28/09/21

Reformar e investir em educação 2

Esperança - a árvore frágil...


Alguns autores inspiradores para a nossa vida podem também iluminar um programa de educação estruturante para o futuro. Ajudam-nos a estabelecer um rumo, a ser vento e não andar ao sabor dele, ou seja, de modas atrabiliárias resultantes das agendas políticas e ideológicas dos governos actuais e dos que aí vêm, ou de facções modistas curriculares que não reflectem o que a sociedade precisa para os seus cidadãos: uns dias é área-escola, outros educação sexual, outros ainda cidadania e desenvolvimento, outros AEC e escola a tempo inteiro... um dia são objectivos e, no outro, competências...

Como aqui referi, uma reflexão possível, a partir da psicologia e pediatria, e de muitos modelos pedagógicos ou psicopedagógicos - convém conhecer Montessori, Freinet, Makarenko, Fröbel, Rogers, Piaget, Kohlberg, D. Rose... - integra três perspectivas: aprender numa escola inclusiva que educa para o bem-estar e para um mundo melhor, baseada numa cultura de educação diversa e plural, democrática e livre, igual e justa.

A escolarização continua a ser o processo mais comum de educação das crianças. Não ignorando formas alternativas que podem existir (ou mesmo a desescolarização), a maioria das famílias continua a querer os seus filhos na escola. E de facto, na escola reside a grande diferença em relação ao futuro pessoal de cada aluno e ao futuro da sociedade. Não podemos esperar uma sociedade desenvolvida sem o trabalho educativo de excelência desenvolvido nas escolas, não podemos esperar cidadãos responsáveis sem as aprendizagens humanísticas, técnicas e científicas efectuadas nas escolas. A escolarização continua a ser responsável pela definição do futuro.
É por isso que se ainda há lugares sagrados neste mundo, a escola devia ser um desses lugares, como ouvia dizer ao Prof. António Frade (Cousas e Lousas). A escola devia ser poupada à violência, ao bullying, mas também devíamos poupar os alunos e as famílias aos caprichos curriculares e à intrusão nas competências das famílias.

O que aconteceu para que a escola, principalmente nas sociedades democráticas, seja o lugar que é hoje? Se a escola é o centro da esperança no futuro também, ao mesmo tempo, é o sítio das desilusões de quem trabalha na educação, desmotivado e em burnout, o sítio das "mágoas da escola" (Pennac) de quem a frequenta.
Esta difícil situação deve ter em conta que os pais devem ter um papel na educação dos filhos, é uma questão fundamental em qualquer projecto educativo. Porém, isto não significa que os pais sejam intrusivos ou possam invadir a escola com a violência que conhecemos em algumas situações chegando à agressão física de professores. 
Outra coisa é o papel dos pais que desde logo devem ter a possibilidade de escolher o projecto educativo (currículo) mais adequado para os filhos. Com raras excepções, a educação é uma prioridade das famílias e muitos pais sabem qual é o seu papel na educação e instrução dos filhos, em colaboração com a escola e professores.
Para atingir estes objectivos, uma reforma concreta, uma reforma das pequenas coisas, teria em conta a realização dos seguintes aspectos críticos.

1. Consolidação do sistema educativo
Há legislação a mais sobre a educação e a escola. Por isso, uma das medidas fundamentais é  legislar apenas o essencial para o sistema. Isto significa legislar menos e nos timings certos de forma a não criar disfuncionamentos e dificuldades de adaptação dos professores, pais e alunos, em cada ano lectivo que se inicia...
Aplicar a legislação em vigor e avaliar periodicamente, a longo termo, a sua eficácia.
Avaliar os projectos educativos, curriculares ou outros de cada escola.
O estado deve limitar-se, o que é muito, ao papel de gerir o sector educativo estatal e regular todo o sistema educativo.

2. Articulação do sistema educativo 
Necessidade de um sistema coerente entre os vários sectores ou subsistemas: estatal, privado, cooperativo e social e entre várias modalidades de repostas/valências educativas e terapêuticas...
Repor, na medida do possível, e alargar, os contratos de associação nas localidades onde se justificam.
Regular a articulação com o sector privado, social e cooperativo, de forma a que os resultados sejam idênticos ou melhores que no sector estatal, como têm sido, basta ver os rankings dos exames, e  sejam menos dispendiosos para o estado. 
Esta rede educativa pode ter as vantagens que apenas um sector não tem: a liberdade de ensinar e de aprender. 
A concorrência entre projectos educativos das escolas estatais  e privadas, pode criar opções de escolha às famílias e aos alunos, pode desempenhar um papel importante na redução de despesa do estado quer através de contratos de associação quer através de encargos das famílias que o estado deixa de ter com a educação.
No sector estatal, promover o desenvolvimento dos projectos de autonomia das escolas.

3. Estabilização dos recursos humanos
Negociar com os sindicatos de professores o tempo de serviço de  9 A 4 M 2 D: as formas possíveis de gestão deste tempo efectuado pelos professores e que de forma nenhuma lhes pode ser sonegado.
Alterar o sistema de recrutamento e selecção de professores: terminar com a centralização dos concursos, com benefício para a redução da deslocação de professores, contra o centralismo educativo saloio e provinciano do ministério da educação: concursos de professores, parque escolar...
Número limite de turmas/professor. Não faz sentido que um professor possa leccionar 500 alunos, como um professor de TIC, por exemplo, uma vez por semana...
Técnicos especializados: psicólogos, terapeutas da fala, intérpretes de LGP, formadores/prof de LGP - eliminação da precariedade e entrada no quadro após 3 anos de serviço efectivo.
A gestão estratégica dos recursos humanos da educação passa por um "Programa de rejuvenescimento do corpo docente", proposto  por António Costa Silva, com o qual estou de acordo (Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030)

4. Avaliação das aprendizagens
Terminar com a actual periodização da avaliação, passando de três períodos de avaliação sumativa, para dois períodos, correspondentes a dois semestres, como acontece no ensino superior.
Repor a avaliação sumativa externa no final do 4º ano e 6º ano e acabar com a avaliação aferida no 3º e no 5º.
Definir o peso efectivo dessa avaliação externa no conjunto da avaliação contínua e interna.
Realizar uma prova aferida externa no final do 2º ano lectivo que terá como objectivo a avaliação das dificuldades individuais dos alunos na leitura, escrita e cálculo. Face aos resultados, cada escola deve desencadear o processo de apoios educativos e outros de que o aluno necessita para poder ultrapassar dificuldades detectadas.

5. Estabilização e autonomia do Currículo 
O currículo nacional deve merecer uma atenção especial como, aliás, tem sido dada a língua portuguesa e matemática. 
Do currículo nacional deve fazer parte uma disciplina de música para todos os alunos do ensino básico.
Além disso, os alunos terão ainda a possibilidade de optar por clubes ou projectos artísticos ou desportivos.
Com esta opção termina a obrigatoriedade da frequência da "disciplina" de "cidadania e desenvolvimento". E as actividades circum-escolares estarão organizadas em clubes e ou projectos, de iniciativa da escola, e de acordo com os interesses dos alunos, no campo do desporto, artes e cultura, de acordo com os grupos disciplinares e tendo em conta o contexto cultural em que a escola se insere, substituindo as actuais AEC. 
As  alterações curriculares devem sempre ser sujeitas a um processo de avaliação do currículo em vigor e dos projectos desenvolvidos
Reposição da "educação vocacional". Avaliar a experiência efectuada (Ramiro Marques). Manter com alterações, se necessário, resultantes dessa avaliação. Seria preferível designar esta modalidade de educação de "Preparação para a formação profissional".
Definir a idade mínima de 13/14 anos para a integração nestes cursos. Isto significa que  seriam abrangidos alunos com duas ou mais retenções no 2º ciclo.
Estes alunos devem antecipadamente participar em projectos de OEP.
O projecto deverá ser alargado progressivamente a todo o país.

6. Redefinição da intervenção da ASE  
Os livros escolares serão gratuitos para todos os alunos. Não se compreende porque ficaram excluídos os alunos das escolas com contrato de associação  e escolas profissionais para além do ensino privado.
Os livros escolares ficam na escola acabando com o transporte quotidiano de peso exagerado nas mochilas, preservando a saúde dos alunos e ao mesmo tempo a preservação dos livros.
Gratuitidade das refeições terminando com os actuais escalões. Esta medida iria beneficiar todos os alunos e suas famílias.
Poderá haver um período de transição, até a despesa poder ser acomodada no orçamento do estado, em que tanto num caso como no outro se deve ter  em conta a situação de recursos, segundo os escalões do abono de família, por ex., em relação a todos os alunos.

7. Inclusão
Adoptar uma metodologia UDL (Universal Design for Learning) preconizada, aliás, no DL 54/2018, que sem dúvida será a melhor forma de inclusão de todas as crianças de acordo com as suas necessidades educativas.
As crianças consideradas com dificuldades de aprendizagem e com PHDA devem ter alternativas activas evitando a sua medicação - principalmente actividades curriculares e extracurriculares activas como o desporto, as artes, a música e a dança. 
Não nos podemos esquecer que milhares de crianças entre os 4 anos e a adolescência consomem milhões de anfetaminas. (Eduardo Sá)
Uma das fontes de indisciplina é o telemóvel. Cada escola deve determinar com as Associações de pais e com as Associações de estudantes as regras de utilização dos telemóveis na sala de aula.
Outra fonte de indisciplina é a duração dos tempos lectivos. Por isso, a referência temporal de uma aula deve ser a de uma tempo lectivo correspondente a 50 minutos. Deverá também haver flexibilidade para blocos de 2 tempos lectivos quando devidamente justificada.

8.  Planeamento da educação a longo prazo
Sabemos que a natalidade está a baixar enquanto o número de pessoas idosas cresce todos os anos.
Os vários sistemas da sociedade começam a ressentir-se desta realidade. Na educação os impactos vão ser enormes. Redução do número de alunos implica redução de escolas, de pessoal docente e não docente para assegurar o funcionamento das escolas. É agora que é oportuno planear o que vamos fazer para responder a estes problemas num tempo já bem próximo de nós.
Uma das consequências tem a ver com o fecho de escolas rurais e escolas de pequena dimensão. Apenas fecharão obrigatoriamente as escolas com menos de 5 alunos ou com mais alunos desde que essa seja a vontade dos encarregados de educação e pais e das autarquias.
Estas escolas ficarão como escolas anexas a escolas mais próximas e poderão ter parte do currículo preenchido com  actividades sociais e culturais em conjunto, em calendário previamente previsto.

9. Definição e estabilização do papel dos municípios na educação
A gestão das escolas e dos agrupamentos de escolas deverá ser o mais autónoma possível. Assim, os contratos de autonomia devem alargar-se a todas as escolas e agrupamentos. 
A gestão dos recursos humanos devem igualmente ser da competência dos agrupamentos.
Os júris devem ser independentes, designados pelas escolas mas com nomeação pelo ME.
Para 2020, previa-se que dos 278 concelhos do continente, 84 municípios iam  assumir todas as áreas da educação excepto a colocação de professores. 
A mudança é urgente. Sabemos que a posição dos sindicatos a este propósito contraria este aspecto e que também não é popular entre os professores. Mas são os professores as principais vítimas.


Com estas propostas, não quero "reinventar a escola", não proponho uma "escola ideal", não é sequer a "escola dos meus sonhos" nem a "educação dos meus sonhos", não é a escola progressista nem último grito vindo da Finlândia, Japão, Suécia ou seja de onde for, não é a "escola da doutrinação pública", não é a escola dos oprimidos ou privilegiados (aliás, o problema da "Pedagogia do oprimido" é antes um problema de Oprimidos da pedagogia), não é a escola tradicional ou a escola dita democrática, nada disso... É apenas o resultado de uma reflexão de experiência feita que poderá melhorar as escolas  actuais. Um simples plano de melhoria para uma escola mais eficiente e mais eficaz. São propostas para uma escola em que as crianças são todas iguais, todas diferentes, mas em que cada uma delas merece o melhor que a sociedade dos adultos lhe pode oferecer.

Apesar do realismo destas medidas nada há a esperar em matéria de reformismo  do actual Ministério da educação, ou deste governo, durante o resto do mandato mas a esperança é a árvore frágil que tenta sobreviver a tudo, é "essa menina, que arrasta tudo consigo". (Péguy)




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