos, zonas habitacionais, em zonas sensíveis, cujo impacto ambiental não é levado em conta.

É esta interacção com a natureza que leva todos os verões milhares de pessoas para o litoral para apanharem banhos de sol e banhos de mar. Temos este comportamento porque pensamos que é bom para a nossa saúde, vamos carregar baterias...
Porém, esquecemo-nos de que temos aqui junto de nós, por enquanto, a possibilidade de banhos de natureza tão benéficos para a nossa saúde...

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* "A hipótese da biofilia postula que os elementos pacíficos ou acolhedores da natureza nos ajudaram a recuperar a serenidade de espirito, a clareza cognitiva, a empatia e a esperança. Quando o amor, o riso e a música  não estavam por perto, havia sempre um pôr do Sol. Os seres humanos mais sintonizados com os estímulos da natureza eram aqueles que sobreviviam  e transmitiam estes traços à geração seguinte." (p. 32)

 




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06/12/20

Inominável

 Expresso, Outlook, 29-8-2009



Peço emprestado a PTP este poema que me impressionou quando o li e, sempre que acontece uma  tragédia como esta que enlutou a família Carreira (Sara Carreira tinha 21 anos) me traz de volta a mesma emoção. Só podemos ser solidários com quem passa por tão grande sofrimento.




01/12/20

Parque do Barrocal - o fascínio do tempo




Parque do Barrocal



1. Castelo Branco, conta com mais um equipamento social e cultural, aberto ao público em  7/11/2020, o  Parque do Barrocal. 1

As várias paisagens conseguidas dos vários mirantes que foram criados dão-nos uma perspectiva diferente da cidade  e da paisagem envolvente que se estende até Espanha  e a concelhos limítrofes. 

O silêncio que se pode usufruir num espaço situado dentro da cidade é tão inesperado como, de repente, sentir-se envolvido pelo tempo que esculpiu, em muitos milhões de anos, figuras geológicas que espantam e nos mostram a nossa pequenez quando nos inscrevemos no friso cronológico do planeta ou na grandiosidade das estruturas naturais ali existentes, em contraste com a modernidade do projecto de arquitectura.


O Barrocal oferece, segundo o prospecto divulgado aos visitantes as seguintes actividades: Visitas com guias especializados, Visitas escolares, Passeios pedestres, Parque infantil, Cursos e workshops, Eventos de Arte na Natureza, Eventos de Desporto na Natureza e os Serviços: Cafetaria, Loja, Eventos privados,  Filmagens/ Fotografia.

São enormes as potencialidades do Parque que na minha perspectiva deverão ser, fundamentalmente,  nas vertentes natural, cultural, educativa e espiritual. Este espaço pode ainda ser usado numa perspectiva terapêutica não tanto de "banho de floresta" mas como  “Terapia da Natureza“ ou seja como “uma prática que promete melhorar nossa saúde física e mental que resulta do nosso contacto com a natureza. 2

 

2. No entanto, em 16 de Novembro escrevi no Facebook: "Não é compreensível que numa obra acabada de abrir ao público (Barrocal) tenham esquecido as acessibilidades, a eliminação de barreiras arquitectónicas. A legislação não é cumprida, os objectivos de uma Sociedade Amiga das Pessoas não interessam, a metodologia Universal Design for Learning (UDL) é uma miragem."

Na minha opinião, foi pena que as infra-estruturas ali colocadas, e sei que houve a intenção de mexer o menos possível na natureza, o  que necessariamente sempre havia de acontecer, podia, pelo menos, ser em benefício das acessibilidades e segurança.

Nestes aspectos, acessibilidades e segurança, há ainda muito por fazer, e é pena que não tenha sido tomada em conta a legislação sobre o assunto e, mesmo que tecnicamente fosse de difícil execução e encarecesse o projecto, não devia ser esquecida a eliminação de  barreiras arquitectónicas e outras que permitiria a todas as pessoas usufruirem deste espaço natural de excelência.

No que diz respeito à segurança  e vigilância, certamente estarão  asseguradas de forma a prevenir ou a resolver rapidamente qualquer acidente que aconteça. 

O parque infantil ali implantado ainda está fechado e ainda bem porque, mesmo não sendo especialista de segurança e não sabendo o risco envolvido, mesmo assim parece-me bastante "radical" ou seja, comportando um factor de risco importante para que aconteça qualquer acidente. Mas admito que possa ter sido testado e não haja qualquer problema de segurança. Em todo o caso, provavelmente, estaria mais bem situado noutro contexto ambiental.

 

3. Coloca-se ainda o problema da vigilância... O Parque, como qualquer equipamento social,  é de todos os que o visitam e é importante preservar a natureza de todo o tipo de contaminações e vandalizações a que os equipamentos sociais, paradoxalmente, estão sujeitos. O Parque será tanto mais  aprazível quanto mais estimado for pelos visitantes.

Para já ficaram alguns "graffitis" da treta e asneira  que deviam ser retirados para devolver a dignidade ao local sem aquele tipo de poluição visual. 

 

4. Quanto a algumas das minhas dúvidas, devo dizer que fiquei mais descansado mas também expectante em relação ao futuro do Parque. Fui informado por uma atenciosa funcionária da recepção em relação ao desenvolvimento que se seguirá. Apenas uma pequena parte do Parque foi intervencionada. Outras se seguirão que virão melhorar  e enriquecer aquele espaço. *

 

5. Mais do que opinar sobre este equipamento, o melhor será visitá-lo e desfrutá-lo. Digo-lhe que não se vai arrepender. Foi o que fiz e gostei do que senti. 

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1 O projeto, desenvolvido pelo Topiaris, foi um dos oito finalistas do prémio mundial World Architecture News Awards, na categoria Urban Landscape e que venceu. 
O Parque do Barrocal teve como arquitectos: Teresa Barão, Luis Ribeiro, Catarina Viana, Elsa Calhau, André Godinho, Rita Salgado e Ana Lemos. Envolveu ainda outros especialistas: Olavo Dias, Sérgio Sousa & Gonçalo Santos, Bartolomeu Perestrello, Pedro Delgado e Ana Tiago & Pedro Silva e Sousa.

2. A terapia da floresta (“Forest Therapy“ ou  “shinrin-yoku” -“banho na floresta“) criada no Japão nos anos 80,  como é chamada em seu país de origem, consiste em oferecer aos interessados algumas horas de contacto directo com a natureza em prol de benefícios para a  saúde. O homem precisa da natureza, das árvores para observar, tocar,  plantar... A ligação entre a psicologia e a natureza faz parte do processo evolutivo.

 

* Para saber mais sobre o Parque do Barrocal e questões afins:






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26/11/20

Amor político


Perguntaram a Mahatma Gandhi quais são os factores que destroem o ser humano. Ele respondeu: Política sem princípios; Prazer sem compromisso; Riqueza sem trabalho; Sabedoria sem carácter; Negócios sem moral; Ciência sem humanidade; Oração sem caridade. (Pensador)
Na minha perspectiva a política sem princípios inclui todos estes factores. E desta política sem princípios todos temos alguma má experiência. É, aliás, um dos factores que leva à decadência das democracias e da miséria dos cidadãos, miséria económica, social e moral. É essa política sem princípios que leva aos grandes desastres humanitários que acontecem um pouco por todo o lado: guerras, conflitos, destruição, desumanização, corrupção...
Difícil é encontrar políticos que se possam apontar como virtuosos, que ponham os seus interesses de lado em favor do bem comum. Por isso, a desilusão com a política e com os políticos de que cada um de nós tem alguma experiência. 
O elevado nível de abstenção em eleições democráticas pode ser uma consequência dessa desilusão e desinteresse.

O Papa Francisco, em Fratelli Tutti, que temos vindo a analisar, fala da necessidade de um (164) caminho eficaz de transformações da história...
Critica (165) quer o que chama “ideologias de esquerda" quer os "pensamentos sociais cultivando hábitos  individualistas...“
Faz também uma critica ao paradigma tecnocrático (166). O problema para ele não está nas coisas mas no modo como nos servimos delas. A tecnologia é um bem indispensável ao desenvolvimento da sociedade. Porém, o uso que dela fazemos ou a capacidade cada vez menor de controlar as suas consequências pode também ser um retrocesso.
(168) Critica “o mercado (que) por si só não resolve tudo..." e "determinadas visões económicas fechadas e monocromáticas que não respeitam os movimentos populares que reunem desempregados, trabalhadores precários e informais e tantos outros que não entram facilmente nos canais já estabelecidos." (169)

É, por isso,  extraordinário que o Papa Francisco venha falar da importância de se estar na política, de se participar na vida política mas com “amor político”.

O que é então o amor político ?
(186) "Existe o chamado amor «elícito»: expressa os atos que brotam diretamente da virtude da caridade, dirigidos a pessoas e povos. Mas há também um amor «imperado»: traduz os atos de caridade que nos impelem a criar instituições mais sadias, regulamentos mais justos, estruturas mais solidárias. Por isso, é «um ato de caridade, igualmente indispensável, o empenho com o objetivo de organizar e estruturar a sociedade de modo que o próximo não se venha a encontrar na miséria». É caridade acompanhar uma pessoa que sofre, mas é caridade também tudo o que se realiza – mesmo sem ter contacto direto com essa pessoa – para modificar as condições sociais que provocam o seu sofrimento."
E dá exemplos:
"Alguém ajuda um idoso a atravessar um rio, e isto é caridade primorosa; mas o político constrói-lhe uma ponte, e isto também é caridade. É caridade se alguém ajuda outra pessoa fornecendo-lhe comida, mas o político cria-lhe um emprego, exercendo uma forma sublime de caridade que enobrece a sua ação política.”


Até para a semana.


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23/11/20

Popular ou populista

1. Até há pouco, uma das palavras mais ouvida na Comunicação social era neoliberalismo. No entanto, ultimamente, a palavra da moda parece ser populismo.

Procuremos então compreender um pouco melhor o que se entende por populismo.
Como já vimos na semana passada, geralmente, populismo é uma palavra aplicada à chamada direita política. Mas como também dissemos, o populismo não é de direita nem de esquerda ou se quisermos é tanto de direita como de esquerda.

Esta atribuição é uma generalização fácil.  Para Takis Pappas, trata-se de uma percepção simplista do populismo como uma política de “nós-contra-eles” que mistura populismo com política não democrática, especialmente de extrema direita. 
Ora tanto o comunismo, como outros regimes autoritários, baseia-se igualmente na divisão de "nós-contra-eles", a luta permanente de trabalhadores contra capitalistas. 
Podemos distinguir “democracia liberal”e "democracia populista".
A democracia liberal tem como caracteristicas principais:  a diferenciação entre vários grupos sociais, interesses como garantidos,  moderação e consenso, respeito pelo Estado de Direito e protecção das minorias. 
A “democracia populista” tem exactamente as características opostas: vê a sociedade dividida em apenas duas categorias sociais, governantes e governados e polarização social e adversidade política,  ao mesmo tempo, também não respeita o Estado de Direito.
Podia ser vista apenas como o oposto da democracia liberal, portanto, como iliberalismo democrático. *

2. Na minha perspectiva trata-se apenas de uma democracia formal como acontece em muitas democracias actuais.** 

3. O populista divide a sociedade em povo e anti-povo. ***  Ele diz que pertence ao povo, fala em nome do povo e, obviamente, o populista faz sempre tudo pelo bem do povo. Veja-se o que se passa com os diversos populistas da América latina...

4. Também o Papa Francisco, em Fratelli Tutti, critica o populismo que distingue dos líderes populares.
(159) "Existem líderes populares, capazes de interpretar o sentir dum povo, a sua dinâmica cultural e as grandes tendências duma sociedade. O serviço que prestam, congregando e guiando, pode ser a base para um projeto duradouro de transformação e crescimento, que implica também a capacidade de ceder o lugar a outros na busca do bem comum. Mas degenera num populismo insano, quando se transforma na habilidade de alguém atrair consensos a fim de instrumentalizar politicamente a cultura do povo, sob qualquer sinal ideológico, ao serviço do seu projeto pessoal e da sua permanência no poder. Outras vezes, procura aumentar a popularidade fomentando as inclinações mais baixas e egoístas dalguns setores da população. E o caso agrava-se quando se pretende, com formas rudes ou subtis, o servilismo das instituições e da legalidade.
(160) Os grupos populistas fechados deformam a palavra «povo», porque aquilo de que falam não é um verdadeiro povo. De facto, a categoria «povo» é aberta. Um povo vivo, dinâmico e com futuro é aquele que permanece constantemente aberto a novas sínteses assumindo em si o que é diverso. E fá-lo, não se negando a si mesmo, mas com a disposição de se deixar mover, interpelar, crescer, enriquecer por outros; e, assim, pode evoluir."

Podemos, assim, perceber melhor o que distingue um líder popular  de um populista ?



Até para a semana.


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Takis Pappas, (2018), "Explaining Populism to My Son’s Class. "It's not right-wing. It’s not left-wing. So what is it exactly?"
"Basta uma rápida análise à política do mundo real, continuei, para ver que combinar “extrema direita” e “populismo” é estar mal informadao. Em primeiro lugar, nem todos os partidos populistas estão na extrema direita. O populismo de esquerda é abundante e, de facto, alguns dos partidos populistas de esquerda são do tipo de extrema esquerda, como mostram os casos de Chávez e seu sucessor Maduro na Venezuela, ou o partido governante Syriza na minha Grécia natal. Em segundo lugar, nem todas as políticas de extrema direita são populistas. Algumas são simplesmente anti-UE e nativistas, outras são puramente nacionalistas (por ex. o actual governo polaco) e outras totalmente fascistas, como o partido Aurora Dourada na Grécia."

** No sentido em que até podem cumprir as regras formais de separação de poderes, sufrágio livre, igual, universal, directo e secreto mas, na sua prática, não respeita ou falha na participação dos cidadãos.
"A vontade popular não se exprime apenas no voto. Formas diversas, expressas pelas organizações locais, socio-profissionais ou culturais dizem, à sua maneira, as exigências da soberania que reside no povo, que reside em todos nós, em todos os cidadãos." M. Lourdes Pintasilgo, Dimensões da mudança, p.81











16/11/20

Populismo - Memória e verdade


Há políticos que acham que podem definir quem é e não é democrático, quem é e não é populista.* Por tudo e por nada se fala de populismo. E quem fala assim, geralmente, refere-se à direita e/ou à extrema direita. Depois basta associar-se este discurso a líderes que  consideram populistas, como Trump, Bolsonaro ou líderes de partidos de direita europeus...

Ter memória e não a usar, ou usá-la selectivamente, não devia fazer parte do código de conduta de um político. Não é difícil constatar o esquecimento que existe, desde há muito, em relação a líderes de extrema esquerda, porque a sua vocação é ficarem no poder para sempre, em países da America latina ou nos governos-geringonça, em Portugal e Espanha, que fazem acordos com a esquerda e extrema esquerda. A extrema esquerda é, assim,  genericamente tolerada e até elogiada...

O populismo de esquerda existe e é tão pernicoso como o de direita.** "O populismo de esquerda é uma ideologia política que combina a retórica e os temas da esquerda e do populismo. Normalmente concentra sentimentos anti-elitistas, oposição ao sistema e afirma falar em nome do 'povo'.” Temas recorrentes do populismo de esquerda incluem o anticapitalismo, justiça social, igualitarismo, pacifismo e antiglobalização...  Como os populistas de direita também são nacionalistas, contra a imigração,  e estão em todos os movimentos e ideologias que chamam de fracturantes... normalmente tudo isto ligada a um sentimento antiamericano (Wikipedia)

O Papa Francisco, em Fratelli Tutti, diz uma coisa muito bonita. Diz que devemos "Recomeçar a partir da verdade":
(226) "Novo encontro não significa voltar ao período anterior aos conflitos. Com o tempo, todos mudamos. A tribulação e os confrontos transformaram-nos. Além disso, já não há espaço para diplomacias vazias, dissimulações, discursos com duplo sentido, ocultamentos, bons modos que escondem a realidade. Os que se defrontaram duramente falam a partir da verdade, nua e crua. Precisam de aprender a cultivar uma memória penitencial, capaz de assumir o passado para libertar o futuro das próprias insatisfações, confusões ou projeções. Só da verdade histórica dos factos poderá nascer o esforço perseverante e duradouro para se compreenderem mutuamente e tentar uma nova síntese para o bem de todos. De facto, «o processo de paz é um empenho que se prolonga no tempo. É um trabalho paciente de busca da verdade e da justiça, que honra a memória das vítimas e abre, passo a passo, para uma esperança comum, mais forte que a vingança»."

(227) "«... A verdade é contar às famílias dilaceradas pela dor o que aconteceu aos seus parentes desaparecidos. A verdade é confessar o que aconteceu aos menores recrutados pelos agentes de violência. A verdade é reconhecer o sofrimento das mulheres vítimas de violência e de abusos. (...) Cada ato de violência cometido contra um ser humano é uma ferida na carne da humanidade; cada morte violenta “diminui-nos” como pessoas. (...) A violência gera mais violência, o ódio gera mais ódio, e a morte mais morte. Temos de quebrar esta corrente que aparece como inelutável»."
Ou, como diz a psicologia: comportamento gera comportamento, ou seja, se for amor, gera amor.


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* A. Costa: "O PSD ultrapassou uma linha vermelha" (apoio parlamentar do Chega a um governo regional dos Açores composto por PSD/CDS/PPM).

** Carlos Moedas: "... o populismo de esquerda e de direita são igualmente maus", como no caso da Grécia de Tsipras/Varoufakis, ou, como na América Latina (Gloria Álvarez, por ex., aqui).






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05/11/20

Regras para uma vida feliz

 O Sermão da Montanha, 1635 de Jacques Callot

O Sermão da Montanha, 1635, de Jacques Callot



Eduardo Punset, no livro A viagem à felicidade (El viaje a la felicidad) começa por referir que "A felicidade é um estado emocional activado pelo sistema límbico em que, ao contrário do que acredita muita gente, o cérebro consciente tem pouco a dizer." 
No entanto, cita depois Martin Seligman: "ao estudar as bases da felicidade, a psicologia moderna distingue duas fontes: o prazer, por um lado, e, por outro, o sentido que dá à vida um determinado compromisso."
"Quando se analisa o paradoxo do declínio dos níveis de felicidade...num mundo em que não cessa de aumentar o nível de bens e equipamentos produzidos, se chega também à conclusão de que a sociedade moderna investiu demais em frigoríficos, máquinas de lavar, automóveis, gruas, estradas e equipamentos digitais e demasiado pouco em valores intangíveis como o compromisso com os outros ou a felicidade." (Punset, p.31)

Na realidade, vivemos numa sociedade de consumo, e se não podemos deixar de ser consumidores, não podemos deixar também de realçar que a felicidade não depende da posse de muitos bens exteriores dado que trazem apenas uma felicidade transitória e por vezes enganadora.
São os bens intangíveis que se tornam relevantes para a felicidade e não as aquisições materiais e sociais que levam a um circulo vicioso e dependente que não dá qualquer sentido à nossa vida.
Este paradoxo é também evidente na falsa felicidade que são os paraísos artificiais em que alguns acreditam e que alguns procuram ...

No dia 1 de Novembro,  comemoramos o dia de todos os Santos, os bem-aventurados.
O Papa Francisco, numa mensagem à juventude, em 2014, diz que as bem-aventuranças são caminho para a felicidade. “O termo grego usado no Evangelho é makarioi, «bem-aventurados». E «bem-aventurados» quer dizer felizes. (Mensagem para a XXIX Jornada Mundial da Juventude

Podemos então perguntar: Quem são as pessoas felizes? São os bem-aventurados: os pobres de espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os pacificadores, os que são perseguidos por causa da justiça, 
Mas então as pessoas felizes são as pessoas que sofrem ? O pobres, os famintos, os que choram, os que são perseguidos... Voltamos, assim, à questão do sofrimento humano. 

Pelo contrário, tudo devemos fazer para abolir o sofrimento e como refere o psicanalista Carl Gustav Jung as bem-aventuranças são a exaltação de um Ego humilde.
Nesse caso faz sentido a pobreza porque não estamos apegados aos bens materiais e também faz sentido a vida numa sociedade onde também haja solidariedade e partilha; 
Faz falta a fome de liberdade e de dignidade. Faz sentido chorar porque somos sensíveis às injustiças , às guerras, ao sofrimento. Faz sentido lutar pelos seus próprios pensamentos, ideias, opções, mesmo que por causa disso se seja perseguido...

Este é o caminho para a felicidade que levou Mahatma Gandhi a dizer: “se toda a literatura espiritual da humanidade perecesse, e só se salvasse o Sermão da Montanha, nada estaria perdido.”





 


31/10/20

Poema para este tempo - a vida é uma ordem

Sisifo, de Tiziano Vecellio, 1548-1549.



Os Ombros Suportam o Mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco. 
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos. 
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

 

Carlos Drummond de Andrade (31/10/1902 — 17/8/1987) 



Douce France


  
Oui je t'aime
Et je te donne ce poème
Oui je t'aime
Dans la joie ou la douleur
 


(Nice, outra vez... )

28/10/20

Amizade social e psicologia


No mesmo mês em que o papa Francisco apela à amizade social e fraternidade ("Fratelli tutti"), ficamos chocados com acontecimentos terríveis que vão em sentido contrário, como o assassinato de um professor em França, Samuel Paty, e a vandalização e incêndio de duas igrejas no Chile.
Porquê este ódio, porquê estes comportamentos violentos?

Na semana passada analisámos o primeiro capítulo da encíclica do Papa Francisco "Fratelli tutti" onde são referidas algumas variáveis que contribuem para o falhanço de um mundo fechado.

A psicologia social esclarece-nos sobre a importância das relaçoes de pertença para a inclusão de cada um de nós numa família e numa comunidade. Muitas pessoas e em particular os jovens são o alvo de controle através da “cultura” da tábua rasa, como já escrevia Gilles Lipovetsky no livro " A era do vazio”. (*)

A desconstrução histórica e cultural (13), deixa de lado uma história humana com os erros e os acertos que foram cometidos, e faz a (re)construção da história com os critérios da actualidade e da forma que dá jeito interpretar.
Fala-nos também das formas de destruir a personalidade das pessoas que passa pela destruição da auto-estima (51)
Critica o slogan liberdade igualdade e fraternidade (103) porque a liberdade e a igualdade sem fraternidade é ilusória, é mero egoísmo, a liberdade de fazer o que me apetece, a igualdade de “sócios” que cria um mundo fechado.
Explica quem é o outro (56 e seg.) e quem é o próximo (80): não é apenas o que me é próximo ou familiar mas aquele que é diferente de mim e pode ter limitações na sua eficiência.

Voltamos à questão: o inferno são os outros ou o inferno somos nós ? Há, então, que compreender por que continuamos num mundo fechado, de emoções destrutivas.
Na psicologia encontramos alguma explicação possível para este esses tipos de personalidade.
Para “Freud a figura do irmão é sempre a de um rival, um intruso no drama edípico, com quem é necessário compartilhar o amor dos pais (Freud, 1917/1988). O sentimento de fraternidade, assim, só pode emergir como efeito secundário, a partir de uma rivalidade originária entre irmãos." (**)

A violência contra os outros e contra si próprio, como o suicídio, como se explica ? O eu está em conflito permanente consigo próprio. As diversas estruturas do eu, conscientes e inconscientes, ou (na 2ª tópica) o id, ego, superego conflituam entre si.
Por outro lado, o psicanalista Wilfred Bion destacou três vínculos fundamentais no ser humano: Amor, Ódio e Conhecimento. São inseparáveis e interagem entre si – de modo que, conforme a predominância da qualidade dos vínculos – se sadia ou patológica – são determinados o nosso comportamento e a nossa qualidade de vida. (***)

O mundo aberto (87 e seg.) é o mundo da criação de vínculos saudáveis, de emoções construtivas: o amor, a bondade e o perdão, a solidariedade, o acolhimento do outro, o prazer de reconhecer o outro, a amabilidade, a superação, a ternura...
O que fazer para caminharmos para um mundo cada vez mais aberto ? 
Francisco fala-nos do caminho, do método para conseguirmos este objectivo: o diálogo, a cultura, a verdade, o perdão e a memória, a proactividade, a negociação, o conhecimento mútuo...



Até para a semana.

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(*) Gilles Lipovetsky, Era do Vazio, A: Ensaios Sobre o Individualismo Contemporâneo (1988)

24/10/20

Hoje é dia de ouvir A. Scarlatti na voz de Cecilia Bartoli

"Son tutta duolo"- Alessandro Scarlatti (2/5/1660 — 24/10/1725)
Cecilia Bartoli - mezzo-soprano
György Fischer - piano

 

Talvez aqui


Son tutta duolo, non ho che affanni
E mi dà morte pena crudel:
E per me solo sono tiranni gli astri,
La sorte, i numi, il ciel.

Estou toda triste, não tenho senão preocupações
E isso me dá uma dor cruel:
E só para mim são tiranas as estrelas,
O destino, os deuses, o céu.

14/10/20

Amizade social


A
nova encíclica do papa Francisco, Fratelli Tutti» trata de “uma fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas, independentemente da sua proximidade física, do ponto da terra onde cada uma nasceu ou habita.”
Inspirado pelos ensinamentos de S. Francisco dedica “esta nova encíclica à fraternidade e à amizade social.”

O papa refere “esta encíclica como humilde contribuição para a reflexão, sobre as várias formas atuais de eliminar ou ignorar os outros, e por outro lado sobre um novo sonho de fraternidade e amizade social que não se limite a palavras."

Francisco passa em revista algumas das várias formas de eliminar ou ignorar os outros.  Nesta análise, Francisco faz notar a contradição entre as palavras que se apregoam e a realidade 
Vou referir, resumidamente, alguns dos pontos dessa análise.

- Num tempo de abertura ao mundo o que acontece é que voltam com toda a força “As sombras dum mundo fechado“.
“ A história dá sinais de regressão. Reacendem-se conflitos anacrónicos que se consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos. “
Queremos a economia e as finanças abertas ao mundo. Porém, este “globalismo favorece normalmente a identidade dos mais fortes em desfavor dos mais frágeis e pobres...

- Assistimos a “uma perda do sentido da história que desagrega ainda mais. Nota-se a penetração cultural duma espécie de «desconstrucionismo», em que a liberdade humana pretende construir tudo a partir do zero. De pé, deixa apenas a necessidade de consumir sem limites e a acentuação de muitas formas de individualismo sem conteúdo." 
Proíbem-se livros, vandalizam-se monumentos, reescreve-se a história... É preciso fazer tábua rasa do passado. A manipulação dos espíritos necessita de jovens “vazios”... 

- O descarte mundial. «As pessoas já não são vistas como um valor primário a respeitar e tutelar, especialmente se são pobres ou deficientes, se “ainda não servem” (como os nascituros) ou “já não servem” (como os idosos).“
Formas de descarte são também o desemprego, o racismo, a escravatura...

- Vivemos com o conflito e o medo. As situações de violência – guerras, atentados, perseguições - vão-se «multiplicando cruelmente em muitas regiões do mundo, a ponto de assumir os contornos daquela que se poderia chamar uma “terceira guerra mundial aos pedaços”».

- Em relação à pandemia, diz Francisco: “rapidamente esquecemos as lições da história, «mestra da vida». Passada a crise sanitária, a pior reação seria cair ainda mais num consumismo febril e em novas formas de autoproteção egoísta.” O que já está a acontecer...

- Por fim, talvez o mais paradoxal de todos os motivos desta falta de amizade social seja a “ilusão da comunicação “.
Diz Francisco: “Nos media, tudo se torna uma espécie de espetáculo que pode ser espiado, observado, e a vida acaba exposta a um controle constante. Na comunicação digital, quer-se mostrar tudo, e cada indivíduo torna-se objeto de olhares que esquadrinham, desnudam e divulgam, muitas vezes anonimamente. Dilui-se o respeito pelo outro e, assim, ao mesmo tempo que o apago, ignoro e mantenho afastado, posso despudoradamente invadir até ao mais recôndito da sua vida. “


Até para a semana.






 


07/10/20

A escola cultural


Em 2018, foi criada, no currículo escolar, a área de "cidadania e desenvolvimento". É uma manta de retalhos em que são tratados temas como: Educação para a Saúde, Educação para a Segurança, a Defesa e a Paz; Educação para o Desenvolvimento; Educação para o Risco; Educação para os Media; Educação Rodoviária; Dimensão Europeia; Educação do Consumidor...
Perante este albergue curricular em que vive a educação talvez valha a pena voltar a reflectir sobre o debate que aconteceu com a reforma curricular de 89.

Como actualmente, nessa altura, estavam em confronto duas ideias de escola. Uma dessas ideias de escola é a chamada “escola cultural”.
Segundo Ramiro Marques “... o modelo da escola cultural é fortemente personalista e pedocêntrico. Dá a primazia à pessoa face ao grupo, ao aluno face ao professor, à aprendizagem face ao ensino, à individualidade da pessoa humana face à sociedade e à cultura face à economia ... “
“ ... A escola não tem como finalidade principal produzir cidadãos produtores e tão pouco cidadãos consumidores. A finalidade principal da escola é a transmissão do legado cultural às novas gerações, apetrechando-as com as competências e os conhecimentos necessários ao alargamento desse legado e à criação de mais cultura. Daí que o modelo critique fortemente os autores que defendem uma educação e uma escola dependentes da sociedade, da economia e da política. A educação e a escola não devem conformar-se a modelos de sociedade ou de organização da sociedade. A escola deve formar pessoas livres e cultas, capazes de atingirem o máximo de que são capazes e fortemente imunes ao poder da propaganda e da coacção.” (1) 
Na referida reforma curricular, o modelo da escola cultural foi abandonado em favor do modelo da Área-Escola que “representa, na perspectiva de Manuel Ferreira Patrício, a aposta numa escola curricular e unidimensional, ao contrário do preconizado quer pela Lei de Bases do Sistema Educativo quer pela Proposta Global de Reforma. “
“...A diferença fundamental reside no carácter obrigatório e curricular da área-escola, por oposição ao carácter facultativo, livre e abrangente da escola cultural. “ (1)

Ora nestas duas acepções de escola há uma diferença substancial entre os que querem um “homem novo”e adaptado (2) ao que chamam de “novo normal” e os que querem um homem livre e culto com inteligência para atingir e expressar ao máximo as suas capacidades e potencialidades por forma a serem colocadas ao serviço dos outros... 
As mudanças curriculares não são inócuas, podem parecer “progressistas”, podem parecer que querem melhorar a educação, digamos assim, mas elas obedecem a princípios e valores que o estado ou os governos querem ver aprovados enquanto estão no poder. E nós sabemos que, geralmente, se pudessem, seria para sempre. (3)

Como naquela reforma, o que está em questão é uma questão de princípios e valores, sim, de ideologias em confronto, que exigem uma opção dos alunos e dos pais, sendo um dos factores mais relevantes, nesta diferença, a liberdade de poderem optar. 
A objecção de consciência ou, simplesmente, a liberdade de opção por um ou outro modelo, devia fazer parte da cultura democrática de cidadania.

Até para a semana!
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(2) "O comunismo tinha um plano louco - transformar o homem "antigo", o vetusto Adão. E isso foi conseguido... foi talvez a única coisa que se conseguiu. Em pouco mais de setenta anos, no laboratório do marxismo-leninismo criou-se um tipo humano especial - o Homo sovieticus. Há quem considere que essa é uma personagem trágica; outros chamam-lhe sovok. Eu acho que conheço esse homem, que o conheço muito bem, estou ao lado dele, vivi muitos anos ombro a ombro com ele. Ele sou eu. São os meus conhecidos, os meus amigos, os meus progenitores." Svetlana Aleksievitch, O Fim do Homem Soviético - Um tempo de desencanto, Porto Editora. (Prémio Nobel da Literatura 2015).

(3) No "Dr. Jivago", de Boris Pasternak, depois dos bolcheviques terem tomado o poder na Rússia, uma das disciplinas que os alunos deviam frequentar era “IC”. Perante a dúvida de Jivago sobre o que seria "IC", Katia, filha de Lara, explica: “instrução cívica”. Sim, era necessário construir o homem novo, o homem soviético, o homem que se ajustasse àquela nova sociedade onde o indivíduo se submetia ao colectivo e ao estado totalitário e a melhor maneira de o fazer era através da escola... 




 



05/10/20

"Os mete medo"


Acabou de passar Interstellar no AXN onde anotei uma frase que diz mais ou menos o seguinte: é terrível dizer a uma criança de dez anos que o mundo vai acabar.
É o que tem acontecido com "os mete medo" das alterações climáticas que todos os dias ameaçam com o fim do planeta em 2030.
"A Organização das Nações Unidas (ONU) está a desenvolver um plano de acção que visa o cumprimento de metas ambiciosas até 2030 para evitar a sexta extinção em massa, revela o “The Guardian”."