29/10/15

"O poder e o seu simulacro"

"Diga-se desde já que se trata de uma questão em que é particularmente posta em causa a função desempenhada pelos intelectuais no desenvolvimento do estalinismo. Porquê mais especificamente os intelectuais ? Porque a sua função se define exactamente, quanto ao essencial, a partir de uma função de linguagem. Nesta precisa circunstância, segundo modalidades particulares. Numa longa nota colocada em apêndice à obra de Dominique Desanti *, Les staliniens, Jean Toussaint Desanti ** sublinha que aquilo que  «o Partido» dá aos intelectuais que dele são membros e que nele desempenham a sua função (escrever artigos, fazer conferências, participar em debates ideológicos,etc.) é um «simulacro de poder». Um simulacro, porque do poder real, de decisão e de acção, habitualmente o intelectual, «o falador» não dispõe mais do que um qualquer militante de base, e ainda menos que as massas do exterior; é a organização, a orga, segundo um dos termos do léxico estalinista. (Pergunta chave, inclusive no mais irrisório e minoritário grupúsculo de extrema esquerda: estás organizado? Nada de mais deplorável, como é sabido que ser um «não organizado»...) Habitualmente, na prática política estaliniana, a «orga» fala pouco, e só para publicar as suas directivas; e também as análises, que as instâncias dirigentes são levadas a tornar públicas, são apresentadas num estilo de «directiva». Ora, este aparelho, que como todo o aparelho é um órgão de poder, de autoridade (e não me ponho aqui a questão da legitimidade ou ilegitimidade desse poder: limito-me a constatar uma situação de facto), não conseguiria subsistir como tal, simultaneamente na vida interna do grupo social que dirige (o «partido» no seu conjunto) e nas tentativas de exercer um impacto sobre toda a sociedade que também aspira a dirigir - não conseguiria portanto funcionar como tal, sem a ajuda específica do discurso que apoia (com os seus comentários, as suas glosas, as suas justificações, etc.) as suas decisões. É no desenvolvimento deste discurso que substancialmente se situa, na minha opinião, o essencial do simulacro de que fala Desanti. Como todo o discurso, de facto, este reveste uma função de vínculo social, o que comporta, neste caso, que ele realize simbolicamente e imaginariamente aquele âmbito de reconhecimento recíproco em que cada sujeito-membro vem a gozar de uma unidade não contraditória, de uma identidade tranquilizadora e consoladora que Desanti denomina. também, bastante ajustadamente, um «consenso». E, de facto, há consenso, proporcionado pelo discurso em que a comunidade em questão encontra meio de falar-se e de reconhecer-se na sua palavra (que desorientação para muitos de «nós», por exemplo, quando, em Maio-Junho de 1968, não tínhamos podido encontrar o nosso «Huma» [«l'Humanité»] quotidiano: a situação não nos oferecia nada em que reconhecer-nos, as coisas não caminhavam conforme o previsto); e também, e é este o outro inevitável aspecto do discurso como «vínculo social», proporcionado pelo interdito de que este discurso é, como sempre, literalmente o «modo de ser». Donde o autêntico pânico subjetivo que pode manifestar-se perante toda a ameaça, de separação (a exclusão, ou simplesmente «o já não estar de acordo com as posições do Partido», etc.) e, de uma maneira geral, perante toda a ameaça de ruptura e desagregação do consenso-interdito (um «um» que se dividisse em «dois» é aqui impensável, inimaginável, a «palavra de ordem» é, isso sim: cuidemos da unidade do Partido «como da pupila dos nossos olhos»!) em que se funda aquela virtude cardeal mais que qualquer outra que se chama, em linguagem estalinista, «a devoção e a fidelidade ao Partido». Virtude das virtudes: morrer depois de ter dado prova da sua «fiel devoção ao Partido», mesmo quando havia todas as razões para dele duvidar; ou seja: ter lá permanecido igualmente e morrer sem dizer nada. Parabéns, «orga»!"

(Jean-Louis Houdebine, «Ter um Estaline na Língua», Sexualidade e Poder, Dir. de Armando Verdiglione, 1976, trad.port.1978)
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1956 marque un tournant fort dans sa vie. Après la répression du soulèvement de Budapest et la découverte précoce du Rapport Khrouchtchev au XXe congrès du Parti communiste d'Union soviétique, elle quitte le Parti communiste français, tandis que Jean-Toussaint y reste jusqu’en 1962. Quittant la presse communiste, elle doit réorienter sa carrière de journaliste, mais reste fidèle à son engagement à gauche.

** Jean-Toussaint Desanti a enseigné la philosophie aux écoles normales supérieures de la rue d'Ulm et de Saint-Cloud ainsi qu'à la Sorbonne. Il a eu pour élèves Michel Foucault et Louis Althusser, dont il a fortement influencé l'engagement politique. Il est proche de Jacques Lacan. Il a dirigé notamment la thèse de Doctorat d'État de Jacques Derrida (1980) et celle de Souleymane Bachir Diagne.

27/10/15

"Fantasma teimoso..."

Quero voltar a falar de ansiedade pela importância que ela tem na nossa vida. 
A ansiedade não é um capricho, é uma casa assombrada, (Paula Cosme Pinto, "A vida de saltos altos", Expresso) onde vive “um fantasma teimoso que, quando nos apanha, passa meses sem nos largar” (Brenna Twohy no poema “Anxiety: A Ghost Story”).
A ansiedade acompanha vários quadros psicopatológicos e é sobretudo perturbadora da nossa qualidade de vida.
A ansiedade faz-nos viver, nos pensamentos e nas emoções, antecipadamente, situações desagradáveis e desconfortáveis que quase de certeza nunca vão existir na nossa vida. 
Este sofrimento resulta de querermos controlar o que não é controlável, queremos ter sempre razão nas discussões, nas polémicas, na coerência da vida familiar, social e política em relação a factos que não ocorreram.  Ou se ocorreram, como nas situações de stress, continuamos a fazer o nosso papel de vítimas. E o que é necessário muitas vezes é "parar de ter razão e começar a ser feliz" (Dr. Phil).
A comunicação social de vez em quando refere pessoas famosas, ou tidas como tal, que não se inibem, felizmente, de falar destas doenças como falamos das doenças físicas. *

Um bom exemplo do que dissemos sobre ansiedade é o da cantora Lana Del Rey que em entrevista à Billboard, fez algumas revelações quanto à sua luta com a ansiedade, ataques de pânico e ainda o seu medo da morte.
" É difícil para mim, às vezes, pensar sobre prosseguir quando eu sei que nós vamos morrer. Alguma coisa aconteceu nos últimos três anos, com o meu pânico…
E ficou ainda pior. Mas eu sempre fui propensa a isso. Eu lembro que — eu estava, eu acho, com 4 anos — tinha acabado de ver um programa na TV em que uma pessoa foi morta. E virei-me para os meus pais e disse: “Nós todos vamos morrer?” Eles disseram sim e eu fiquei totalmente perturbada. Caí em lágrimas e disse: “Nós temos que seguir em frente!”
Eu vi um terapeuta — três vezes. Mas sinto-me realmente mais confortável sentada naquela cadeira no estúdio, escrevendo ou cantando."
Temos aqui três formas de lidar com a ansiedade: Falar da nossa ansiedade pode ser um bom começo porque é, desde logo, alterar a nossa maneira de descobrir e expressar os sentimentos, depois afastar os pensamentos ilógicos e,  finalmente,  realizar actividades profissionais ou outras. Não nos esqueçamos que o principal problema das pessoas ansiosas é a evitação das situações que provocam ansiedade.

Lana del Rey  - Honeymoon
versão de "Don't Let Me Be Misunderstood" 
canção escrita por Bennie Benjamin, Gloria Caldwell, and Sol Marcus para Nina Simone (1964).


Baby, entendes-me agora/ Se às vezes vês que estou louca / Não sabes que ninguém vivo pode ser um anjo sempre ?/ Quando tudo está errado, tu vês o lado mau /Mas eu sou apenas uma alma com boas intenções / Oh, Deus, por favor, não me deixes ser mal interpretada /... 
"Se eu parecer nervosa / Eu quero que saibas / Que nunca foi minha intenção descontar em ti / A vida tem os seus problemas / E eu tenho mais do que a minha parte / Mas isso é algo que nunca quis fazer / Porque eu amo-te"

A perturbação de ansiedade depende de diferenças interpessoais, designadamente da idade, sexo, relação afectiva, nível cultural mas afecta todo o tipo de culturas.
Há ainda o peso de factores tais como as circunstâncias da vida em que acontecem os episódios de ansiedade e com os níveis de ansiedade de cada pessoa. Certamente que quando nos confrontamos com situações traumáticas como a morte de um familiar ou de um amigo estamos mais influenciáveis.

As doenças do foro da ansiedade afectam 16,5% dos portugueses, uma das percentagens mais elevadas da Europa (Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental). A ansiedade é a doença mental mais prevalente em Portugal – principalmente entre os 18 e os 34 anos. Por isso, os serviços e as pessoas deviam dar mais atenção a esta perturbação psicológica... **
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* Na revista Happy Woman de Outubro, vem um testemunho: "como eu vivo com crises de pânico, sob anonimato aceitou escrever como é viver na sombra do medo". Para assuntos do foro psíquico ainda há necessidade de se falar sob anonimato.
Em contrapartida, a mesma revista refere as crises de pânico de algumas celebridades: Gisele Bundchen, Jonny Depp (acrofobia, medo das alturas e coulrofobia, medo dos palhaços), Kim Bassinger, Madonna, Emma Stone, Lady Gaga, Hugh Grant... (Happy Woman).

** Fundamentalmente aparece entre os 25 e os 40 anos, a maior virulência ocorre entre os 25 e os 30 anos  (Pilar Varela, Ansiosa-mente, A Esfera dos Livros)

21/10/15

Ansiedade

A ansiedade é um dos problemas psicológicos mais relevantes da vida actual. Aparentemente devíamos ter uma vida mais tranquila permitida pelo desenvolvimento tecnológico que atingimos e que facilitaria a nossa vida relacional mas parece que se verifica o contrário: ser constantemente informado de tudo o que se passa no mundo gera em nós algum desconforto, põe-nos em alerta, às vezes tira-nos o sono e torna-nos mais ansiosos.
Como temos vindo a falar, procuramos uma vida de bem-estar, isto é, uma vida de mais qualidade e significado, maior envolvimento, melhores relações e mais realização pessoal.
Por outro lado, vivemos na era da ansiedade que é um obstáculo ao bem-estar. Acontece que nem todos, nem sempre, temos capacidade para lidarmos com estas situações e reagimos mal ao nível de perigosidade com que nos defrontamos.
A ansiedade excessiva e persistente é fonte de infelicidade e mal-estar porque transforma a nossa vida numa permanente inquietação sem paz de espírito e alegria de viver.

"No mundo desenvolvido a ansiedade é a perturbação psicológica mais comum, seguida da depressão e do abuso de álcool e drogas."
"A ansiedade é uma reacção positiva e natural que o organismo põe em funcionamento para se defender face a uma ameaça ou simplesmente face a uma situação difícil."

Todos já sentimos alguma ansiedade numa avaliação ou exame, numa relação amorosa, num novo emprego. E isso é muito positivo e agradável.



Mas há situações patológicas em que não conseguimos lidar com a ansiedade. É necessário, por isso, reconhecer esta perturbação. A ansiedade manifesta-se no pensamento, no organismo e no comportamento.
A ansiedade pode ser ligeira e dominável (p.ex. tenho receio mas consigo andar de elevador), forte e incapacitante ( p.ex. não me lembro de nada, desisto do exame) ou extrema ( p.ex. vou ficar louco, vou morrer).
A ansiedade provoca alterações no organismo, no sistema nervoso central, vegetativo e endócrino: por exemplo ter palpitações, suar das mãos ou em todo o corpo, respiração acelerada, secura da boca ou alterações menos perceptíveis como aumento da pressão arterial ou aumento da tensão muscular…
Os comportamentos podem ir de pequenos tiques a grandes dependências. As pessoas ansiosas não costumam estar quietas, pelo contrário, executam movimentos repetitivos como a manipulação contínua de objectos, mexem ou arrancam cabelo, roem as unhas, comem em excesso ou recusam comida, abusam de tabaco, álcool e drogas…
Mas o comportamento mais significativo do indivíduo ansioso é a evitação: sente grande ansiedade se tiver que andar de elevador, perante animais, na escuridão… evita tudo o que dê inquietação.
A repetição deste comportamento vai reforçar a ansiedade . As condutas de evitação para neutralizar a ansiedade são bem conhecidas, embora algumas pessoas não as assumam, como fumar, beber ou tomar ansiolíticos, comer constantemente.
A ansiedade está e tem aspectos positivos no nosso contexto de vida. É importante saber lidar com ela para podermos atingir o bem-estar de que falamos,  aprendermos a controlar problemas pessoais e familiares, as perturbadoras noticias sobre o que se passa no mundo para podermos viver mais seguros e tranquilos.
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Baseado em Pilar Varela, Ansiosa-mente, A Esfera dos Livros. (Parte I, Reconhecer a ansiedade, Cap. 1, Como reconhecer a ansiedade)

20/10/15

Malabarismo político

Até ao 15º dia pós-eleitoral, Costa não se demitiu. Em vez disso, tem-se sujeitado a mostrar o que tem de pior e o pior que tem um político.
Na "Crónica dos bons malandros", os polícias fugiam à frente dos ladrões, como num filme de trás para a frente.
Costa acha que a sua atitude é como derrubar os últimos vestígios de um Muro de Berlim. Só que aqui não pode passar o filme às avessas. O que acontece é que foi o lado da liberdade que derrubou o muro e não foi a ditadura do proletariado, nem o centralismo democrático, nem a vanguarda da classe operária, nem a luta de classes, nem a nomenclatura, nem nenhum regime totalitário, nem nenhum pc, nem nenhum pc-ml, nem nenhum pc-mlm, nem  internacionalista da 4ª, ... mas aqueles que queriam ser livres.
O problema é que na história do muro não houve bons malandros antes vítimas que ousaram romper o cerco pagando com a vida por quererem ser livres.
Costa, malabarista, pode dizer todas as inanidades e desvirtuar os acontecimentos, pode fingir querer negociar com quem ganhou  as eleições, pode fingir querer cooperar, ou o que quiser, governar com quem quiser, prometer o que quiser... o que não pode é dizer que a história não foi assim.
Mas não se podem estranhar atitudes similares a quem consegue afirmar que não foi o governo PS que chamou a troica, a quem consegue negar  o estado a que o país chegou em 2011...
Costa, malabarista, tem todo o direito de querer ser primeiro-ministro, mas já agora podia fazer o favor à gente de ganhar as eleições, nem que seja por "poucochinho".

19/10/15

Serena humildade


Entrevista de Freud, aos 70 anos, ao jornalista americano George Sylvester Viereck, em 1926. Notável a humildade e a aceitação da vida como ela acontece. A importância de viver a vida sem a prosápia do desejo de imortalidade e do reconhecimento da  história. O homem que vive a vida até ao fim, "a vida tem que completar o seu ciclo de existência".
Semmering vom Hirschenkogel.JPG
Semmering
...
- O senhor teve a fama - disse eu. - Sua obra influi na literatura de cada país. O homem olha a vida e a si mesmo com outros olhos, por causa do senhor. E recentemente, no seu septuagésimo aniversário, o mundo se uniu para homenageá-lo - com excepção da sua própria universidade!
- Se a Universidade de Viena me demonstrasse reconhecimento, eu ficaria embaraçado. Não há razão porque deveriam aceitar a mim e a minha obra porque tenho setenta anos. Eu não atribuo importância insensata aos decimais. A fama chega apenas quando morremos e, francamente, o que vem depois não me interessa. Não aspiro à glória póstuma. Minha modéstia não é virtude.
- Não significa nada o facto de que o seu nome vai viver?
- Absolutamente nada, mesmo que ele viva, o que não é certo. Estou bem mais preocupado com o destino de meus filhos. Espero que a vida deles não venha a ser difícil. Não posso ajudá-los muito. A guerra praticamente liquidou com minhas posses, o que havia poupado durante a vida. Mas posso me dar por satisfeito. O trabalho é minha fortuna.
Estávamos subindo e descendo uma pequena trilha no jardim da casa. Freud acariciou ternamente um arbusto que floria.
- Estou muito mais interessado neste botão do que no que possa acontecer depois de morto.
...

18/10/15

Hoje apetece-me ouvir

The Healer  - John Lee Hooker e Carlos Santana

"Carlos, o blues curou-me".
A música cura nesta manhã chuvosa e agradável.
Cura sempre e "all over the world", se tu deixares.

13/10/15

Transformação


Por mais que a gente não queira, não deixa de ser deprimente assistir a este espectáculo da gestão do somatório dos votos dos cidadãos. A política merece toda a atenção mas deixa de fazer sentido darmos demasiada importância a alguns políticos, que nos governam ou querem governar, e também se governam, embora alguns mais videirinhos do que outros.
No entanto, há uma realidade para além dos "corredores" do poder, que nos entra por casa dentro, pela comunicação social…
Alguns factos, dos últimos dias, que me chamaram a atenção:
- Os acidentes de viação que continuam destroçar famílias inteiras, a trazer grande sofrimento às pessoas. E o que incomoda mais é que alguns destes problemas devem-se simplesmente aos nossos comportamentos desajustados: continuamos a conduzir e a falar ao telemóvel, continuamos a beber e a conduzir e continuamos a andar com excesso de velocidade...
- os amores e desamores dos famosos, colunáveis, efémeros, oscilam entre a grandeza moral e a exposição da miséria moral na praça pública,
-  as praxes nas universidades continuam como sinal atávico do autoritarismo,
- a violência juvenil aumenta,
- as depressões aumentam, as depressões provocadas pelas redes sociais também estão a aumentar,
- os jovens estão a consumir mais tabaco. As campanhas anti-tabaco não deram resultado. As raparigas consomem mais do que os rapazes,
- Continua a violência doméstica, os maus tratos infantis...
Estes comportamentos não são de esquerda nem de direita e, portanto, ultrapassam esses jogos das somas aritméticas para constituir governo, isto é, dependem de cada um de nós. O que nos impede de mudarmos estes comportamentos?
Por que é que têm falhado todos estes projectos, principalmente aqueles onde se tem investido mais económica, legal e socialmente ? Provavelmente porque estes programas não são transformadores da nossa vida.
As crianças são levadas a compreender que o tabaco faz mal à saúde, que podem morrer mais cedo, que prejudica os outros… sim e depois ? Se os projectos e programas preventivos não funcionam é porque eles não levam à transformação da sua vida. A transformação passa por termos uma perspectiva positiva da nossa vida.

Nos países desenvolvidos vive-se melhor do que há cinquenta anos e podíamos dar vários exemplos a nível da habitação, educação, saúde… O progresso na esfera material é indiscutível mas também na cultura, na música, nos direitos cívicos...  Mas não é apenas isso que faz o bem-estar como indicam as noticias dos jornais de que falámos no início. Com toda esta prosperidade material não estamos mais felizes. Pelo contrário.
Com a serenidade de quem levou uma vida activa a querer transformar-se e tentou transformar algumas crianças e jovens, desejaria que as circunstâncias sociais e politicas fossem objectivadas no sentido da politica e economia do bem-estar, que não é de esquerda nem de direita .
Este podia ser o tempo da positividade e não da criação de clivagens ainda mais profundas entre "fraquezas" partidárias.
Este podia ser o tempo de dizer sim:
... A mais emoção positiva.
... A mais envolvimento.
... A melhores relações.
... A mais significado na vida.
... A mais realização pessoal positiva.(Seligman)

O milagre português, segundo Costa

Dito e feito

12 Out, 2015

Ponto final. Dito e feito.
A austeridade acabou.
E foram todos almoçar, se bem que a bolsa tivesse começado a cair...

12/10/15

"a rosa, timbres"

a rosa, timbres

e outro silêncio enquanto  o som repousa:
desfez-se o seu rebordo numa espuma.
de que sombra dos sons se faz a rosa?
da matéria das sombras?  de nenhuma?

de que fosco murmúrio, cristal, bruma?
de que espirais da noite vagarosa?
do coração desfeito? ou não costuma
a luz gravar-se em sombras numa lousa?

coração rouco, o coração, falhada,
a voz vinda do vento se desate
num ramo de penumbras, descontínuo,

o mundo passe a ser feito de nada,
só de efémeras rosas  a rebate,
como gritos de sangue no destino.

Vasco Graça Moura,"variações sobre um tema rilkiano", Poesia 1963-1995, Círculo de Leitores.

09/10/15

Hoje apetece-me ouvir

Simone de Oliveira - Sol de Inverno 


A comemorar 58 anos de carreira, Simone de Oliveira foi esta quinta-feira, 8 de Outubro, condecorada pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. Durante a cerimónia, que decorreu no palácio de Belém, Cavaco Silva elogiou as qualidades artísticas e humanas da cantora e atriz, de 77 anos...

08/10/15

Hoje apetece-me ouvir

Dave Brubeck - Take Five 

"Take Five" é uma composição de jazz escrita por Paul Desmond e apresentada pelo The Dave Brubeck Quartet no álbum Time Out, de 1959. Gravada no 30th Street Studios em Nova Iorque em 25 de junho, 1 de julho e 18 de agosto do mesmo ano, a obra é uma das gravações mais famosas do grupo, notória por sua melodia distinta, pelo solo de bateria de Joe Morello e pelo uso inusitado do compasso 5/4, de onde se origina o nome da composição... 
Depois da sua morte, em 1977, Desmond deixou os direitos da sua obra, incluindo "Take Five", à Cruz Vermelha Americana. (Wikipedia)
Das inúmeras versões, destaco a de Quincy Jones.

07/10/15

A mudança para uma sociedade de bem-estar

Não há democracia sem eleições livres mas devemos interrogar-nos para quê e para quem servem as eleições livres. Apenas para mudar ou continuar com os mesmos protagonistas políticos e ou mudar de políticas ou, ainda, para tudo isso, mas tendo em conta novas perspectivas da vida e do mundo, desde que elas respeitem os direitos do ser humano?
Em princípio, os cidadãos escolhem as propostas politicas que preferem para a sua vida na expectativa de que daí resultem melhorias para a sua vida, a vida dos cidadãos e dos países. 
Porém, isto não quer dizer, que muitas propostas não estejam completamente fora da realidade económica, social e psicológica das pessoas, que não haja propostas mais ou menos fossilizadas e tragam à memória alguns ditadores que fazem parte de períodos históricos de grande sofrimento para alguns países, que o espírito crítico ainda não foi capaz de desconstruir.
Podemos perguntar-nos até que ponto vai a cegueira ideológica, a negação da realidade, se depois de tudo o que se sabe hoje, não temos capacidade para ficarmos horrorizados com a história desses ditadores sejam da dita esquerda ou da dita direita.

Vota-se na continuidade ou na mudança. Num caso, a mudança pode ser a melhor opção, outras vezes a melhor opção é a continuidade.
Vivemos num tempo em que os antigos chavões deixaram de fazer sentido como, por exemplo, falar de crescimento sem se explicar que crescimento e para que o querem.
Na manhã de 5 de Outubro, depois das eleições do dia anterior, verificamos que a nossa vida vai continuar na mesma, independentemente de quem ganhou e quem perdeu... se bem que, em Portugal, todos ganhem sempre em todas as eleições.

A mudança é outra coisa e, se quisermos que haja mudança, têm que ser as pessoas a fazê-la. Ou seja, tendo ganho um partido ou outro, a pergunta a fazer é o que é que cada um de nós pode fazer por si próprio e pelo seu país.
Aquilo que está subjacente ao voto dos cidadãos é que da vontade colectiva possa vir mais bem-estar para as pessoas. Mas o que é o bem-estar ? Na realidade, o bem-estar pode ser definido por cinco elementos (Seligman):
Emoção positiva, da qual fazem parte a felicidade e a satisfação com a vida.
Envolvimento.
Significado, não apenas para si próprio as também para os outros.
Realização pessoal, êxito na vida.  
Relações positivas:  as outras pessoas são o melhor remédio para a pessoas poderem melhorar a sua vida. Sartre não tinha razão quando achava que o inferno eram os outros. 

Há uma diferença entre PIB (produto interno bruto) e bem-estar. O PIB é insuficiente para percebermos o que se passa na vida das pessoas. Se é verdade que até certo ponto quanto mais dinheiro mais satisfação com a vida também é verdade que, a partir da base de segurança dada pelo dinheiro, deixa de ser assim.
Não sendo o PIB o único indicador sério do estado de uma nação, esperemos que nas instituições democráticas, as políticas possam mudar no sentido de aumentar o bem-estar.

Como já se previa neste período pós-eleitoral seria crucial a capacidade de políticos inteligentes procurarem estabelecer compromissos nas respectivas instituições, designadamente no parlamento.
O bem-estar das pessoas não é de esquerda nem de direita. Será que para os eleitos o bem-estar vai ser o mais importante ? 

06/10/15

Escolas de pequena dimensão


É tempo dos "crescidos" resolveram o problema da liberdade de educação. Não deviam meter as crianças nisto, nem castigá-las devido a indecisões, más decisões, desorganização e incapacidade para resolver um problema bem simples: a criação de uma rede de escolas de pequena dimensão, que aqui temos vindo a pedir em nome das crianças. E não vamos desistir.

04/10/15

Escolas de pequena dimensão

Discordo do método e do timing, mas...
É necessário olhar para esta situação, a nível nacional. Os pais querem que os seus filhos frequentem a escola local. Neste processo, os mais frágeis são as crianças e os pais e é por isso que  devem ser ouvidos e apoiados. Esta é, aliás, uma posição progressista, ao contrário do que pensam os "engenheiros do parqueamento" dos alunos em escolas "desligadas" do que é essencial: a proximidade dos pais.


Daqui

"O nosso objectivo é que reabram a escola, mas também queremos que nos expliquem porque é que esta escola fechou e outras que tinham menos alunos continuam a funcionar", acrescentou Marta Sousa, mãe de duas crianças, uma das quais a frequentar o primeiro ano do ensino básico."

"Vestidos de preto em sinal de luto, e com folhas que colocaram no local em que pedem "igualdade", os manifestantes recordam argumentos antigos, designadamente o facto de as crianças serem obrigadas a andar de transportes diariamente para irem para a escola de acolhimento, que fica a cerca de cinco quilómetros."

"Garantem ainda que a decisão não se traduziu numa poupança, já que é necessário assegurar transportes e alimentação para as 17 crianças."

"Pequenos passos, grandes gestos"




02/10/15

O apelo da rua

Em 2011, o apelo da rua como a chamada "rua árabe". Em 2015, não há ruas... nem rumo, novo ou velho. 

...
Não podemos saudar democraticamente a chamada “rua árabe” e temer as nossas próprias ruas e praças. Até porque há muita gente aflita entre nós: os desempregados desamparados, a velhice digna ameaçada, os trabalhadores cada vez mais precários, a juventude sem perspectivas e empurrada para emigrar. Toda essa multidão de aflitos e de indignados espera uma alternativa inovadora que só a esquerda democrática pode oferecer.
...
SignatáriosMário Soares , Isabel Moreira , Joana Amaral Dias, José Medeiros Ferreira, Mário Ruivo, Pedro Adão e Silva,  Pedro Delgado Alves,  Vasco Vieira de Almeida, Vitor Ramalho.
Lisboa, 23 de Novembro de 2011

google - Síria - 1-10-2015




Marsmallow, austeridade e eleições

Como vimos, a experiência de vida, realizada numa perspectiva temporal global, se foi baseada na confiança, vai ser uma variável importante na resposta ao teste marshmallow. Com um ambiente confiável vale a pena esperar pela recompensa. Walter Mischel já tinha colocado o problema das crenças das crianças a quem foram prometidas recompensas mais tarde, serem realmente postas como uma importante determinante da escolha, mas as suas experiências posteriores não levaram tais factores em conta...
Um estudo de 2012, da Universidade de Rochester, em Nova York, realizado por Celeste Kidd *, principal autora do estudo, questionava a capacidade de autocontrole como um único marcador inato e se não haveria relação com um ambiente estável ou não.
Para testar essa hipótese os participantes (28 crianças de 3 a 5 anos) foram divididos em dois grupos, um exposto a um ambiente não confiável (promessas feitas pelos investigadores que não eram cumpridas depois) e o outro, a um ambiente confiável (tudo que era prometido era entregue mais tarde).
O grupo de teste confiável esperou por um tempo quatro vezes maior (12 min) que o não confiável para que o segundo marshmallow aparecesse.
As crianças do ambiente não confiável esperaram uma média de três minutos e dois segundos. Apenas uma das 14 crianças deste grupo esperou o tempo combinado, em comparação com as nove crianças do grupo da condição de confiança.
Para os autores, os resultados foram surpreendentes. Em estudos anteriores o tempo de espera médio das crianças foi entre 6,08 e 5,71 minutos.
A manipulação do ambiente duplicou o tempo de espera no estado de confiança e reduziu metade no caso do grupo de ambiente não confiável.
Os autores concluem que este grande efeito da manipulação do ambiente fornece fortes evidências de que o tempo de espera das crianças reflecte a decisão racional sobre a probabilidade de recompensa.

Mesmo crianças de tenra idade e com o conhecimento do mundo limitado, são capazes de adaptar a tomada de decisão de forma muito eficiente, buscando a máxima recompensa. Elas apenas precisam de receber provas de que a decisão de facto pode maximizar o resultado.
Diferentemente do que era pensado e da conclusão a que chegou o Walter Mischel, nos anos 60, as crianças não estão totalmente à mercê de seus impulsos. “Isso demonstra que o processo de tomada de decisão é muito mais adaptável e flexível que tínhamos imaginado”.
As crianças, mesmo as muito jovens, eram capazes de esperar, quando munidas de evidência de que a paciência valeria a pena. E quando foram fornecidas evidências contrárias, elas aproveitaram o momento e fizeram o melhor dessa situação. O comportamento que parece impulsivo pode ser, na verdade, resultado de um processo muito sensível de tomada de decisão. 
Como os adultos, as crianças usam experiências anteriores para formar suas decisões em situações novas. Então não é apenas a força de vontade, como na primeira experiência, que é o factor principal na decisão das crianças.

Como refere Filipe Nunes Vicente, vale a pena o esforço e vale a pena esperar. "O ódio à pequena burguesia". "Quem pagou estes anos foi essencialmente a classe média. A classe média foi sempre humilhada pela esquerda bem pensante: desde 1975 que é uma mole analfabruta e ígnara. Do gozo com a maison do emigrante ( agora têm muita pena deles) ao epíteto de mentalidade merceeira (entre dezenas de exemplos), este ódio esteve sempre bem presente na matriz da esquerda bem pensante.
Pois bem, o merceeiro, a rapariguinha do shopping, o emigrante, é que foram apertados, mas fazem umas contas simples. Durante estes anos penaram enquanto ouviram a esquerda bem pensante (e algumas aves de arribação) apregoar o caos e a inutilidade do seu esforço. Não gostaram e não querem ser, de novo, mulas de carga."

Num ambiente familiar confiável, é possível, entre pais e filhos, um diálogo mais eficaz e procrastinar um presente, uma recompensa não é tarefa difícil: "agora não te posso comprar o computador mas vamos ver se no Natal...". O mesmo não acontece com pais que não cumprem as promessas.
Um ambiente confiável é então fundamental para que um resultado seja aquilo que pretendemos.

Há, no entanto, ambientes políticos pouco confiáveis: aqueles que pedem dinheiro mas acham que "na realidade, as dívidas não são para ser pagas " (Sócrates), ou acham que "se alguém me emprestou dinheiro, esse alguém é que fica com o problema" (Carlos Carvalhas), ou, pura e simplesmente, ser caloteiro "não pagamos" e, finalmente, a solução do "rapaz da bomba atómica" que considera que a dívida pode ser usada como pressão sobre os credores que perante o "não pagamos" não têm outro remédio senão ficarem sem o dinheiro e só de ouvirem falar nisso ficam cheios de tremeliques.

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* Celeste Kidd , Holly Palmeri, Richard N. Aslin., " Rational snacking: Young children’s decision-making on the marshmallow task is moderated by beliefs about environmental reliability",  Cognition, pag.109-114