22/09/23

"A ilusão da eutanásia"


Faço uma longa citação do artigo do Dr. A. Lourenço Marques "Ilusão da eutanásia - Sobre as más condições em que geralmente se morre em Portugal, há um panorama trágico que urge ultrapassar", que de preferência deve ser lido na íntegra em Reconquista, 21-9-2023.

"...Deixar a morte natural acontecer - estando presentes, solidariamente, em tudo o que isto tem de significado, e cuidando - já pode ter outro sentido. Esta última opção é uma via que tem as marcas da ciência e do humanismo. Verdadeiramente, nestas situações, a aplicação da Medicina, no estado atual da Arte, com o mesmo vigor e empenho com que se aplica quando se pretende o resultado da cura que é viável, pode ter uma resposta positiva do ponto de vista humano. Porque a Medicina é ampla. Com uma história muito antiga, está em permanente progresso, e chegou, hoje, a importantes conquistas que contribuem substancialmente para a melhoria da vida das pessoas que adoecem, e em qualquer fase da doença: curando, quando é possível; aliviando, que é um imperativo; e sempre confortando. A medicina vai até ao fim. A especialidade dos Cuidados Paliativos, os cuidados específicos no sofrimento das pessoas com doenças que determinam a morte natural, assumiu a envergadura de qualquer outra especialidade médica. Só que, na nossa organização, em Portugal, predominantemente arquitetada para a doença aguda, o cuidado apropriado do tempo do fim da vida com doença crónica (período variável) tem penetrado com muita dificuldade. A avaliação disponível que temos, é que num universo de cerca de 90 mil pessoas, necessitadas de Cuidados Paliativos, que morrem, anualmente, entre nós, menos de 30 mil têm acesso aos cuidados indicados pela Arte. Pensemos, por exemplo, que de todos os doentes com indicação para cuidados intensivos, em Portugal, só 30% teriam acesso! Seria um sonoro escândalo! 
Em meados do século passado, os Cuidados Paliativos começaram no Reino Unido. No mesmo país, cerca de 20 anos depois, em 1987, ganharam o estatuto de especialidade médica. 
Portugal está atrasado. A primeira iniciativa concretizada com internamento para doentes terminais com cancro, data de 1992, no Hospital do Fundão. Portanto, 25 anos depois do pioneiro Reino Unido. O percurso, cá, cheio de embaraços. E só em 2014, a Ordem dos Médicos concluiu o primeiro passo do reconhecimento profissional, que foi a atribuição do grau de competência médica à Medicina Paliativa. Ora, sabendo que a Lei da Eutanásia é feita para um país em que esta condição básica, que é a universalidade do acesso aos Cuidados Paliativos, não está cumprida, tenho o direito de julgar que essa Lei é inoportuna. E mais. Acho mesmo que cria a ilusão de que estamos no caminho certo da solução do sofrimento dos doentes, com doenças incuráveis, que se aproximam da morte, quando, na realidade, de tudo o resto (que está universalmente consensualizado) para responder a esta questão, estão arredados, grosso modo, dois terços dos potenciais candidatos. Do meu ponto de vista, o meio político dominante tem dado ares de não ter convicções sobre o que verdadeiramente está em causa. Lamento!"






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