11/11/22

Prevenção dos abusos sexuais


Ao mesmo tempo que se faz justiça e se reparam os danos sofridos em relação ao passado, é necessário criar mecanismos para uma cultura de prevenção em que não seja possível repetir-se esta prática criminosa. Essa cultura é a dos bons tratos e da resiliência. (1)
O “Discurso Conclusivo do Papa Francisco” na Cimeira do Vaticano, em 2019, sobre a protecção dos menores na Igreja, coloca o problema nas justas e várias dimensões envolvidas.
Para Francisco uma explicação positivista não é suficiente porque não é capaz de nos indicar o significado e hoje precisamos explicações e significados. Explicações ajudar-nos-ão imenso no sector operativo mas... é necessário ter em conta a manifestação atual do espírito do mal...

Que fazer? “O objetivo da Igreja será ouvir, tutelar, proteger e tratar os menores abusados... acima de todas as polémicas ideológicas e as políticas jornalísticas”…
“encontrar o justo equilíbrio de todos os valores em jogo e dar diretrizes uniformes para a igreja, evitando os dois extremos, nem judicialismo provocado pelo sentimento de culpa, face aos erros passados, e pela pressão do mundo mediático, nem autodefesa que não enfrente as causas e as consequências deste grave delito."

Francisco refere um modelo de boas práticas de várias agências internacionais, da Organização Mundial de Saúde, designado INSPIRE. (2) Com base neste modelo e no trabalho que tem vindo a ser desenvolvido na Igreja propõe sete estratégias para acabar com a violência contra as crianças:
1. A tutela das crianças: cujo “objetivo primário das várias medidas é proteger os pequeninos e impedir que caiam vítimas de qualquer abuso psicológico e físico. Portanto, é necessário mudar a mentalidade combatendo a atitude defensivo-reativa de salvaguardar a Instituição, em benefício duma busca sincera e decidida do bem da comunidade, dando prioridade às vítimas de abusos em todos os sentidos.”
2. Seriedade impecável: para entregar à justiça toda a pessoa que tenha cometido tais delitos. 
3. Uma verdadeira purificação: é necessário impor um renovado e perene empenho na santidade dos pastores. Na realidade, não devemos cair na armadilha de acusar os outros, que é um passo rumo ao álibi que nos separa da realidade.
4. Formação: Deve-se ter em conta as exigências de selecção e formação dos candidatos ao sacerdócio...
5. Reforçar e verificar as diretrizes das Conferências Episcopais: "Normas e não somente diretrizes. Nenhum abuso deve jamais ser encoberto (como era habitual no passado) e subestimado"... 
6. Acompanhar as pessoas abusadas: “o mal que viveram deixa nelas feridas indeléveis que se manifestam também em rancores e tendências à autodestruição. Por isso, a Igreja tem o dever de oferecer-lhes todo o apoio necessário, valendo-se dos especialistas neste campo.”
7. O mundo digital: deve-se ter em conta as novas formas de abuso sexual. O mundo digital e o uso dos seus instrumentos com frequência incidem mais profundamente do que se pensa...
8. O turismo sexual: “anualmente, segundo os dados 2017 da organização Mundial de Turismo, 3 milhões de pessoas no mundo viajam para ter relações sexuais com um menor... Estamos, pois, diante de um problema universal e transversal que infelizmente existe em quase toda a parte.” (3)


Até para a semana.



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(1) Se calhar estou mesmo a fantasiar um mundo que não vai existir... A realidade é que  mais informação e mais discussão sobre o assunto nem sempre se traduzem em redução dos casos mas antes manutenção ou até aumento. Mesmo assim, "devemos privilegiar  uma cultura preventiva, de natureza universal, atuando sobre os factores de risco associados aos maus tratos, minimizando-os, ao mesmo tempo que se potenciam factores protectores". (Rute Agulhas, "P.R.E.V.E.N.I.R. O abuso sexual de crianças e adolescentes", Observador).

(2) "INSPIRE é um recurso baseado em evidências para todos aqueles que estão comprometidos com a prevenção e a resposta à violência contra crianças – de governos a pessoas comuns, da sociedade civil ao setor privado. Consiste em um grupo selecionado de estratégias baseadas nas melhores evidências disponíveis para ajudar os países e as comunidades a concentrar esforços em programas e serviços de prevenção que sejam dotados de um maior potencial para redução da violência contra crianças."
INSPIRE (2016) - Sete Estratégias para pôr fim à violência contra criançasImplementação e vigilância do cumprimento das leis; Normas e valores; Segurança do ambiente; Pais, mães e cuidadores recebem apoio; Incremento de renda e fortalecimento económico; Resposta de serviços de atenção e apoio; Educação e habilidades para a vida.

(3) Para combater este fenómeno é necessária repressão judicial, mas também apoio e projetos para a reinserção das vítimas. Vão nesse sentido a Resolução do Parlamento Europeu, as alterações ao Código Penal, a Convenção do Conselho da Europa (Convenção de Lanzarote), sobre este assunto, instrumentos legais que, espera-se, pelo menos possam levar a diminuir esta criminosa e  hipócrita prática. 






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