A desertificação, o despovoamento e o abandono do chamado “interior” tem vindo a ser concretizado desde há muito tempo pelos diferentes governos que nos têm desgovernado.
Mas “agora sim , damos a volta a isto”*, como diz a canção dos Deolinda.
Temos o maior governo da democracia que soma cerca de 70 ministros e secretários de estado para todos os gostos mas principalmente para combaterem a desertificação e o abandono:
Ministra da coesão territorial, Secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território, Secretário de Estado Adjunto e do Desenvolvimento Regional, Secretária de Estado da Valorização do Interior, Secretário de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural.
John Steinbeck em “Vinhas da ira”, dá-nos um retrato do sonho americano desfeito e sem esperança. Conta a história de uma família (Joad), que parte do Oklahoma em direcção à Califórnia em busca desse sonho, que como muitas outras famílias, após a Grande Depressão de 1929, as fracas condições económicas, as intempéries, a incapacidade de pagar os empréstimos aos bancos... tem que deixar as suas cidades, as suas quintas em busca de algo melhor.
Fogem pela mítica Route 66 **, até à Califórnia em busca de trabalho e de melhores salários onde, afinal, o afluxo de muitos trabalhadores não lhes vai permitir melhorar a situação.
Manhattan Transfer - ROUTE 66
Esta mesma estrada é um dos assuntos centrais do filme Cars, da Pixar (2006) , que é muito mais do que um filme para crianças, e da cidade fictícia de Radiator Springs simbolizando vários lugares reais da histórica Route 66.
Uma excelente imagem da desertificação após a construção da Interstate 40 porque Radiator Springs deixou de ser passagem obrigatória para todos os que utilizavam a Route 66 e levou a cidade, onde Faísca McQueen foi “cair”, ao abandono e ao marasmo.
Por cá temos a EN2 com 738,5 quilómetros *** que o escritor Afonso Reis Cabral (Ler, p. 116-127) percorreu a pé. Sendo a estrada nacional com mais longo percurso, torna-se fascinante percorrê-la, visitando o Portugal profundo: 11 distritos, 8 províncias, 4 serras, 11 rios e 32 concelhos.
Talvez inspirado por esta “aventura”, o sr. primeiro ministro não quis deixar de fazer campanha eleitoral à conta da EN 2.
"Estamos brevemente a iniciar uma nova etapa na caminhada que iniciámos há quatro anos. E sempre que se inicia uma nova etapa é bom voltar ao quilómetro zero para ganhar inspiração para o que há a fazer nos quilómetros a seguir", afirmou António Costa, que hoje dedicou o dia à EN2, que atravessa o país entre Chaves e Faro, recusando-se a falar sobre outros assuntos da atualidade nacional.
... O também primeiro-ministro elogiou o projeto da Rota da N2, lançado em 2014, e disse que é "preciso relembrar que há mais país para além do país" que se vê "nas áreas de serviço"...
Como nas Vinhas da ira, como em Cars, o progresso conseguido não é definitivo. As autoestradas têm este reverso da medalha, a desertificação dos locais por onde passava a antiga estrada com curvas e contracurvas mas com tempo para apreciar a beleza da paisagem, e a falta de contrapartidas para as populações locais.
Por outro lado, o desenvolvimento passa pela coesão territorial, pelo equilíbrio inter-regional e local, passa pela manutenção das infraestruturas no seu conjunto nacional em todos os sectores, em todas as cidades, vilas e aldeias. De contrário, não há Eldorado que nos valha.
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* António Costa arranca com iniciativa "Governo mais próximo" em Bragança
**A Route 66 é uma rodovia histórica que foi construída na década de 1920 e atravessava sete estados dos EUA (Illinois, Missouri, Kansas, Oklahoma, Texas, Novo México, Arizona e Califórnia) com um percurso de 3.940 km. Em 1985 foi substituída pela Interstate 40.
*** É a terceira mais extensa estrada nacional de todo o Mundo, apenas superada pela Route 66 (3.939 quilómetros), nos Estados Unidos, e a Ruta Nacional 40 (5.194 quilómetros), na Argentina.
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