25/04/24

Abril: "Vemos, ouvimos e lemos"




Sophia de Mello Breyner Andresen escreveu “Cantata da Paz” que Francisco Fanhais musicou. É uma canção que, com os jovens da minha idade, antes e depois de Abril de 1974, cantávamos nos encontros, nas reuniões, nos grupos informais. 
Tanto por cá, como em Madina Mandinga, na Guiné-Bissau, quando estava em missão que a Pátria exigia aos seus jovens, gostávamos de cantar: “vemos, ouvimos e lemos”. E, por mais contraditório que possa parecer, ninguém nos proibia. 

Era um tempo em que as notícias corriam mais lentas do que actualmente. As novidades vinham nos aerogramas que tínhamos que ir buscar a Nova Lamego, em coluna militar, correndo os perigos inerentes à situação de guerra que se vivia. 
As notícias vinham também através da BBC. Já não me lembro bem em que dias mas sei que era à noite, ouvíamos a única fonte informativa credível que transmitia em onda curta. 
Em 16 de Março, tinha acontecido o levantamento das Caldas. Se antes já tínhamos motivos para estarmos atentos às notícias, era agora imperioso ouvir esta rádio. 
Até que em 25 de Abril de 1974, a notícia estava a ser transmitida pela BBC. Tinha havido um golpe militar em Portugal. 

Expectativa, apreensão, alívio, emoção... Com uma ou outra excepção a adesão foi imediata por parte de todos os soldados, sargentos e oficiais, daquela companhia. Na minha memória ficou o registo de nos termos sentido muito felizes. E também com muitas dúvidas: O que se iria passar seguir? A guerra acabava, quando voltávamos para casa? Como seria a desmobilização? 
Apesar das incertezas, o 25 de Abril surgiu, assim, como o dia de todas as palavras bonitas do dicionário. Era o momento em que interessava viver tudo o que era novo e com um futuro esperançoso nas nossas mãos. 

Há 50 anos, nesse dia “inteiro e limpo” (Sophia), em que todos nos revemos e podemos encontrar traços da nossa vida, tudo estava a acontecer:
Não seria mais necessário ter de cumprir o serviço militar obrigatório e ser mobilizado para o Ultramar.
Não seria necessário emigrar a salto para a Europa para ter uma vida melhor.
Finalmente haveria para todos “a paz, o pão, habitação, saúde, educação” (“Liberdade”, de Sérgio Godinho).
Nesse dia ainda não sabíamos que havíamos de ter uma Constituição democrática. E a liberdade e a liberdade de expressão deram neste dia os primeiros passos dos últimos cinquenta anos.
Nesse dia ainda não sabíamos que havíamos de reduzir a taxa de mortalidade infantil para uma das mais baixas da Europa Ocidental, havíamos de reduzir o analfabetismo e aumentar a taxa de escolarização em todos os níveis de ensino.
Havíamos de aumentar a esperança de vida, havíamos de melhorar a assistência na saúde e na segurança social.
Não sabíamos... mas tudo isto aconteceu.

Nesse dia, uma paleta de todas as cores inundou, por dentro e por fora, a vida deste país e Portugal tornou-se “um enorme poema visual” (Ernesto M. Melo e Castro). 
Nesse dia perfeito ainda não sabíamos, como se veria logo a seguir, que era necessário lutar pela liberdade e pela democracia. Como também não sabíamos que havia de ser necessário continuar a cantar: "vemos, ouvimos e lemos".


Até para a semana.




Rádio Castelo Branco

 




18/04/24

Família e identidade

 

Pormenor de um quadro de Jessie Wilcox Smith

1. A família é a coisa mais importante da minha vida e penso que da vida de todas as pessoas. Sem família não existíamos e, sem ela, o meu EU não era como é. Isto é, Eu não seria como sou. Foi com ela que  formei a minha  identidade. 

A família é continuidade: A família onde cresci deu lugar à família onde crescem os meus descendentes. E, assim, ao longo das gerações se vai dando continuidade ao ser humano. A família é este intrincado de relações afectivas que nos ligam uns aos outros e que dão substrato a toda nossa vida relacional.

A família é determinante para a sobrevivência  (veja-se o problema da natalidade) mas também para a saúde física e para a saúde mental de cada um de nós (e, quando disfuncional, também para a doença mental).


2. Por tudo isto, a família sempre foi tema do meu interesse. Quer pessoalmente quer enquanto assunto que não pode ser ignorado na minha profissão (psicólogo). Não se vive sem uma família, quando está presente ou ausente, quando nos trata bem e quando nos trata mal, quando estamos de relações cortadas ou temos grande proximidade, quando somos pequenos ou quando somos adultos, quando sofremos por perdas irreparáveis ou quando há um novo ser que se junta à família. Ninguém pode apagar a sua família da sua consciência ou do seu inconsciente. 


3. As transformações sociais colocam questões como a necessidade de apoio às famílias: segurança social, habitação, prestações pecuniárias, equipamentos sociais e serviços. Nos anos 80 e 90 do séc. passado, as instituições procuravam conhecer melhor as necessidades das várias formas de família e até as designações existentes para essas formas de família, que nalguns casos eram estigmatizadas como no caso das "mães solteiras", vistas logo à partida como um problema social.
Fiz então parte de grupos de trabalho que estudaram algumas dessas necessidades como foi o caso do estudo sobre "Familias monoparentais, atendidas nos Centros regionais de Segurança Social (CRSS), em 1974 e 1981", e do estudo sobre "Famílias reconstituídas", em1989/90.

 

4. Caiu o Carmo e a Trindade porque foi editado um livro, Identidade e família que reproduz a visão de algumas pessoas sobre a família, entre elas algumas ditas ou que se dizem conservadoras.

Vieram imediatamente os chamados “progressistas” e defensores da ideologia de género  criticar não só o livro mas a publicação do livro. Chega mesmo a raiar o discurso de ódio apelidando-os de  chalupas, fascistas... 

Era só o que faltava. Pelos vistos, estas pessoas não têm sequer o direito de poder expressar e publicar  a sua opinião, estejamos ou não de acordo. A democracia e a liberdade não se lhes aplica. 


5. A realidade integra muitas formas de família: Família tradicional, nuclear ou alargada, monoparental ou reconstituída... chamem-lhe o que quiserem. Desde que haja pelo menos uma criança, então há uma família e isso é o que importa.

O que não se compreende é que não haja políticas de família integradas e se deixe chegar a habitação, ou a educação... ao ponto em que está. Deste esquecimento é que deviam ter vergonha.



Até para a semana.

 




Rádio Castelo Branco


 

12/04/24

Traumas e resiliência



Com demasiada frequência, vivemos hoje situações traumáticas como acidentes, violações sexuais, actos criminosos, desastres naturais e catástrofes (incêndios, inundações, sismos, furacões), morte violenta de um familiar/amigo, doença grave/internamento hospitalar... Situações como a pandemia e situações de guerra na Ucrânia, Gaza, etc... são situações traumáticas em que populações inteiras estão sujeitas a trauma.
Perante estas violências podemos sentir choque, ameaça, stress, insegurança, humilhação, vergonha, anulação...
Ou seja, dependendo de cada pessoa, estamos, mais uns do que outros, sujeitos a traumas. As consequências do trauma dependem da reacção de cada pessoa e da sua resiliência.

1. Trauma e situações traumáticas 
Segundo a revista digital Psychology today “Trauma significa literalmente ferida, choque ou lesão. Trauma psicológico é a experiência de sofrimento emocional de uma pessoa resultante de um evento que supera a capacidade de digeri-lo emocionalmente. 
O evento precipitante pode ser uma ocorrência única ou uma série de ocorrências percebidas como gravemente prejudiciais ou potencialmente fatais para si mesmo ou para seus entes queridos.“
De facto, trauma corresponde a um registo, físico e mental, às feridas físicas e psicológicas.

2. Subjectividade
Um indivíduo pode passar por essas situações traumáticas, sem, necessariamente, ficar traumatizado. Os traumas não possuem origem no evento traumático em si. Mas Têm originam a partir da resposta psíquica e do sistema nervoso para o acontecimento negativo, tanto no momento em que ocorreu, como na sequência do acontecimento.
O que é ou não traumático é subjectivo e pessoal. Podemos ter experiências semelhantes às de outras pessoas, mas vivê-las e sermos afectados por elas de forma muito diferente. 
Segundo Sofia Teixeira do Observador ("O que é um trauma? Oito perguntas para entender o choque e o stress pós-traumático ", de 13-8-2023), depois de um evento traumático podem acontecer três coisas: 
- A maioria das pessoas, depois de um período de tempo (horas, dias ou semanas) acaba por superar estas experiências sem ficar com sintomas ou sequelas relevantes;
- Outro grupo de pessoas recupera mas não fica com a situação completamente resolvida. Ao longo da vida, em períodos de maior instabilidade emocional, voltam a ter alguns sintomas de sofrimento psicológico, apesar de não terem critérios para um diagnóstico de perturbação mental;
- Por fim, entre 5% a 8% dos atingidos desenvolve doenças mentais na consequência da exposição ao evento traumático. 
Algumas das perturbações que podem ocorrer são a depressão, o luto prolongado, os comportamentos aditivos, os sintomas psicóticos. E uma doença mental em particular: Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT).

Mas também pode acontecer que haja crescimento pós-traumático, ou seja, pode-se desenvolver um processo em que, depois da vivência de um trauma, a pessoa dá um novo sentido à sua vida. Estas pessoas sentem-se mais maduras, com mais ferramentas para enfrentar a vida, dão menos importância a contrariedades pequenas, mudam as prioridades e, não raras vezes, fazem mudanças positivas, atribuindo essas alterações à experiência intensa e ao sofrimento por que passaram.


Até para a semana.



Rádio Castelo Branco


07/04/24

Em defesa dos direitos da criança


"O que há assim de tão admirável e exemplar na chamada transexualidade para que se pretenda a sua proliferação pelo mundo ocidental e o seu ensino nas escolas portuguesas? Este episódio conta com o testemunho ímpar da jurista Teresa de Melo Ribeiro. Imprescindível." Joana Amaral Dias

04/04/24

O primeiro dente-de-leão





Hoje foi dia de passear com os netos no jardim. Ver as plantas que crescem com a Primavera, por todo o lado, e as flores de todas as cores que nos extasiam os sentidos  e descobrir o dente-de-leão ou parecido porque o que interessa é soprar e ver as sementes voarem para longe... e lembrar Walt Whitman.



O PRIMEIRO DENTE-DE-LEÃO

Singelo, fresco e belo quando brota no fim do Inverno,
Como se nenhum artifício da moda, negócios, política, tivesse um
              dia existido.
Surge do seu soalheiro recanto entre a erva abrigada - inocente,
              dourado, sereno como a aurora,
O primeiro dente-de-leão primaveril que mostra o seu rosto
             confiante.

Walt Whitman

02/04/24

Uma sociedade mais robusta

República Portuguesa (@govpt) / X

Finalmente. A pressa em chegar ao governo obrigou à geringonça. Novidade: pela primeira vez um partido que perdeu as eleições, formou governo (XXI Governo Constitucional, período de governação: 26-11-2015 a 26-10-2019).

A pressa de sair do governo obrigou a deitar fora a maioria absoluta e como resultado das eleições de 10-2-2024, Luís Montenegro tomou posse em 2-4-2024. Há pelo menos um resultado positivo: o malabarismo politico (aquiaqui e aqui...), perdeu vantagem. 

Montenegro pode não durar três meses. As armadilhas deixadas, como a dos cofres cheios, fazem pensar no pior, dado o estado do Estado, e não é difícil adivinhar o que se segue. Mesmo assim, valeu a pena terminar com uma situação governativa completamente desajustada da realidade do país.

Apesar disto tudo, a julgar pelo que se sabe, deve ser realçado o papel positivo, digno e responsável que António Costa mostrou na transição de pastas para o novo governo. 



30/03/24

Envelhecimento e perda de memória


1. A memória é uma capacidade mental extraordinária que nos permite vida autónoma e com qualidade. Mantém-se durante toda a vida ou pode falhar de forma mais maciça ou de forma mais lenta e parcelar. 
O cérebro aprende e memoriza mas também esquece. Em condições normais esquecemos o que não é importante para nós, e, ao longo do tempo, vamos perdendo mesmo as memórias relevantes. Juntamente com outras capacidades a memória vai-se desvanecendo com o passar do tempo. Mas isso faz parte da vida, como ouvi M. Esteves Cardoso dizer numa entrevista (cito de memória ): o tempo (ou a falta de tempo) é o pior que há mas o passar do tempo é o melhor que há porque se não for assim nada acontece, as coisas boas não tinham acontecido e isto é o melhor que tem a velhice: podermos recordar as coisas boas que nos aconteceram...

2. Geralmente, as memórias vão-se desvanecendo com o passar do tempo: “O avô tem uma borracha na cabeça” (Rui Zink). Mas, a menos que aconteça um qualquer traumatismo, nem sempre desaparecem na totalidade de imediato.
Acontece com frequência, momentaneamente, não recordarmos o nome de uma pessoa. Mesmo se familiares e amigas. Da mesma forma acontece com algumas actividades ou até hábitos que de repente desaparecem da nossa memória.

3. Há episódios de perda de memória que nos deixam muito preocupados. Como, por exemplo, o episódio que descrevo a seguir e que pode voltar a acontecer em qualquer altura.
“Hoje levantou-se no seu estado de saúde habitual, tomou banho sem dificuldade de forma autónoma. Pelas 7h30 ao tentar fazer o pequeno-almoço conseguia reconhecer os ingredientes mas não sabia qual a ordem para fazer a mistura queria fazer leite com cereais mas não se lembrava dos passos para o realizar. Sabia que tinha de tomar a medicação mas não sabia quais nem de que forma. Pediu ajuda à mulher que refere que o doente estaria muito ansioso com a situação. A mulher nega alteração da linguagem. Em seguida levou os netos à escola. Dificuldade em abrir a porta do carro não sabia como se fazia. 
Nunca teve episódios prévios semelhantes. Sem alteração da FM ou da sensibilidade. Sem descoordenação. Sem diplopia ou disartria. Nega cefaleia. Sem movimentos involuntários. Sem episódios prévios semelhantes. Sem febre. Sem traumatismos.”

4. Algumas destas situações têm a ver com a perda de capacidade de recordar, com a deterioração cognitiva ligeira, com as demências e as amnésias. Neste caso, após os vários exames necessários, a hipótese de diagnóstico parece ser de amnésia global transitória.
O que é isso, afinal ? 
A amnésia global transitória "é uma amnésia que dura menos de 24 horas e que costuma surgir pela primeira vez entre os 60 e 70 anos. A pessoa mantém-se consciente e orientada, não apresenta alterações sensitivas nem motoras, e a linguagem e o raciocínio estão preservados. O paciente repete constantemente as mesmas perguntas, porque se sente incapaz de criar memórias a curto prazo, dado que a amnésia é anterógrada e afecta o que acontece depois do episódio. Por outro lado, conserva a memória a longo prazo em todas as suas funções." (p.111)

5. Contingências do envelhecimento. Faz parte. Nunca estamos preparados para eventualidades assustadoras mesmo para aquelas que não merecem outra preocupação e isso já é suficientemente tranquilizador.
De resto fica sempre a interrogação sobre o nosso envelhecimento: "E quando for velhinho como é que vai ser? 
"Eu já não vou a tempo. Nem sequer consigo desacelerar. Tenho inveja da tranquilidade com que os meus amigos estão uns com os outros e sinto-me triste por não ser capaz do acto de amizade que tem maior valor: deixar-me estar quieto. Um verdadeiro amigo apenas quer a companhia do outro. O que se faz ou o sítio onde se está é secundário. Não é como eu, sempre aos saltos, a perguntar "Onde é que vamos? O que é que vamos fazer?". Os amigos são mais que companheiros. Deveriam ser "companhia"...
Sou um Ferrari em segunda mão com uma avaria grave na caixa de velocidades: só tenho quinta. Enquanto for novo, consigo arrancar em quinta, dando cabo do meu mecanismo e patinando por toda a parte, até atingir a velocidade de ponta. Mas quando tiver mais uns quilómetros em cima, de nada me servirá ter só a última velocidade. Devagar se vai ao longe. Depressa só dá para dar umas voltas." (Miguel Esteves Cardoso, Independente demente, p. 243-244)



26/03/24

Mãe e Filho: uma relação única

Sinfonietta de Castelo Branco


1. Stabat Mater dolorosa iuxta crucem lacrimosa dum pendebat Filius
    Em pé, a Mãe dolorosa, chorando junto à cruz da qual pendia seu Filho.
...
5. Quis est homo qui non fleret Matri Christi si videret in tanto supplicio?
    Que homem não choraria se visse a Mãe de Cristo em tamanho suplício?

6. Quis non posset contristari Matrem Christi contemplari dolentum cum filio. 
    Quem não se entristeceria ao contemplar a Mãe de Cristo, condoída com seu
    filho?
...


Pergolesi - Stabat mater (soprano e alto) - Les Talens Lyriques








19/03/24

O dia do Pai

 Arquivo: Raffael 017.jpg 

"Sagrada Família" - Rafael (1483-1520)



Todos nós somos filhos e temos pais e muitos de nós somos pais e temos filhos. Trata-se de uma relação em que existe um porque existe o outro. Em que o crescimento de um leva ao crescimento do outro. 
É o nascimento de um filho que faz o nascimento de um pai, ou de uma mãe, e a partir daqui forma-se uma ligação que vai manter-se durante toda a vida, mesmo quando a interação deixa de existir ou quando perturbações psicológicas levam ao afastamento de um e de outro. Pode haver divórcios, o pai e a mãe podem separar-se, mas não há divórcio dos filhos...

Crescer juntos significa que o desenvolvimento, dos filhos e dos pais, se faz dentro de uma família onde se estabelece um vínculo para sempre. Nunca nos desligamos dos filhos e vice-versa, e esta relação sobrevive para além da morte.
Crescer juntos durante toda a vida é uma experiência fantástica que nos faz ver a beleza e a bondade deste mundo, de sentirmos que vale a pena o esforço e a luta de todos os dias e de nunca perder a esperança.
Mas também não devemos esquecer que crescer juntos pode ser doloroso e malsão, pode ser uma experiência terrível e traumática. Há pais que abandonam os filhos, infligem maus tratos e abusos... E também há filhos que abandonam os pais.

D. Antonino Dias, bispo da nossa Diocese, escreveu um texto muito impressivo sobre este dia que gostava de referir.

“Nestes dias em que vamos celebrar São José, o pai adotivo e amantíssimo de Jesus e, a par, celebramos o Dia do Pai, queremos recordar todos os pais que choram amargurados. 
Aqueles que choram, pesarosos, ao reconhecer que não exerceram bem a sua missão de educadores de seus filhos nem foram verdadeiros fomentadores da cultura do amor na sua família e comunidade, mas, arrependidos desta sua atitude, seguem em frente, rezando e colaborando, como agora podem, em prol dum mundo melhor. 
Mas queremos recordar, sobretudo, os pais marginalizados, os pais que vivem sem alegria, sem saúde e sem paz. Recordamos os pais que não conseguem pão para os seus filhos, que vivem sem emprego, sem casa nem condições de habitabilidade. Os pais que veem os seus filhos a morrer por doença, em guerras sem sentido ou são vítimas do vício da droga ou dos sombrios caminhos da violência e do mau viver que abraçam e os destrói.”

Mas também quando os filhos não querem saber dos pais...

“Os pais que se sentem explorados e abandonados pelos seus filhos, em casa, em lares ou hospitais, como se fossem coisas sem valor para arrumar e esquecer. Que a todos, por quem de direito e dever, seja feita justiça, com amor e respeito. Por intermédio de São José, rogamos por todos os pais, sobretudo, pelos que sofrem e choram por não se sentirem respeitados nem amados." (Pais que choram tristes e amargurados)

Por tudo isto, é urgente uma política de família, conforme prevê a nossa Constituição (Artº 67º a 71º da CRP), expressa na importância dos pais na sociedade, na protecção da paternidade e maternidade, na protecção das pessoas com deficiência e na protecção dos idosos.



Boa Páscoa.


 

Rádio Castelo Branco



14/03/24

Manipulação emocional




Costumamos dizer que "é melhor prevenir do que remediar." Mas apesar das campanhas preventivas (p.ex., campanhas contra a violência doméstica) que se vão fazendo, visando melhor informação, conhecimento e mudança de comportamentos, nem sempre os resultados são tão eficazes como seria desejável. 
Em relação à violência no namoro, violência doméstica... a prevenção não parece ter sido suficiente para vermos as estatísticas baixarem, de modo a que possamos dizer que há uma melhoria na sociedade e que vivemos em contextos de vida mais saudáveis...
Mais informação e consciencialização poderão também explicar o aumento de casos denunciados... por isso sem prevenção os resultados seriam ainda piores.

Conhecer melhor estes comportamentos de abuso de poder será uma forma de agirmos com mais eficácia nas intervenções preventivas.
Talvez a questão possa radicar mais fundo na nossa educação e formação da nossa personalidade e no papel que a manipulação aí desempenha.
Então o que é a manipulação e como ela se aprende? "Todos nós desde a mais tenra infância, somos manipulados e aprendemos a manipular." ... "Todos nós temos ideias feitas que herdamos do meio familiar educativo social, e que nunca pomos em causa com raciocínios críticos e racionais.”(A manipulação dos espíritos, A. Dorozynski, p. 9-11)
A manipulação emocional utiliza palavras, gestos, sentimentos para influenciar o outro de forma consciente com o objetivo de conseguir o que se deseja.

O termo Gaslighting talvez seja a melhor forma de traduzir esta situação. Constitui uma forma de abuso e chantagem emocional, manipulando uma pessoa, forçando-a a questionar seus pensamentos, memórias e eventos que ocorrem na sua vida, para ganhar mais poder.
É uma técnica comum a todo o tipo de manipuladores e é um comportamento que, paulatinamente, leva a pessoa a não perceber a pressão a que está sujeita. 
No filme Gaslight (1944), o enredo descreve-nos um homem que inventa situações estranhas, como o desaparecimento de objectos que levam a vítima a pensar que está a enlouquecer, a perder a auto-estima, a sua confiança e segurança, levando à exaustão, acabando por ficar doente.

Como refere a revista Psychology Today, temos que ter em conta que quase todas as pessoa podem “ser susceptíveis a tácticas de manipulação, desde sempre utilizadas por agressores domésticos, ditadores, narcisistas, líderes de seitas, etc.... 
Os manipuladores mais eficazes são frequentemente os mais difíceis de detectar; eles podem ser reconhecidos pelas ações e pelo estado mental em que deixam as suas vítimas.

Como conhecer um manipulador? Normalmente trata-se de pessoas com perturbação de personalidade narcisista e psicopatia. 
Os manipuladores manifestam comportamentos diversos conforme se trata de uma vítima ou de pessoas em geral, de forma a evitarem cair no descrédito social. 
A manipulação pode ser uma táctica utilizada por qualquer pessoa e tem níveis de gravidade diferentes. A manipulação de que falamos aqui é diferente e menos comum do que as manipulações noutras situações.
Também há diferenças entre esta manipulação e narcisismo, Ela pode fazer parte de uma personalidade narcisista, mas não é um traço central da perturbação de personalidade narcisista. 
Então, conhecendo melhor a personalidade destes manipuladores, podemos também estar a prevenir situações de abuso e de perturbação psicológica no futuro. 




Rádio Castelo Branco







10/03/24

Em Quem confio


COMO DE VÓS...
À memória do Papa Pio XII que quis ouvir, moribundo,
                o "Alegretto" da Sétima Sinfonia de Beethoven



Como de Vós, meu Deus, me fio em tudo,
mesmo no mal que consentis que eu faça,
por ser-Vos indiferente, ou não ser mal,
ou ser convosco um bem que eu não conheço,

importa pouco ou nada que em Vós creia,
que Vos invente ou não a fé que eu tenha,
que a própria fé não prove que existis,
ou que existir não seja a Vossa excelência.

Não de existir sois feito, e também não
de ser pensado por quem só confia
em quem lhe fale, em quem o escute ou veja. 

Humildemente sei que em Vós confio,
e mesmo isto o sei pouco ou quase esqueço,
pois que de Vós, meu Deus, me fio em tudo.

11/10/1958
Jorge de Sena, Antologia Poética, Guimarães, p. 111









09/03/24

"Dia de reflexão"

Praia da Manta Rota, Algarve

Manta Rota. Daqui


A procura de sossego merecido, de descanso, esperado durante todo o ano, a mudança de local, de actividades tranquilizadores e de rotinas calmas, apesar dos imprevistos, do trânsito, do estacionamento e de toda a logística afim necessária a férias, foi, este ano, pela Ilha de Tavira, Manta Rota... 
A praia compensa tudo, mesmo o que não funciona em condições, e por isso repetimos todos os anos a mesma dose... E às dez da manhã esperamos pelo tranquilizador pregão do vendedor de bolas de Berlim. 
Das férias deste ano ficou-me na memória o slogan: "É só p'ra dizer que já cheguei", que todas as manhãs despertava os nossos sentidos, como ficou provado por Pavlov, sem querermos saber de dietas, de tamanhos ou de açúcar.

No passadiço de acesso à praia, um encontro inesperado com P. Passos Coelho que, delicadamente, parou, esperou, conversou  e a quem cumprimentei do mesmo modo. Fala-se do tempo, do mar e da ondulação que está perigosa... e faço questão de lhe dizer e agradecer que tenho por ele o respeito e a apreciação do carácter de um político de qualidade e com qualidades. As que foram necessárias e suficientes para tirar o País da bancarrota.

P. Passos Coelho voltou a estar num comício da AD, em 25-2-2024, de apoio a L. Montenegro.
“Mais do que em 2015, o espírito da AD faz-nos recuar a 1979... Nessa altura, Francisco Sá Carneiro ... tinha uma frase muito marcante à época: ‘Portugal era um país em que os velhos não tinham presente e os jovens não tinham futuro.’ A AD que ele criou visava uma confiança e um carácter reformista que o país precisava... Também hoje há problemas sérios que aguardam resolução.... Podemos ter um país melhor do que aquele que está a ser oferecido às pessoas… seja na área da saúde, do ensino, da habitação, da segurança. Lembro-me de uma intervenção que aqui fiz em que disse, em 2016... nós precisamos de ter um país aberto à emigração mas cuidado que precisamos também de ter um país seguro. Na altura o governo fez ouvidos moucos a isso mas na verdade hoje as pessoas sentem uma insegurança que é resultado da falta de investimento e de prioridade que se deu a essas matérias. Não é um acaso...
Se queremos, como foi sempre a nossa alma, reformar alguma coisa para que as coisas mudem então temos de dizer que a nossa proposta é diferente.... se queremos realmente que as coisas mudem, a nossa proposta tem algum arrojo, o de confiar nas pessoas que estão a dirigir e de não querermos ser donos não só da economia, mas do próprio o Estado. Nós somos donos de nós próprios e do nosso futuro.
Está estudado: se mantivermos o perfil destes oito anos, não há jovem qualificado que encontre um futuro em Portugal. Fomos dos primeiros a entrar e não tarda estaremos na cauda da Europa do progresso, do desenvolvimento e do bem-estar. Qualquer dia estaremos todos nivelados por baixo...A AD tem um bom programa económico. É preciso colocá-lo em prática.
A política não é só economia.... há muitas outras coisas que são importantes hoje, há muitas questões políticas que são importantes...
Nas escolas queremos essa liberdade para as pessoas, nas escolas, na saúde, em todo lado...
Foi preciso estar a decorrer uma guerra na Europa para que as pessoas prestassem atenção nas questões de Defesa...
O mais importante de tudo é manter estas duas preocupações: antes de tudo uma capacidade reformista... e abandonar este calculismo. Não há um partido da esquerda que não veja um lobo mau em cada proposta reformista... ponham o Estado ao serviço da sociedade e não o contrário. A segunda coisa que precisamos é de dar uma oportunidade ao país para ser diferente”. (Do discurso de PPCoelho)

P. Passos Coelho só precisava de dizer, como o vendedor de bolas de Berlim: “É só p'ra dizer que já cheguei“.
E seria, só por isso, julgado, pela presença, como também o seria pela ausência, como fizeram, em geral, os OCS (nem vale a pena falar do cartoon obsceno divulgado pela rtp2).
Há escolhas, em relação a estes tempos de calculismo, que por sinal têm origem no mesmo sítio que lhes deu origem: entre o "Não pagamos, que até ficam as pernas a tremer aos banqueiros alemães", e as bolas de Berlim, com ou sem creme, porque já se ouve: "É só p'ra dizer que já cheguei ".





07/03/24

Eu queria falar de amor

 

 

"E se, de repente, um desconhecido lhe oferecer flores, isso é...".
Foi na véspera do dia de namorados, passeávamos no "Passeio verde", continuo a chamar-lhe assim, quando um jovem surgindo do nada, atrás de nós, teve esse gesto simpático e inusitado: ofereceu-nos uma rosa. 
- Mas porquê? - Perguntámos.
- Porque amanhã é dia de... ?
- Namorados. - Respondemos.
- Então é por isso...


De facto, o dia de namorados é, entre nós, no dia de S. Valentim, 14 de Fevereiro, e amanhã, 8 de Março,  é o dia da mulher. 
São dias em que devíamos falar de amor, de paixão, de afecto profundo, entre seres humanos que se escolheram para uma experiência de vida em comum, e talvez menos  das nossas emoções negativas.

Mesmo que para cada um de nós namorar signifique coisas diferentes, podemos tentar uma definição consensual sobre apaixonar-se e namorar: namorar significa a relação afetiva mantida entre duas pessoas que se unem pelo desejo de estarem juntas e partilharem novas experiências. (Wikipedia)

Mas, contrariamente ao que seria de esperar, em que namorar serviria para celebrar o amor, acontece que este relacionamento amoroso é marcado, em muitos mais casos do que seria  expectável, pela violência física, sexual e psicológica. 

Segundo dados da PSP, nos últimos cinco anos foram registadas 9.923 denúncias de violência no namoro, das quais 1.363 em 2023, quer de relações de namoro em curso (916), quer de situações de violência entre ex-namorados (447).
As vítimas são “na maioria do sexo feminino e na faixa etária dos 25 aos 45 anos.”
"Injuriar, ameaçar, ofender, agredir, humilhar, perseguir ou devassar a intimidade são formas dessa violência. 
Verificam-se ainda alguns comportamentos, principalmente entre casais mais jovens, que também se traduzem em situações de violência". “Não nos parece muito natural que queiram controlar o parceiro, o que veste, com quem está… violência psicológica e física, mas a psicológica é a mais comum e é transversal a todas as idades.”, diz a PSP.

Sobre a violência doméstica o RASI (Relatório anual de segurança interna), em relação a 2022, indica-nos que houve 30488 participações de violência doméstica

Um aumento de 3968 casos ou seja 15%.

No distrito de Castelo Branco, o aumento foi de 520 para 645 o que significa um aumento de 24%, portanto, superior à média nacional.

Também sabemos que a grande maioria das vítimas são mulheres, 72,4%.

 

É, por isso, importante, nestes dias comemorativos, continuar a denunciar esta violência e, ao mesmo tempo, continuar a apostar nas medidas de prevenção. 

A começar pelo namoro porque é aí que também se tem a oportunidade de compreender mais profundamente a personalidade de  cada um, de forma a saber o que queremos para a nossa vida e começar a compreender que há coisas que não são naturais nem aceitáveis: principalmente tudo o que tem a ver com o controle do parceiro e dos comportamentos do parceiro, o controle do telemóvel, do que se veste, do que se escolhe, dos amigos... mas é uma forma de manipulação comportamental do outro que não significa amor.

 

 

 

Até para a semana.



Rádio Castelo Branco

 

 

 

29/02/24

Meditar à minha maneira




Cada um de nós pode encontrar a sua maneira de meditar. Às vezes a solução está debaixo dos nossos olhos e nem sempre nos apercebemos de que essa é uma forma de meditação excelente para nós.

Por esta altura da Quaresma acontecem actividades várias um pouco por todo o País  que outra coisa não são que formas de meditação profunda. 

Na nossa cultura, o tempo pede essa reflexão sobre nós próprios, requer a concentração na vida efémera, no sofrimento que nos atormenta mas, por mais atroz que possa ser, também se oferece como forma de superação.

Este é o tempo, quando pensamos nesta vida, que nos traz momentos de felicidade mas que nos alerta para todo o background que marca a nossa existência, a começar pelo sofrimento psíquico, medo, tristeza, stress,  irritações e injustiças...

 

Então é possível procurar momentos de serenidade,  paz,  segurança, o conforto comigo próprio, que se não for felicidade não deixa de ser um estado verdadeiramente tranquilo em que "nada me perturba, nada me espanta" (Sta Teresa D' Ávila), nada interfere na minha vida .  

Os benefícios da meditação são verificáveis na medida em que as pessoas que a praticam são mais felizes e vivem mais satisfeitas do que a média. E isto é muito importante para a sua saúde:

- Reduz as perturbações  mentais como a ansiedade, a depressão e a irritabilidade

- Melhora as relações interpessoais

- Ajuda no impacto que podem ter doenças graves na nossa vida como a dor crónica... etc.

 

É necessário desfazer alguns mitos:

- A meditação não é uma religião embora muitas pessoas que a praticam possam ser  religiosas

- Podemos meditar em qualquer lado e em qualquer posição. Para praticar, não é necessário sentar-se numa posição especial ou respirar de maneira específica.

- E, muito importante, “a meditação não é  aceitar o inaceitável. É ver o mundo com maior clareza permitindo-lhe agir de forma mais sábia e fundamentada e mudar aquilo que precisa de ser mudado.”(Williams, M. e Penman, D. - Mindfulness - Atenção plena, Lua de papel, p.16)

 

A “Ladainha” e o “Terço cantado” são manifestações de meditação que se realizam em S. Miguel d’ Acha e que são levadas a efeito todas as 5.as e 6.as feiras da Quaresma. *

Rezar e meditar não são a mesma coisa mas têm uma ligação muito forte, podendo até ser assimiladas uma à outra.

Podemos dar a esta forma de meditar a designação de Meditação  guiada ou Meditação cantada. O mantra “Rogai por nós” ou a repetição do "Pai nosso", p.ex., levam-nos, como refere John Main, para “um modo de oração profunda que nos encaminhará para a experiência da união, longe das distracções superficiais e da autocomiseração.“

 

“O fundamental é exercitar a focalização da mente num ponto, num objeto, pensamento ou atividade em particular, visando alcançar um estado de clareza mental e emocional.“  (Meditação cristã: como surgiu e como praticar)

Como tal, também o fundamento da meditação cristã é contemplar diferentes aspectos da vida de um Ser exemplar que se oferece como modelo para a nossa vida. 

Esta possibilidade está à disposição de quem quiser meditar durante 30 minutos às 5.as feiras e durante uma 1H30 às 6.as feiras durante o tempo da Quaresma.

 

 

Até para a semana.

 

 



Rádio Castelo Branco 

23/02/24

Eleições, internet e mentiras


A mentira parece estar na ordem do dia. Daí a necessidade de polígrafos e de programas de fact-checking, em que "caiu" a comunicação social que após uma qualquer informação, vem imediatamente repor a sua verdade à sua audiência... 
Ninguém confia em ninguém. E o que é mais estranho ainda, é que nem sequer podemos confiar em nós porque mentimos a nós próprios e é sempre mais difícil aceitar a verdade quando nos envolve a nós ou a pessoas da nossa família.
Gostamos até de ser enganados pelos mágicos que nos deixam estupefactos quando tiram o coelho da cartola.

Contamos mentiras o tempo todo. Um estudo de 2002 realizado pelo psicólogo Robert Feldman, descobriu que 60% das pessoas mentiram pelo menos uma vez durante uma conversa de 10 minutos, contando em média duas a três mentiras. 

A tendência para mentir está profundamente enraizada na nossa história evolutiva, como acontece com outros primatas.

As crianças adquirem esse comportamento de prever o pensamento da outra pessoa entre as idades de dois e cinco anos, e isso é visto como um marco no desenvolvimento cognitivo (teoria da mente).

 

Muitas mentiras são triviais e cordiais. As mentiras do quotidiano ou pelo menos as falsidades fazem parte da conversa consumatória que todos usamos e das quais não vem grande mal ao mundo por causa disso, desde mentiras gentis (“estás mais magra!” ou “estás com óptimo aspecto!" ou  "tens um cabelo bonito”) a algumas mentiras que fazem parte das nossas rotinas e na sua maioria são de autoprotecção e inconsequentes (“estou a caminho”, “estou quase a chegar”, “havia um acidente  na estrada”)...

 

Mas há mentiras  sinistras, como acusar falsamente alguém de um crime ou mentir aos investidores, que podem ter consequências devastadoras. 

Acontece também, por exemplo, com a mentira manipuladora na violência doméstica (gaslight)

 Acontece com golpistas e trafulhas da Internet: com o “Olá mãe, olá pai “ ou que vasculham as contas dos outros ou os roubos de identidade...
A mentira às vezes envolve um currículo inteiro em que se inventam factos que nunca aconteceram ou que não aconteceram com aquela pessoa.

Outras vezes é a omissão de dados e factos nos documentos que se apresentam nas instâncias que controlam e regulam o funcionamento dos políticos nas democracias.


Num tempo como este de eleições nas democracias (1) podemos estar cientes de que circulam (propaganda) todo o tipo de mentiras.
A começar nas promessas enganosas que praticamente todos os candidatos fazem.
E de desmentidos. Aquilo que não era possível fazer antes, passa miraculosamente a fazer parte das obras realizáveis. Não importa onde se vai buscar o dinheiro. A “finite pie” parece ser infinita e tudo é realizável ou passa a ser. Quanto maiores as promessas maior a entropia das explicações.

Mas... o ser humano reage fortemente à desonestidade. A desonestidade coloca o cérebro em estado de alerta intensificado, e esse stress aumenta com a magnitude da mentira. (2)
Por isso, a prazo, a mentira nunca compensa....


Até para a semana.
 

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(1) Já que nas ditaduras  a mentira é a verdade.


(2) Mentir provoca alterações psicofisiológicas: na respiração, nos batimentos cardíacos, começar a suar, a boca fica seca e a voz pode alterar. Alguns desses efeitos são registados no clássico teste do detector de mentiras (polígrafo, máquina da verdade). Ainda assim, pode haver quem minta ao detector de mentiras.





Rádio Castelo Branco





09/02/24

Educação – o maior tesouro


Pais e educadores, às vezes, sentimo-nos perdidos com tanta informação sobre a educação das crianças e sobre a melhor educação tendo em vista o seu futuro.
Choque do Futuro, um livro de Alvin Toffler, já com mais de 50 anos alertava para o desconforto que poderíamos sentir em virtude da evolução tecnológica e social que estava a acontecer e que se acentuava cada vez mais e também dos desafios daí resultantes que se verificavam em todos os campos da actividade humana. 
Na verdade, nem tudo o que se diz "progresso" é positivo, e, na verdade nem tudo é possível ser previsto havendo sempre a possibilidade de aparecerem cisnes negros na nossa vida. (N. Nicholas Taleb)
Alvin Toffler alertava: “O analfabeto do século XXI não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender.” (1)
No meio de tanta informação, a tarefa de educar na sala de aula e na escola parece que não evoluiu assim tanto. 

O processo de aprendizagem nalguns casos continua baseado na coerção, no medo, na obrigação fazendo com que formemos jovens que possuem desconfiança e desprazer com o ato de estudar. E aqui e ali surgem alguns (maus) exemplos...

Jacques Delors, recentemente falecido (27-12-2023), foi Presidente da Comissão Europeia entre 1985 e 1995.
Quero recordá-lo aqui, pelo mérito de ter presidido à Comissão que produziu o relatório sob a forma de livro: Educação - Um tesouro a descobrir. (2)
O título do Relatório é uma referência à fábula de Esopo (ou La Fontaine): O Lavrador e seus filhos, que nos mostra que o trabalho de preparar o terreno, semear e plantar é o verdadeiro tesouro que mais tarde vamos descobrir.
A educação para Jacques Delors baseia-se em em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser (Capítulo 4).
• Aprender a conhecer, combinando cultura geral, ampla, com a possibilidade de estudar, em profundidade, alguns assuntos.
• Aprender a fazer, adquirir uma qualificação profissional, sendo apto a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. 
• Aprender a conviver, desenvolvendo a compreensão do outro e a percep­ção das interdependências – projetos comuns, gerir conflitos – no respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz.
• Aprender a ser, para desenvolver, o melhor possível, a personalidade e estar em condições de agir com uma capacidade cada vez maior de auto­nomia, discernimento e responsabilidade pessoal. Com essa finalidade,a educação deve levar em consideração todas as potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar­.

O conceito de educação ao longo da vida é a chave que abre as portas do século XXI (Capítulo 5);  ele elimina a distinção tradicional entre educação formal inicial e educação permanente. Além disso, converge em direção a outro conceito, proposto com frequência: o da “sociedade educativa” ("The Learning Society") na qual tudo pode ser uma oportunidade para aprender e desenvolver os talentos. (3)
Nesta perspectiva, a educação permanente é concebida como atualização, reciclagem e conversão, além da promoção profissional, dos adultos.  
Deve  abrir as possibilidades da educação a todos, com vários objetivos: oferecer uma segunda ou terceira oportunidade; dar resposta à sede de conhe­cimento, de beleza ou de superação de si mesmo; ou, ainda, aprimorar e ampliar as formações estritamente associadas às exigências da vida profissional, incluindo as formações práticas.

Em suma, para Jacques Delors, a educação ao longo da vida, é aprender a aprender, é tirar proveito de todas as oportunidades oferecidas por essa “sociedade educativa”.


Até para a semana


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(1)  A frase é de Herbert Gerjuoy. Reflexão para ler e criticar sobre o que é aprender, desaprender e reaprender
(2) A Conferência Geral da UNESCO, em novembro de 1991, convidou o Diretor Geral “a convocar uma Comissão Internacional para refletir sobre a educação e a aprendizagem no século XXI”. Assim, Federico Mayor solicitou a Jacques Delors para assumir a presidência dessa Comissão, que reuniu outras 14 personalidades de todas as regiões do mundo, oriundas de diversos horizontes culturais e profissionais. A Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI foi criada oficialmente no início de 1993.
(3) "A formação ao longo da vida, como categoria enquadradora de uma nova forma de conceber as relações entre a educação, a escola e a sociedade, (sublinhado meu) se, por um lado, radica em necessidades pragmáticas das sociedades a que urge responder mais adequadamente, por outro implica a reconceptualização do papel da instituição escolar e, consequentemente, o reexame das grandes metas de educação escolar no mundo atual."  Maria do Céu Roldão, "A educação básica numa perspetiva de formação ao longo da vida",  Inovação - Educação e Formação ao longo da vida, Vol. 9, nº 3, 1996, p. 211.






Rádio Castelo Branco