29/05/13

Fatalismo ou incerteza


Parece que é uma característica dos políticos, quando chegam ao poder, não só não cumprirem o que dizem e prometem nas campanhas eleitorais, para beneficio dos crédulos cidadãos, mas acabarem com conquistas sociais e contratos estabelecidos com os trabalhadores.
Fazem-nos crer que vivemos num estado de direito mas, afinal, com o argumento da situação de emergência, basta apenas um dos lados para analisar, discutir e decidir: o estado que, por si só, pode fazer o que entende.

Por outro lado, fazem-nos crer que há maneira de resolver os problemas sendo a área do socialismo a única alternativa porque é fatal que isso vai acontecer. Nada mais simples: "O dinheiro fabrica-se quando é preciso" e o capitalismo neoliberal extingue-se quando se quiser. Para Mário Soares:
O Povo Português sente que o atual Governo só vê números (confusos) e a sua ideologia de base: o capitalismo neoliberal ou de casino que, em toda a parte, deu o que tinha a dar. Barack Obama vai ser reeleito - não tenho dúvida - e isso vai ser o golpe fatal. A União Europeia vai procurar outro caminho, não tem outro remédio. E o atual Governo que tem estado a destruir o Estado Social e a vender a retalho tudo o que é património nacional, não tem outro caminho que não seja demitir-se, antes que o expulsem, deixando uma má memória. (2-10-2012)
É a política do fatalismo: "o golpe fatal", "não tem outro remédio", "não tem outro caminho"...
Os meses vão passando, Barack Obama já foi eleito há muito tempo e tem problemas de sobra para resolver, de Hollande não vale a pena falar...
Fazem-nos crer que a responsabilidade da austeridade é dos mercados. Mas o problema é outro, o intervencionismo do estado, a desregulação do sistema financeiro, como aqui se analisa.




No nosso caso, devemos acrescentar a mentalidade fatalista...
Entre nós, faz-se passar a ideia de que tudo o que o governo está a fazer está errado e isso não é verdade. Mas é verdade que há metas que são frequentemente revistas e propostas que, parece às vezes, apenas servem para fazer ruído à própria governação.
O que se passa então ? Se calhar, vivemos tempos, ou sempre vivemos, em que o papel da incerteza deveria acautelar os políticos para não fazerem promessas que sabem, ou não sabem, que poderão cumprir.

Nassim N. Taleb, investigador e professor de Ciências da Incerteza da Universidade de Massachusetts, diz que "é impossível tentar antecipar e prever o futuro, já que aquilo que conhecemos é muito menor em relação ao que não conhecemos."
No livro "O Cisne Negro", Taleb refere acontecimentos que ninguém previu como o atentado de 11 de Setembro. Este tipo de acontecimento, o Cisne Negro, "reúne três características principais: é imprevisível; produz um enorme impacto; e, após a sua ocorrência, é arquitectada uma explicação que o faz parecer menos aleatório e mais previsível do que é na realidade. O incrível êxito do YouTube é um Cisne Negro, assim como o 11 de Setembro."
Para Taleb, não temos consciência prévia destes fenómenos, dado que os seres humanos estão programados para aprender coisas especificas e não para pensar em generalidades.
Por isso, não conseguimos avaliar claramente as oportunidades, nem somos suficientemente abertos para recompensarmos os que conseguem imaginar o “impossível”. E ninguém deu a menor importância às previsões que chamavam a atenção para o que poderia acontecer.

Mas era fatal que havíamos de entrar na Comunidade Europeia, como era fatal a entrada no euro e, praticamente, ninguém queria ouvir falar de outra possibilidade.
Afinal, não conhecemos os próximos Cisnes Negros. Só temos incerteza. 

23/05/13

Peste emocional


A peste emocional é um doença como outra qualquer apenas com uma diferença: ela manifesta-se essencialmente na vida social.
A peste emocional não é uma classificação depreciativa mas significa que algo não funciona bem no que diz respeito ao carácter do indivíduo. Além disso, como doença ela pode ser tratada .
Mas como acontece com outras doenças é necessário reconhecer a peste emocional em nós mesmos e nos outros e procurarmos ajuda para se poder fazer a terapia.
O mesmo acontece com a sociedade. Se os líderes e os cidadãos soubessem  distinguir os momentos de peste emocional, a humanidade teria menos sofrimento.
Pode em determinados momentos tornar-se epidemia violenta como aconteceu em determinados momentos da história, designadamente em tempos de guerra ou em situações de crise social e económica.
A peste emocional pode também aparecer disfarçada de boas intenções, para ajudar a sociedade mas no fundo ela é como uma erva daninha que invade as interacções vitais das pessoas.
A peste emocional invade todos os sectores de actividade. Hoje até dispõe de uma nova arma, as redes sociais, onde se despreza e se destrói a vida das pessoas, ladrões tentam lixar as contas bancárias dos outros,  impostores enganam  com perfis falsos fazendo-se passar por pessoas que não são ….

Wilhelm Reich (Análise do carácter ) refere as diferenças de carácter genital, neurótico e as reacções da peste emocional * 
O carácter genital corresponde à vida da pessoa saudável. A pessoa saudável não impõe a sua maneira de viver a ninguém, mas cura e ajuda os outros se lhe pedem e se é capaz.
A peste emocional é uma neurose de carácter mas é mais do que isso, isto é, a peste emocional é um comportamento humano que com base numa estrutura de carácter biopática age de uma maneira organizada ou típica em relações inter-humanas , isto é sociais, e em instituições correspondentes."
Ela tem áreas típicas em que é violenta e em que aparece de forma activa: “Misticismo na forma mais destrutiva; sede de autoridade passiva e activa; moralismo; biopatias do sistema nervoso autónomo; politiquice partidária; peste familiar a que chamei familitis; métodos sádicos de educação; tolerância masoquista destes métodos ou revolta criminosa contra eles; bisbilhotice e difamação; burocracia autoritária; ideologias imperialistas de guerra; tudo o que entra no conceito americano de racket (algazarra); criminalidade anti-social; pornografia; agiotagem; ódio racial.”

Pode estar perto de nós ou distante. Em casa, na família, o indivíduo com peste emocional, não tem respeito pelos pais, quebra os laços familiares e rouba nas partilhas, abandona os familiares idosos .
A peste emocional está presente na política. Numa altura como esta em que todas as pessoas, com as suas diferenças, deviam estar a ajudar a sair da situação a que políticas irrealistas nos levaram é confrangedor que a politiquice tenha chegado a este ponto, evidenciam-se os ódios da facção e pessoais que aparecem disfarçados de comentários independentes.
Está no desporto, e designadamente no futebol, onde o clubismo e o insulto não têm fronteiras.
Está na vida sexual, onde à falta de uma vida sexual satisfatória e equilibrada,  a sexualidade é, em geral, sádica e pornográfica, sendo a difamação uma característica da peste emocional.
Está no tráfico de seres humanos, os raptos de crianças, os abusos sexuais e a violência doméstica.
Está na educação onde se responsabilizam as crianças pelos problemas da escola e por isso são necessários métodos autoritários e punitivos.
Está no trabalho onde uma pessoa com peste emocional se promove não pelo seu esforço mas pela  destruição do outro.

Resolver os problemas da crise passa por resolver o problema financeiro e económico mas passa em primeiro lugar por tratarmos esta doença que está a minar a nossa vida social: a peste emocional.


* Diferenças entre o carácter genital , neurótico e peste emocional (breve resumo) 
Carácter genital
Carácter neurótico
Peste emocional
Pensamento
- orienta-se para factos e processos objectivos,
- adapta-se,
- argumentos objectivos
- orienta-se preferencialmente para evitar o desprazer 
- actividade social mais ou menos destruidora da vida
- emoções irracionais invadem o seu pensamento;
-  preconceito

Acção
- motivo objectivo e acção harmonizam-se uns com os outros

- a capacidade de acção é sempre limitada
- inveja acompanhada de ódio mortal a tudo o que é saudável
Sexualidade
- determinada pelas lei naturais
- tem prazer na felicidade sexual dos outros
- vida sexualmente resignada ou dedica-se a actividades perversas secretas
- sexualidade é em geral sádica e pornográfica.
- forte intolerância em questões de sexualidade natural, sendo a difamação  uma  caraterística da peste emocional

Trabalho
- interesse activo pela evolução do processo de trabalho
- limitado no seu trabalho
- incapaz de entusiasmo genuíno
- odeia o trabalho porque o sente como um fardo
- foge de responsabilidades



17/05/13

Nem terceira idade nem cisma grisalho

Habitualmente, falamos de três idades: infância, juventude e velhice e designamos a velhice como 3ª idade.

Shakespeare, de forma cómica e irónica, fala das sete idades do homem: pré-infância, infância, juventude, mocidade, maturidade, velhice e senilidade.
...
Na sexta idade, se enfia em calças e em chinelas simples
Agora, usa óculos, bolsa de lado;
Num mundo muito vasto, as meias juvenis, bem conservadas,
Não são de mais valia para suas pernas agora finas.
Sua voz viril e portentosa
Volta aos sons agudos de criança, agora pia, vira assobio.
Última cena de um desfecho de uma estranha e episódica história:
Volta a ser criança. Vai-se a antiga memória saudável:
Sem dentes, sem visão, sem paladar, sem nada.
Erik Erikson divide a vida das pessoas em oito estádios de desenvolvimento, sendo o oitavo, a partir dos 65 anos, a idade adulta tardia.
Em muitas culturas o velho é considerado uma pessoa enfraquecida na sua saúde e com perda das suas capacidades de realizar um trabalho produtivo.
Mas esta é também a etapa da sabedoria: mais reflexão, mais tolerância e respeito pelos outros e pela sua opinião.

A evolução da sociedade e o aumento da longevidade e da qualidade de vida dos indivíduos, tornaram necessário introduzir, a partir dos 80 anos, um nono estádio (Joan Erikson).
As pessoas que se encontram neste estádio são os anciãos e revivem todos os conflitos anteriores:
É uma idade de enfraquecimento biológico e psicológico. Ficam enfraquecidas a confiança na sua autonomia, a autoestima, as ideias criativas, o sentido de oportunidade e o entusiasmo.
Pode ter um sentimento de incerteza em relação ao seu papel e  estatuto e pode ficar confuso sobre a sua própria identidade.
Pode ter um sentimento de isolamento e a ausência de lembranças, de recordações, de histórias.
Pode sentir-se inútil e ficar desencorajado, cansado e desesperado pela perda de capacidades.

Não é fácil alguém decidir que se reforma e se calhar nunca ninguém está preparado para se reformar. Mas, inexoravelmente, um dia chega o fim do tempo de trabalho.
Num mundo civilizado como o nosso, era espectável que a transição para a reforma fosse mais ou menos natural e pacífica.
Ao contrário, tem vindo a ser um dos assuntos mais discutidos e inquietantes dos últimos tempos.
A reforma não é apenas uma questão económica. A reforma é um processo complexo do ponto de vista do desenvolvimento humano que sofre transformações biológicas, comportamentais, sociais e ambientais profundas.
Creio que podíamos tornar esta transição menos dolorosa de forma a que as palavras exclusão, afastamento, solidão, isolamento, desprezo, indiferença, abandono, inutilidade, insegurança, não se associassem tão facilmente à pessoa reformada.

A reforma insere-se no contexto destas duas etapas da vida. Não são, certamente, os idosos que contribuem para o chamado cisma grisalho. Os reformados têm direito a serem tratados com dignidade e equidade, como os outros grupos etários. Para isso deverá haver apenas uma reforma para cada trabalhador. Deverá haver um único cálculo para a pensão de reforma. Deverá haver apenas uma idade para se adquirir o direito à reforma. Não haverá diferença de tratamento entre reformas públicas e privadas. Deverão terminar as pensões vitalícias...
Assim, talvez os idosos possam ter mais esperança nas novas gerações que chegam ao poder.

08/05/13

Medo dos exames escolares


                                  


Tem-se discutido muito sobre os exames do 4º ano de escolaridade. E ainda bem. Com alguns argumentos com mais interesse do que outros de cariz essencialmente conjuntural, a questão dos exames devia estar para além desta ou de outra governação qualquer. 
O ano passado realizaram-se exames do 6º ano pela primeira vez. Tive oportunidade de falar com alunos de uma turma sobre o que sentiam face aos exames. Assim, quis saber, numa escala de um (não tem qualquer medo) a dez (tem muito medo), como os alunos classificavam o seu medo de fazer exames.
Os resultados apresentaram a média de 6,3. O que quer dizer que os exames são percebidos pelos alunos com algum medo mas que não representa qualquer perturbação. 
Claro que como sempre cada aluno é um caso: nesta turma há alguns alunos (9%), que sentem muito medo dos exames. 
Procurei saber em que é que consiste este medo? O medo pode ser visto em três aspectos: como o pensam, como o sentem e vivem no seu corpo e como são as suas reacções e comportamentos.
De facto, alguns destes medos situam-se a nível do pensamento. Os alunos podem sentir  preocupação, pensamentos ou sentimentos negativos sobre si próprio, insegurança, receio de que se note a ansiedade e do que pensarão se isto acontece. 
Podem ainda sentir, no organismo,  mal-estar no estômago, suor, tremor, tensão, palpitações, aceleração cardíaca. 
E manifestam no seu comportamento movimentos repetitivos (pés, mãos, coçar-se, etc.), comer ou beber em excesso, evitar as situações…
Normalmente os alunos com ansiedade mais elevada significa que manifestam mais medo de fazer exames. 
Mas pode haver diferenças em relação ao que acontece com eles: há alunos em que a ansiedade resulta principalmente do seu pensamento, para outros tem reflexo no seu organismo e outros ainda manifestam essa ansiedade no seu comportamento . 
Portanto,  há alunos que controlam melhor do que outros a ansiedade que sentem e alunos que apresentam características de ansiedade diferentes . 
O medo acompanhou a evolução ajudando certamente à sobrevivência do ser humano e  acompanha toda a a nossa vida.
De facto, não há aqui nada de novo. Todos temos experiência dos exames que fizemos e sempre os enfrentámos com alguma ansiedade. 
Mas o factor pessoal é aqui muito importante. A vivência do medo é diferente de aluno para aluno e depende de muitos factores. 
Os pais e professores podem e devem ajudar a reduzir a ansiedade e os medos seja do exame ou de outra situação. Devem apelar a comportamentos descontraídos, naturais, à real dimensão do valor dos exames em vez de fazerem discursos ansiogénicos. 
Aponta-se perversidades em relação aos exames em geral. E de facto elas existem: empinar, estudar para os exames, confundir avaliação com estes  momentos de avaliação formal...
Para ultrapassar estas dificuldades, podemos usar estratégias de auto-regulação e de auto-eficácia das aprendizagens. A auto-eficácia (Bandura, Zimmerman) é a convicção ou a crença de que sou capaz de realizar uma tarefa ou determinado comportamento porque tenho capacidades e trabalhei para isso. 
É também importante ter um locus de controle interno (Rotter, Levenson), isto é, sentir que sou capaz de controlar a  própria vida e que o sucesso depende mais de mim  do que das circunstâncias externas.
Assim, a avaliação será vista apenas como uma forma de aprendizagem e de auto-regulação da aprendizagem e deixará de ser então uma actividade geradora de grande ansiedade. 
Como, aliás, as crianças demonstraram no exame que acabaram de fazer, parecendo que os adultos, afinal, andam mais ansiosos do que elas. 

02/05/13

Carpe diem

Revista Epicur, nº 11

"As pessoas felizes lembram o passado com gratidão, alegram-se com o presente e encaram o futuro sem medo".
Epicuro

Com a crise, é frequente falar dos “portugueses” como “todos os portugueses”. É frequente ouvir dizer que os portugueses andam tristes e deprimidos ou que o 25 de Abril foi comemorado sem alegria e com uma profunda amargura. Estamos no mundo dos preconceitos, das impressões e do auto-convencimento acerca da personalidade dos portugueses. 
Por alguns estudos que se conhecem, não é fácil saber se os portugueses são mais tristes do que outros povos, embora a ideia convenha à justificação da tese de quem acha que quando estiveram no governo os portugueses eram muito mais felizes.
Ora acontece que a felicidade e o bem-estar também tem a ver com outros factores. Como dizíamos no último programa alguns ainda não entenderam que as diferenças actuais por comparação com as do passado são abissais. Não há comparação das condições actuais com as de há 50 anos. E já havia portugueses felizes nessa altura.
Por outro lado, sabemos que há muitos portugueses que estão a trabalhar bem e a fazer com que a sua vida e a dos seus concidadãos seja melhor. 
Sabemos que é nos países mais desenvolvidos que encontramos taxas elevadas de suicídio. Também sabemos que a felicidade (FIB) não tem uma relação directa com o PIB e que há países em que as pessoas não são mais felizes pelo facto de haver maior riqueza.
O crescimento da riqueza no mundo desenvolvido afectou muito pouco o bem-estar da população e os números crescentes relativos a doenças psicológicas, principalmente depressão em pessoas cada vez mais novas, chamam a atenção para as questões das emoções positivas mas também do empenhamento em actividades com significado na conquista do bem-estar, da realização e da felicidade. (Seligman).
Cada um de nós tem a sua forma de adaptação à vida, a sua filosofia de vida ou arte de viver. A arte de viver aprende-se todos os dias com os sucessos e com os fracassos, com a saúde e com a doença. No “clube dos poetas mortos”, a mensagem é “carpe diem”, vive o teu dia, torna a tua vida extraordinária.
Ser feliz não é aliás apenas não ter sofrimento mas ter objectivos, conseguir realizar um sonho, ter êxito social ou familiar, realizar um projecto e vivê-lo com paixão.
É interessante verificar que tanto no ocidente como no oriente apareceu este pensamento sobre a arte de viver a vida. No ocidente foram os filósofos gregos que desenvolveram este pensamento, no oriente houve um movimento semelhante com os sábios Confúcio, Lao-Tsé e Buda que fundam as três principais espiritualidades da Ásia : confucionismo, o taoísmo e o budismo. (J.-F. Dortier)
Achar o equilíbrio entre a contemplação e a actividade parece ser uma boa maneira de viver: o regresso à convivência com a natureza e evitar o stress que resulta do excesso de actividade ligada aos objectivos e metas de produção. 
Ao contrário do que se diz, há portugueses que procuram o bem-estar mesmo quando há dificuldades e isso depende mais de cada um e da gestão da sua vida do que da gestão que qualquer governo democrático faz do país.
Não podemos dizer que les portugais sont toujours gais mas também não andam todos deprimidos e amargurados…