16/07/22

Pais com autoridade 3

1. Makarenko descreve vários tipos de autoridade parental que devem ser evitados. Mas então em que deve consistir a verdadeira autoridade dos pais numa família? *
Esta autoridade baseia-se, em primeiro lugar, na condição de cidadania, de pai e de ajuda, e em segundo lugar, na responsabilidade.
Podemos dizer que o principal fundamento da autoridade dos pais, não pode ser senão a vida e o trabalho dos pais, a sua personalidade de cidadãos, a sua conduta.
Quando as crianças vão crescendo interessam-se sempre por saber onde os pais trabalham, qual a sua posição social. Devem saber de que vivem, em que se interessam, qual o seu ambiente. A profissão dos pais deve parecer aos olhos da criança uma coisa séria e digna de respeito...
O trabalho paterno deve consistir em saber como vive, de que se interessa, do que gosta e o que quer o seu filho. Quais são os seus amigos, com quem joga, o que lê e como assimila o que lê. Qual a sua atitude face à escola, aos professores, quais são as suas dificuldades, como é o seu comportamento nas aulas.
Isto não significa que seja necessário fazer interrogatórios permanentes ao seu filho ou fazer espionagem mesquinha e inoportuna. É necessário que o seu filho fale destes assuntos. Diremos que é necessário o diálogo entre os elementos da família.
Este conhecimento leva à necessidade de ajuda. Na vida de qualquer criança é necessária esta ajuda para saber como se comportar. Esta ajuda não será provavelmente pedida pelo seu filho mas é necessário ir ao seu encontro.
Esta ajuda pode ter a forma de um conselho directo, uma brincadeira, uma orientação directiva, uma ordem. Se se conhece a vida do filho então é possível saber como será a melhor maneira de agir. Pode ser através de um jogo, travando conhecimento com os companheiros do seu filho, falando com os professores, ou com os outros filhos quando existem.
A ajuda dos pais não deve ser inoportuna, enjoativa e fastidiosa. É necessário que a criança às vezes resolva os seus problemas sozinha e que se habitue a ultrapassar dificuldades e resolver questões complicadas. Mas não se pode deixar cair a criança nas dificuldades, no desespero. É necessário que ela saiba que pode contar com a sua vigilância, com a sua atenção e com a sua confiança nas suas forças... Mas o seu filho saberá ao mesmo tempo que se exige qualquer coisa dele, isto é, ele tem que assumir responsabilidades.
A responsabilidade constitui assim o segundo traço essencial da autoridade dos pais, porque respondem pelos filhos face à sociedade e,  por outro lado, essa responsabilidade é também exigida aos filhos.

Para além das formas de autoridade errónea analisadas, M. refere ainda outras: a autoridade alegre, jovial, autoridade erudita, autoridade "bom rapaz"... Mas acontece que os pais não se preocupam em adquirir qualquer espécie de autoridade; vivem de qualquer maneira... Um dia punem o filho por um aspecto sem importância, no dia seguinte fazem-lhe uma declaração amorosa, a seguir punem de novo...
Pode também acontecer que o pai opte por um tipo de autoridade e a mãe por outro. Os filhos neste caso devem ser diplomatas e aprender a andar com rodeios entre o papá e a mamã. Acontece, enfim, simplesmente que os pais não têm qualquer atenção aos filhos e apenas pensam na sua tranquilidade.

2. Quando Makarenko escreveu O livro dos pais - Artigos sobre a educação, dirigia-se à família soviética e a uma sociedade totalitária. Podemos questionar qual a diferença em relação a outras famílias e sociedades de outros países mais democráticas, conservadoras, liberais...
Makarenko procurava chamar a atenção dos pais e da sociedade para os problemas da educação de crianças e jovens na sociedade que integrava com os problemas originados nas vicissitudes de Outubro de 1917 com o cortejo de crianças e jovens sem família, marginais, desorientados e abandonados.
O pedagogo socialista e conselheiro parental que escreve sobre a família soviética escrevia também sobre outra família qualquer, burguesa e capitalista, com as mesmas preocupações de educação dos filhos, seres humanos desenvolvidos, cultos, integrados, críticos, moralmente competentes... 

3. Não há Olimpos pedagógicos. Nem o de Rousseau, nem o de Gorki, nem o de Makarenko, nem o de Rogers ou de Skinner ou de todos os outros que conhecemos da pedagogia e da psicopedagogia mesmo daqueles que nem sequer eram "dados" na faculdade.
Insistir mais na educação baseada no colectivo ou no indivíduo é certamente discutível mas de certeza que não podemos dispensar nem uma nem a outra. Inscrevo o contributo pedagógico de Makarenko nesta perspectiva: Recompensas ou castigos devem ser vistos num contexto de motivação intrínseca. O papel do professor é fundamental e insubstituível na aprendizagem e na relação pedagógica. A educação com base na espontaneidade rousseauniana não é de todo o caminho a seguir mas também não pode ser uma camisa de forças onde o aluno seja manipulado como um autómato da aprendizagem.

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* Anton Makarenko, Oeuvres en trois volumes, Le livre des parents - Articles sur l'éducation - III, Ed. du Progrès, Moscou (“O livro dos pais - Artigos sobre a educação”). No capítulo  "Sobre autoridade dos pais" (p. 369-378) descreve vários tipos de autoridade parental e coloca a questão sobre a verdadeira autoridade dos pais e como se organiza.
 


11/07/22

Wokismo na educação


A novela da "disciplina" "cidadania e desenvolvimento" - na realidade não é uma disciplina mas uma listagem de assuntos que poderiam ser os que lá estão ou outros -  vai tendo novos episódios mais infelizes do que os anteriores. Para pensar, deixo aqui estas referências:

“Le wokisme c'est ça, prenez l'histoire, vous l’inversez, vous lui faites dire le contraire. Les bons sont les méchants, les méchants sont les bons. Donc c'est la fin de l’histoire, c'est la fin de la raison, c'est l'avènement des raisons le wokisme, et la gauche a dit prenons cette idéologie clé en main, c'est formidable, on va appeler ça être progressiste.” 
"Il y a cette espèce de délire qui consiste à dire: tout est bon dans la sexualité, et puis ce qui est formidable, ce que il faut qu’à 5, 6 ans, dès qu’on scolarise les enfants, on leur parle de sexe, et on leur parle surtout pas d’hétérosexualité.”

Em 1984, já tínhamos lido: "guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força"...


Os inquisidores em Famalicão. O MP deseja exibir no pelourinho as consequências de se ter princípios. Não é só a desobediência que perturba o poder: a chatice maior é recusar a ideologia reles que dissimula a natureza desse poder.






10/07/22

Porque hoje é Domingo - a meditação

 

 

Meditar é chique. Meditar está na moda. E ainda bem. É mais ou menos consensual que a meditação é uma terapia possível e necessária no meio das vidas plenas de agitação, maldade, desgraças, guerras, pandemia, falhanços da política nacional e internacional, quando vamos ao fundo e ou quando precisamos de calma... Meditar é  uma prática na qual a pessoa utiliza técnicas e realiza exercícios tendo como finalidade focar a atenção num objeto, num pensamento ou actividade tendo em vista a redução da ansiedade e a melhoria das emoções. Meditar é uma autêntica benção para todos nós, assuma uma ou outra forma, mais próxima da ciência ou mais fora de tudo o que seja racional. Meditar faz bem à saúde do corpo e da mente. Desde que os mecanismos psicológicos da sugestão e da auto-sugestão funcionem quem pode dizer o contrário? Neste ponto só deixo um conselho: não se deixe manipular e não se deixe levar na conversa mole de quem nem de longe nem de perto está interessado na sua saúde mas apenas na sua carteira. Se quiser correr menos riscos convém saber quem é o seu terapeuta. Se não, fique por sua conta e risco e depois não se queixe.
De facto, podemos meditar de várias maneiras. Uma delas é rezar. Sim, rezar é uma forma de meditação. Como foi definido e descrevi em outros locais como o "Terço cantado" e as "Ladaínhas" em S. Miguel d' Acha, no tempo de Quaresma:

Uma vez por semana, uma das melhores formas de meditação é a eucaristia dominical que como o nome indica é reconhecimento e acção de graças.
Para muitas pessoas esta é uma forma de meditação importante ou pelo menos com momentos de meditação importantes. É, aliás, para essas pessoas a única forma possível de a fazer.

Escolha o lugar adequado, depois de se sentar, fique confortável, com as costas direitas  e as mãos em cima dos joelhos, se preferir e puder, pode fechar os olhos.
Enquanto esperamos, podemos experimentar, como refere J. Main, a palavra "Maranata". Pronuncie cada uma das sílabas com igual cadência – Ma-Ra-Na-Ta - escute a palavra à medida que a repete devagar, mas continuamente. Não pense nem imagine nada de espiritual ou de outra ordem. 
Durante a liturgia, as repetições de frases, Kyrie, Sanctus, Agus Dei, a oração extraordinária do Pai nosso - se forem cantados em gregoriano melhor - de cânticos repetitivos de gestos e rituais quase  automáticos, são imprescindíveis para fazer esta meditação. Às vezes basta ouvir o órgão de tubos para sair para outra dimensão. Ou então um cântico repetitivo de um coro bem afinado:

"Nada te perturbe 
nada te espante
quem a Deus tem
nada lhe falta.
Nada te perturbe 
nada te espante
só Deus basta."

Este texto de Sta Teresa de Ávila é dos meus preferidos para este momento de profunda meditação, é repetido várias vezes e quantas mais vezes se repetir mais pode concentrar-se no que está a cantar ou, simplesmente, a acompanhar mentalmente. Até deixar de pensar nisso.
É fácil sentirmo-nos totalmente focados naquilo que estamos a fazer abstraindo de tudo o que nos possa distrair.
A igreja é, aliás, um sítio onde somos solicitados por todo o tipo de pensamentos sobre a nossa vida, dos mais práticos  e importantes aos mais inúteis... por isso estamos em permanente esforço de concentração naquilo que é o foco da actividade em que participamos. É, de facto, o sítio mais inadequado para virem ter connosco todos os pensamentos comuns ou obsessivos e automáticos que encontram ali o local propício para fugirem do inconsciente...
Mas, sendo assim, com esforço conseguimos, calmamente, voltar ao centro da nossa atenção: é o local e o momento de nos encontrarmos connosco e de nos perdoarmos a nós próprios e aos outros.
Sai de certeza de lá muito mais calmo, com uma tranquilidade inexplicável...

Quando se está envolvido neste ambiente deixa de ter relevo compreender o mistério da transubstanciação porque nunca vai saber racionalmente do que se trata, coisa que Maria Filomena Mónica questiona e parece ser determinante para a decisão de ter fé ou ser católica. Não se deixa de ser guiado e defensor do espírito científico e racional porque, neste caso, basta saber que Jesus disse o que disse.
Podemos fazer este exercício em qualquer ponto da fé em que nos encontremos, como catecúmenos, como cheios de fé ou em vias de perdê-la. Podemos esquecer-nos de tudo isso e pura e simplesmente passarmos uma hora de meditação.
Podemos meditar na leitura de hoje: quem é o meu próximo? A resposta veio em jeito de parábola:

Naquele tempo, um mestre da Lei levantou-se  e, querendo pôr Jesus em dificuldade, perguntou: “Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?”
Jesus disse-lhe: “O que está escrito na Lei? Como lês?” Ele então respondeu: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua inteligência; e ao teu próximo como a ti mesmo!”
Jesus  disse-lhe: “Tu respondeste correctamente. Faze isso e viverás”.
Ele, porém, querendo justificar-se, disse a Jesus: “E quem é o meu próximo?”
Jesus respondeu: “Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu na mão de assaltantes. Estes arrancaram-lhe tudo, espancaram-no, e foram-se embora, deixando-o quase morto.
Por acaso, um sacerdote estava descendo por aquele caminho. Quando viu o homem, seguiu adiante, pelo outro lado.
O mesmo aconteceu com um levita: chegou ao lugar, viu o homem e seguiu adiante, pelo outro lado.
Mas um samaritano, que estava viajando, chegou perto dele, viu e sentiu compaixão. Aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo e vinho nas feridas. Depois colocou o homem em seu próprio animal e levou-o a uma pensão, onde cuidou dele. No dia seguinte, pegou duas moedas de prata e entregou-as ao dono da pensão, recomendando: ‘Toma conta dele! Quando eu voltar, vou pagar o que tiveres gasto a mais’”.
E Jesus perguntou: “Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” Ele respondeu: “Aquele que usou de misericórdia para com ele”. Então Jesus lhe disse: “Vai e faze a mesma coisa”.

É de facto inacreditável: um samaritano! É mais uma provocação de Jesus. que nos apela a construir um mundo de convivência entre todos e a melhorar as nossas emoções e sentimentos relativamente aos outros o que significa melhorarmos em relação a nós próprios.

Se ainda não sabia, e eu não sei muito bem porque sou apenas aprendiz, ficou a saber que não precisa de ir muito longe nem de gastar muito dinheiro para poder meditar. Não precisa pertencer a nenhum grupo organizado, nem fazer meditação expressamente com esse objectivo. Pode fazê-la sozinho num dos locais mais tranquilos que encontra no seu caminho.
Não funcionou consigo ? Não tem importância, tente de novo. 


01/07/22

"O mapa não é o território"

A frase, de Alfred Korzybski, explica como apesar de termos semelhanças estruturais como seres humanos, cada pessoa tem o seu próprio mapa sobre o funcionamento do mundo. De facto, o mapa não é o território. Existem territórios, verdade físicas, do mesmo modo que existem crenças e convencimentos pessoais.

“Uma crença é uma teoria sobre o mundo, porém não é o mundo. Chamamos-lhe precisamente crença porque ainda que só consista numa pressuposição, é algo que nos convence a nós mesmos, que nós acreditamos, mesmo se isso nos limita"... “O conhecimento implica verdade; a crença, pelo contrário, não.” (Xavier Guix, Ni me explico, ni me entiendes - Los laberintos de la comunicación, p. 28-29)
As crenças podem ser irracionais (limitantes) ou racionais. As crenças têm origem na educação recebida durante a infância, nas experiências e situações vivenciadas, induzidas por líderes sociais e políticos ou veiculadas pela propaganda e publicidade que nos fazem acreditar em realidades inexistentes ou em falsas necessidades. Como quase todas as condutas humanas, também as crenças se fazem por aprendizagem social ou modelagem. (Bandura)
Muitas vezes estas crenças impedem-nos de fazer o mapa da realidade que nos permita viver de uma forma equilibrada,  enfrentar novos desafios  e desenvolver novas capacidades. 

O filósofo Epicteto afirmou, no ano 80 da nossa era, que não são os acontecimentos que perturbam os homens mas a perspectiva que têm deles. O psicólogo Albert Ellis considerou que não era suficiente ter consciência dos problemas uma vez que resolvendo um problema o paciente colocava outro no seu lugar. (O Livro da Psicologia, p. 142-145)
Perante as adversidades, temos tendência para tirar conclusões negativas dos acontecimentos da nossa vida. Reagimos automática e irracionalmente o que reforça o modo de pensar. Convencemo-nos de que está justificada a má opinião de nós mesmos e do mundo.
Mas também podemos considerar respostas novas e racionais que nos podem ser úteis e benéficas. O pensamento racional tem, assim, efeito contrário ao pensamento automático, sendo benéfico para o Eu.
 
Perante uma adversidade como ficar sem trabalho, o pensamento irracional é: “não valho nada”, “não voltarei a encontrar trabalho”, “estou deprimido e angustiado”...
Em vez disso, o pensamento racional diz-me que posso encontrar outro trabalho e não é razão para ficar assim.
Numa desilusão amorosa a pessoa pode sentir-se triste e rejeitada. No entanto, coisa bem diferente é criar um sistema de crenças em que a pessoa se deprima e se auto-avalie como incapaz de resolver a situação.  
 
O mapa não é o território, remete-nos para um problema de comunicação.
Por muito que custe a crer que os outros não vêem as coisas como eu vejo, o certo é que cada um de nós experimenta a vida segundo o seu mapa convertendo-se na sua verdade.  
Daí que seja tão difícil comunicar quando cada um tem o seu mapa que não corresponde à realidade, ao território. 
Se o mapa não é o território para quê empenhar-me tanto em que os outros vejam as coisas como eu ou estejam de acordo comigo? (X.G.) Por que não experimentar colocar-me no ponto de vista do outro, colocar-me nos sapatos do outro? A realidade é a mesma embora possamos usar mapas diferentes para a compreender.