28/10/20

Amizade social e psicologia


No mesmo mês em que o papa Francisco apela à amizade social e fraternidade ("Fratelli tutti"), ficamos chocados com acontecimentos terríveis que vão em sentido contrário, como o assassinato de um professor em França, Samuel Paty, e a vandalização e incêndio de duas igrejas no Chile.
Porquê este ódio, porquê estes comportamentos violentos?

Na semana passada analisámos o primeiro capítulo da encíclica do Papa Francisco "Fratelli tutti" onde são referidas algumas variáveis que contribuem para o falhanço de um mundo fechado.

A psicologia social esclarece-nos sobre a importância das relaçoes de pertença para a inclusão de cada um de nós numa família e numa comunidade. Muitas pessoas e em particular os jovens são o alvo de controle através da “cultura” da tábua rasa, como já escrevia Gilles Lipovetsky no livro " A era do vazio”. (*)

A desconstrução histórica e cultural (13), deixa de lado uma história humana com os erros e os acertos que foram cometidos, e faz a (re)construção da história com os critérios da actualidade e da forma que dá jeito interpretar.
Fala-nos também das formas de destruir a personalidade das pessoas que passa pela destruição da auto-estima (51)
Critica o slogan liberdade igualdade e fraternidade (103) porque a liberdade e a igualdade sem fraternidade é ilusória, é mero egoísmo, a liberdade de fazer o que me apetece, a igualdade de “sócios” que cria um mundo fechado.
Explica quem é o outro (56 e seg.) e quem é o próximo (80): não é apenas o que me é próximo ou familiar mas aquele que é diferente de mim e pode ter limitações na sua eficiência.

Voltamos à questão: o inferno são os outros ou o inferno somos nós ? Há, então, que compreender por que continuamos num mundo fechado, de emoções destrutivas.
Na psicologia encontramos alguma explicação possível para este esses tipos de personalidade.
Para “Freud a figura do irmão é sempre a de um rival, um intruso no drama edípico, com quem é necessário compartilhar o amor dos pais (Freud, 1917/1988). O sentimento de fraternidade, assim, só pode emergir como efeito secundário, a partir de uma rivalidade originária entre irmãos." (**)

A violência contra os outros e contra si próprio, como o suicídio, como se explica ? O eu está em conflito permanente consigo próprio. As diversas estruturas do eu, conscientes e inconscientes, ou (na 2ª tópica) o id, ego, superego conflituam entre si.
Por outro lado, o psicanalista Wilfred Bion destacou três vínculos fundamentais no ser humano: Amor, Ódio e Conhecimento. São inseparáveis e interagem entre si – de modo que, conforme a predominância da qualidade dos vínculos – se sadia ou patológica – são determinados o nosso comportamento e a nossa qualidade de vida. (***)

O mundo aberto (87 e seg.) é o mundo da criação de vínculos saudáveis, de emoções construtivas: o amor, a bondade e o perdão, a solidariedade, o acolhimento do outro, o prazer de reconhecer o outro, a amabilidade, a superação, a ternura...
O que fazer para caminharmos para um mundo cada vez mais aberto ? 
Francisco fala-nos do caminho, do método para conseguirmos este objectivo: o diálogo, a cultura, a verdade, o perdão e a memória, a proactividade, a negociação, o conhecimento mútuo...



Até para a semana.

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(*) Gilles Lipovetsky, Era do Vazio, A: Ensaios Sobre o Individualismo Contemporâneo (1988)

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