26/01/20

Municipalização da educação 2




Na sequência da legislação da Assembleia da República e do Governo, como falámos (escrevemos) aqui na semana passada, (1) foi publicado o Despacho n.º 203-A/2020, de 7/1/2020 que homologou a lista nominativa de trabalhadores que transitaram para o mapa de pessoal dos Municípios.
A opção de descentralização/municipalização é segundo o primeiro-ministro A. Costa a "grande reforma do Estado da legislatura".
Porém, esta “grande reforma do Estado da legislatura” vai contra a opinião de muitos portugueses. (2)
Podemos questionar: Quais são as vantagens desta municipalização? Segundo a minha experiência, nenhumas. Nem para os trabalhadores nem para os municípios.
Um exemplo. Também eu fui descentralizado e municipalizado! Fui psicólogo escolar durante 24 anos (no CAE e no SPO da Escola Afonso de Paiva). Em 2009, os técnicos superiores, assistentes operacionais e assistentes técnicos, passaram para a autarquia de Castelo Branco.(4) E o que aconteceu em termos de organização e gestão? Rigorosamente nada. Ou melhor, houve apenas uma diferença: o vencimento que era pago pelo Ministério da educação passou a ser pago pelo Município.
Isto é uma falsa descentralização.
No entanto, haveria muito a fazer nos Serviços de Psicologia e Orientação (SPO) em termos de organização, gestão, supervisão...

Outro exemplo, neste caso do ensino superior. A ESGIN (Escola Superior de Gestão de Idanha-a-Nova) tem actualmente autonomia financeira e administrativa, cientifica, e pedagógica. Pretende-se agora acabar com essa autonomia, com fundamento num processo de reestruturação que não é outra coisa que uma forma de centralização.

Para fazer sentido, a descentralização da educação mesmo que através da municipalização deve:
- ter que ser um processo de policentrar o sistema social;
- reduzir assimetrias: geográficas, educacionais, económicas, sociais, culturais, etc; (3)
- ter em conta a autonomia das instituições educativas: organização e gestão de recursos financeiros, recursos humanos, autonomia cientifica e pedagógica;
- ser contextualizada como fazendo parte de uma reforma global da educação;
- Ter, no final, de corresponder a menos estado e menos governo.

Esta descentralização/municipalização não pode ser uma forma encapotada de alternativa à regionalização que foi rejeitada em referendo pelos portugueses. (4)
António Barreto a propósito do Orçamento de estado para 2020 refere: "Sem que se perceba, neste orçamento continua indigitado o caminho para a regionalização. Com as invenções de Costa e Cabrita, não se chama regionalização, chamar-se-á outra coisa qualquer. Talvez descentralização. Não se criarão regiões, mas entidades. Não se farão eleições, mas serão eleitos uns representantes para fazer companhia a uns nomeados: não serão uma coisa nem outra. Tudo será feito para evitar o veto do Presidente da República e para afastar a hipótese de referendo. Mas é este o mais intenso programa com o qual o PS pretende criar um Estado à sua imagem."

Apesar de todas as provas em contrário, quero acreditar que poderá haver uma forma honesta e não inquinada de descentralização.
Costumamos dar o exemplo da Finlândia como um dos melhores sistemas educativos do mundo. Então o que o caracteriza ? Onde está o segredo do seu sucesso ? (5)
Dois princípios básicos: na Finlândia o sistema educativo é uma prioridade nacional e opera com base na confiança.
- um currículo amplo, abrangendo o ensino da música, da arte e de, pelo menos, duas línguas estrangeiras.
- aposta na formação dos docentes, a quem é exigido o mestrado até para os educadores do ensino básico.
- número limitado de vagas nos cursos de formação de professores que garante que apenas os melhores conseguem aceder à profissão
- A contratação de professores é da responsabilidade das autoridades locais.

Tudo isto na Finlândia, mas, infelizmente, não existe entre nós… (6)

_______________________________________
(1) Municipalização da educação.
(2) No caso da educação a municipalização vai, certamente, contra a vontade dos professores e dos seus sindicatos. Talvez por isso, os professores não estão incluídos neste despacho.
Por ex.: Não à municipalização da educação em três pontos.
A atitude dos profissionais, designadamente dos professores, não pode ser vista apenas como um problema de resistência à mudança mas como resultado das experiências que vão tendo e que (n)os levam a desacreditar e desconfiar destas medidas: O caso dos 9A4M2D é paradigmático, as promessas não cumpridas, o não dito ou implícito, o angariar mais clientelas, o nepotismo, aumentando a despesa onde o voto flui mais certeiro…
(3) As assimetrias entre municípios diferentes a vários níveis, económico, serviços de saúde, ensino universitário… vão certamente continuar e até aumentar com este processo de municipalização.
No fim de contas não será uma medida política que deixará tudo pior? Não seria prioritário corrigir assimetrias actuais? A regionalização não irá manter e até acentuar essas assimetrias ?
A experiência de New Jersey (J.P. Ferreira, "Municipalização do ensino? E se visitássemos Trenton Road?") merece reflexão. O custo de um aluno numa zona mais pobre é menos de um quarto de uma zona mais rica.
Por outro lado, transferir competências por decreto-lei não é a parte mais fácil? É que descentralizar a sério significa redistribuição do poder e dos recursos de autoridade. Ou seja, dar autonomia ao sistema educativo. E, verdadeiramente, o poder central esta disposto a perder estas grandes formas de controlo do estado?
(4) Pior a emenda do que o soneto: Há presidentes de câmara que não aceitam a descentralização/municipalização proposta agora porque querem a regionalização.
(5) Municipalização da educação - Resistir e mudar, pag 70.
(6) Seria demasiado fácil fazer cópias de sistemas e subsistemas que noutros países obtêm bons resultados. Mesmo no caso da Finlândia não se trata de uma reforma "concluída". As reformas são sempre necessárias, tendo em conta as mudanças da sociedade.
Por outro lado, é necessário ter criatividade para fazer uma reforma "à nossa maneira", com os resultados semelhantes ou melhores. O benchmarking é útil mas tem de resultar da nossa capacidade de adaptação.
Além disso, não terão as escolas ou os agrupamentos de escolas capacidade para organizar e gerir concursos de pessoal e de logística ?




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