24/02/23

Não à guerra


A invasão russa da Ucrânia levou milhões de ucranianos a abandonar o país nas semanas seguintes ao começo da ofensiva. Na imagem, uma lágrima rola pela face de uma jovem a bordo de um autocarro no posto fronteiriço de Siret, na Roménia REUTERS/CLODAGH KILCOYNE


Um ano de guerra.
Um ano de morte e destruição.
De arraso. 

Um ano de ameaças, 
de ódio à liberdade 
e aos direitos humanos. 

Um ano de terror, 
de medo, 
de dor e separação.
Um ano de sofrimento. 

Um ano de sobrevivência, 
de resistência
e de dignidade.


"A guerra não passa de um meio bestial de resolver as dificuldades da vida; um meio indigno do espírito humano que dispõe de recursos ilimitados." Pavlov


“A guerra é sempre uma derrota da humanidade.” João Paulo II



23/02/23

Parentalidade na era digital



O exercício da parentalidade sempre passou pelas dificuldades próprias de qualquer processo de comunicação entre pais e filhos. Como sabemos, no processo de desenvolvimento infantil e juvenil há subtilezas de comunicação para que um diálogo responsável e eficaz, entre pais e crianças ou adolescentes, tenha lugar.
Além disso, vivemos hoje um processo completamente novo: a sociedade digital, para além das imensas vantagens, também apresenta dificuldades e riscos online. Como lidar e como explicar às crianças e adolescentes a violência da guerra, a violência sexual, a violência da fome, da doença, resultantes de causas naturais ou do próprio homem?
As crianças têm acesso a plataformas e conteúdos deste tipo, em qualquer altura do dia, em qualquer lugar. Basta que estejam ligados à internet. Muitas vezes sem possibilidade de enfrentar os perigos que estão envolvidos. Um desses perigos é o da violência sexual. 

Numa perspectiva de prevenção da violência sexual, o papel dos pais é fundamental. Para ajudar os pais nesta tarefa educativa foi publicado pelo Conselho da Europa, o manual Parentalidade na era digital - Orientação parental para a proteção online de crianças contra a exploração sexual e o abuso sexual, de Elizabeth Milovidov. 
Trata de cinco formas de violência sexual online:
- Exploração sexual de crianças e adolescentes online (sextortion); 
- Imagens e materiais sexualmente explícitos com crianças/adolescentes gerados pelas próprias crianças/adolescentes (sexting); 
- Chat de teor sexual (sex-chatting); 
- Aliciamento (grooming); 
- Imagens sexualizadas utilizadas como vingança (“pornografia de vingança”). 

Para a compreensão e intervenção neste assunto, devemos ter, também aqui, uma perspectiva desenvolvimentista.
As crianças com menos de 8 anos podem não ser tão activas online como as crianças mais velhas ou adolescentes, mas os pais não devem deixar de estar atentos ao tempo que elas passam em frente do ecrã ou à adequação dos sites e jogos. 
As crianças dos 9 aos 12 anos aventuram-se online, e por isso a orientação parental nestas idades é muito importante.
Os adolescentes dos 13 aos 17 anos podem correr outros riscos, porque utilizam mais a internet.
De uma maneira geral devemos ter presente que
- Não adianta proibir os filhos de aceder à internet, porque irão fazê-lo de qualquer forma e sem o seu conhecimento, o que pode envolver mais riscos.
- Não tenha receio de dizer não: Não devem partilhar essas imagens; não devem tirar fotografias ou vídeos de natureza sexualmente explícita para enviar a um namorado, namorada ou a qualquer outra pessoa.
- Estabeleça laços de confiança, para que os seus filhos venham ter consigo e peçam ajuda se acontecer alguma coisa. 
- Com os mais velhos faça um acordo sobre a utilização de tecnologias de informação.
- Preste atenção aos sinais: como seu filho adolescente interage com a tecnologia: fica mais agitado, irritável, zangado ou reservado? 

Portanto, o “segredo” da intervenção dos pais em relação à utilização da Internet está, como não podia deixar de ser, no diálogo sobre o que estão a fazer, em estar atento aos sinais e, sempre, sempre, em dar apoio aos filhos.


Até para a semana.


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* Sobre o assunto ver também em  Violência sexual online.



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15/02/23

"Dar voz ao silêncio"


 

Estou a ler o Relatório Final da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja Católica Portuguesa, divulgado a 13 de Fevereiro, em conferência de imprensa.

Merece ser lido com todo o cuidado tendo presente a complexa realidade que o problema da violência sexual representa.


Segundo o Relatório, foram validados 512 testemunhos, num total de 564 recebidos, entre Janeiro e Outubro do último ano, relativos a casos ocorridos nos últimos 72 anos (1950-2022). Estes testemunhos, apontam a uma rede de 4815 vítimas. 25 casos foram enviados ao Ministério Público.

Por reduzidos que fossem, os resultados do estudo seriam sempre uma “monstruosidade”, para usar o termo do Papa Francisco. Estes resultados são preocupantes tal como as enormes consequências/tarefas que resultam deste processo porque como diz o Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. José Ornelas, a Igreja não quis fazer “um teatrinho” com este procedimento. Se bem entendo, o que se pretendeu foi, certamente,  saber a dimensão do fenómeno da violência sexual na Igreja e querer assumir todas as consequências que daí resultam.

De facto, as "Notas finais e recomendações", apresentadas no Relatório, são todo um extenso programa de reflexão, análise e de propostas de intervenção para os vários anos que se seguem.

Algumas tarefas são urgentes como as que dizem respeito à reparação devida às vítimas, fazendo justiça reparativa e proporcionando os apoios psicológicos de que necessitam.  Mas também,  adoptar todas as medidas de prevenção para que não haja possibilidade de continuação dos abusos. 

O Relatório indica uma grande diversidade de medidas preventivas e formativas.  São em meu entender  medidas que também  se devem aplicar a outros espaços e instituições frequentadas por crianças, como  escolas, instituições desportivas, de lazer e de férias... Dá como exemplo: a necessidade de  controlar os antecedentes criminais de quem vai trabalhar com crianças e adolescentes, impedir que quem seja suspeito nesta matéria possa actuar na proximidade das crianças...

 

Há que continuar a fazer mudanças no relacionamento educativo que temos com as crianças e jovens desde logo a mudança de cultura que coloque a criança no lugar central onde sempre devia ter estado, principalmente a partir Declaração e da Convenção dos Direitos da Criança.

 

Destaco algumas medidas de grande relevância para esta perspectiva de mudança:

- A formação específica nesta área da violência sexual.

- O desenvolvimento de competências parentais relacionadas com o tema. 

- O "reforço do papel da Escola e da «educação para a sexualidade», em articulação e respeito com as diversas singularidades das famílias e seus contextos socioculturais." (Lei 60/2009, de 6 de Agosto).

- Uma proposta particularmente relevante sugerida no Relatório, é a da realização de um Estudo sobre  os abusos sexuais na sociedade portuguesa. *

No fim de contas, foi positivo que a Igreja portuguesa, através da Conferência Episcopal, se tivesse aventurado nesta floresta fechada dos abusos sexuais.  O trabalho da Comissão Independente, assim como o trabalho que está a ser desenvolvido pelas Comissões Diocesanas de Prevenção e Protecção, a nível nacional, estimula à lucidez, à bondade e ao perdão, num assunto que tem sido tão ocultado, silencioso e perturbador.

Até para a semana.


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* Os dados do RASI ou os do Relatório Anual de Actividades das CPCJ de 2021 (717 processos instaurados e 190 reabertos nas várias sub-categorias do abuso sexual) são elucidativos para percebermos a gravidade da situação e a necessidade de intervenção. Muitas das medidas propostas no Relatório da Comissão Independente visam a sociedade em geral.

  

 

14/02/23

Namorados


"Meu bem-amado disse-me:

"Levanta-te, minha amiga,

vem , formosa minha!

Eis que o inverno passou,

cessaram e desapareceram as chuvas.

Apareceram as flores em nossa terra,

voltou o tempo das canções.

Em nossas terras já se ouve

 a voz da rôla.

A figueira começa agora a dar seus figos

e a vinha em flor exala o seu perfume.

Levanta-te, minha amada amiga,

e vem comigo, formosa minha!

Minha pomba, oculta nas fendas do rochedo,

e nos abrigos das rochas escarpadas,

mostra-me o teu rosto,

faze-me ouvir a tua voz.

Tua voz é tão doce,

Tão delicado o teu rosto!"


(Cant 2, 10-14)


 O Novo Catecismo - A Fé para adultos, Herder, p. 446. Também conhecido como Catecismo Holandês)

09/02/23

Onde estás felicidade ?

 


Depois de um terrível século XX, como entender o que se passa no início deste século em que o Caos parece reinar em relação à Ordem, com as várias  catástrofes que têm vindo a acontecer: as guerras, como na Ucrânia, a pandemia  e agora o terramoto na Turquia e Síria?

 

Somos motivados com frequência, pela publicidade, pelos livros de auto-ajuda, etc., nas mais diversas circunstâncias da vida a buscar a nossa própria felicidade. Ora mesmo nas coisas mais simples da vida sabemos que assim não é. Como diz a canção de Madalena Iglésias: “Onde estás felicidade que não te encontrei?” 

Então de que felicidade se trata ? 

 

Jordan Peterson (12 regras para a vida - Um antídoto para o caosquestiona que  a felicidade seja o objetivo mais ideal para a nossa vida, pois sabemos que o sofrimento faz parte dela, e propõe entender a felicidade num sentido mais profundo.  

Constatou que as grandes histórias do passado tinham mais a ver com o desenvolvimento do carácter face ao sofrimento do que com a felicidade.

A vida tem os dois lados: Ordem e Caos.  Ordem “quando as pessoas ao nosso redor agem de acordo com normas sociais bem definidas, comportando-se de forma previsível e cooperante”; Caos é onde – ou quando - acontece algo inesperado” como a guerra ou perder o emprego...

Como organizar-se mentalmente do ponto de vista individual, familiar e social? De  facto, “as pessoas necessitam de princípios ordenadores, caso contrário, surge o caos. Precisamos de regras, padrões, valores - individualmente e em conjunto.” (p.17)

O ser humano procura a felicidade mas neste sentido mais profundo que envolve os momentos difíceis da vida, que  existem, e sabemos que podem ser  superados. Quando parece que tudo está perdido uma nova ordem pode surgir da catástrofe e do caos, sem nos deixarmos submergir no niilismo ou na ordem excessiva e rotineira da normose.


Aprendemos com as experiências vividas por nós, observadas nos outros, de que a vida é constituída por ordem e caos.

Para Jordan Peterson podemos criar a ordem a partir do caos e vice-versa. E escreve: “Nos meus momentos de maior escuridão, no submundo da alma, dou por mim frequentemente assombrado e maravilhado pela capacidade das pessoas para fazerem amizades, para amar o seus parceiros e pais e filhos, e de fazerem o que devem para manter a maquinaria do mundo a funcionar.

Acredito que este tipo de heroísmo quotidiano é a regra e não a exceção. A  maioria dos indivíduos tem de lidar com algum problema de saúde enquanto continua a ser produtivo sem se queixar. Se  alguém tem felicidade de desfrutar de um raro período de graça e saúde impecável, então, é provável que haja algum membro da família que atravesse uma crise. No  entanto, as pessoas prevalecem e continuam a fazer tarefas difíceis, que exigem esforço, para se manterem unidas à família e à  sociedade ... Merecem por isso uma admiração genuína e sentida...” (p. 92)

 

É esta Ordem que temos visto, e esperamos continuar a ver, no Caos do início deste século. 

 


Até para a semana.

 

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01/02/23

Porque hoje é domingo - O palco* das bem-aventuranças


1. O Evangelho do passado Domingo falava das bem-aventuranças. Em 2014, disse  aqui que as bem-aventuranças eram as Regras para uma vida feliz.

Esta perspectiva remete-nos para a Exortação Apostólica Gaudete et Exsultatede  19 de Março de 2018, do Papa Francisco, sobre a chamada à santidade no mundo actual e onde apresenta cada uma das bem-aventuranças como um caminho de felicidade para qualquer pessoa.


2. Martin Seligman é um dos meus psicólogos inspiradores e tenho aqui dedicado muito tempo a espalhar as ideias sobre "felicidade autêntica" e "bem-estar" que podemos resumir nas seis virtudes e nas vinte e quatro forças de carácter que integram a nossa personalidade.

Permitam-me que vá buscar a ideia de forças de assinatura e  integre no inventário de Seligman esta ideia de bem-aventuranças. 

Como refere Francisco: “64. A palavra «feliz» ou «bem-aventurado» torna-se sinónimo de «santo», porque expressa que a pessoa fiel a Deus e que vive a sua Palavra alcança, na doação de si mesma, a verdadeira felicidade.

Ou seja, não se é feliz por se ser pobre ou por chorar ou se sentir injustiçado... a última palavra não é da pobreza, nem da tristeza, nem da injustiça mas da possibilidade que temos de ser felizes no desapego, na mansidão, na compaixão, na justiça, na misericórdia, na pureza do coração e na paz:

- a felicidade da pobreza em espírito e do desapego...

- a felicidade da mansidão num mundo de discussões, agressões, violências...  

- a felicidade que vem da compaixão, de sermos solidários com os que sofrem e de partilhar  as suas dificuldades e as suas dores. 

- «Fome e sede» de justiça que correspondem a necessidades primárias, de sobrevivência. A justiça é, assim, uma necessidade básica nas relações sociais e políticas. 

- A felicidade da misericórdia é o caminho da ajuda, do serviço dos outros, da compreensão e do perdão.

- A pureza de um coração que sabe amar.

- A felicidade que vem do caminho da paz. 

Os bem-aventurados, as pessoas felizes, vivem com autenticidade, questionam e incomodam a sociedade com a sua vida. 

 

3. Ao mesmo tempo, nesta semana, discute-se o palco da Jornada Mundial da Juventude, a pala, o happening, a requalificação, revalorização de uma zona degradada de Lisboa e Loures,  as coisas básicas da vida, como a limpeza, os wc, a água, a comida... e os milhões envolvidos.

Mais uma vez apareceu a falha na organização de um evento desta magnitude. Nada de novo. Simplesmente o espelho da nossa desorganização caseira, dos interesses mesquinhos, político-partidários, de aproveitamento para justificar as próprias posições...   Penso no que esconde a máscara de cada um, desde os responsáveis directos pelas decisões que têm sido tomadas até ao último dos jovens que estão a dar o seu melhor para participarem nesta Jornada. **

O que será que interessa nesta Jornada? Tudo, portanto.  Mas o sentido tem de ser o do caminho que se abre à juventude, do acesso à sua felicidade e bem-estar, numa vida com sentido como o traçado pelas bem-aventuranças.

 

Até para a semana.

 

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* "Ao ver a multidão, subiu a um monte, e, depois de Se ter sentado, aproximaram-se d'Ele os discípulos. Tomando então a palavra, começou a ensiná-los, dizendo..." (Mt, 5)

** Que modelagem temos para apresentar a estes jovens ?

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